O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 26
V.5 Encontro inesperado.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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O professor já tinha estado sentado, mas levantara-se assim que eu abrira o caderno dos apontamentos. Não dissera palavra e saíra do escritório e achei que tivesse ido buscar um prato com bolachas, porque ninguém o chamara.

Naquela noite, senti receio por estar ali, em forma de um estúpido e singular arrepio. Tive o pressentimento de que estava a meter-me onde não devia e que me deveria afastar.

Provavelmente a minha insistência para recomeçar com as aulas de japonês tinha sido exagerada e despropositada. Provavelmente duas semanas não tinha sido tempo suficiente. Mas tempo suficiente para quê?

Resolvi acalmar-me. Não se passava nada de estranho…

A família do professor era uma família normal, como tantas que havia por aí – a mãe, o pai, uma filha. Hoje, só tinha visto o professor, o que até tinha sido melhor, porque com todos os arrepios que sentia, ser recebida pela antipática da mulher dele iria arrasar com a pouca autoconfiança que arranjara quando tocara à campainha da vivenda.

A porta do escritório abriu-se. Eu estava de costas para a porta. Ouvi o som de passos que entraram, mas que depois pararam. Seria o professor e o prato de bolachas. Voltei-me, ainda sentada.

O coração caiu-me aos pés, fiquei sem voz, o sangue congelou nas veias, todo o meu corpo reagiu como se tivesse acabado de ser envolvido por uma rede.

Saltei da cadeira, lancei-me na direção dele. Então, a minha voz regressou.

- Tiago?!!!

Ele estava parado, agarrado ao puxador da porta do escritório do professor Gomano.

Atirei-me para cima dele, abracei-me ao pescoço dele. Era sólido e quente, não era nenhum fantasma. Toquei-lhe no cabelo, que estava curto, na cara, no peito, nos ombros, nos braços. Fui mais ousada do que contava ser, continuei a tocar nele, na cara principalmente, naquele rosto de anjo que era tão real e que estava ali, comigo, no mesmo plano físico, não era uma alucinação.

Ele agarrou-me nas mãos.

- Ana, calma. Sou mesmo eu.

Sacudi os braços e ele soltou-me.

- Mas, tu estás bem? – Perguntei sem fôlego. – Como é que estás tão bem? Só se passaram duas semanas! Estás curado? Completamente curado?

Ele franziu os sobrolhos, apreensivo. Recuou ligeiramente. Eu insisti:

- Ainda hoje o professor disse-me que tinhas sido transferido para uma clínica privada. Saíste hoje, foi? Deram-te alta? Já estás completamente curado?

- Do que é que estás a falar? – Tartamudeou incomodado.

- Mas tu não tiveste um acidente enorme, há duas semanas? Até eu estive no hospital para saber qual era o teu estado. Estavas em coma!

- Eu… Não sei do que é que estás a falar.

A resposta foi como um soco na testa. Abanei a cabeça, como que a despertar do golpe, mas continuei zonza.

- Do acidente – tornei, a sentir a boca seca. – Estou a falar do acidente.

- Eu não tive nenhum acidente.

- Ahn?

O professor Gomano entrou com o prato de bolachas. Quando nos viu estacou. Olhei para o professor, suplicando um esclarecimento. Sorriu para mim, daquela maneira idiota que lhe fechava os olhos, estendeu-me o prato e fiquei com as mãos ocupadas.

Começou a falar com o Tiago em japonês.

- Vieste visitar-me. Eu… não estava à espera.

- Não sabia que estavas com ela. Se soubesse, não teria vindo. Poupava este aborrecimento. Tem estado muito aflita a perguntar como é que me curei tão depressa. Pensava que as aulas de japonês tinham terminado.

- E tinham terminado. Mas hoje encontrou-me na universidade e não consegui convencê-la que já não havia mais aulas de japonês.

- Bem, se estás ocupado…

- Espera! Queres falar comigo? Eu mando-a embora.

- Não é preciso, volto noutro dia.

- Não, por favor. Fica. Eu também quero falar contigo… Há muito tempo que não o fazemos.

O Tiago olhou para mim. Tirou uma bolacha do prato e disse:

- Estou à espera, na sala.

Enfiei a cabeça na porta para vê-lo andar pelo corredor, tão saudável e composto, sem o menor indício de um qualquer grave acidente de viação que o tinha deixado em coma.

O professor disse-me:

- Ana-san, se não te importas, hoje não vamos ter a nossa lição.

Olhei para o professor. Fechei as pálpebras, abri-as. Fechei-as e abri-as outra vez.

- Como disse?

- Hoje não te posso dar a aula. Fica para amanhã, pode ser? Como viste, tenho visitas.

- Ele está curado?

- Está… - suspirou, revirando os olhos. – Está curado.

Não consegui perguntar mais nada. O professor tirou-me o prato das bolachas, colocou-o em cima da mesa, no meio dos papéis e dos livros. Fechou o meu caderno e entregou-mo, juntamente com a esferográfica. Recebi tudo sonâmbula. Depois, deu-me a mala e empurrou-me pelo corredor, as mãos sobre as minhas omoplatas e eu deixei-me empurrar, no mesmo estado apático.

Passei pela sala, guinei para o vestíbulo da vivenda, consegui ver as botas do Tiago, mais nada. Ele deitava-se no sofá, provavelmente a comer a bolacha e estava nervoso, porque não parava com as pernas quietas.

O professor despediu-se de mim e eu fiquei na porta, do lado de fora, com o caderno, a esferográfica e a mala colados ao peito, entre os braços cruzados.

Não me mexi durante alguns segundos, o tempo que o professor levou a voltar-se, sair do vestíbulo, entrar na sala e começar a falar. Quando ouvi a voz do Tiago a responder, em japonês, num tom diferente daquele que ele usava, ou que o professor usava, quando falavam em castelhano, consegui deixar aquele sítio onde me plantara.

Abri a cancela, fechei a cancela. Destranquei o carro, abri a porta do carro, sentei-me, atirei o caderno, a esferográfica e a mala para o assento do pendura, fechei a porta do carro.

Escuro.

Engoli a saliva. Soube-me mal e fiz uma careta.

O Tiago estava curado.

O estranho pressentimento que me acompanhava naquela noite acentuou-se.

Olhei para a vivenda do professor Gomano.

Algum dia, haveria de descobrir o que se passava ali. Não descansaria enquanto não soubesse a verdade.

Pelo menos, as aulas de japonês tinham recomeçado.

Algum dia, sem dúvida… Ou não me chamava Ana Isabel.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Um coração partido.



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