O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 2
I.2 Interagir.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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Dormitava, enlevada no odor agridoce do suor dele misturado com o perfume do gel de banho, sorrindo e aquecendo-me naquele peito forte, onde um coração batia por mim. Queria ficar ali para sempre.

A fita tinha chegado ao fim e a música calara-se, não houvera ninguém disponível para voltar a cassete e pôr a tocar o outro lado, que devia estar repleto de mais músicas românticas dos anos sessenta. Por isso, eu dormitava no silêncio do quarto.

De olhos fechados, arrepiando-me de prazer, recordava-me o que tinha acabado de partilhar com Trunks. Um momento intenso, uma viagem que encetara por um caminho luminoso, o renascer para outra existência, a certeza que nunca mais haveria de ser como fora, mas sem o mínimo remorso. Sem equívocos, sem mágoas.

Fora totalmente dele e desejava ser dele até à eternidade. Gostaria que ele voltasse a fazer o que me fizera, todos os dias, todas as noites. Quando ele quisesse, seria novamente dele. Sem qualquer reserva, sem qualquer hesitação. Expondo a alma até ao âmago, entregando o corpo até ao limite.

Senti que ele se mexia. Despertava, porque também tinha adormecido, fechando-me nos seus braços, depois de termos tomado juntos um duche rápido que encerrara os minutos intensos de paixão.

- Ana…? – Chamou.

- Sim?

Olhei para ele. Estava ensonado, esfregou os olhos.

- Não tens fome?

Realmente, não estava com fome.

- Isto abre-me o apetite.

- Isto? – Estranhei.

- Fazer amor.

Espreguiçou-se. Afastei-me dele, ofendida. Para mim, tinha sido a primeira experiência, mas para ele, certamente, não passara de uma de muitas. Fiquei com ciúmes de todas as raparigas que ele já tinha conhecido. Por um lado, o conhecimento dele abrilhantara o momento, a segurança que demonstrara contrapusera-se à minha ignorância e à minha timidez. Mas não gostara de como, a seguir à conquista e depois do prémio, tinha nivelado o acontecimento, por baixo, como coisa banal. Isto!...

Levantei-me, vesti as cuecas. Agarrei na camisa, enfiei os braços nas mangas, mordendo o lábio inferior. Reparei que me tinha esquecido do soutien, logo o metia na mala. Tentei fechar a camisa, mas nenhum botão tinha sobrevivido. Só havia linhas brancas desfiadas a emparelhar com as casas. Os botões espalhavam-se pelo quarto, onde tinham caído saltitando.

O colchão oscilou quando ele se levantou. Também se vestia, atrás de mim. Desisti desolada de tentar fechar a camisa.

A sweat azul apareceu ao lado do meu braço.

- Veste isto.

Olhei para Trunks que me sorria.

- Estraguei-te a camisa. Gomen nasai.

Deixou de sorrir, perguntou:

- Estás aborrecida? Porquê?

- Nada – remoí aceitando a sweat azul. Pousei-a nos joelhos.

Ele saltou da cama, agachou-se diante de mim.

- O que foi? Estás arrependida do que fizeste comigo?

O olhar dele continuava a hipnotizar-me.

- Não. Estou apaixonada por ti, por isso…

- Eu também estou apaixonado por ti. O que foi? Conta-me.

- Foi especial… para ti?

Beijou-me de repente. Abraçou-me com uma força tremenda, como se tivesse medo que eu me evaporasse. Confessou baixinho, num murmúrio que mal ouvi:

- Arrisco a minha vida para estar contigo.

Estremeci.

Levantou-se. Tirou uma t-shirt de um monte de roupas que ocupava o tampo de uma arca ao lado da cómoda destruída.

- As raparigas com quem estive antes de ti incomodam-te?... Não percas o teu tempo a pensar nelas.

- Porquê?

- Porque eu não perco o meu.

Vestiu a t-shirt. A seguir, vestiu uns calções compridos que escolheu do mesmo monte de roupas. Retirou um par de meias lavadas de uma gaveta do roupeiro. Enquanto enfiava-as nos pés, sentado no chão, acrescentou:

- Eu também não me incomodo com o teu namorado.

- Que namorado? – Indaguei zangada.

Meteu a mão debaixo da cama, junto às minhas pernas e puxou um par de sapatilhas.

- Ainda ontem à noite estavas com o rapaz e já nem pensas nele… Não interessa, não é? Acontece o mesmo comigo. Todas as raparigas antes de ti não contam. Não interessam.

A ferroada provocada por aquelas palavras foi dolorosa. Seria normal acontecer assim ou eu estava simplesmente a ser a maior cabra do Universo, ao esquecer-me tão miseravelmente daquele que tinha sido o meu namorado escassas horas antes, nem um dia passado? Mas não havia dúvidas, certo? Sem dúvidas, portanto. As escolhas do coração continuavam a ser insondáveis e irracionais. Se ele arriscava a vida para estar comigo, eu arriscava a reputação e nem sequer eram coisas comparáveis.

Trunks beijou-me a testa, passou-me a mão pelos cabelos. Espreitou por cima da minha cabeça, comentando:

- Ups… Vou ter de tirar os lençóis e fazer uma cama de novo.

- Porquê?

Sorriu-me e respondeu-me:

- Foi a tua primeira vez… Deixaste um rasto.

Correi de vergonha, percebendo o que aquilo significava. Nem ousei verificar o que estava ele a ver, os lençóis manchados. Despenteou-me, beijou-me, desta vez na boca.

- Mas primeiro vou até à cozinha, preparar um lanche.

Saiu do quarto.

Vesti a sweat azul por cima da camisa sem botões. Agarrei nas calças de ganga, suspirando e enxotando as dúvidas que insistiam em assombrar-me. O mal era aquele silêncio, fazia-me melancólica, quando me devia sentir feliz e abençoada. Ele tinha razão. Nada do que tinha existido antes importava.

Fui até à aparelhagem, sentei-me diante desta. Troquei a cassete de lado, carreguei no botão do play. A primeira música era “Stand By Me”, de Ben E. King. Sorri com a banda sonora que nos tinha acompanhado naqueles momentos, mágica e singela, como se os versos cantassem a nossa estranha união.

Calcei as meias devagar, escutando.

No I won’t be afraid

Just as long, as you stand

Stand by me

A poesia invadiu-me os sentidos, fechei os olhos.

Recordei-me de Trunks a suspirar o meu nome, enquanto me amava.

- Ana…

A minha pele arrepiou-se.

Abri os olhos, procurei pelas minhas sapatilhas. Estava uma de cada lado, para onde tinham sido atiradas. Levantei-me.

Nisto, houve um som que se misturou com a voz de Ben E. King, um zumbido semelhante ao de um triturador metálico de dentes finos. Congelei os movimentos. Olhei imediatamente para a aparelhagem, podia ser a fita da cassete a enrolar-se toda e a estragar a gravação. Mas não era. O som não vinha da aparelhagem, vinha de mais trás.

O som aumentou para um ruído, algo como o ranger de uma besta feroz, de dentes mais grossos que o triturador. Assustei-me ao sentir uma baforada gelada no pescoço. Olhei para a cama e não me consegui mexer com o medo.

Por cima da cabeceira estava um buraco negro que rodopiava furiosamente no sentido dos ponteiros do relógio, como um remoinho. Gritei.

Uma manápula munida de garras afiadas, também negra, saiu do remoinho. Gritei outra vez, tentei escapar mas tropecei nos pés e estatelei-me no chão do quarto. Apoiei o peso do corpo com os braços, cravei um dos botões da minha camisa na mão esquerda, uivei com a dor.

O ruído tornou-se, subitamente, ensurdecedor. Estendi os braços tentando afastar a garra, mas apalpei o vazio. Algumas gotas de sangue da mão esquerda magoada pingaram no soalho. A garra abafou-me o derradeiro grito. Arquejei sufocada, o corpo todo embrulhado naquela névoa escura, que não tinha consistência, mas que era capaz de me aprisionar e de me travar os movimentos. A garra apertou com mais força. O escuro veio a seguir, frio como o hálito daquele monstro que me levava.

Perdi os sentidos.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Regresso.



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