Nossa Eterna Usurpadora escrita por moonteirs


Capítulo 77
Chuva e desabafos


Notas iniciais do capítulo

Não é sábado, mas é domingo. Vamos lá, foi quase o prazo prometido ♥
Boa leitura, meus amores.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/329237/chapter/77

Tão perto, e ainda assim, tão longe

Lado a lado, os dois caminhavam juntos sob o cair da chuva e cada vez mais adentrando na mata à procura de um abrigo seguro. Talvez esse lugar perfeito idealizado não mais se passava de uma ilusão desmascarada pela realidade. Quanto mais andavam, menos vegetação encontravam e mais a terra se predominava, o que tornava-se um problema com a constância daquela tempestade. Com o chão já virando lama e o com a chuva aumentando de proporção, eles não tiveram outra escolha além de ficar sob o abrigo da árvore mais próxima, não tão grande como pensavam, mas era maior do que a primeira. E durante esse tempo todo nenhuma palavra foi dita, depois da trégua, o silêncio entre eles se fez presente e durou uma eternidade, mesmo que a distância percorrida tenha sido de apenas alguns metros.

A cobertura que a árvore proporcionava não era o suficiente ampla para poder abrigar os dois estando um longe do outro, Paulina e Carlos Daniel só estariam protegidos se ficassem literalmente colados um ao lado do outro, e isto foi logo percebido pelos dois, que ainda em silêncio entreolharam-se rapidamente.

— Não se preocupe, eu ficarei longe.

Carlos Daniel não esperou que Paulina respondesse, apenas disse já acomodando-se longe dela, acabando por ficar exposto ao vento e a água que não parava de cair.

— Carlos Daniel, eu não vou te deixar ficar aí. Anda, vem para cá.

— Mas eu sei que essa não é uma situação confortável pra ti, amor, não quero que sintas que eu estou me aproveitando disso tudo, eu bem que queria, mas não vou fazer isso.

— Ta bom, como se eu não te conhecesse.

— Eu falo sério, amor. Tu sabes que eu nunca faria nada que tu não quisesse. Das tantas vezes que eu te beijei só hoje, em todas eu senti que tu queria o mesmo assim como eu.

— Chega, Carlos Daniel. Essa conversa não está levando a nada, vem, aproxime-se logo ou se não quem vai ficar doente é você.

Carlos Daniel percebeu que aquela conversa desconcertava Paulina, e por aquele momento, ele decidiu apenas se calar e fazer o que ela pedia (ou mandava). Em instantes, ele já estava ao seu lado, sentado no chão e com suas costas apoiadas no tronco da mesma assim como ela.

— Você acha que essa chuva vai passar logo?

A verdade era que Paulina não queria saber se a chuva passaria logo ou não, já estavam ensopados de qualquer jeito mesmo, mais chuva menos chuva não faria muita diferença, mas naquele momento foi a única coisa em que pensou para evitar que Carlos Daniel continuasse a falar sobre beijos ou desejos que ela mesma não queria aceitar, não poderia aceitar. Sua razão gritava pelo nome de Alejandro, a lembrando que apesar do que ainda sentia por Carlos Daniel, ela não poderia deixar de lado sua real situação. Não poderia fingir que seu casamento não existia. Não poderia simplesmente fechar os olhos e fingir que não amava o seu marido do modo que amava. Não poderia passar uma borracha em todos os momentos felizes e lindos que viveu ao lado dele. Não poderia simplesmente tentar acordar em uma realidade onde ainda sería a esposa de Carlos Daniel Bracho, não poderia. O tempo passou, a vida prosseguiu e nada é o mesmo.

— Forte como esta? Eu acho que não, espero que sim, mas eu não sei.

Ela não o ouviu, não o respondeu, nem o olhou, apenas permaneceu parada do jeito que estava, sentada olhando para o nada, com a mente conturbada e com a consciência lhe apontando uma culpa que não conseguia se livrar. “Da primeira vez, eu confessei o beijo para o Ale como algo feito no calor do momento, sem consequências futuras, mas e agora? Que explicação eu poderia dar para os vários beijos? Como eu vou poder olhar para o meu marido e dizer que quase me entreguei ao meu ex-marido em nossa própria casa? Como vou poder olhar em seus olhos e dizer que mesmo com tudo isso eu o amo sobre todas as coisas? Não tenho credibilidade para que ele acredite. Por 15 anos, Alejandro me deu o mundo, me deu uma nova oportunidade e me mostrou que apesar de sentir meu coração aos pedaços, mesmo assim eu ainda poderia amar e ser amada. Me odeio por isto que está acontecendo. Me odeio por não poder dizer que amo a ele, somente a ele. Me odeio por amar dois homens. Já critiquei tanto a Paola por não ser fiel a um só homem, por brincar com os sentimentos daqueles que a amavam, e agora estou pisando no mesmo caminho.”

— Amor? Lina? Esta me ouvindo? Paulina?

— O que? Oi...desculpa. O que você estava falando?

— Eu falava da chuva, mas você parecia estar longe. O que você tem? Esta se sentindo mal de novo?

— Não, não é isso, eu só estava pensando.

— Em que? Posso saber?

— Não, melhor não, você não iria gostar.

— Eu não iria gostar? Em que você...ah...já entendi, você estava pensando no seu fulaninho não é? – Carlos Daniel disse com desgosto, como se aquelas palavras fossem amargo em sua boca.

— O nome dele é Alejandro, e sim, eu pensava nele.

— Podendo pensar em tanta coisa...

— O que? Agora vai querer mandar no que eu penso ou não? Por favor né, Carlos Daniel.

— Não disse isso, só não entendi o porquê de ficar ai calada pensando naquele cara.

— Primeiro que “aquele cara” tem nome e segundo, ele é meu marido e eu posso pensar nele quantas vezes eu quiser.

— Você enche a boca pra dizer que ele é seu marido não é? Adora jogar na minha cara que eu te perdi.

— Chega, Carlos Daniel, você pediu trégua e eu aceitei. Então agora para com essa crise de ciúme ou orgulho de macho ferido, seja lá o que você esteja sentindo.

Ele se calou e voltou sua cabeça em direção a chuva que caía. O silêncio reinou apenas por uns instantes, terminando no exato momento que ele tomou coragem para perguntar o que há dias vagava por sua mente.

— Você o ama?

— Olha, Carlos Daniel, se for começar de novo com essa implicancia eu nem vou me dar ao trabalho de responder.

— Não, juro que não é implicância. Eu passei dias não querendo te fazer essa pergunta, tenho muito medo da resposta, mas não posso protelar mais.

Ela o olhou e viu sinceridade e apreenção em sua mirada, respirou fundo e o respondeu com a verdade.

— Sim, eu o amo.

Carlos Daniel abaixou a cabeça e fechou os olhos tentanto processar aquelas poucas palavras. Em seus ombros o peso da realidade o pressionava cada vez mais para baixo, levantar o olhar e encarar depois de ouvir aquilo estava fora de cogitação. A resposta dela era conhecida por ele há dias, ela habitava em seus sonhos, ecoando por sua mente em cada tentativa de dormir. Mas naquele momento, a confissão de amor deixava de ser um pesadelo e se tranformava em sua pior realidade.

— Desculpe.

— Não, não se desculpe. Eu sou o culpado no fim das contas. Eu te perdi, te feri, fiz tudo o que jurei não fazer quando nos casamos. Lembra? Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe? Eu me odeio e sinto muito por não ter sido capaz de ver a verdade. Não me peça desculpa, no fundo eu já sabia disso, mas sei lá, ainda tinha esperança.

— Esperança de que?

— De que tudo não se passasse de um sonho, de que esse seu casamento não existisse, de que você não o amasse, de tudo. Minha vida virou de cabeça pra baixo em dias, tente entender, acho que ainda estou na fase de nagação.

— Mas você não pode ficar nessa fase pra sempre?

— Sim, eu tenho que aceitar que te perdi e que ele te faz mais bem que eu. Eu só te fiz sofrer, Paulina.

— Ei, não é verdade. Nós vivemos felizes por anos, Carlos Daniel, e além do mais você me deu meus filhos, me deu Carlinhos, Lizete, Paula, Gustavo e Gabriela, eles e o Fernando são minha maior alegria.

— Gabriela e Fernando, nosso atual problema. Como isso pôde acontecer de baixo de nossos olhos?

— Ainda não acredito que isso esteja acontecendo. Carlos Daniel, eles estão namorando, você entende a dimensão do problema?

— Eles tem o mesmo sangue correndo em suas veias e não sabem.

— E nós dois aqui, presos no meio do nada se poder fazer nada! Isso parece um pesadelo!

— Paulina, não me entenda mal, eu juro que quero manter nosso acordo de paz, mas como isso foi acontecer? Vocês moravam aqui? Porque eu ouvi a Gabriela falando para a Lizete que ela e o tal menino tinham se conhecido há pouco tempo, ele era novo no colégio.

— Não, não moravamos aqui, depois que descobri que Paola estava grávida, Alejandro e eu fomos embora do país. Nos mudamos justamente por causa do negócio com a fábrica, moravamos nos Estado Unidos antes.

— Eu te feri e ele estava lá ao teu lado para te apoiar não era?

— Carlos Daniel...

— Mas é verdade, ele estava contigo quando você precisava, eu infelizmente não posso negar isso, mas me doi porque eu basicamente te joguei nos braços dele.

— Você não me jogou nos braços de ninguém. Eu não me apaixonei por Alejandro por estar decepcionada contigo, ele nunca foi minha segunda opção. Amei o Alê, mesmo não querendo amar. Eu estava triste e ele me curou, me mostrou que a vida continuava e que não se restringia a você.

— Poxa, não é melhor logo me dar um tiro? Doeria menos.

— Sinto muito, mas é a verdade. Desde pequena eu acreditei em contos de fadas e que o meu final feliz só chegaria quando eu encontrasse o meu cavaleiro branco, meu príncipe encantado. Por muito tempo eu achei que esse homem era o Osvaldo, que burra fui, ele foi a minha primeira decepção. Mas quase não tive tempo de sofrer pelo seu abandono, logo apareceu a Paola, minha mãe faleceu, fui acusada de um crime que não cometi e no fim acabei sendo obrigada a usurpação. Quando te encontrei naquele aeroporto e você me beijou, eu fiquei sem chão, nunca tinha sentido nada como aquilo, mas eu não poderia me render a aquele calor que começava a querer aquecer meu coração, você era dela, e isso eu tinha bem claro em minha cabeça. O tempo foi passando e eu fui tentando não me apaixonar por você, não consegui, infelizmente não consegui. Carlos Daniel eu te amei com todas as minhas forças, te amei em silêncio e sofria em todo instante que você me beijava e me chamava de Paola. Você era o príncipe encantado, mas o conto de fadas não era meu. Eu vivia em prol de você, da sua família, da fábrica, me esqueci de viver por mim e me acostumei a isso. Quando a Paola voltou e eu descobri que ela estava doente e que era a minha irmã, eu novamente decidi viver em razão dela, aceitei ir para a cadeia porque não poderiam manchar a honra da sua família e ela não podia se defender. Fiquei livre, mas não podia te amar porque ela ainda continuava sua esposa e minha irmã, você não faz ideia do pesadelo que isso foi para mim. Depois da suposta morte dela, eu estava tão acostumada a não viver por mim que pensei em me casar com o Edmundo para que você me esquecesse, afinal que tipo de pessoa eu sería se me casasse com o marido de minha irmã logo após a sua morte? O engraçado disso tudo é que acabou acontecendo não é? Eu desisti do matrimônio com o Edmundo, acabei aceitando ser tua esposa e a mãe dos teus filhos, e alí o meu felizes para sempre começava. O que eu não esperava era que 10 anos depois um fantasma do passado voltasse para me lembrar que aquela história não era minha, o príncipe encantado não era meu. Mesmo com as artimanhas provocadas pela Paola, mesmo com tudo aquilo de Noélia e do teu suposto filho, mesmo descobrindo tudo aquilo eu continuei te amando e lutando por esse amor. Quando aconteceu o incidente da cabana que acabou depois me deixando em coma por 6 meses, mesmo alí vendo as noticias dela ao teu lado, mesmo assim eu ainda acreditava que tudo poderia se resolver e eu podería voltar para o meu conto de fadas. Tentei fazer isso quando fui até o tal almoço, mas quando eu vi a minha filha, minha pequena luz correndo para os braços dela e a chamando de mãe, quando vi teu olhar de apaixonado para ela, quando os vi felizes, foi alí que eu percebi a verdade. A intrusa fui eu, a família não era minha, sempre foi dela. E eu tive ainda mais certeza disso quando eu soube da grávidez. Não vou mentir e dizer que eu não quis me vingar de tudo e de todos, eu mudei de uma forma que não podia nem mesmo me reconhecer. O que antes era amor, virou ódio. O que antes era doce, virou amargo. Eu estava fria, desolada e capaz de tudo para fazer você e a minha querida irmãzinha sofrerem. Arquitetei tantos planos que você ficaria assustado de saber do que eu sería capaz de fazer. Mas não o fiz, e sabe por que? Me responde sabe por que? Vamos, responda.

— Não sei, por que?

— Por causa do Alejandro, por causa desse homem que você chama de fulaninho, foi por causa dele. Porque desde quando eu saí do hospital, desde quando eu descobri a usurpação reversa, desde quando você não reconheceu a esposa que dormia ao seu lado, desde esses momentos ele esteve comigo, lutando para não me deixar sucumbir ao ódio. Ele acima de tudo foi meu amigo, meu anjo, foi a única pessoa que confiei. Ele sabía dos meus demônios internos e mesmo assim não se afastava, pelo contrário, cada vez que eu fala que queria vingança, ele me mostrava alguma forma de amor, seja em forma de poesia, de uma rosa ou apenas de um abraço. Aos poucos eu fui me permitindo sorrir e ama-lo. Eu não casaria com ele se não o amasse, não fiz com Edmundo, não faria com o Alejandro. E sabe, quando casei, mesmo temendo que tudo se repetisse, ainda assim eu estava confiante, porque aprendi que o meu final feliz vai muito além de um casamento ou de um marido, eu não preciso me restringir a ser somente a esposa e mãe de família, eu sou muito mais que isso. Alejandro me mostrou isso, me mostrou que me vingar de ti não deveria guiar minha vida e que eu podería viver por mim, na minha própria história.

— Mas você vivia a sua históra lá em casa! Para de dizer que você não era nada além de uma usurpadora, Paulina, você no fundo sabe que não era isso. Eu te amei por ti, eu te amo por ti, mesmo que tu não querias acreditar. Sim, você entrou em nossas vidas pela usurpação, mas isso foi só o começo, você, Paulina, você fez com todos nós nos apaixonassemos por ti, por tua doçura, tua alegria, pelo brilho no teu olhar, pelo grande ser humano que você é.

— Se apaixonaram tanto pelo meu interior que não perceberam quando ela tomou o meu lugar? Pensa bem, tu tem certeza que quer continuar dando a desculpa médica? Não é melhor dizer que vocês gostavam de mim por me parecer com ela? Por favor, Carlos Daniel, chega de mentiras.

— Mas eu não estou mentindo, caramba! Para com esse pensamento sem cabimento, para com esse traúma, você nunca foi apenas o reflexo da Paola. Você diz tudo o que passou, mas não escutou todo o inferno que foi aqueles 15 anos naquela casa.

— Para de mentir!

— Me escuta! Eu te escutei calado enquando você desabafava, eu te escutei endeusar o teu marido sem protestar, escutei cada palavra, agora você vai me ouvir.

— Pode falar.

— Sim, eu fui o culpado, confesso, fui culpado por acreditar em médicos, fui culpado em não prevê que tudo poderia estar se repetindo de novo, fui culpado de tudo. Mas você não pode continuar jogando na minha cara que isso aconteceu porque eu amava ela, eu não amo a Paola, tenta me entender. Me responde uma coisa, quando a “Noélia” apareceu, você acreditou que ela era sua outra irmã ou achou que era a Paola vindo dos mortos?

— Bem, eu... eu achei que fosse minha irmã, achei que fossemos trigêmeas, porque...

— Porque a Paola estava morta e você não imaginou que aquilo poderia acontecer, certo? Você acreditou naquela história porque não podería haver nenhuma outra explicação lógica não é mesmo?

— Bem...eh...eu...

— Exatamente! Você passou meses acreditando em tudo o que a “Noélia” falava, acreditou quando ela disse que o filho era meu e nem ao menos me deixou explicar quando você nos viu no quarto! Você me julgou, achou logo que eu tinha te traído, não percebeu que eu estava confuso com o que estava acontecendo, não percebeu quando eu me surpreendi por aquela situação. Por Deus, Paulina, você não me deixou nem falar. Você só foi me perdoar quando descobriu qua a Nóelia era a Paola, só assim você foi enxergar a realidade. Você também foi enganada porque não acreditava que outra coisa podería estar acontecendo, você aceitou logo a lógica em vez de investigar mais os fatos. Esse também foi meu erro, eu devería ter ficado atento a tudo e tentar descobrir o que estava encoberto, mas não, eu fui ingênuo ao ouvir o parecer de toda uma equipe médica, fui tonto ao aceitar o diagnóstico do baque ao invés de investigar o tal comportamento, porque afinal de contas depois de um sequestro, uma explosão e uma pancada na cabeça, obviamente você estava estranha porque não era você, era sua irmã, claramente.

— Para de usar de ironia comigo.

— Só quero que você veja que assim como você também foi enganda por ela, eu também fui, nós dois preferimos acreditar no que era lógico a desconfiar daquilo que pensavamos não ser possível.

Ela se calou e ele respirou fundo para continuar a conversa com mais calma.

— Eu sei que você sofreu, nunca vou poder te pedir desculpas suficientes, mas você precisa entender, não foi fácil pra mim também. Em minha casa, eu tinha uma esposa que agia de modo diferente, e que eu não podia questionar o motivo por teoricamente já o saber. A vovó Piedade faleceu pouco tempo depois que a Isabela nasceu, agora imagina como foi isso. Eu tinha perdido o meu pilar, uma das pessoas mais importantes da minha vida, aquela que me cuidou desde sempre e me deu amor e carinho após a morte dos meus país, e junto com isso também tinha o fato da minha filha ter nascido com uma doença cardiaca e que a mãe dela não querer saber dela por estar em “depressão pós parto”. Eu cuidei da Bela todo o tempo, Paola só ficava talvez minutos ao lado dela, nem ao menos quis amamentar a menina. Eu engoli tudo aquilo quieto, tentando não me revoltar porque afinal “minha mulher” estava passando por momentos difíceis. As brigas entre ela, Lizete e Carlinhos passaram a ser mais frequentes e cada vez mais altas. Não havia um momento que eles não estivessem em pé de guerra, se ofendendo e descordando uns dos outros. Paola começou a os acusar de rebeldia, dizia que eles deveriam ter limites, e quando eles escutaram que ela queria os mandar para fora do país para um internato tudo piorou. Ela queria que Lizete, Paula, Gustavo e até mesmo a Gabriela que era praticamente um bebê fossem para a Suíça estudar, imagina isso. Carlinhos não estava incluso no pacote por já ser maior de idade, ao contrário do exterior, ela quase o expulsou de casa, alegando que ele já estava grande demais para ser mantido pelo pai. Obviamente eu não concordei com nada disso, não via sentido em mandar meus filhos para longe e muito menos entendia a idéia ter vindo da doce Paulina. Mesmo eu negando, foi impossível conter os mais velhos. Carlinhos saiu de casa quase na mesma hora que descobriu, eu pedi tanto para que ele não fosse, mas não adiantou, ele se foi com uma mochila nas costas e com uma dor no olhar.

— Meu filho! Você não foi atrás dele? Para onde ele foi? Ele ficou bem? Cade o Carlinhos, Carlos Daniel??

— Não se preocupe, ele ficou bem. Eu descobri que ele passou uns meses na casa de um amigo e logo depois foi estudar medicina na Europa. Mesmo com tudo acontecendo, ele não se deixou abater. Estudou, formou-se e depois foi para o Canadá trabalhar em um grande hospital de lá. Sabe, ele é neurocirurgião. Eu tenho tanto orgulho dele, mesmo que eu o tenha visto poucas vezes durante esse tempo, ele se recusa a voltar para casa e encontrar ela lá, eles a chamam de “aquela mulher” acredita? Tanto ele quanto Lizete pararam de a chamar de mãe faz muito tempo. Falando de Lizete. Eu não sei quanto vocês conversaram e nem sei o que você sabe do que aconteceu, mas imagino que ela não deve ter te falado os detalhes do que ela passou.

— Ela me disse pouca coisa, quase nada.

— Depois que Carlinhos saiu de casa, ela ficou sem chão, ficou perdida, como se tivesse ficado sozinha contra Paola. Eu tentava conversar com ela, mas era em vão, ela me evitava. Um dia eu cheguei da fábrica e descobri que ela havia brigado com a “mãe” e que havia fugido de casa logo após. Eu me desesperei, primeiro o Carlinhos, e depois a minha princesa, não! Só que com ela foi pior, diferente do irmão ela não deu sinal de vida, não queria ser achada. Por uma semana Carlinhos, Miguel, Rodrigo e eu a procuramos dia e noite e em todos os cantos dessa cidade, mas nada, nem a policia conseguia achá-la. Ai, Paulina, eu vivi um verdadeiro inferno naqueles sete dias, eu não sabia onde a minha filha estava, se ela estava bem ou se estava viva. Ela não ligou para nenhuma amiga, nenhum conhecido, ninguém da família, nem ao menos para o Miguel, coitado.

Carlos Daniel parava o relato por não conseguir conter as lágrimas, todas as lembranças vieram a toda e ele não pode evitar de chorar como se revivesse o momento. Paulina o observava também aos prantos, com o coração apertado ela imaginava o desespero e era tomada pela dor.

— On..onde ela estava?

— Ela estava em uma cidade próxima, trabalhando como garçonete em um bar de quinta categoria.

— Que? - A voz de Paulina era fraca e carregada de dor.

— Quando os policiais descobriram o possível paradeiro dela, nós fomos no mesmo instante para lá. Eu tinha medo de ser alarme falso, de não achá-la ou de a encontrar em sabe se lá Deus que estado. Quando chegamos no bar eu não pude acreditar no que via. Minha princesa, minha princesinha estava alí, suja, vestindo uma roupa que mais parecia um trapo qualquer e rodeada de homens bebados. No momento em que vi o olhar triste dela e um homem querer fazer mal a ela, eu não suportei, corri até la, dei um murro no descarado, a afastei daquele lugar e a abracei com toda a força. A minha pequena estava tão assustada que não falou nada, só me abraçou de volta e chorou junto comigo. Paulina, ela só tinha 16 anos e se eu chegasse um pouco mais tarde, o homem...ele...ele tinha a violado.

Paulina não suportou o que ouvia, sem pensar, ela o puxou para si e o abraçou. Os dois choraram juntos, sofriam da mesma dor e não conseguiam impedir das lágrimas banharem seus rostos. Com os olhos fechados, eles viam o momento passar por suas mentes, Carlos Daniel através das lembranças e Paulina por imaginar a cena. Os vários “e se” formaram-se na sua mente. “E se ela não tivesse ido embora do almoço” “E se ela tivesse lutado contra Paola” “E se ela tivesse lutado por sua família” “E se...”.

— Depois disso, ela aceitou voltar pra casa.

Carlos Daniel cortou os seus pensamentos ao voltar a contar o que havia acontecido, eles se separaram e ela tentou conter seu choro e ouvir o que ainda vinha pela frente.

— Pena que não durou muito tempo, mesmo com o susto que tinhamos lavado, as brigas entre ela e Paola fizeram só piorar. Eu consegui a manter em casa até os 18 anos, mas no mesmo dia do seu aniversário ela saiu de casa novamente. Daquela vez, Lizete, não fugiu, saiu pela porta da frente de casa, carregando toda uma mudança rumo a casa do Miguel. Eles tem poucos meses de casados legalmente, mas começaram a viver juntos desde essa época. Como deves imaginar eu não fui de pleno acordo com isso, em meus sonhos as minhas filhas só sairiam de casa no dia de seus casamentos, mas não pude impedir, ela já era maior de idade e eu preferia que ela estivesse segura com ele do que por aí sozinha. Mesmo não vivendo mais na mansão, Lizete sempre ia em casa para ver os irmãos e a mim, já Paola, bom, elas não trocavam nenhuma palavra. Paola falava com ela e a princesa a ignorava.

— Imagino que Paola não ficava satisfeita com isso.

— Nenhum pouco, ela ficava furiosa e o pior, acabava descontando sua frustação nas outras crianças. Ela não os batia, eu nunca permitiria isso, mas não os tratava bem. Era sempre fria com eles, os ignorava, não dava amor ou carinho, e sempre tentava os menosprezar e os humilhar. Eu sei que aquilo não era normal, em nada se parecia com você, mas as mudanças foram acontecendo aos poucos acabei me acostumando com aquela situação. Paulinha e Gustavo também aprenderam a conviver com isso, eles não esperavam mais nenhum gesto de carinho materno, mas tentavam não contrariá-la, calavam-se e a obedeciam. Diferente da Gabriela, Deus, você precisa conhecer a nossa luz e ver como ela esta hoje. Ela é tão forte, tão confiante, não deixa que ninguém a humilhe nem que a maltrate, sim, ela é um pouco rebelde, mas acho que faz isso só pra se proteger da “mãe”, mas no fundo ela tem a tua essência, doce e guerreira.

— Paola também a maltratava?

— Não exatamente. Gabriela e a Isabela tem quase a mesma idade, pouco menos de dois anos de diferença, elas cresceram juntas, brincaram juntas, mas não eram tratadas da mesma forma. Paola sempre mimou e preferiu a Bela, sempre a enchia de presentes e fazia todas as suas vontades, mesmo quando ela não merecia. Eu também fui culpado pra arrogância dela crescer, eu a cuidei tanto, a protegi tanto por causa do problema de saúde, que ela acabou crescendo acreditando que poderia tudo e que ninguém lhe daría limites. Gabriela foi e é o oposto, a falta de carinho da mãe e o meu empenho em fazê-la acreditar que ela não poderia contrariar a irmã por causa do coração, fez a minha luz se rebelar. Eu sinto muito por isso, Paulina, eu deveria ter a cuidado mais, ter a protegido dos ataques da Paola e da irmã, ter dado todo o meu carinho, mas não o fiz. Com o passar do tempo, eu vivia parte das horas do dia trancado na fábrica, tanto pelos problemas econômicos, tanto pelos problemas de casa. Eu estava cansado de viver um inferno, fui egoísta e nossa filha acabou sofrendo. Com Carlinhos morando no exterior, Paulinha e Gustavo passando o dia estudando, Lizete era a única que a cuidava e a protegia dentro daquela casa, mesmo não morando mais lá, nossa filha sempre ia na mansão ficar com a irmã ou a levava para passear. Acho que a fortaleza e a cabeça erguida da Gabriela aconteceram por causa da Lizete, elas são inseparáveis.

— Quando eu me encontrei com Lizete, eu vi o brilho no olhar dela quando falou na minha pequena.

— Ouso dizer que a Lizete foi quem deu o amor maternal que a Gabriela precisava.  

— Se tudo tava tão dificil assim, como é que você não deu um basta antes, Carlos Daniel? Você deixou nossos filhos sofrerem por tanto tempo.

— E você pensa que eu não tentei? A cada dia que passava eu detestava cada vez mais aquela Paulina. Eu tentei manter o casamento por pensar que um dia "você" mudaria e tudo voltaria a ser como antes, eu me recusava a aceitar que o amor que um dia eu senti por Paulina Martins não existia mais. Eu não conseguia entender como você tinha mudado tanto e como o amor havia se tranformado em nada. Eu detestava aquela nova Paulina e detestava não te amar mais. Tentei seguir por um tempo mas depois não deu mais. Inúmeras vezes eu tentei pedir o divórcio, mas a cada vez que eu tocava no assunto ela me fazia acreditar que aquilo poderia gerar um trauma na Isabela e que por causa do problema no coração o pior poderia acontecer. Era o divórcio ou a saúde da minha filha, Paulina, eu fiquei de mãos atadas. Se a cada vez que brigavamos, a Isabela passava mal, como eu podería dizer pra minha filha do divórcio? Eu passei a tentar engolir aquela situação, passei a evitar brigas, passei a beber mais. Tudo desmoronava em cima de mim e eu não sabia como reagir. Era a minha família que não era mais feliz, meu casamento que só existia no papel, não havia amor, a fábrica estava caindo aos pedaços, tudo tinha se perdido.

— Carlos Daniel...

— Não, não quero te fazer sentir pena. Só quero que você entenda que a infelicidade atingiu os dois lados, você tinha o Alejandro ao teu lado, eu não tinha ninguém.

— Eu não imaginava tudo isso.

— Eu também não. Pedi tanto a Deus para que tudo voltasse a ser como era antes, que Ele te trouxesse de volta para mim, que quando te vi ali, naquela sala de reuniões, quando senti teu toque, o TEU toque que fez minha pele se arrepiar na mesma hora, alí eu vi um milagre. Infelizmente, eu não me dei conta antes, mas ainda acredito naquilo que você me falou há muitos anos atrás “Uma vida sería pouco para te amar”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu falei que esse capitulo sería melhor que o outro, não falei? Então, gostaram?
@deafmonteiro