Cípsela escrita por Taticastrom


Capítulo 4
Serendipidade


Notas iniciais do capítulo

Eu sei, eu sei, demorei horrores para postar esse capítulo, mas é que ele é o começo de tudo para ser sincera e queria que ele fosse o mais perfeito dos perfeitos, então terei que dedicar a todas pessoas que me fizeram escrever com tanto empenho.
Primeiro a duas amigas, que alem do apoio diário, me alegram com comentários sempre que possível da história. E são as duas criaturinhas que tem algum spoiler que escapou de meus lábios. Nana e Nic, vocês são as melhores, minha autoras preferidas!!
Mas tenho outra autora/leitora que tenho tanto apreço quanto a essa duas e essa seria minha querida Monique. Oh querida, pode ter certeza que você é um incentivo gigantesco para que esse capitulo fosse escrito e espero não desaponta-la com a história.
Também agradeço aos meus outros dois leitores maravilhosos. A MariGuimaraens e ao ARMartins, que devo ressaltar, foi a única pessoa que me fez ter vontade de ler algo sobre Zumbis.
E por último, mas não menos importante, talvez o mais importante, meu querido namorado. Que é um dos meus leitores fantasmas, mas que me apoia fora daqui. Obrigada meu bem, por tudo



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Serendipidade - anglicismo que se refere às descobertas afortunadas feitas, aparentemente, por acaso

Eu conhecia a floresta de Cípsela como a palma da minha mão. Passei muitas semanas de férias acampando ali com meu pai, e sabia que não havia nenhum perigo de adentrar no meio de seus pinheiros gigantescos, pois não havia grandes predadores, já que a floresta é muito próxima da cidade e, também, de acordo com as lendas, a cidade era protegida para que esse tipo de mal não entrasse em seus portões.
Contrariando todo meu conhecimento daquela área, havia um felino incomumente gigante que me observava. Mas não era como se estivesse preparando para atacar, era um olhar de sentimentos humanos, aqueles olhos eram estranhamente conhecidos.
Enquanto trocávamos olhares, eu continuava quieta, sem mover nenhum músculo, sabia que estava em um local que não seria ouvida se gritasse por socorro, e tentar uma disputa de velocidade com uma pantera não seria a coisa mais esperta a se fazer, principalmente porque apenas poucos metros nos separavam.
O animal soltou um rugido que trouxe medo para o meu corpo, e me vi clamando ajuda aos seres mágicos que regem a minha cidade, mesmo não tendo fé de que eles existem ou que seriam capazes de ouvir meu clamor silencioso.
Porém a pantera negra, que eu só enxergava graças à lua que iluminava o céu, passou correndo ao meu lado e adentrou mais a floresta, em direção ao lago que habitava meus sonhos. Mais do que rapidamente tomei o rumo contrário, a direção para casa de Julie. Fiz o trajeto no menor tempo possível e cheguei exausta à casa que exalava calma e saúde.
Bati a porta freneticamente, ainda havia adrenalina de sobra em meu corpo e não me lembrava de que horas eram e quão indelicado estava sendo. Matt abriu a porta, não parecia ter acabado de acordar, respirei fundo.
Depois comecei a reparar. Ele estava com todas as cores normais, não havia nada cinza em minha volta. Não podia ser um ataque, aquela pantera, por mais bizarro que pareça, era algo real. Aquele rugido, eu o escutei, e senti aquela fera tão próxima de mim que poderia ter me matado em segundos. Eu sabia!
– Você sabia o quê, criatura? - Matt falou, então percebi que falei em voz alta e ri. Durante meu riso a expressão do garoto mudou. - O que aconteceu, Kaká? - E pegando a minha mala que tinha jogado no chão para tocar a campainha, ele me ajudou a entrar na casa.
Julie acha que na sala de entrada de toda casa deve ter certas coisas para espantar os maus espíritos. Era é uma das cidadãs que ainda tem muita fé na misticidade de nossa cidade. Uma dessas coisas é uma mesa com um buquê de flores da época em tons claros, uma vasilha com água e um cristal - para que o ambiente esteja sempre purificado - e um espelho. No espelho há o reflexo de nossa alma, nossos temores e medos, mas nem todos conseguem ver as nuanças simples que acontecem quando você muda de humor apenas olhando um espelho.
Mas naquele dia, aquele espelho me serviu. Quando olhei para ele vi uma criatura pálida, tão branca que não duvidaria que fosse confundida com as paredes brancas da casa. Os cabelos cor de mel, que antes estavam presos em uma trança, agora eram um emaranhado estranho com pedaços de madeira e folhas presos. As mãos trêmulas e o olhar distante. Pelo corpo havia manchas vermelhas que se misturavam ao barro. Aquela era eu, após a minha corrida desgovernada pela floresta com medo de encarar aquela fera mais uma vez.
Comecei a rir, provavelmente parecendo ainda mais louca do que minha fisionomia aparentava. Peguei o copo de água que meu primo me oferecia e comecei a me acalmar.
– Acho melhor você tomar um banho primeiro e depois você me conta. - Ele ainda me olhava espantado, acompanhando-me até o banheiro. - Minha mãe viajou, mas vou pegar alguma coisa dela para você usar.
– Tenho tudo na bolsa, primo. Obrigada. - Bem, foi isso que eu quis dizer, mas o fato de ter puxado a bolsa disse mais do que os sonhos estranhos que emiti.
Entrei na água fria e deixei meu corpo relaxar. Estava segura, estava em casa. Matt era mais família para mim do que meus pais, na maioria das vezes. Ele era o irmão mais velho que nunca tive. Sempre cuidava de mim, me protegia de mais e adorava me irritar.
Terminei meu banho, coloquei um pijama e fui para sala. Matt estava vendo TV, mas assim que ouviu meus passos colocou no mudo e pediu para que eu sentasse e explicasse.
– Por que diabos você está aqui, as onze e tanta da noite, num domingo, como se fosse uma fugitiva que entrou na floresta?
Tentei não rir, mas eu realmente era uma fugitiva no meio da floresta. Matt não acreditaria em panteras em Cípsela, ele era uma das pessoas que mais me acompanhava nos acampamentos naquela região e, como eu, sabia que estávamos livres de felinos.
– Bem, não acho que você vá acreditar no que houve para eu aparecer toda machucada e realmente ter corrido como uma fugitiva pelas florestas, então vou falar apenas o motivo que me levou até a floresta. - Respirei fundo e disse uma única palavra, mas que já explicaria bastante as coisas. - Leskova!
– O quê? - Mais uma vez o garoto assustou. - Alexandra Leskova? Ela renasceu dos mortos?
– Algo assim, ou é a irmã gêmea dela que está lá em casa dormindo no quarto de hóspedes, só porque eu roubei as chaves do quarto da vovó, com meu pai.
– No quarto da vó? - Matt levantou, raivoso. - O que diabos aquela mulher faz com a cabeça do seu pai? A vó odiaria alguma vadia colocando seus pés no quarto dela, aquele era o ambiente sagrado dela... Eu lembro que ela nem me deixava entrar lá.
– Eu sei, por isso tranquei. Pelo menos por hoje aquela víbora não entra lá. – Estiquei-me no sofá e comecei a contar para meu primo sobre os acontecidos da semana, meus olhos foram aos poucos se fechando. Não havia dito uma só palavra sobre a pantera ou o motivo da corrida, mas Matt me acolheu de braços abertos e sem questionar. Ele estava comigo naquele trágico dia que Leskova destruiu todas as chances de eu ter uma família feliz.
Acordei assustada com os sons de passos, achando que era da fera que rodava meus sonhos, eu fiquei contente em perceber que era só meu primo que já se preparava para escola.
– A bela adormecida resolveu acordar? - E começou a rir. - Pode subir para se trocar, que vou terminar o nosso café.
Em poucos minutos já trajava aquela roupa ridícula que chamavam de uniforme e já esperava meu primo no carro. Estava com o livro das bruxas na minha não, lendo alguns versos das magias ali escritas.
– O que anda lendo, hein, prima? - Matt falou enquanto dirigia para o colégio.
– É um dos livros da vovó, temos um trabalho sobre os mitos de Cípsela e escolhi debater sobre as bruxas criadoras e protetoras da cidade. - Falei ainda olhando aqueles pequenos poemas melódicos que pareciam ter vida própria, como se figuras soltassem deles quando eram recitados.
– Eu lembro quando o Tiago mandou esse tema para minha sala. - O garoto começou a rir. - Ninguém falou nada além da lenda óbvia das cípselas, e ele ia ficando vermelho de raiva. A sala levou zero no trabalho.
Matt era apenas um ano mais velho que eu, cursava o terceiro ano no mesmo colégio que eu, mas não andávamos juntos no colégio. Ele não curtia andar com a pirralha dele.
– E a Nic pediu para ler depois. - Falei sorrindo, voltando ao assunto do livro.
– Falando na pirralha ruiva, faz tempo que não a vejo. Ia conversar com ela naquele dia que você passou mal, mas, né. - Ele sorriu.
– Muito bem, agora ela está apaixonada por um carinha mais velho de outra escola. Não me lembro do nome dele, Richard, talvez. Sabe como é, ele é baterista.
Matt fez uma cara meio triste e murmurou algo antes de virar para mim com um sorriso.
– Pode falar para pirralha que eu aprendi a tocar bateria também, e melhor, comecei uma banda. Ainda estamos procurando nomes, se ela quiser ir a um ensaio é só me pedir. Mas lembre a ela que tem que pedir com jeitinho. - Ele piscou.
Assim que meu primo terminou de falar, chegamos no colégio e eu já fui saindo do carro agradecendo a carona e perdendo o garoto de vista.
– Bom dia, margarida! - Falei perto do ouvido de Nicolle, fazendo a ruiva pular. Ela estava concentrada, escrevendo em uma folha de caderno.
– Nunca mais faça isso! - Ela me deu um tapa bem forte no braço, enquanto me sentava ao seu lado. - Estou terminando de escrever um capítulo da minha nova história. Os eventos parecem surgir na minha mente, como um filme que eu só tivesse transcrevendo as cenas. - E ela continuou a falar sobre o cenário da história dela. Eu a escutava atentamente, fazendo alguns breves comentários.
O sinal bateu e entramos na sala, como de costume estava uma baderna e todos falavam, gritavam e copiavam fervorosamente os deveres. Algumas fofocas básicas sobre o fim de semana e, claro, Lucca Hortz estava ali, sentado na carteira ao lado da minha, rodeado por garotas.
– Bom dia, meninas, como foi o fim de semana? - Aqueles olhos verdes folha seca me atingiram em cheio, ele olhava atentamente cada movimento meu. - Como você está, Karly? Nem te perguntei no sábado, mas fiquei muito preocupado com sua falta sexta, ainda mais porque essa ruivinha aqui disse que você nunca falta.
Agradeci a preocupação e menti dizendo que me senti um pouco indisposta no dia seguinte e, com um pouco de manha, consegui me livrar de uma sexta com dois horários seguidos de geografia, que só não era mais maçante porque eu passava a maior parte desligada, sem prestar atenção nas ridículas piadinhas de caráter sexual que ele fazia tentando conquistar os alunos.
Os três primeiros horários correram rapidamente, sem nenhuma aula interessante para ser lembrada ou algum evento marcante. Apenas um início de segunda-feira com alunos dormindo sobre as carteiras, alheios ao que o professor tentava ensinar.
No recreio contei à Nicolle sobre Matt e sua bateria, a garota começou a empolgar.
– Não acredito que ele cumpriu a promessa. - Ela começou a rir. - Meu Deus, eu vou ter que assistir àqueles filmes de ficção científica ridículos com ele.
Olhei para a garota, que agora parecia tramar uma saída para a enrascada que ela mesma se colocou, quando aquele par de olhos negros como a noite fixou em mim e tiraram toda a minha atenção para o mundo a minha volta. Aaron estava encostado na parede, rodeado por meia dúzia de garotas que tentavam atrair sua atenção, conversando sobre o último ato de rebeldia do menino.
– Olhar para ele não vai fazer o garotinho de doze anos voltar, Karly . - Ela me abraçou. - Sabemos que ali é um caso perdido. E o principal: você tem absolutamente nenhuma culpa disso.
Respirei fundo e tentei acreditar nas dóceis palavras de minha amiga, mas não podia. Eu era culpada por toda a áurea negra que rondava aquele garoto, eu tinha que carregar o peso de saber que transformei uma criança com futuro brilhante, amigável e amável em um monstro sem coração, eu ri da ironia. Afinal, o coração dele ainda estava ali, batendo, apesar de tudo.
O sinal bateu e eu fui andando para sala sabendo que aqueles olhos ainda estavam fixos em mim. Eu tinha a felicidade de não sair na sala do garoto, mas a sala dele ficava ao lado da minha, o que fazia com que esbarrássemos com uma constância desnecessária para duas pessoas que não suportavam ficar no mesmo lugar.
Toda vez que esbarrávamos naquele minúsculo corredor, eu ficava claustrofóbica, a lembrança daquele dia vem e me faz recordar toda aquela cena, o sangue escorrendo pela blusa cinza, os olhos negros, a mão manchada de sengue, vista embaçada e o ódio. Que com o tempo se perdeu na mistura de sentimentos que vivo toda vez que revejo aquele momento, nem sei mais ao certo de quem é o ódio, dele como estava naquele dia ou se é de mim por ter perdido a cabeça e atacado meu melhor amigo.
Tinha dias que eu apenas parava para pensar como estava andando pelos corredores de uma escola ainda, eu devia ser internada, eu era um ser completamente antissocial, um monstro que deveria estar engaiolado, preso por correntes que não quebrasse. Mas eu era uma assassina em potencial sem vítimas concretas, eu era uma aberração que as pessoas tiveram dó de destruir, eu era remediada com psicólogos, remédios, terapia e amor. Bem, era isso que todos me falavam, eu não agi intencionalmente, era algo animalesco que havia me tomado e ninguém podia me culpar por ter agido no momento de raiva.
Aquelas palavras me deixavam ainda mais irritadas comigo mesma. Eu era culpada, tinha muita ciência disso. Eu tirei o sorriso que mais amava daquele rosto, eu tirei o brilho de seu olhar, deixei-lhe dias, meses em uma cama de hospital. Eu não o matei de verdade, mas tirei qualquer oportunidade de uma vida boa, eu o destruí por dentro.
Entrei na sala e continuei imersa no mundo de problemas que um par de olhos negros me trazia, tanto que foi preciso o Tiago chamar mais de uma vez a minha atenção para que arrumasse a minha carteira para que desse início ao trabalho.
– Quando eu tinha a idade de vocês meu avô me contava as mais diversas lendas sobre a cidade e eu ficava tão impressionado de como aquilo foi criado, que dediquei parte da minha juventude em busca de documentos sobre cada uma das lendas, até hoje eu continuo em busca de alguns livros perdidos, algumas histórias passadas de boca em boca sobre os seres mágicos que habitaram e habitam nossa cidade na mente desse povo fervoroso. – Ele andava pela sala e parecia estar falando com cada um. – Muitos moradores acreditam nessas lendas tão cegamente, que é vital para eles. Foi criada uma atmosfera para manter a mente desses alienados, de reforçar cada uma das histórias que seus avôs e pais um dia contaram. E eu quero saber o que vocês acham e o que sabem. Como sempre, nossa autora vai começar a falar.
Nicolle revirou os olhos e se levantou, carregando o livro que eu havia entregado a ela. Ela já havia se acostumado com as brincadeiras do professor, pelo fato dela ser uma aluna que adorava falar, perguntar e se intrometer, ela sabia que ele a adorava. Com um sorriso no rosto e uma voz de mistério, ela começou:
– Quando era criança, meu pai costumava me fazer dormir contando alguma história sobre bruxas. Mas não eram quaisquer bruxas, eram as protetoras de nossa cidade. Desde o primeiro relato de Cípsela, existe alguma história contando sobre seres mágicos, tanto que deram os créditos da “criação” da cidade a elas. Os mais fervorosos, que acreditam na magia que as palavras têm - quando se é bruxa - guardaram os livros de magia, e eu estou com um deles hoje. – Ela abriu um dos feitiços que ela gostava e já tinha deixado marcada. – E achei que combinaria bem para dar início ao nosso debate, pois ela fala de quase todas as lendas que podemos discutir, portanto, ninguém precisa se preocupar em se transformar em um porco. Dois motivos. Um: eu não sou da linhagem bruxa, os registros alegam duas famílias os Brandt e os Wink; e segundo: é um registro da bruxa que é dona do livro.
Nicolle respirou fundo, ajeitou seu cabelo e pegou o livro de minha avó, mesmo já tendo quase decorado. Enquanto isso, foram ouvidos alguns cochichos sobre os sobrenomes citados, mas todos sabiam que qualquer pessoa que um dia carregasse esse sobrenome nunca falava assim. A árvore das famílias sumiu da história da cidade.
Era para ser apenas mais uma noite de lua cheia, uma noite calma, as bruxas se reuniriam no lago, nas profundezas da cidade, para renovar a proteção que elas davam àquele povo. Eu estava com elas, era uma delas.
Após a Caça às Bruxas e as Grandes Guerras, meu povo foi obrigado a se esconder entre pessoas normais, não usar magia, só se fosse de extrema necessidade. Com a destruição de nossa terra natal toda tradição que um dia as bruxas criaram ruiu. Sem terras, fomos obrigadas a lidar com o inimigo, com seres que outra família bruxa criou, a total aberração.
Eles adentraram a cidade conosco, nos deram proteção quando necessário, e retribuímos de maneira igual. Mas não havia vínculos entre dois povos tão contrários que pudessem suprir o ódio de um ter criado o outro. Logo, naquela noite, os transmorfos foram ver o que fazíamos na floresta tão tarde.
O lobo branco foi o primeiro a surgir, ele olhou para o líder dos Wink que estava na minha frente e rugiu, não era uma boa ideia uma guerra entre seres, mas o que se podia fazer? Uma Brandt apareceu do lado da bruxa de linhagem oposta, olhou para aqueles caninos abertos e rugiu em desafio. Em seguida, apareceu a raposa com a coruja, a sabedoria deveria impedir aquele atentado louco que eles queria fazer.
E assim foi feito. Seres opostos juraram trégua, mas não era algo datado. As bruxas odiavam aqueles seres que podiam se transformar em outros e simplesmente viver nas florestas enquanto elas eram queimadas vivas. Mas era preciso uma união mínima para que existisse alguma paz naquela cidade.
Daquela data em diante, a cidade ficou dividida entre bruxos e transmorfos, sendo que o último tinha maior parte, por serem quatro famílias contra duas. O tempo passa e as fronteiras que criamos desmancham, com a chegada de humanos que também querem fugir dos males do mundo, pois de outra maneira seriam incapazes de adentrar a proteção.
Uma das bruxas, em seu momento de vidência, disse um dia que todas fronteiras cairão, nem as famílias saberão de seus poderes até a data certa, eis como será protegido a magia que um dia transformou água em casa e cípselas em esperanças.


Nicolle largou o livro e esperou que Tiago falasse algo.
– Tendo em vista o texto lido, alguém quer começar a discutir sobre as lendas?
– Os transmorfos, quero enfatizar que não são como os descritos na série Sobrenatural, tão pouco como os lobisomens. A lenda realmente diz que uma das famílias tinha um lobo como animal de transformação, mas eles não tinham qualquer ligação com a lua. Eles foram gerados pelo ódio dos Winks - a família bruxa não suportava aquelas quatro famílias, por motivos que nunca chegaram a ser escritos, era preciso preservar a boa relação entre os povos – que queria causar a dor que eles causaram a ela. Dizem que a transmutação é dolorosa, e no estado se selvageria que vinha nos primeiros tempos de transmorfo, os que possuíam os genes se tornaram assassinos de seus entes queridos, a força sobre-humana com a perda da humanidade momentânea fazia com que eles matassem, ferissem e destruísse tudo que estivesse próximo em seu acesso de raiva. – Disse uma garota morena, que sentava na primeira cadeira perto da parede e parecia se esconder no meio de livros e papéis, se recordo bem seu nome era Annabelle .
– Também é preciso ressaltar o ódio entre as seis famílias. Não era algo simplesmente racial. As bruxas se odiavam tanto quanto odiavam os transmorfos e vice-versa. Nunca uma Brandt poderia ficar com um Tharde ou um Wink. – Eu comecei a falar, apesar de meu ódio por ter olhos focados em mim. Respirei fundo e comecei a olhar para frente e continuei: – Uma bruxa odiar um transmorfo é óbvio, mas, se entender, para as bruxas, não é muito bem explicado. Em alguns documentos que minha avó possuía, dizia que o ódio vinha pela criação dos transmorfos, outros já falavam que eles praticavam magia de formas opostas, o bem e o mal. E entre as famílias transmorfos seria pela especialidade que cada uma tinha e fazia se afastar, os Tharde eram os mais rápidos, osHortz tinham uma visão mais ampla, os Fortini eram os mais astutos, e os Morelli os mais sábios.
E assim seguiu por uma meia hora, com as turmas falando sobre todas as outras lendas que não tinham grande força na cidade. Vampiros, zumbis, fadas, duendes e esse tipo de coisa. Alguns alunos ali tinham muito apresso pelas lendas, alguns acreditavam nas mais bobas. Mas quem era eu para julgar? Uma garota que pedia a um dente-de-leão que a deixasse voltar ao tempo, mudar os fatos.
No meio do meu devaneio sobre o meu passado um par de olhos cor de folha seca surgiram na minha frente. A principio eu continuei pensando, mas não era sobre minha infância, era sobre aqueles olhos. Nas poucas vezes que tinha conversado com Lucca ainda não havia reparado em seus olhos daquela maneira, eles eram líquidos, parecia que sua alma estava guardada ali, e eu me perdi naqueles belos olhos por alguns segundos até me dar conta de que ele falava comigo.
– Desculpa, estava meio desnorteada aqui. – Falei, provavelmente bem envergonhada de tê-lo encarado tão descaradamente.
– O que aconteceu com você? – Aqueles olhos preocupados se voltaram para meu braço, que tinha arranhões superficiais dando uma tonalidade estranha.
– Problemas em casa. – Falei fria, não iria debater meus problemas com um estranho.
– O que diabos você esperava ao sair correndo na floresta? – Ele falou, mas parecia que era mais para ele mesmo. Vendo minha cara ele emendou. – Suponho que, para você ter feito isso no seu braço, você resolveu brincar de pega-pega em um lugar com muitas árvores.
– Muito astuto você, Hortz, achei que a qualidade da sua família era a visão. – Comecei a rir. – De fato, eu dei uma de fugitiva pela floresta, contratempos em casa.
Assim que terminei de falar, o sinal soou e eu joguei minha mochila no ombro e saí. Aquele garoto tinha o estranho talento de me adivinhar. Cheguei perto do professor para que ele sanasse uma dúvida que não encontrei nos livros, bem não a tempo da aula.
– Tiago, posso fazer uma pergunta?
– Além da que acabou de fazer? – E ele sorriu. – Claro.
– Como você deve saber, algumas das rixas das famílias eram maiores, em nenhum livro da biblioteca da minha avó há mais de uma linha falando sobre os Hortz. Na verdade, só o chamam de quarta família ou olhos grandes, pela especialidade. Então não sei qual é o animal que eles supostamente se transformam, mas sei de todas outras famílias.
– Evellyne, venha aqui, por favor. – A garota pareceu saltitante pelo fato do professor chamá-la, ajeitou os cabelos e debruçou sobre a mesa dele, fazendo uma voz sedutora enquanto perguntava em que podia ser útil. – Poderia me emprestar alguma coisa sua com o broche da família? - Mais que rapidamente a garota puxou a blusa para revelar uma tatuagem no ombro.
Engoli seco duas vezes pela cena, fiz uma cara de espanto ao ver a tatuagem. Evellyne foi um tanto quanto ousada por mostrar a um educador, exibindo mais coisas do que apenas o desenho. Tiago falou:
– É uma pantera negra.


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Notas finais do capítulo

Ps. Prometo que até janeiro escrevo o cap. cinco rsrs