O treinamento foi individual.  Góor os ensinava a controlar seus medos e administrar sua mente. Angel não conseguiu.

-Angel, você tem que se concentrar. Pense em suas asas. Coloque sua concentração. Tente senti-las.

-Eu não consigo! Não consigo! - Angel não conseguia se concentrar. Era difícil, pensava.

-Então não podemos continuar. Se você fala que não consegue, não vai conseguir. Porque o 'não' bloqueia a sua mente.

-Me desculpe Góor. Não consigo me concentrar. - disse olhando para os pés timidamente.

-Tudo bem. Todas as  segundas e quintas temos os treinamentos. Espero que na quinta você consiga se concentrar.

-Prometo que vou tentar!

-Então está bem. Vá com os outros, você foi a última.

Angel não se sentia bem.  Estava pensativa. Com ‘ aquilo ‘ em suas costas não poderia mais ver os irmãos, os pais, amigos, enfim não poderia ver mais ninguém de sua aldeia. Sentia muita saudade. Principalmente da mãe, Giles e Colinne. Annet e Serena eram legais. Mas não eram intimas como Colinne era com ela.

Angel foi até uma parte afastada do campo. Havia uma ponte ligando a floresta e o jardim. Um pequeno córrego se estendia em baixo da ponte. Sua água era tão transparente. Seria ótimo se pudesse nadar, pensou. Flores azuis era destaque em volta da ponte. Havia milhões delas. Angel decidiu ficar ali. Com certeza ficaria bem sozinha. Desceu da ponte e foi até a margem do pequeno córrego. Tirou as sandálias e colocou os pés na água. Estava fria e refrescante. Típica temperatura de outono. Deitou-se com cuidado para não machucar as asas. Olhou o céu. Estava claro, mas não ensolarado. Tentou se lembrar do dia em que descobrira o rio perto dos campos onde o pai trabalhava. Era um dia quente. Tinha apenas nove anos. Estava levando comida ao pai e na volta viu um pequeno coelho branco. O perseguiu tentando pegá-lo. Até que ele a levou ao rio. O coelho fugiu, mas o rio foi descoberto. Desde então ia nadar quase todos os dias. Até... que a vida lhe deu uma surpresa. Uma surpresa enorme. Tudo aconteceu rápido demais.  Nunca havia imaginado tal coisa. Era bom e não era, pensou.

 Uma sombra cobriu o sol que iluminava seus olhos.

-Tarsis? O que faz aqui?

-Eu que pergunto. Costumo vir aqui de vez em quando. - Disse deitando-se ao lado de Angel.

-Você sente saudades de casa?

-Sinto e não sinto.

-Como assim?

- Morava somente eu, minha mãe e minha irmãzinha, Elen. Meu pai faleceu logo que Elen nasceu e desde então minha mãe ficara doente. Esquecera-se de mim e de Elen. Era como se ela fosse trancada em um lugar fora da realidade. Como se estivesse presa em sua própria mente.

-Ah, me desculpe por isso...

-Não, não... Está tudo bem. É bom conversar com alguém de vez em quando.

-E a Elen...

-Eu não sei. Já perguntei para a Góor se sabia de algo e ela sempre diz que não sabe. Fico imaginando, como ela deve estar... Sozinha e cuidando de minha mãe naquele estado.

-Quantos anos ela tem?

-Agora está com 9.

-Ah... Faz quanto tempo que você está aqui?

-Quase há dois anos.

-É bastante tempo.

-As coisas melhoraram muito. Antes de Góor, quem assumia esse lugar era Lótus. Um homem estranho e cheio de segredos. Nos tratavam mal. Eu, Falco,Serena e  Jack sofremos bastante tempo com ele. Serena era quem sofria mais. Vou te contar um segredo...promete não contar a ninguém?

-Claro que prometo.

-Eu e Falco uma vez... Vimos que Lótus... Meio que... Estava abusando de Serena.

-Abusava? Como assim?

- Não sabemos dos detalhes. Só ouvíamos Serena gritar de vez em quando e aparecer toda machucada. Por isso ela é meio na dela sabe...

-Nossa, que horror. E o que aconteceu com o Jack?

-Ninguém sabe. Uns dizem que ele morreu, outros falam que ele voltou pra aldeia dele...

-Ahhh... E o Lótus?

- Eu não sei... Só me lembro que Góor assumiu aqui e Lótus sumiu...nunca mais o vimos

-Nossa...

-E você?

-Eu o que?

O que fazia antes de vir pra cá?

-Ah... eu morava com meu pai, minha mãe e meus dois irmãos porque o outro já se casou.

- Ahh... Então a sua história não tem nada de trágico...

-Trágico? Não, não...

-Que bom... e os... relacionamentos?

-Relacionamentos?

-É... Você nunca teve um... Namorado?

-Ah não... Eu ainda não frequentava as festas que tinha de aos domingos... Lá que se conheciam os rapazes...

-Ahh sim...

-E você?

-Também não... Depois que o meu pai se foi eu não tive mais tempo para... Sair, me divertir...

-Hum... Deve ter sido uma época bem difícil né...

-Foi sim... Mas enfim... Agora esta tudo bem... Só me preocupo com a Elen.

-Ela deve estar bem.

-Espero que sim...

Um silêncio se formou. Os dois olhavam para o céu. Ouviam-se somente as respirações e o vento chacoalhando as folhas das árvores.

De repente um som. Uma risada talvez.

-Ouviu isso?

-O que?

-Parece que... Alguém está rin... do.... Escute.

As risadas ficaram próximas e do meio das árvores Annet, Falco, Éris e Serena apareceram.

- Olha quem nós encontramos- Éris sempre com seu ar de brincadeira

-Estamos atrapalhando alguma coisa? – Soltou Falco

-Não, não – Disse Tarsis se levantando e puxando a mão de Angel.

-Obrigado – disse timidamente com um pequeno sorriso – Só estávamos conversando.

- Sei conversando... As línguas se entenderam?- Disse Annet fazendo articulações com a língua. Como se estivesse lambendo algo.

-Credo Annet- Disse Angel dando risadas.

-Vamos pombinhos... Vocês terão todo o tempo do mundo para ‘ conversarem’ afinal... ’O amor é o tempero da vida’...

-‘O amor é o tempero da vida? Acho que alguém também esta apaixonada falando essas coisas não acha Angel?- disse Serena

-Estou achando que sim!

-E-eu? Claro que não suas bobonas. -Todos riram ao ver Annet ficar sem jeito.

-Vamos gente! A Góor está nos chamando... Parece que chegou alguém novo.

Todos foram rindo. Angel deu uma olhada rápida para Társis e seus olhos se encontraram. Sentiu algo estranho. Como um arrepio. Mas foi bom, na verdade. Será que estava mesmo gostando de Társis?

Chegaram até o salão. Góor já os esperava.  Alguém estava com ela. E pelo ver de Angel alguém nada agradável. Todos mudaram suas feições ao verem a tal pessoa. Quem será?, pensou Angel.