Hediondo escrita por Dreamer


Capítulo 4
William




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Sherlock abriu os olhos e demorou para encontrar foco neles. Estava em um quarto de hospital.

"Meu Deus, John!", lembrou-se. A Sra. Hudson se aproximou dele com um sorriso quase maternal:

––Que sorte a minha você acordar justo agora, no horário de visitas! Vou chamar uma enfermeira!

Ele apanhou a mão dela para não deixá-la ir e tentou falar. Sua garganta estava seca e ele engasgou sem conseguir.

––Oh, querido, John está bem. Acordou ontem. Lógico, ainda não está totalmente recuperado, mas vai ficar bem. Descanse agora, volto num instante.

Tentava lutar contra a incrível vontade de dormir. Precisava raciocinar. John estaria no quarto ao lado pensando que a queda do elevador fora um reflexo da visita deles ao subsolo do Diogenes Club, mas ele sabia que não era. Apenas não fazia sentido ser.

A porta do quarto se fechou e a persiana foi fechada com agilidade. Não era uma enfermeira e, antes de fazer suas conclusões sobre aquele homem apressado que entrara em seu quarto ele se virou e Sherlock o reconheceu.

Estranhamente, Sherlock entrara naquele hospital para falar com aquele homem que estava a sua frente.

––Eu sei que você não é Lestrade. Seu nome é Sherlock Holmes. E você foi até a minha casa porque sabia que havia algo de errado––começou Mulder.

––A Sra. Hudson está atrasada––comentou Sherlock, com a voz num sopro, percebendo que a senhora já deveria estar lá com uma enfermeira.

––Eu disse para ela que a melhor enfermeira daqui é a Sra. Lílian Pchtencko. Ela trabalha no 14º andar, sendo que estamos no 3º e estamos sem elevadores, ganhei uma quantidade de tempo considerável.

––Não foi educado da sua parte fazer uma senhora naquela idade subir 11 andares––rebateu, lamentando estar debilitado o suficiente para não jogar aquele imbecil pela janela.

––Ela está pedindo no balcão de atendimento. Logo aguardará tranquilamente sentada na sala de espera. O tempo que tenho, é o da enfermeira chegar até aqui.

––Que está se esgotando... Você não veio para me ameaçar, senão já teria feito. Você precisa da minha ajuda.

––Estou sem recursos nesse lugar, e preciso encontrar Scully. Enquanto você dormia, feito a bela adormecida, por dias, mais três assassinatos ocorreram. Persegui e reuni todos os dados que consegui. Mas cheguei num ponto difícil de seguir em frente. Aqui não é a América, e eu não tenho mais as facilidades do meu emprego. Preciso de recursos, e de alguém que saiba como acessar informações por aqui.

––E não tem como pedir ajuda oficial porque você não pode chamar atenção para si... Encontre-me na Baker Street, apartamento 221B. Você saberá quando, não?

Mulder afirmou com a cabeça. Em sua carreira no FBI já tivera que aceitar a ajuda de muitas pessoas. De videntes até pessoas que faziam contato com o além... Saíra do quarto de Sherlock imaginando que aquela seria a primeira parceira com alguém normal que faria. "Exceto talvez por ser britânico", pensou enquanto cruzava com a Sra. Rudson e uma enfermeira um tanto mal humorada pelo corredor do hospital.

.o.

––Sherlock, querido, você precisa descansar. Você mal chegou do hospital!

––Meu cérebro está praticamente atrofiado, Sra. Hudson. Eu preciso fazer alguma coisa.

––Eu disse que ele ia dar trabalho... ––suspirou ela para John, que sorriu para confortá-la.

Ela desceu as escadas, contrariada.

John já não sofria com nenhum arranhão. Ambos tiveram contusões com a queda, mas graças a um sistema auxiliar contra-acidentes, que funcionou após o principal ter falhado, o "acidente" não terminou em tragédia maior. Apesar de que, para Sherlock, ter o seu braço favorito para colar adesivos de nicotina engessado, parecia maior incômodo do que a própria morte. Quanto ao violino, não o olhava, tratava como um ponto cego do cômodo.

––Eu falei com Lestrade ontem, ele deixou uma lista para você. Estão empacados no caso do metrô.

––É evidente que estão, ele mal consegue enxergar as pistas mais óbvias... ––resmungou apanhando a lista com os nomes das vítimas. E observou em voz alta: ––Uma pessoa viajava anônima––e deu um tapa na lista. ––A pessoa que carregava a bomba!

––Com licença––interrompeu a Sra. Hudson na porta da sala mais uma vez. ––Você está esperando um tal de Sr. Mulder?

––Como poderia? ––perguntou John.

––Sim––respondeu Sherlock.

Mulder entrou no apartamento. Sherlock percebeu nele um homem muito diferente do que o bem humorado viciado em ufologia que vira já há mais de uma semana. Exibia uma postura profissional de um agente do FBI, com uma segurança no olhar que só alguém com sua experiência investigativa poderia expressar e um ar austero de grande concentração. O terno que Mulder deixara nos anos de FBI não eram necessário para que cada parte dele gritasse que fora um agente "workahoolic".

Sherlock apontou o sofá para Mulder se acomodar.

––O que gostaria exatamente, Sr. Mulder?

––Uma troca de informações.

––Quais?

––Você parece ter entendido bastante do que aconteceu, então eu vou contar a versão resumida dos fatos. Antes da ideia da mudança para Londres, minha parceira, Scully, veio para Londres por algum motivo. Ela disse que participaria de uma conferência, mas eu chequei os dados, ela nunca chegou a ir. Tenho certeza que o meu estado de euforia se iniciou antes do meu reencontro com ela. Quando ela voltou, eu já não era mais capaz de reconhecê-la. Vim para Londres com essa pessoa que se passou por ela enquanto me drogavam. E Scully, a verdadeira Scully, está desaparecida desde a sua viagem sozinha até aqui.

Sherlock esperou um segundo perfurando-o com o olhar:

––Como pode ter certeza que ela é outra pessoa que se passa por Scully? Você está dizendo isso apenas para protegê-la?

––Quando eu voltei do hospital encontrei uma pessoa na minha casa, tentando se portar como ela. Foi a pessoa que me enganou. Não fui capaz tirar qualquer informação sobre Scully dele... dela––confundiu-se no gênero. ––Brigamos e ela me abateu.

––Ela te abateu? ––surpreendeu-se John. A mulher que vira era pequena, Mulder não deveria ter tido problemas para dominá-la.

––Certo, ––ignorou Sherlock a intromissão. ––Então, você quer que eu descubra o que ela fez quando chegou em Londres para a conferência. Provavelmente é o caminho até ela. Você sabe que eu irei aceitar porque se eu não acredito na sua versão, ainda assim são informações do meu interesse, se ela realmente for a assassina e esta segunda pessoa que você mencionou não existir.

Mulder afirmou. Sherlock sorriu como quando encontra uma distração interessante.

––Tudo bem. Vou te ajudar.

––Não achei que eu fosse te convencer tão fácil... Em todo caso––ele passou uma pasta de papelão para Sherlock.

––Uma pasta do FBI?

––Um Arquivo X. Tive que mover alguns contatos para conseguir isso. Quando eu vi o efeito do gás naquela vítima de metrô, percebi que já havia visto isso alguma vez na vida. Li casos semelhantes a este efeito neste caso que estou te entregando. Sim, ele ocorreu nos Estados Unidos e não foi concluído, mas tenho certeza que encontrará alguns pontos interessantes.

Sherlock abriu a pasta, surpreso. Notou algumas fotos de corpos com as mesmas espécies de falhas provocadas pelo gás. Ele se levantou com a pasta e foi até sua mesa, passando a ignorar completamente qualquer outra coisa.

––Você sabe... Ele vai ficar por horas ali. Pensando. Então, se quiser pode esperar aqui, ou voltar mais tarde. Fique a vontade... ––disse John, tentando ser simpático. ––Quer um chá?

.o.

Através das roupas de meia-estação rasgadas, Scully sentia o frio transmitido pelas grossas paredes e pelo chão de pedra.

Os primeiros dias foram fáceis comparados àqueles. Neles, por mais que ela estivesse machucada, com fome, sede e frio, tinha a certeza de que logo seria encontrada. Duas refeições diárias oferecidas, longe de saciar a fome que reclamava, ela tinha certeza que seus raptores se sentiam demasiado generosos com ela. Na primeira semana, não se importou pela pouco e fria comida. Na segunda, percebeu que vinha acompanhada de algum inseto vivo que não foi capaz de identificar.

O doloroso na demora é o baque na esperança. Mulder estava atrasado. Ao menos, ela esperava que estivesse, porque o que justificaria tanta demora em seu resgate? Teria ela sido levada para algum lugar tão distante que nunca mais seria encontrada? Ela foi capaz de vê-lo novamente, mesmo depois de ter sido raptada e levada para fora daquele planeta. Seria muita ironia do destino se, depois de tudo o que passaram juntos, ele não conseguisse encontrá-la...

O frio parecia congelar até seus ossos. Criou uma rotina para movimentar-se naquele pequeno espaço no qual estava confinada, a princípio. Mas, aos poucos ficou cada vez mais tempo sentada ao canto de sua sela sem cama ou qualquer conforto. Lembrava-se de Mulder como se o frio também tivesse congelado o seu raciocínio. Congelou-se no único pensamento quente que conseguia ter.

Na quarta semana, chorou...

.o.

Difíceis os vícios que se criam em anos de trabalho: Mulder dirigia o carro que alugou. Não levara mais de dois minutos para se acostumar com os controles inversos do carro.

––Sr. Holmes, o Sr. acredita em vida extraterrestre?

––Ora, por favor! ––disse John descontraído, mas quando percebeu que os dois estavam levando aquela conversa a sério... Estranhou: ––Ah, ok, desculpe.

––Nunca levei em consideração qualquer conhecimento ligado a este tema. Eu só me importo com informações que me ajudem a desvendar casos. Teoria não aplicável a isso, eu não tenho interesse em assimilar.

––Então você aceita a ideia?

––Desde que haja evidências cientificamente comprovadas. Pare o carro ali...

Mulder encostou o carro. Não havia movimento naquela rua. Um mendigo remexia uma lata de lixo. Sherlock desceu do carro primeiro. O mendigo o viu e se aproximou deles.

Seria mentira dizer que Fox não se impressionou com a eficiência da rede de informações de Holmes. Sempre acostumado às mordomias do birô, nunca se dera conta daqueles que tudo viam e sabiam das cidades: os mendigos.

––Então? ––perguntou Sherlock.

––Eu vi a mulher. A mulher da foto que você enviou––disse mostrando o celular. Mulder disponibilizara uma foto de Scully para que Sherlock pudesse transmitir aos seus informantes: ––Eu vi ela sair daquele prédio. E, quando ela ia atravessar para pegar um taxi, um carro preto parou e um homem a puxou para dentro do carro. Ela gritou, mas não havia ninguém além de mim na rua àquela hora... O carro acelerou e foi embora rápido. Estava chovendo, então não consegui anotar a placa para avisar aos policias.

Sherlock sabia, mesmo que tivesse tido a oportunidade de anotar a placa, aquele homem não o faria.

Mulder olhou o prédio enquanto Sherlock dava algum dinheiro ao mendigo. Quando o homem saiu de perto para voltar às lixeiras, John perguntou:

––Vocês estavam pensando em adotar, Sr. Mulder?

––O que?

––Adotar uma criança.

Sentiu o gosto amargo do entendimento. O que quer que a tivesse atraído até Londres, usara alguém muito amado como isca.

––Porque?

––Aquele é o prédio do principal sistema de adoções de Londres.

Mulder mordeu seu lábio inferior. William, o filho deles, fora a isca...


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