Apenas Chame Meu Nome... escrita por ViQ


Capítulo 4
C3 - Eternizando a Noite


Notas iniciais do capítulo

EDITADO: 13/05/15



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Estava ali desde que nascera. Ou pelo menos era o que contavam a ela. Não havia mãe e nem pai, não havia irmãos, primos ou qualquer tipo de família. A empregada rabugenta que cuidava dela dizia que havia sido um presente dos deuses entregue na porta da família Himitsu. Não havia nome, sobrenome, nada. Apenas uma garota tão branca como um lírio em uma cesta, dizia a velha empregada. Um pequeno lírio...

Sayuri.

Vivia naquele pequeno espaço em um canto isolado da pequena vila de quatro casas. Sempre presa. Por algum motivo não a deixavam conhecer o mundo e a única visão externa que tinha era da floresta que lhe cercava, mas esta parecia tão quieta. Às vezes se perguntava se existia sequer um animal nela. Não ouvia pássaros cantando, não via insetos, nem as cigarras cantavam ali.

— Senhorita, por que não sai da janela? Vai lhe fazer mal...

Ignorava tudo que a mulher lhe falava. Não gostava dela, sempre lhe prendendo. Sentia o vento lhe acariciar o rosto quando se aproximava da janela, achava que era a única coisa viva ali. O vento entrava e saia, ia para onde bem quisesse, era livre. Quis ser o vento desde que era pequena.

Mas era o total oposto.

Era presa naquela cabana de madeira. Sozinha. E nem sabia o porquê.

No dia do seu décimo quinto aniversário a empregada lhe trouxe um doce. E junto ao doce, uma menina. Sayuri ficou tão animada que mal podia esperar para que a empregada saísse logo para poderem conversar. Quando olhou para a garota percebeu algo errado em seus olhos. Parecia que havia uma fina película lhe cobrindo a visão, tornando seus olhos de um azul assustadoramente claro. Era cega.

— Olá... Meu nome é Sayuri... Qual é seu nome?

— Chyio.

— É um bonito nome.

— Obrigada.

Chyio fez uma mesura muito funda, como se Sayuri fosse uma sacerdotisa. Mas ela não se importava, estava tão emocionada de estar falando com alguém que não era a sua velha empregada que não se importava com as formalidades. Faria de Chyio sua amiga, custe o que custasse. Naquele primeiro dia ficaram bastante tempo sem falar absolutamente nada, todo o assunto que Sayuri tentava começar, acabava antes mesmo que pudesse pensar em outro.

Nos dias que se seguiram, Chyio sempre lhe visitava perto do pôr do sol e ia embora quando a lua se encontrava perto do portal do templo. Um grande portal vermelho. Havia um ali, perto da sua casa de madeira e um na entrada da vila, segundo sua empregada. Chyio ia se segurando nas madeiras que ali havia para descer e Sayuri a observava pela janela sempre que podia.

Nessa rotina, passaram-se dois meses, até que chegou o mês de dezembro. Era o mês que Sayuri menos gostava. Tudo ao seu redor ficava branco, como se a natureza tivesse morrido e a neve congelante a sepultasse em silêncio naquela floresta escura e quieta. O vento não parecia mais gentil como era no verão, se tornava frio e rude. Mesmo as pessoas que podiam ser livres não andavam muito no inverno.

Em uma desses dias frios de inverno, Chyio e Sayuri estavam na cabana feita de madeira sem fazer nada aparentemente bom. A cega se encontrava perto do futon e a outra observava os flocos de neve caindo pela janela, quando a pergunta lhe saiu da mente e lhe foi direto aos lábios.

— Chyio... Você sabe por que eu estou aqui... Não sabe?

A garota levantou a cabeça de repente. Isso quer dizer que ela sabia. Sayuri se aproximou mais da garota e pegou em suas mãos.

— Eu lhe imploro que me conte. Estou presa há tanto tempo... Você é a única em que eu posso confiar entende? Preciso que me conte... Eu preciso saber...

— Não sabe por que está aqui?

— Não... Não me contam... Não me deixam sair...

Chyio esboçou uma estranha cara de preocupação, ela mexeu a cabeça para um lado e depois para o outro.

— Receio que eu também não saiba senhorita.

A resposta deixou Sayuri muito desapontada. Sabia que ela estava mentindo só de ouvir o seu tom de voz.

— Senhorita... Que tal se brincássemos de desenhar?

Achou estranho. Chyio nunca propunha nenhuma brincadeira... E ambas tinha 15 anos, não brincavam mais dessas coisas, mas mesmo assim levantou-se e pegou o papel e a tinta. Entregou a garota e esperou. Não sabia como uma cega poderia desenhar, mas esperou.

— Aqui está senhorita... Sua vez.

No papel não havia desenhos, mas uma mensagem em uma caligrafia muito ruim. Mesmo assim entendeu o bilhete e pintou o papel todo de preto para que ninguém mais a lesse e o entregou para a menina cega, apesar de Chyio não poder ver, Sayuri lhe abriu um sorriso.

Quando Chyio saiu naquela noite, a velha empregada veio ver se estava dormindo, como sempre. Desligou as velas da casa e saiu trancando a porta. Quando ouviu a porta se fechando, Sayuri levantou da cama, foi até a janela e esperou. Ficou apreensiva, não via a garota atravessando o portal vermelho... Onde ela estaria?

Ouviu passos lentos vindos de fora. Logo uma silhueta feminina se formou se apoiando na madeira que estava ao lado das escadas que levavam até o portal vermelho. Quando a garota cega abriu a pesada porta de madeira, Sayuri se sentiu mais do que aliviada.

— Senhorita? Está aí?

— Estou aqui Chyio...

— Pode me acompanhar até o seu quarto? Receio que aqui não seja um lugar seguro...

— Ah... Claro... Vamos entrar...

A garota entrou e empurrou a porta, as duas seguiram para o quarto.

— Chyio, por favor... Conte-me o que está havendo. Estou presa aqui há tantos anos, sem nem saber o porquê... Você não tem noção de como é não ser livre.

— Tenho uma noção, senhorita. Vou lhe contar a verdade... Mas a senhorita deve me prometer não fazer nenhum som, gritar... Qualquer outra coisa.

Sayuri fez disse que sim então a garota cega se acomodou ajoelhada no chão e começou a falar. A história começava há muito tempo atrás, quando um poderoso mal foi selado naquela pequena vila. O Mal destruiu muitas vidas naquela época, muitas jovens garotas foram mortas para poder selá-lo ali naquele grande portal vermelho. Para isso foi preciso sangue. O sangue das jovens que o Mal havia matado. Assim eles prenderam o Mal e fecharam o portal com as cordas banhadas em líquido vermelho.

— Mas a senhorita sabe, as cordas desatam...

As cordas desatam a cada Ano da Cobra que chega. Dessa forma, os anciões tem que banhá-las em sangue novo para que o Mal não escape, e assim arruíne nossas vidas novamente. Sayuri já não queria ouvir mais... Agora já sabia para que a mantinham trancada.

— Senhorita, quero lhe lembrar de que o Ano da Cobra é daqui a poucos dias... A senhorita é a donzela escolhida para que o sangue seja a fonte da salvação, compreende? A Donzela do Santuário das Cordas não pode ter nenhum contato com o mundo, pois se não ela corre o risco de ser impura entende?

Estava horrorizada. Queria fazer uma pergunta, mas estava com medo da resposta. Agora se sentia com medo de tudo.

—... E como a Donzela é sacrificada, Chyio?


— Não acho que seja prudente eu lhe dizer, senhorita.

Sayuri agradeceu mentalmente pela resposta. Havia outra coisa que lhe intrigava profundamente e dessa vez queria desesperadamente saber a resposta.

— Se eu não posso ter contato com o mundo, por que me deixaram falar com você?

Chyio levantou a cabeça e olhou em sua direção como se pudesse a enxergar. Sorriu carinhosamente e sua voz ecoou pelo espaço.

— Por que também serei sacrificada, senhorita. E por que os anciões acham que garotas não podem se tornar impuras quando falam com outras garotas.

Sayuri ficou petrificada. Então a pequena menina cega também estava na mesma situação. Mas por que? Por que precisavam dela para o ritual? O que fariam a ela? Por que tanta crueldade para com elas...? Não haviam feito nada errado, haviam? Sem se dar conta, começou a chorar. Havia tanta coisa lá fora, e simplesmente morreria ali. Como Chyio poderia estar tão calma? Enxugou as lágrimas e perguntou:

— Você sabe como será sacrificada?

A cega não deixou o sorriso lhe sair dos lábios. Fez que sim com a cabeça, e tocou ao lado dos olhos.

— As velhas senhoras dizem que não irá doer, pois sou cega. E estou bem com isso, aos poucos você irá se acostumar com a ideia da morte andar tão próxima de você. Eu me acostumei. Nunca vi coisa alguma do mundo, senhorita. Creio que para mim foi mais fácil devido a isso, mas espero que possa aceitar que sua morte salvará muitas pessoas, senhorita.

Aquele sorriso estampado em seu rosto estava lhe irritando. Iria morrer... Como poderia aceitar isso calada?

— Por hoje chega Chyio. Pode voltar... E... Obrigada por me contar.

— Não há de que, senhorita.

A cega fez uma profunda mesura e pediu para que Sayuri a acompanhasse até a porta. De lá a Donzela do Santuário da Corda observou Chyio passar pelo portal vermelho, sob a luz da lua. As lágrimas lhe embaçavam um pouco a visão e aos poucos já se viu soluçando enquanto encarava a lua através da janela, se perguntando o por que.

Depois daquela noite cansativa Sayuri começou a enxergar as coisas de outro jeito. Olhava para aquela floresta repleta de neve com mais ódio que o normal, com mais rancor. O seu único escape para todo aquele ódio era a bondade de Chyio, que vinha todos os dias e logo mais a noite para conversarem. O fim de dezembro se aproximava, e nenhuma das duas sabia ao certo a data do ritual, o que Chyio ouvira foi as escondidas. Não cogitaram fugir, pois não havia como, mesmo que pudessem sair do Santuário das Cordas, que era como todos chamavam a cabana de madeira em que Sayuri morava, pois Chyio tinha as chaves, teriam que passar por todas as casas da pequena vila até chegarem ao portão principal, que provavelmente estaria trancado. Passar pela floresta escura estava fora de questão. Não sabiam como sair dela, poderiam parar de novo no mesmo lugar o que seria, de passagem, muito frustrante.

Então quando Chyio chegava à noite e Sayuri a acompanhava até o seu quarto, tentavam fazer coisas que nunca haviam feito antes para não morrerem sem terem aproveitado pelo menos o que estava ao seu alcance.

Saiam do Santuário e iam até o outro lado, onde havia a floresta. Sentavam-se na neve e Sayuri podia respirar o vento gélido da noite e observar a lua, sem ser da estreita janela da casa de madeira. Já Chyio, que disse que nunca havia rido até chorar pediu para que Sayuri lhe contasse alguma história engraçada, já que todos da vila de quatro casas a evitavam. A Garota achou um pedido um quanto estranho, mas contou para a menina cega uma história que a velha empregada lhe havia contado há muito tempo atrás de uma gueixa em Gion. As duas riram muito juntas.

Mas o tempo corria quando estava junto à garota. Rápido de mais, a lua atravessava o portal e a floresta, e logo Chyio tinha que voltar para a sua casa. A acompanhava até a porta de madeira e se despediam apenas com uma mesura formal. Mas hoje Sayuri tinha certa urgência em pelo menos abraça-la. E foi o que fez.

Pela primeira vez, viu lágrimas de tristeza rolarem pelas bochechas da garota. Sentiu seu coração apertado, e se sentiu pior do que quando soube que seria morta até o final do ano.

— Até mais, Sayuri.

— Até, Chyio

Seu coração bateu mais forte quando ouviu seu nome sendo pronunciado pela primeira vez por ela. Sem nenhuma formalidade. Sem o “senhorita”. O vento bateu forte avisando as duas que já se havia passado tempo de mais. Sayuri entrou e Chyio fechou a porta com um baque, e logo se fez ouvir o som das chaves e da tranca.

Correu até a janela no outro cômodo e gritou:

— CHYIO!

A garota cega se virou.

— Promete que vai voltar amanhã?

— Prometo, Sayuri.

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Notas finais do capítulo

{ NOTAS DA AUTORA }
Olá a todos, e aqui está o quarto capítulo! Eu mudei a capa da fic algumas vezes mas essa vai ficar aí por um bom tempo. Enfim, Sayuri e Chyio!!! Adoro escrever a parte dessas duas na história!!! Acho muito fofo esse drama! E no próximo capítulo vamos ter mais de Chou e Karin!
Até o próximo capítulo!



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