O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 24
V.3 As aulas de japonês.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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Depois de algumas noites a chorar aflita, agarrada ao travesseiro, resolvi esquecer o Tiago. Era como se dizia, as más notícias chegavam sempre primeiro e se houvesse más notícias, eu haveria de saber, de alguma maneira. O Tiago estava em coma e, desde que não piorasse, o seu estado seria sempre igual e sem grandes novidades a reportar.

Haveria sempre de saber, convencera-me. As novidades corriam depressa na cidade, especialmente os acontecimentos estranhos e como exemplo tinha a história recente e curiosa de um doente em estado crítico que tinha sido raptado do hospital. Desaparecera simplesmente e nunca mais se soubera o que lhe tinha acontecido. Nem a polícia, apesar de todas as diligências e de toda a sua autoridade, tinha conseguido encontrar esse doente.

Ainda considerara ir bater à porta da vivenda onde tinha visto o pai do Tiago a conversar irritado com o tal homem vestido de vermelho, a atirar para o laranja. Passara três vezes pela urbanização de Gambelas, abrandara à porta da vivenda do professor e não parara, abrandara à porta da vivenda do pai do Tiago e arrancara. E o que diria eu se o pai do Tiago me fosse abrir a porta?

Resolvi esquecer o Tiago, mas não consegui arrebitar. Continuava sem apetite, apática, tão tristonha que começava a dar nas vistas.

Depois, tive uma visão.

Ele saía da Reitoria, pela porta mesmo em frente à porta da Escola Superior de Tecnologia, no campus da Penha da universidade. Saía nos habituais passos apressados como se quisesse fugir de tudo e de todos. Chamei por ele num grito, agitando o braço:

- Professor Gomano!

Ele parou. Descobriu-me, tive mesmo a sensação que iria escapar-se e aproximei-me numa corrida. Estava ali a minha oportunidade de recuperar o alento da vida.

Os óculos dele descaíram para a ponta do nariz, ficou tenso. Uni as mãos ao corpo, fiz uma vénia.

- Koniichi-wa, Gomano-san.

Ele gaguejou pouco à vontade, a forçar um sorriso:

- Koniichi-wa, Ana-san.

- Há muito tempo que não nos víamos.

- Hai… Há algum tempo.

- Já podemos retomar as aulas de japonês?

Ele aligeirou o nó da gravata.

- Mas… As nossas aulas tinham terminado, Ana-san.

- Não, tinham sido interrompidas. Por causa do Tiago.

- Não foi bem isso que eu…

- E como é que está o Tiago?

- Está bem.

- Está bem, como? Já recuperou do coma?

Notei uma gota de suor que descia pela testa até à cana do nariz. Ele sentiu-a e limpou-a com a mão repetindo:

- Está bem.

Haveria que flanquear o professor.

- No outro dia desligou-me o telefone. Passa-se alguma coisa?

Mas ele, astuto, recuperou a postura e também me flanqueou.

- No outro dia foste apanhada a espreitar uns amigos meus. Eu também estava nessa sala, sabias? É de má educação andar a escutar as conversas dos outros às escondidas.

Senti a cara escaldar. Não tinha resposta para aquilo. O professor empurrou os óculos com um dedo, mas a cana do nariz estava suada e eles voltaram a descair. Tinha uns olhos bonitos, escondidos atrás daqueles óculos tão feios, uma armação grossa e preta que já não se usava em lado nenhum.

Não percebi por que é que continuou a olhar-me com um ar pensativo. Eu aproveitei a sorte de ele não se ter ido embora e insisti:

- Já se passaram duas semanas. Podemos retomar as aulas de japonês?

O professor suspirou.

- Tu não vais desistir, pois não?

Neguei com a cabeça.

- Porque é que insistes?

- Já lhe expliquei por que é que quero aprender japonês. Tenho de passar outra vez pela entrevista de admissão?

- Muito bem, Ana-san. Aparece esta noite na minha casa.

Sorri com a vitória inesperada. Ele tinha-me deixado ganhar a contenda e eu não entendia porquê, mas ele lá teria as suas razões. Deu meia-volta, mas lembrou-se de um último detalhe e encarou-me.

- Quanto ao Tiago…

O nome provocou-me um choque elétrico.

- Está bem, como te disse. Foi transferido do hospital para uma clínica privada e está a recuperar do acidente.

- Ah! Está a melhorar?

- Hai.

Sorri, apertei as mãos no peito.

- Ainda bem! Tenho estado tão preocupada… Afinal, ele não é aquele doente que foi misteriosamente raptado do hospital.

O professor fez um esgar.

- Nani?

- Não soube da história? Corre pela cidade inteira.

Recuou três passos.

- Não ligo a mexericos… Até logo.

Mas também eu esqueci de pronto o mexerico. Despedi-me do professor e fui caminhando sobre as nuvens até ao meu automóvel. Tinha sabido notícias do Tiago e as minhas aulas de japonês iriam recomeçar.

As coisas compunham-se, lentamente.

A normalidade haveria de regressar aos meus dias.

Assim acreditava, depois daquele encontro com o estranho professor Gomano.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
A conversa franca.



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