Feliz Ano Novo... escrita por André Tornado


Capítulo 3
Último dia - 31 de dezembro.




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O meu orgulho impediu-me de fazer a viagem de volta no dia em que despertei num quarto reles de um motel decrépito na companhia de uma maluca qualquer de cabelos vermelhos e sardas nas bochechas. Vagueei ainda algumas horas pela cidadezinha, comi qualquer coisa num botequim acanhado, andei pelas redondezas e descobri uma paisagem agradável – um grande lago rodeado por um bosque, relativamente sossegado e longe o suficiente da civilização para que eu me exercitasse. A sessão de treinos ocupou-me o resto do dia, distraí-me no egoísmo do meu mundo de guerreiro e, quando me apercebi, anoitecia.

Regressei ao motel decrépito, pois não sabia de outro sítio para passar a noite e, dessa vez, dormi sozinho, sem malucas ao lado. A televisão fez-me companhia e fiquei a assistir, em modo sonâmbulo, aos programas imbecis para gente imbecil que anunciavam os preparativos para a festa do final do ano.

Tive um rebate de consciência, uma impressão no peito. Eu devia regressar a casa para essa maldita festa, mas não sabia muito bem como iria Bulma reagir depois do que eu lhe tinha dito. Tinha-a mandado para o Inferno, acrescentando que ela merecia estar com Freeza, Cell e com Majin Bu, mas estava furioso quando o tinha dito, com a cabeça a rebentar por causa dos gritos dela.

Na manhã seguinte comprei um bilhete de comboio para West City. Quase que desfiz a casota espécie de bilheteira quando o infeliz que estava lá dentro me disse para dar um passeiozinho pela cidade – foram essas as exatas palavras que empregou, “passeiozinho pela cidade” – pois o comboio só partiria depois do almoço. A viagem ainda demoraria umas boas nove horas e eu comecei a fazer contas de cabeça e assustei-me. Poderia não chegar antes da meia-noite e se eu falhasse a maldita da festa do fim do ano, Bulma nunca mais me iria perdoar por tê-la mandado para o Inferno.

Iria a voar!

Mas o meu orgulho deu-me uma alfinetada.

Não, iria de comboio. E se chegasse atrasado, paciência. Ela não era dona da minha vida e não tinha de lhe dar satisfações, apesar de estar com ela havia mais de dez anos e de ela ser uma mulher fantástica e insubstituível, que me dava completamente a volta à cabeça. E eu continuava zangado, era bom não esquecer, e os meus rancores nunca foram muito fáceis de curar. O tempo enfiado dentro do meio de transporte ridículo e antiquado poderia ajudar-me.

***

Cheguei à estação de West City às onze e cinquenta e dois da noite. Faltavam oito minutos para a chegada do novo ano. Continuava zangado, aborrecido, mas agora comigo mesmo por me sentir sozinho, amputado de uma parte fundamental da minha pessoa que eu, inadvertidamente, tinha doado àquela mulher irritante que eu adorava chamada Bulma e que haveria de ser a minha outra metade para sempre. A viagem servira para descobrir essa pequena verdade que me irritava, mais do que qualquer outra coisa no mundo.

Mas, curiosamente, sentia-me bem. E sorri.

Voei até à Capsule Corporation e demorei menos de cinco minutos até chegar ao local que se enfeitava como um antro de diversão para gente desmiolada. Havia música alta, grinaldas de luzes, enfeites de papel, coisas brilhantes penduradas, devia haver comida a rodos e bebida também. Ao lembrar-me do tal líquido amarelo, fiz uma careta. Nem tão cedo iria beber alguma coisa que tivesse o leve odor do álcool!

Respirei fundo, sentindo o coração a bater. Sabia que a reação de Bulma não seria das melhores, afinal abandonara-a quando ela precisava de mim para montar aquele espetáculo decadente para os seus amiguinhos e tinha-a mandado para o Inferno.

Mas eu nunca tinha recuado perante nenhum desafio, nem mesmo quando sabia que as minhas possibilidades seriam nulas contra um inimigo que superava imensamente as minhas forças, e entrei decidido, dirigindo-me aos jardins das traseiras.

Quando apareci, todas as vozes se calaram e todos os pares de olhos estupidamente brilhantes se voltaram para mim. Havia euforia pois a meia-noite estava quase a chegar e muitos agarravam em garrafas de champagne, prontos para batizarem o novo ano com a bebida adequada à ocasião. Reparei em Kakaroto, como sempre o primeiro a me dar as boas-vindas com aquela sua vozita mais irritante que passar uma lixa numa ardósia:

- Yo, Vegeta! Só faltavas tu!

Como se eu me tivesse ausentado para ir à casa de banho ou coisa parecida.

Deu-me vontade de lhe arrebentar os dentes!

Sabia que tinha uma das minhas habituais carrancas, sobrancelhas bem carregadas e um olhar bem negro, pois a moldura humana que me fitava estava receosa e muda como um bando de fantasmas.

Estavam lá todos. O velho tarado com o porco falante, a tartaruga marinha e a louca que mudava de personalidade quando espirrava; a família completa de Kakaroto incluindo o reles campeão Mr. Satan, a filha, o boneco cor-de-rosa e o cão; a raça inteira dos namekusei-jin que afinal eram só dois, com aquele guardião escuro como breu; o baixinho que tinha ficado com a humana artificial; o tipo dos três olhos com o bonequinho de porcelana; o meu filho de dez anos ao lado do filho de nove anos de Kakaroto, acompanhados da fedelha filha do baixinho e da humana artificial. 

Encontrei Bulma. O inútil do antigo namorado dela, o ladrãozeco do deserto, com o gato azul a flutuar por perto, passava-lhe um braço pelos ombros, enquanto segurava a sua garrafa de champagne, com uma cara debochada de bêbado, sorrindo como um pateta. Depois, ficou cinzento por eu estar a vê-lo agarrado à minha mulher.

A minha mulher e ia morrer ali, despedaçado pelas minhas mãos, se ela não se tivesse desembaraçado daquele braço culpado e pesadão como quem enxota um inseto incómodo e eu gostei da atitude dela.

Kakaroto soltou um brado inocente:

- Miná… Está quase!

Ouvia um relógio longínquo a marcar os últimos segundos do ano velho, a enterrar, por cada movimentação dos ponteiros, o que se tinha passado antes daquele momento.

Bulma estava deslumbrante, com um vestido negro discreto, sapatos de saltos altos que a faziam alguns dedos maior que eu. Tinha os lábios pintados de um vermelho tão sedutor que imaginei o sabor a morango e usava purpurinas na cara. Aproximou-se de mim.

- Feliz ano novo… Vegeta.

Eu respondi-lhe:

- Feliz ano novo, Bulma.

Ela entreabriu os lábios vermelhos sinal de que eu tinha tocado algures num ponto vital, mais precisamente naquele coração de mulher romântica que existia debaixo da máscara de cientista sabichona, ultra controladora de todas as situações, gritadora profissional e azucrinadora de saiya-jin. Simplesmente, porque a tinha chamado pelo nome e não o fazia amiúde, detestava dar essa importância a quem era inferior a mim, pois claro. E de cada vez que a chamava pelo nome, ela derretia-se, a começar por entreabrir os lábios.

Haveria de me cobrar por aqueles dias de ausência, haveria de reatar a discussão e os insultos, mas ali, nos jardins das traseiras da Capsule Corporation, tínhamos acabado de assinar uma trégua e o pacto silencioso de uma paz tão frágil como o perfume dela fazia-nos mais próximos que nunca.

Eu amava aquela mulher e não me importava nada que ela percebesse.

Aqueles lábios vermelhos eram irresistíveis. Serviam para me gritar, para me insultar ou para me aborrecer, mas também serviam para que fossem beijados. Por mim!

Inclinei-me, uni a minha boca à dela.

No céu rebentava o fogo-de-artifício anunciando a meia-noite.

As rolhas das garrafas de champagne saltaram e ouvi o grito eufórico e imbecil do Kakaroto:

- Eh! Feliz ano novo!!!

Devia estar a dançar com a garrafa na mão, o líquido a verter-se numa onda de espuma branca, rodopiando entre os outros imbecis, que berravam e urravam como uma trupe de palhaços alucinados.

E eu beijava aquela mulher que era a pessoa mais importante da minha vida, iluminados pelo brilho colorido do fogo-de-artifício. E apesar de o cenário não ser perfeito, a algazarra em pano de fundo estava a complicar-me com os nervos, naquele instante era ali que eu queria estar, a passar mais um ano, na minha casa, nos braços dela e ela, nos meus.


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Notas finais do capítulo

FIM!
Feliz Ano Novo de 2013 para todos, com muitos sucessos, amor, alegria e saúde. E muitas fanfics!
Espero que tenham gostado...