Jessica Chloe - Vitoriosa escrita por MidnightDreamer


Capítulo 15
O último adeus




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Acordo no dia seguinte, com um cansaço anormal que com certeza me assustaria se eu não soubesse que os médicos me deram remédios para dormir. Abro meus olhos lentamente e vejo minha mãe parada ao meu lado, me observando, seus dedos percorrendo meu braço direito. Ela parecia um pouco distraída, pois quando me ajeito na maca ela se assusta um pouco, que logo é apagado por seu leve sorriso.

— Bom dia, meu anjo. - Ela acaricia minha bochecha. – Como você está?

— Bom dia. - Falo, mas não sorrio. Estou tão triste... Sinto-me podre por dentro. – Não estou muito melhor, mas acho que aguento ficar sem chorar.

Ela assente com a cabeça.

— Eu trouxe algumas roupas. - Ela levanta as roupas que estavam em seu colo. Todas pretas. - Caso você queira ir no velório dela.

Eu estava tão absorta com a minha perda, minha dor e a dor de Hector que, por um tempo, eu havia esquecido que minha vida vai continuar assim como a vida de todo mundo. Gwen morreu. Agora é seu velório. Depois alguma missa. E depois? Como eu vou continuar, sabendo que ela não está mais aqui?

— Pensei que ela já tivesse sido velada. - Decido falar, e algumas lágrimas descem pelo meu rosto. Não pude cumprir minhas palavras. Rapidamente as enxugo e ela olha para mim, com muita pena. Eu sinto isso no seu olhar.

— Não. Eles liberaram o corpo ontem. - Ela fala, e vejo seus olhos vermelhos. Ela nunca conversou tanto assim com a Gwen, mas eu consigo sentir que sua dor é verdadeira.

— Eu... quero ir sim. Para me despedir dela. - Falo, com a minha voz anasalada por causa do meu nariz entupido. Deus, como eu queria chorar como aquelas mulheres de filmes de romance...

Ela beija minha testa e entrega-me a roupa. Lentamente me levanto e ela me ajuda a ir ao pequeno banheiro, já que eu ainda não consigo andar direito. Ela tira a minha roupa, e por um momento me sinto uma criança novamente. Ela me ajuda a vestir a calça e deixa a blusa por minha conta. Ela sai do banheiro rapidamente e pega umas muletas que ela alugou do hospital. Logo aprendo como andar com elas e me sinto segura para andar sem a ajuda da minha mãe. Ela me diz que depois do velório nós já poderemos ir para casa, e por um segundo me sinto um pouco feliz. Vamos seguindo em direção à entrada.

— Não se surpreenda se algumas pessoas ficarem lhe encarando, ou coisa do tipo. - Ela me avisa. - Você apareceu na TV. Não me pergunte como uma emissora de televisão chegou antes mesmo de uma ambulância. - Ela fala com desgosto.

— Boas manchetes, mãe. Eles conseguem até se teletransportar para serem os primeiros a publicar algo.

Ela assente e entramos no saguão de entrada. Como ela disse, muitas pessoas ficam olhando para mim, curiosas. Não as culpo, é da natureza do ser humano ficar curioso com as tragédias. Volto meu rosto para o chão, tentando ser o mais discreta possível, mas infelizmente isso é uma tarefa bem árdua.

Enquanto andamos até a saída, volto a olhar para frente e vejo Hector parado na bancada da recepção, junto com uma senhora loira muito bonita. Presto um pouco mais de atenção nela, e vejo que ela tem os mesmos lábios dele. Presumo que ela é a mãe dele.

A mulher percebe que eu estava a olhando, então ela se aproxima de mim

— Jessica... - Ela me abraça e beija minha testa. E, mesmo lutando contra isso, não consigo evitar o choro. – Querida... que infelicidade conhecê-la justo nesse momento. - Ela é bem sincera. Ela força um sorriso. - Hector não exagerava quando falava da sua beleza.

— Obrigada. - Digo, fungando o nariz. Ela acaricia minha bochecha e tenta me consolar, e isso me deixa ainda mais triste. A dor dela era trilhões de vezes maior que a minha, maior que a de Hector, mas ainda assim ela faz força para manter a calma. Isso é realmente algo a se admirar.

— Sei que você era muito amiga da minha filha. - Ela fala, e vejo uma lágrima descer de seus olhos. - Eu via que ela estava muito feliz de uns tempos para cá. De certa forma você fez com que ela tivesse mais consciência da vida, depois que você foi diagnosticada com câncer. Ela ficou tão mais preocupada com a saúde...

Ela faz uma pausa, tentando se acalmar mais antes de continuar:

— Sei que o que falo é estranho e insensível, com certeza, mas quero que saiba que a infelicidade de sua doença teve uma consequência boa. Pelo menos por um tempo.

— Fico muito feliz em saber que fui um exemplo para uma garota como ela. Ela era muito especial para mim. - Falo, e meu choro fica descontrolado. Ela volta a me abraçar.

— Você fez bem para ela, e para Hector também. Ele melhorou muito nas notas, pelo que soube. - Ela olha para ele. - Mesmo antes de te conhecer, já era muito grata por você ter entrado em nossas vidas. Muito obrigada, Jessica.

Eu não tenho palavras. É incrível como essa mulher está sendo forte. A abraço ainda mais forte, e sinto que ela está muito fraca, debilitada por dentro. Afinal, ela acabou de perder a única filha... Com certeza é um sofrimento muitas vezes maior que o meu.

Hector se aproxima de nós duas, e sinto meu coração acelerar. Antes eu associaria isso à meu amor por ele, mas agora não sei se essa sensação que me invade é paixão ou medo de que ele grite de novo comigo.

— Vamos, mãe. – Ele segura a mão dela. – Não quero passar nenhum segundo mais aqui.

— Hector... - Tento falar com ele, enfrentando meu medo de que ele brigue comigo.

— Depois a gente conversa, Jessica. - Ele fala friamente.

— Tudo bem, mas eu queri-

Ele sai com sua mãe, me deixando falando com o vento. Mamãe se aproxima de mim e me leva até o carro. Sei que ela sabe que estou chorando, mas ela não pergunta nada. Ainda bem.

Desse jeito, fica muito difícil tentar me convencer que ele não quis dizer todas as palavras que ele gritou. Ele me odeia mesmo? Mas por quê? Por que eu acreditei na verdade? Por que eu quis tirá-lo daquele estado de negação? 

Desisto de fazer perguntas se resposta para mim mesma.

Mamãe e eu seguimos para um cemitério longe de nossa casa. Ela me ajuda a descer do carro, e vamos até a parte coberta do cemitério. Não reconheço ninguém que está lá, somente Jasmine e Sarah, as amigas de Gwen. Elas estão abraçadas e chorando demais. Quando elas percebem a minha chegada, elas vem correndo para me abraçar. Sinto que elas querem fazer milhões de perguntas para mim, mas fico muito contente em ver que elas não vão falar nada. Graças a Deus; eu não ia responder nada mesmo.

Não sei como Hector e sua mãe chegaram antes de nós, mas eles já estavam lá, recebendo os pêsames das pessoas. Ele olha de longe para mim, mas logo depois ele desvia o olhar para o chão. O que aquilo significa? Ele está, sem falar nada, me pedindo desculpas? Ou ele está com raiva de mim? Muita raiva mesmo? Eu me lembro de cada detalhe das palavras dele para mim. Ele disse que nunca mais queria falar comigo. Será que isso era verdade?

Olho para os lados e vejo o caixão. Meu Deus... Vou me aproximando dele e percebo que ele está aberto. Olho para Gwen, que estava vestida com um vestido branco e recoberta de flores violetas. Ela está tão tranquila, como se estivesse somente dormindo. Ela parece um anjo, e as lágrimas, que já estavam rolando, ficam ainda mais descontroladas. Eu não sei como, mas fico tão fraca que caio no chão, para surpresa de todos.

Jasmine e Sarah logo vem me acudir, então recomponho a minha compostura. Não foi como aquele dia em que parei de sentir as pernas, e sim fraqueza. Uma fraqueza que não vinha dos meus músculos, e sim do meu coração. Eu não consigo ficar mais perto dela, senão eu acabaria sacudindo-a na tentativa de acordá-la.

Um homem, não sei bem o que ele era, padre ou qualquer coisa do tipo ia começar o velório. Eu não conseguia prestar atenção em nada que ele fala, infelizmente. Depois de alguns minutos o caixão seguiu para onde seria enterrado. Apanho uma flor daquele jardim, e sou a primeira a jogar quando o caixão desce. Sou seguida de sua mãe e de Hector, e também de um homem muito parecido com ele; olhos azuis e cabelos castanho-claro, provavelmente seu pai. O coveiro joga as primeiras camadas de terra, e decido me afastar de lá. Isso era difícil demais para eu ver.

Vou para um jardim próximo, e vejo algumas lápides. Reconheço somente uma, de um antigo professor que tive na minha escola anterior. Ele morreu há muito tempo atrás.

Um vento frio faz que eu me encolha em meus braços, e quando olho para a direção da ventania, vejo que Hector havia me seguido. Ele estava sério, posso até dizer que ele parecia com raiva. Sinto um calafrio na espinha, mas mantenho a calma. Ele fica olhando para mim, ele está quase a ponto de explodir. Mas, de repente, ele se aproxima de mim e me abraça, chorando. É tão triste vê-lo chorar daquela maneiro, como uma criança que acaba de se machucar. Eu tento consolá-lo, mas eu não consigo nem me consolar...

— Me desculpa, Sica... - Ele olha para mim. - Eu não devia ter gritado contigo. Nunca devia ter dito aquilo. Eu fui um imbecil, idiota, burro, estúpido, bocó, canalha, retardado-

— Para, Hector! - Ponho minha mão em seu rosto. - Você estava abalado. Você ainda está. Não precisa se desculpar de nada. Eu entendo o que você falou, e se fosse eu que estivesse no seu lugar, também estaria agindo dessa maneira. Eu te entendo.

— Eu não te odeio. – Ele enxuga suas lágrimas. – Eu não te odeio. Eu amo você. Amo demais... Me desculpa.

Ele beija minha testa, me abraçando ainda mais forte. Vejo um banco próximo a nós, e resolvemos sentar lá. Ele fica conversando comigo, com intervalos longos de choro. Ele fica abraçado a mim, suspirando profundamente. Fico alisando seus cabelos e ele quase dorme com a cabeça apoiada em meu ombro.

A tristeza dele me deixa triste também. É muito difícil vê-lo naquela situação. Por causa da minha doença, as pessoas esperam que eu chore a cada minuto que lembro da seriedade de um câncer, o que é quase sempre, mas confesso que as pessoas ao meu redor choraram muito mais do que eu. Eu sempre dizia para mamãe, Lilian, até mesmo Gwen e papai, que não queria ver nenhum deles chorando por mim, pois eu estava bem. Hector era o único que tentava se manter forte, mesmo que ele desabasse em choro quando finalmente ficasse sozinho.

Agora, eu não tenho mais o que dizer. Ele não está chorando por minha causa. Não posso dizer para ele que o choro dele me enfraquece, o que não deixa de ser verdade. Não posso. Não posso trazer Gwen de volta. Não posso me sacrificar por ela. A única coisa que posso fazer por ele é dizer que sempre estarei ao lado dele, o apoiando.

Ficamos em silêncio por mais alguns minutos, até que minha mãe aparece. Eu e Hector nos levantamos.

— Meus pêsames, Hector. - Ela fala com ele, abraçando-o. - Está tarde, filha. Vamos?

Assinto, e Hector e eu ficamos nos encarando por um tempo, até que ele dá um leve beijo no canto da minha boca. Ele ainda está muito envergonhado pelo que falou. Ou está com vergonha da minha mãe. Não importa.

— Quer ir com a gente? - Mamãe pergunta. – Posso avisar a sua mãe que vou levá-lo pra casa, se for melhor.

— Não, não precisam se preocupar comigo. – O sorriso que ele dá é morto. – Eu vou dar o último adeus para a Gwen.

Assinto e ele sai em direção às lápides. Olho para minha mãe.

— Vocês fizeram as pazes? - Ela pergunta, com um micro sorriso no rosto.

— Sim. Ele me pediu desculpas por ele ter sido grosso comigo ontem. – Solto um suspiro. – Ele estava realmente arrependido.

— Eu fico muito feliz por tudo estar bem entre vocês dois.

Ela me abraça e vamos para casa. Chegando lá, Lola, a minha cachorrinha me encontra alegre, mas não consigo brincar com ela agora. Lilian estava na sala, nos esperando, e quando ela me vê, me abraça tão forte que quase caio para trás. Eu estava com saudades dela, então não consigo evitar o sorriso. Mas estou tão cansada... Vou para meu quarto tomar banho.

Começo a me lembrar da Gwen, de como ela era alto-astral. Choro baixinho, mas a dor melhora. O que eu sinto mais mesmo é saudade. Ela vai fazer muita falta mesmo.

Desço para a sala de jantar para comer. Minha mãe ainda estava um pouco abalada, mas tentava agir como se já estivesse bem. A campainha toca e ela atende. Papai entra e nos abraça forte. Ele beija minha bochecha e me dá os pêsames. Ele se junta a nós em nossa refeição e comemos sem falar nada. Fico pensando em como Hector está agora. Eu nem consigo imaginar minha vida sem minha irmã.

Vamos para a sala depois, mas não ligamos a TV. Eles começam a contar a história de quando se conheceram, talvez para quebrar o clima ruim que se instalou na nossa casa.

— Foi numa festa da faculdade. Era uma festa a fantasia, e sua mãe estava vestida de sininho. – Ele olha para ela, e vejo uma sensação de nostalgia nos olhos dele. – Era a fada mais sexy que eu havia visto em toda a minha vida.

— E, acreditem, seu pai estava de Peter Pan! - Mamãe exclama, e nós todos rimos. - Parecíamos aqueles casais que combinavam a fantasia, sabe? Mas nós nem nos conhecíamos.

— E aí? Depois? - Lilian pergunta, com um brilho no olhar.

— Começamos a conversar, seu pai começou a jogar umas cantadas bem baratas pra mim e eu achei tão engraçado que acabei beijando ele.

— Que fofo! - Eu e Lilian falamos ao mesmo tempo.

— Eu saí com ela por alguns dias e logo ficamos noivos.

— Ah, sei por quê. - Falo, olhando para mamãe.

— Eu já disse que você não tem culpa de uma coisa que aconteceu por nossa culpa, Sica. - Ela me repreende.

— Calma, mãe! Eu só estava brincando! - Falo, me defendendo.

Continuamos a conversar até que meu telefone toca. Vejo que é o número de Steven.

— Alô?

— Oi, Sica. Sou eu, Steven. - Ele fala, sua respiração estava entrecortada. - Eu vi o que aconteceu na TV. Você está bem?

— Sim. – Tento ficar calma, mas ele me fez, sem querer, relembrar de tudo que aconteceu no cinema. – Fui atingida, mas a bala foi de raspão. Já estou melhor. Infelizmente minha amiga... ela faleceu.

Ele fica em silêncio por alguns segundos. É morbidamente engraçado perceber o quão estranho é falar de morte justamente com ele. Acho que nenhum de nós está preparado para o final da vida de outra pessoa sem ser nós mesmos.

— Oh, meu Deus... Meus pêsames. – Ele engole em seco. – Desculpa, acho melhor eu ligar outro dia...

— Não, imagine... Pode falar.

— Eu ia perguntar quando eu poderia ir aí novamente, mas acho melhor ir outro dia, sei lá...

Não posso deixar de sorrir. Ele realmente insistia, mesmo eu falando que não quero nada com ele. Acho que ele só está um pouco carente de atenção feminina. Coitado.

— Me desculpa, eu adoraria ver você novamente, mas está tudo muito recente...

— Não, não precisa se desculpar. – Tento descontrair um pouco. – Bem, a gente pode se falar outro dia? Estou um pouco cansada, voltei do velório a pouco tempo...

— Claro, claro... – Ele diz. – Até depois, então. E se precisar de alguém pra conversar, não hesite em falar comigo, certo?

— Certo.

Quando desligo, vejo a expressão de dúvida no rosto de todos.

— Era o Steven. - Falo, e eles param de me olhar como maníacos. - Queria saber como eu estou.

Lilian deixa um sorriso escapar.

— Ele é muito fofo. - Lilian suspira. – E preocupado contigo, pelo visto.

— Eu também ficaria, devido às circunstâncias. – Falo, e ela dá de ombros. – E saiba que eu estou prestando atenção nos seu jeito... Olha que eu conto tudo para o Chris.

Assim que digo isso, ela me olha preocupada. Olho para meus pais, que pareciam confusos com nossa conversa, mas também felizes e cansados. Dou um abraço neles e subo para meu quarto.

Fico olhando a pulseira que Hector me deu. Para sempre. Para sempre... Essa frase é tão cheia de significados, de promessas... Ele não tem raiva de mim. Ele não me odeia. E é por causa essa estranha felicidade que consigo adormecer.


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