As Histórias De Thalia escrita por GiGihh


Capítulo 86
Nova/Velha promessa




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THALIA

Eu não queria ter gritado com um deus, tão pouco queria sentir todo aquele medo. Os répteis vinham nadando com os olhos fixos em mim. Eu não tinha como ir mais para trás!

–Hermes, por favor... – choraminguei sem olhar para o deus; estava cogitando cada uma das minhas opções: eu não tinha como fugir, eu não podia usar qualquer eletricidade e, por último, mesmo se eu quisesse, não parecia certo aceitar morrer assim.

Meu corpo tremia não em frio, mas em um medo estranho ao qual eu não sentia com facilidade. Por um deslize, cortei a sola do pé em algo pontudo... Uma das víboras se aproximou mais rapidamente e mostrou aquela desprezível linguinha. Outra vinha mais pelo fundo, sendo atraída pelo sangue que eu perdia... E elas explodiram. Olhei para a margem e vi o deus tremer em soluços; não sei de outra imagem que pudesse me chocar mais. Em choque nadei devagar até a margem enquanto o deus se livrava da camisa de botões sem se importar em abri-los, Hermes entrou no rio molhando apenas os tornozelos e vestiu sua blusa em mim, cobrindo minha nudez. Ele chorava e em minha inconsciência puxei o deus para um abraço.

–Eu sinto muito, Thalia – ele falava com a voz lindamente embargada.

–Você só está magoado...

–Não. Quer dizer, por isso também, mas... – ele respirou fundo e me afastou – Por Luke, por você, pelos dois. – ele me observava com tristeza, embora eu ainda pudesse enxergar uma fração de raiva – Seus sonhos andam perturbados, não? Os dele também.

–Quer me fazer chorar também?

Ele esboçou um sorriso familiar.

–Queria que as coisas fossem diferentes com vocês dois – ele lamentou – Duvido que ele goste mais de mim se descobrir que em um acesso de raiva eu quase matei o amor de sua vida.

Arregalei os olhos por reflexo. Eu? Amor de Luke? Depois de tudo? – claro que o deus notou isso como também interpretou.

–É garota, você é especial – uma caricia sonhadora tocou meu rosto – você o fez feliz mesmo que por pouco tempo. Tenho que lembrar, mas sempre serei grato a você por isso.

Como há anos, ele beijou minha bochecha como eu beijei a dele. E sumiu. Sumiu me deixando tão abalada que me esqueci como se andava.

LUKE

A jovem mulher era realmente bonita. No auge dos 21 anos. Os cabelos ondulados tingidos de ruivo não eram secos ou descuidados por culpa da pintura, mas o tom de vermelho escuro destacava seus olhos esverdeados e combinava com sua pele clara. As roupas claramente de grifes caras se moldavam no corpo como se soubessem como valorizar cada curva.

–Então você é o Castellan de quem muitos dos meus sócios têm falado? – a voz era sedosa e sedutora; a mulher falava lentamente prolongando as palavras e fazendo movimentos suaves com os lábios. Estávamos em um escritório bonito, a mesa de vidro entre nós.

Sorri tão convencido quanto tenho o direito de estar.

–Não sei quem anda falando de mim, muito menos o que falam. Mas garanto que Castellan só existe eu.

–Muito bonito – ela levou um dedo aos lábios enquanto observava o que alguns botões abertos da minha camisa exibiam – Forte também, ao que parece. Inteligente para conseguir a confiança de muitos bons investidores. – ela deu a volta e se sentou sobre a mesa cruzando e exibindo as lindas pernas – Fico pensando como planeja me convencer...

Minha cabeça rodava devido às muitas drogas, mas eu tinha certa resistência sobre elas. De longe notei que ela não queria negociar.

–Para negociar preciso saber seu nome, meu bem – meu sorriso galanteador no rosto. Eu a vi estremecer.

–Erin Brezina – ela passou a mão sobre a perna levantando lentamente a barra da saia – Como quer acertar os papéis... – ela tinha nas mãos um amontoado de folhas; tirei-as de sua mão com agressividade e a deitei sobre a mesa ficando sobre ela.

–Erin, eu tenho muitos inimigos.

–Natural para um homem poderoso – ela sorria, mas estava ofegante pela aproximação repentina – Por que está...

–Você pode correr perigo. Mas não se preocupe querida – mordisquei seu pescoço – Você só tem que temer a um único ser.

–Que seria...

–Olhos azuis como nunca se viu igual. Divinos e elétricos.

–Mas...

–Eu duvido que eles venham te incomodar.

THALIA

Fazia horas que caminhávamos sem um rumo aparente, mas ninguém aparentava cansaço. Ártemis finalmente havia se juntado anos e os exercícios de resistência haviam aumentado. Aparentemente, nós devíamos caminhar até o nosso limite sempre alertas para possíveis novas caças. No caminho, encontramos mulheres serpentes e um gigante repulsivo. As meninas já estavam alertas, mas eu consegui sentir a presença de mais alguém, um monstro talvez, só que não estava a vista. Parecia que apenas eu sentia aquele peso.

As mulheres atacavam com lanças e as meninas com facas, as poucas que ficaram na retaguarda usavam flechas. Minha lança girava junto a mim cortando qualquer parte daqueles monstros, qualquer coisa que entrasse em meu caminho. Desde que Luke aparecera meus golpes e minha postura em uma luta haviam de alguma forma melhorado/piorado: eu estava mais fria, mais calculista, como se não houvesse espaço para compaixão. Isso me assustava. Não queria permitir que eu me perdesse como o destino parecia querer me forçar. Eu seguiria em frente da melhor forma que eu conseguisse.

Com um porrete o gigante me jogou contra uma árvore a alguns metros da batalha propriamente dita. Perdi o fôlego com a colisão, mas me senti arder em um acesso de raiva. Joguei a lança carregada de eletricidade no ar mirando no olho do infeliz. O berro de agonia fez as meninas caírem no chão e a deusa tapar os ouvidos, mas eu sorria com o peito carregado em maldade. As cegas ele lançou o porrete na direção de onde a lança viera... Não me acertou poucos centímetros. Ele gruinha como se não soubesse falar e as mulheres serpentes que sobraram vieram em minha direção.

Saindo do meio do nada em um farfalhar de folhas eu só pude ver a cauda longa e grossa de serpente se agarrando ao gigante e o torcendo até que seu corpo explodisse devido ao aperto. Era Lâmia. Ela derrubou as outras com um movimento rápido e furioso. Eu sorria de forma inconsciente, mas as meninas e a deusa miravam seus arcos para Lâmia, como se ela não tivesse acabado de me salvar.

–Não! – gritei quando todas soltaram as flechas ao mesmo tempo. Lâmia se encolheu em medo... Ergui a mão e senti um puxão vindo dos pulmões: uma corrente de ar saía da palma da minha mão indo em direção as flechas e as tirando do caminho de Lâmia. O os olhos verdes me olhavam com surpresa e gratidão; aparentemente ninguém nunca havia defendido aquele monstro, nunca havia sido salva por um herói. Mas era óbvio que ninguém a compreendia ou queria compreender... Além de mim.

As caçadoras voltaram a tentar, mas eu não me senti paciente o bastante. Senti outro puxão nos pulmões e com a palma da mão voltada para elas, empurrei o ar. Aos meus olhos aquilo pareceu uma onda se formando e derrubando as meninas; Ártemis ficou aturdida, mas continuou de pé, me olhando com surpresa, interesse.

–Thalia? Ela vai machucá-la...

–Não vai, não. É minha amiga. – olhei para Lâmia. Ela não podia piscar, mas os olhos reluziram, a boca contorceu-se em um pequeno sorriso – Ela não vai me machucar.

–Thalia! Você perdeu o juízo?

–Vai. – ignorei a deusa; o monstro se aproximou de mim lentamente.

–Quando precisar... – sua voz rouca me mostrava o quanto ela não costumava falar – Estarei lá por você – e sumiu tão rápido quanto apareceu.

–O que foi isso, Thalia? – Ártemis sufocou um grito; as meninas levantavam irritadas, mas curiosas.

–Mais uma promessa. Preciso me lembrar de cobrá-la. – balancei a cabeça chateada com a conclusão. De que isso importa? Eu não queria me magoar mais uma vez.

[...]

Nesse instante tudo estava escuro. Havia poucas estrelas no céu e a lua estava parcialmente coberta por nuvens fofinhas. As meninas ainda comentavam sobre o tal monstro que eu defendera, tentavam soar discretas, mas eu ouvia como também notava o brilho orgulhoso nos olhos perolados da deusa. Havíamos voltado a andar agora por uma cidadezinha que me parecia vagamente familiar. Algumas meninas já aparentavam cansaço embora a deusa nos motivasse a continuar andando. Distrai-me observando os portões de ferro das residências silenciosas e seus jardins nem tão bem cuidados. Pelos deuses! O que era aquela sensação de nostalgia?

Um grito rápido de susto me escapou quando uma mão fria me segurou o braço. Virei assustada fazendo meu cabelo bater no rosto da mulher pequena e de aparência cansada.

–Meu filho... Destino terrível... Luke, ele... Meu menino... – May Castellan tinha os olhos brilhantes reluzindo em um verde terrivelmente assustador. Puxei-a para perto amparando seu corpo tremulo. Nós duas éramos alvos de olhares curiosos, sendo que as meninas se afastavam com medo de May.

–Ártemis, posso ficar aqui com ela? Só por um tempinho?

Um instante se passou em silencio.

–Nós vamos voltar para te buscar. Vamos meninas – e elas sumiram pela rua.

May tremia a murmurava sobre o destino terrível do filho, abracei-a e a guiei até sua casa. Suas palavras não paravam, os pedidos para que eu ajudasse seu filho me despedaçavam. No jardim ela pareceu se acalmar e o brilho de seus olhos voltou ao normal.

–Onde está Luke? Meu menino... Meu menino estava com você e... – ela correu chorando para dentro de casa. Deuses! Luke havia destruído a mãe... E se o que Hugo dissera fosse verdade, eu também destruí a minha. Na cozinha o cheiro de queimado me embrulhou o estomago e o mofo sobre os biscoitos me deu nojo. Correndo de um lado para o outro, May continuava fazendo mais biscoitos e sanduíches, a jarra de suco esquecida em um canto.

–Senhora Castellan...

–Ora meu bem, pode me chamar de May ou de mãe se preferir – ela deu um risinho – Meu Luke deveria estar com você; espero que ele não esteja sendo um namorado ruim...

–Não! Não senhora... – ela interpretou isso da maneira errada já que não me deixou continuar. Ela balançava a cabeça sorrindo.

–Ele é um bom menino, mas demora muito para voltar para casa. Fico preocupada, entende? – ela passou por mim e eu pude sentir o cheiro de sujeira e suor de anos e anos acumulados; ela não parou para cuidar de si mesma durante todos esses anos só para esperar o filho voltar. Meus olhos ficaram embasados pelo sentimento que me atingiu, não sei ao certo como nomeá-lo, mas é algo forte e bonito, algo que eu nunca tive...

–May, por que não arrumamos esse bagunça?

–Bagunça? – sua voz soou perdida e ela olhou em volta – Não posso recebê-la assim! – ela começou a se agitar e a limpar a saia do vestido enquanto dizia para eu ficar a vontade. Sendo assim fui para o segundo andar e me deparei com duas portas: a da esquerda me levou a um quarto azul claro com carrinhos de brinquedo espalhados pelo chão, um skate encostado na parede e uma cama desarrumada; era o quarto de Luke. A da direita só podia ser o quarto de May; estava sujo de pó e havia mais insetos do que no jardim. Era quase como se a casa estivesse abandonada. Eu não podia deixar a casa assim. Comecei pelo quarto recolhendo o lixo e vestidos mofados, tirei grande parte do pó, troquei as roupas de cama e encontrei a suíte tão abandonada quanto o resto da casa. Sorri pensando no quanto tempo fazia que eu não limpava um cômodo. Mas dessa vez era diferente: eu não fazia por medo ou obrigação, estava limpando porque queria ajudar de alguma forma.

Voltei para a cozinha. May mexia uma bacia com o que deveria ser massa de biscoito. Em seu rosto a pressa como se seu filho fosse chegar em instantes morrendo de fome.

–Venha cá, May – tirei o recipiente de suas mãos e a conduzi devagar para o segundo andar – Há quanto tempo a senhora não se arruma?

–Não sei, não sei... – ele balançou a cabeça olhando para o fim das escadas, possivelmente a cozinha – Luke deve chegar e...

–E vai querer ver a mãe bem bonita, não acha? – lhe sorri e parei em frente à banheira – Venha, vou cuidar de você para que a senhora possa cuidar do seu filho. – ajudei-a a se despir e a entrar na banheira. Graças a deus havia água quente. Olhei em volta em busca de sabonete, xampu e essas coisas, sobre a pia um pacote que não estivera ali antes... E um agradecimento breve de Hermes. Depois de banhada, May Castellan tinha um cheiro gostoso de morangos; vesti-a e a deixei sentada na cama.

–Acha que ainda sou bonita? – sua voz me pareceu falha – Meu menino nunca olha para mim assim...

Eu penteava seus cabelos com calma e delicadeza para não machucá-la. Os fios que deveriam ser cor de areia tinham agora um tom grisalho. O rosto tinha em evidencia o cansaço. Mas os olhos conservavam esperança. Não havia como dizer que ela era feia. A beleza estava no amor de mãe que não desapareceu ou mudou no decorrer de anos.

–A senhora é linda. Qualquer se orgulharia em tê-la como mãe.

Levei-a para o jardim para que pudesse aspirar um ar puro e frio na medida em que o verão permitia. Consegui deixá-la sentada na grama comendo os biscoitos que eu fiz questão de não deixar queimar e ela me pediu para ficar no antigo balanço do filho. Ficamos oras ali: ela mordiscando biscoitos e me contando lembranças do filho e eu balançando.

–Lindas estrelas... – ela murmurava – acha que se eu pedir, o céu me ajudará a trazê-lo de volta?

Surpreendi-me com a pergunta. De certa forma eu era o céu... Como responderia aquilo sem mentir ou magoá-la?

“... O amor de sua vida...” Hermes parecia estar ao meu lado. “Ele que nos defendeu” a voz fininha de Sophia soou alta em meus ouvidos. “Você prometeu ser minha” ainda podia sentir sua raiva “Eu vejo você quase toda a noite” e sua dor. Eu havia prometido que seria dele... Ele prometeu me amar... Como poderíamos cumprir as promessas estando separados? “Implorar seu perdão...” eu sentia seu choro mesmo dias depois. “Você o ama, sabia? Tenho certeza de que sim” o sorriso de Felipe estava preso em minha mente.

–Acha que os céus podem trazê-lo de volta para mim? – ela voltou a perguntar.

–Eu... Eu acho que...

Pelos deuses! E como a Caçada ficaria? Eu podia simplesmente abandoná-las? Ergui os olhos observando a copa da árvore e algumas poucas estrelas no céu azul escuro. Eu buscava por um conselho fosse de Zeus, fosse de Zoe, eu só precisava de alguém...

–Sabe May, o céu e as estrelas não podem fazer tudo. Luke também tem que colaborar...

Ela riu; um som agradável e que parecia ser bem incomum já que notei dois ou três vizinhos indo em direção as janelas, tentando observar a possível esquisitona.

–É claro que ele colaboraria! Ela é um doce... – me peguei sorrindo.

–Então... O céu fará o que puder para trazê-lo de volta, May.

–Como pode ter tanta certeza? – ela olhou realmente para mim focando nos olhos; lhe sorri. – Você... Você...

–Eu não desisti dele... E nem vou. – agora só preciso fazer com que ele não fuja, mas que encare as consequências e escolha o certo. May voltou a rir; um som gostoso de se ouvir, um som transbordando felicidade, esperança... Transbordando amor.

Mas essa era uma nova/ velha promessa.


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Notas finais do capítulo

Esse provavelmente foi meu último cap em termos de férias =/ Não devo postar tão cedo, mas eu sempre volto.
Estou pensando em mais duas novas fanfics Thaluke enquanto esta se aproxima do "fim" , mas ainda não decidi postá-las...
Bom, até logo meus anjos =)