Friendship escrita por Hikari


Capítulo 2
Cinco Anos Atrás.


Notas iniciais do capítulo

Postada! :D
Espero que gostem. (:



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Passaram-se quatro anos após nos conhecermos, quatro anos depois daquela incidente.

Descobrimos mais tarde que Harriet e Judie haviam se mudado de orfanato e por isso não a víamos mais, o que era um alívio para nós duas.

Mesmo depois de elas partirem, não mudou tanta coisa.

Cada dia que passava era um esforço para ter coragem de levantar, queria a cada dia mais a carência de meus pais, uma família com quem compartilhar felicidades e uma casa de verdade para poder chegar depois de ir a uma escola.

Se não fosse Amber para estar do meu lado e me ajudar, não saberia o que fazer, apesar de ela dizer que eu era forte e que queria poder ser como eu, eu, particularmente, pensava justamente o contrário.

Estávamos na mesma época daquele dia que nos conhecemos, em meados de julho, na mesma época também de que nossos pais morreram.

Estava do seu lado, no banheiro, sentada no chão, eu falava palavras de conforto para Amber enquanto ela chorava, nesta mesma época, em todos os anos, ela chorava.

Eu, assim como ela, ficava triste, uma intensa agonia me perfurava e as cenas daquela noite voltavam, chorava e lamentava de quando em quando e Amber sempre estava lá para me amparar.

Nós havíamos virado melhores amigas, se é que em algum outro dia nós não fossemos e ambas protegíamos uma a outra, em qualquer momento, tanto nos estudos como fora deles.

Amber fungou ruidosamente e ficou em silêncio, olhei para o horário do relógio que eu ganhara de minha tutora, Olivia. Já eram duas da manhã.

Passei a mão pelas suas costas e bati levemente nele.

-Pronta? –perguntei hesitante.

Ela pegou o seu pano, passou pelo rosto e levantou-se renovada. Era espantosamente incrível quando você desabafava e depois se sentia outra pessoa.

-Sim. –ela respondeu, me ajudando a se levantar.

Depois de ter lavado o rosto e voltado em seu estado habitual abri a porta do banheiro e ela saiu, curvando-se imitando as pessoas antigas, ri e imitei-a.

Fomos para o quarto e nos arrumamos silenciosamente na nossa cama, no beliche ao lado descansavam duas meninas mais novas.

Escutava Amber se remexer na cama, inquieta, enquanto eu tentava dormir. Tentava, porque a coisa estava crítica.

-Amber! –ralei com ela, baixinho. –Precisa de ajuda aí?

-Ha-ha Abigail. –ela chiou. –Estou incomodada por outra coisa.

Sua cabeça apareceu no lado de cima do beliche, apoiei minha cabeça com a mão e levantava-me com o cotovelo.

-E o que seria? –perguntei gentilmente, com um sincero pedido de desculpas no olhar, querendo dormir logo.

As meninas do beliche ao lado reclamaram e se viraram, Amber desceu até minha cama e eu dei um espaço para ela se esticar.

-Eu estou com medo de ninguém nos adotar. –ela falou, chegando para mim um sussurro quase inaudível.

 Olhei-a, perplexa.

-De onde veio essa ideia?

Ela olhou para o teto do beliche e levantou os braços, contornando a linha da madeira.

-Bom, você sabe, temos doze anos agora e quanto mais velha ficarmos, mais difícil será de nos adotar.

Ponderei no que ela dissera, era realmente verdade, quando pequena tivera várias entrevistas com casais, muitos quiseram me adotar só que eu recusara, não queria outra família senão a minha verdadeira e cada vez que crescia ficava mais complicado de Olivia achar alguém que quisesse adotar alguma criança da minha idade.

Mas, sinceramente, não que eu me importasse muito com isso.

-Você acha que nunca seremos adotadas? –Amber perguntou para mim, descendo o braço e me olhando ansiosa pelo que falaria.

Dessa vez foi minha vez de desviar o olhar.

Tínhamos uma perspectiva diferente de olhar para isso, como dissera não me importava muito em ser adotada, Olivia sim que era preocupada por nós duas com isso, mas pelo visto Amber estava querendo muito uma família nova. Não a culpava por isso.

Respirei e soltei o ar pela boca, pensando no que responderia.

-Acredito que tudo virá vir com o tempo, vamos ser adotadas na hora certa, nunca se sabe. Talvez amanhã algo aconteça, quem sabe.

Ela ficou animada e conversou comigo até cinco horas da manhã, mesmo eu estando cansada, parecera que ela se animara ainda mais, eu cochilava sem eu ao menos perceber e acordava com ela falando coisas totalmente diferentes de antes.

Ela voltou para cama só depois de eu falar para ela pela terceira vez, conseguindo por fim convencê-la a se deitar, ela dormiu na hora, mesmo dizendo que não estava com sono e eu também, pensando como acordaríamos de manhã. 

Acordei lentamente com dor de cabeça, virei o rosto, o beliche ao lado estava vazio, a cama desarrumada e eu não estava com a mínima vontade de levantar e arrumar a minha.

Abracei o travesseiro e estava prestes a voltar a dormir de novo quando algo pesado, grande e com uma tremenda alegria incontrolável pulou em cima de mim, com a demasiada força do impacto quase destroncando minha coluna.

-Abbie! Abbie! Você não vai acreditar! –exclamou Amber no meu ouvido, me deixando surda.

Ela já estava acordada? Deixei aquele pensamento e a realidade ir para um lugar bem fundo na minha mente e o sono invadir meus pensamentos, aquele panda estava voando?

-Abbie! –o panda gritou e senti ser empurrada, caí no chão com estrondo, acordando de um pulo notando o rosto aflito de Amber me fitando.

Grunhi e sentei-me, contrariada.

-Sim, Amber. –disse com os olhos sonolentos querendo se fechar de novo, ficando traumatizada por pandas voadores.

Amber pulou de bruços na minha cama e deu um sorriso de orelha a orelha, ela estava como o gato de Alice no país das maravilhas empoeirado em um galho de uma árvore.

-Eu... –começou ela me provocando, falando bem devagar. –Fui...

Ela segurou o “i” e eu lancei um travesseiro nela, que riu descontroladamente.

-Fala logo! –jorrei impaciente.

-Está bem. –ela me acalmou, sentou-se, pigarreou e juntou as mãos no colo, tentando se fazer com cara de séria. –Eu fui adotada.

O tempo parou a minha volta. Eu ouvira certo? Ou por acasos ainda sonhava?

Levantei e certifiquei-me se não havia nenhum panda voando pela janela, olhei para ela que me encarava, impaciente.

Não havia nenhum panda, não estava sonhando.

Abracei-a com força, derrubando-a da cama.

-Você está falando sério? –perguntei, mal me contendo, a senti assentir com a cabeça afirmativamente.

-Sim! Me acordaram cedo hoje de manhã para fazer uma entrevista, eu ainda fui meio receosa, nunca me adotaram depois de conversarem comigo, talvez seja por causa da minha timidez, mas era um casal tão adorável que eu logo não me senti mais tímida, e sabe o que mais? Eles são da Inglaterra!

Separamo-nos e eu senti uma felicidade afluir de mim, estava contente por ela, ela parecia tão animada, como se fosse o dia mais feliz de sua vida, o que provavelmente era, e eu me alegrei por o desejo dela se realizar.

Então uma dúvida passou pela minha mente, uma dúvida incomodante que martelou na minha cabeça, uma fisgada de dor apareceu no meio de minha alegria.

-Abbie, suas palavras fazem tudo acontecer. –ela me agradeceu, sorri relutante, como perguntaria o que eu queria perguntar?

-Amber... –disse rouca e sem jeito, as palavras entaladas na minha garganta lutavam comigo para não sair de jeito nenhum, forcei-as a desentalar e poder conseguir falar. –Nós não iremos nos ver mais?

A verdade tomou conta de nós, os ombros dela caíram, assim como os meus, uma tristeza entrou sorrateiramente e se instalou no meu coração, invadindo todo o aposento.

Ela havia sido adotada, aquilo era incrível, ela teria uma família e seria amada por ela, finalmente, porém seríamos separadas e poderíamos não nos ver mais, como eu poderia deixar isso acontecer? Não queria ter que me separassem de Amber, minha única amiga que me compreende e confia de verdade.

-Não, isso não vai acontecer. –Amber falou com veemência, tentando transmitir confiança, mas eu percebi que ela própria vacilava. –Eu... Eu vou tentar convencê-los de adotar você também, poderemos ser irmãs!

Balancei a cabeça, não podia deixar que ela fizesse isso.

-Não, Amber. –falei com a voz resoluta. –Não faça isso, a escolha tem que ser deles e se eles só quiseram adotar uma menina, ou seja, você, não devia pedir mais, agradeça por isso, isso é uma benção.

Sorri fracamente para ela, tentando reconforta-la, por que eu fora falar nisso? Eu tirei a alegria dela, aquilo era a pior coisa que eu poderia fazer em um momento daqueles, ou em qualquer momento.

Vi que seus olhos começaram a brilhar e uma lágrima caiu sutilmente de seu rosto.

-Eu não quero... –ela tentou dizer, gaguejando.

-Amber... –abracei-a e ela chorou em meus ombros, o que eu fizera? –Amber, não chore... Não se preocupe, não vai acontecer isso mesmo.

Ela soluçou e foi como você ter acabado de tirar um brinquedo favorito de um filhote de cachorro.

-Quer saber? Não vai mesmo. –ela disse firmemente, confiante de si. –Vou te mandar cartas e visita-la sempre que puder, eu prometo.

Antes que eu impedisse, eu chorava com ela, iria sentir falta de sua companhia, claro. O que seria de mim agora? Enxotei esse pensamento para longe, não deveria pensar em mim, tinha que pensar nela, ela ficaria melhor lá, não tinha maior certeza do que essa.

O dia de sua partida havia chegado rápido, tão rápido que antes que eu percebesse, ela já estava na minha frente, de malas prontas e dizendo suas últimas palavras.

-Eu prometo que sempre vou te contar o que está acontecendo, você vai se sentir como se estivesse comigo.

Sua figura pequena carregando sua mala pesada na frente do corpo com as mãos juntas e me olhando com o nariz franzido de determinação me fez rir.

-Certo, não esquece que promessa é dívida, heim? –brinquei, abraçando-a e escondendo meus olhos tristonhos em seus cabelos longos que tinham, nesse tempo, crescido até a coxa, chegando quase aos joelhos.

-Abbie, vou sentir falta de você. –Amber me disse antes de nos afastarmos.

-Eu também vou sentir a sua, Amb. Cuide-se, está bem?

Ela sorriu e inclinou a cabeça para o lado, tirando a franja do rosto e arrumando o peso das malas nas mãos.

-Não se preocupe, vou ficar bem.

Uma buzina soou e ela virou-se para olhar o carro que a esperava, mandou-me um sorriso acolhedor e correu para o carro, tropeçando nos próprios pés e equilibrando-se de volta depois de oscilar entre a ponta dos pés sobre seu peso.

É, acho que ela ficaria bem.

Ela entrou no carro e um homem alto que aparentava ser jovem a ajudou a colocar a mala na traseira do carro, ele acenou para mim e retribuí o cumprimento, ele voltou para o banco de motorista e o carro partiu, a última coisa que eu vi era o rosto de Amber me observando pela janela.

Não nos despedimos, porque sabíamos que nos encontraríamos de novo por isso aquilo não era um adeus, iria esperar ansiosamente pelo seu contato.

A Sra. Odds apertou meus ombros delicadamente indicando que éramos para entrar, segui-a até a porta de entrada e então fomos a caminhos diferentes.

Vaguei pelo corredor até nosso dormitório e subi as escadas do beliche sentando na cama, agora, vazia.

-Amber. –sussurrei suavemente. –Espero que esteja feliz.

Uma única lágrima caiu de meus olhos que sequei depressa.

Descendo as escadas imaginei o que faria ali sem ninguém para conversar e estar comigo, o que será que ela estaria fazendo?

Conforme os dias se passavam eu ficava cada vez mais ansiosa e constantemente olhava para a caixa de correio, esperando ter algo dela. Saia de lá desalentada.

Uma nova menina começou a dormir na cama de cima do beliche, onde Amber costumava ficar, havia me acostumado tanto com o barulho da cama de quando Amber se mexia que o silêncio mortal que preenchia o quarto me deixava inquieta.

Após ter se passado duas semanas desde que ela partira chegou a primeira carta.

Estava na sala de estudos tentando ler um livro que Olivia me presenteara quando a bibliotecária me entregou um envelope.

Manuseei-o e vi o selo vindo da Inglaterra, meu coração bateu mais forte em meu peito, olhei para cima do selo e vi a letra tão conhecida de Amber, meu coração quase saltou para fora pela minha boca, de entusiasmo.

Abri o envelope desesperadamente, como se o mundo fosse acabar dali a um segundo, peguei a carta e li vorazmente, sorri. Era como se ela estivesse ali. Como ela prometera para mim uma vez.

Ela contara como era a sua nova casa com tantos detalhes que pude visualiza-la lá, ela tinha feito até mesmo um pequeno mapa.

Falara que tinha um cachorro agora, ri silenciosamente e me alegrei instantaneamente, ela sempre quis ter algum animal de estimação.

Além disso, havia feito um diário de tudo o que fizera desde que chegara, era mantinha a promessa como sempre.

Reli a carta umas três vezes antes de tomar iniciativa e pedir alguns papéis e uma caneta para a bibliotecária.

Não tinha muita coisa para falar para ela, aqui no orfanato não tinha tanta coisa para fazer, enquanto ela havia escrito quatro folhas sobre o que acontecera o meu só tinha dado uma, com letras grandes.

Apesar de tudo, tentei incluir as novidades, quase nenhuma, como a que Olivia havia me dado uma coleção de livros para ler de aniversário e que estava ocupando meu tempo com isso.

Fiz algumas perguntas a ela, o que me ajudou a deixar a carta maior, e terminei a carta. Era tão mais fácil conversar, quando era para escrever parecia que tudo o que você tinha que falar evaporava de sua cabeça e só aparecia depois de ter escrito o que devia.

Levantei e percebi que só tinha eu na sala, a bibliotecária bocejava abertamente e eu pensei há quanto tempo deveria estar lá.

Saí do cômodo, com a bibliotecária logo atrás, apressada para fechar a sala e ir para a cama, olhei para a janela que havia ao lado e percebi a vasta escuridão que cobria o lado de fora, desde quando já era noite? Nem vira o tempo passar.

A bibliotecária murmurou um breve “Boa noite” antes de se dirigir para o seu quarto, eu a observei subir as escadas e contemplei lá fora de novo, ergui minha mão e a pousei no vidro gelado pelo vento frio da noite.

Olhei a lua que refletia sua luz no céu e imaginei quantos milhões de pessoas estariam fazendo isso como eu. Será que Amber estava dentre essas milhões de pessoas?

Suspirei e deixei minha mão escorregar pela vidraça.

-Boa noite, Amber. –falei para mim mesma.

Virei-me e fui para meu quarto, apertando a minha carta e a carta dela contra mim, ajeitei minha cama e guardei as cartas numa das páginas do livro que eu lia, pretendendo enviar minha resposta no dia seguinte.

Sonhei com eu e Olivia morando juntas e sendo vizinhas de Amber, lá na Inglaterra.

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Os dias passavam-se se arrastando, desde que eu mandei a carta para Amber de volta eu nunca sabia quando ela responderia por isso eu tentava fazer qualquer tipo de atividade para me distrair.

Comecei a fazer as aulas opcionais de natação em que só tinham cinco alunas, contando comigo.

E com as aulas chegando seria mais fácil conseguir esperar, pelo menos eu acho.

Passamos os próximos meses trocando cartas, Amber me mandava algumas fotos do seu cachorro e da sua casa e lugares que encontrava por lá para mim e eu tentava fazer tudo quanto possível era ao meu alcance e fazer algo de interessante para falar para ela também.

Logo começou a chegar às férias de Dezembro e eu recebi a primeira carta de Amber anunciando que me visitaria.

Eu fiquei tão feliz que eu praticamente cantava enquanto andava e todos me olhavam desconfiados.

Não me importava com isso, eles não faziam ideia de quão feliz eu estava, estava explodindo de receio para chegar o dia previsto para ela me visitar.

Quando o dia chegou eu pulei da cama e me troquei, ainda nem tinha amanhecido e todos estavam dormindo.

Fui para o andar debaixo, destranquei a porta e adentrei no ar fresco da madrugada, que enchia o espaço e me acalmava, fazendo todos os meus músculos tensos se relaxarem.

Sentei em um banco que havia ao lado da porta e mirei ao longe, olhando o sol raiar e escutando o barulho dos pássaros acordarem e começando a cantar suas primeiras canções ao mundo, e o das cigarras ficando cada vez mais fraco para poder ter seu merecido descanso.

O barulho das pessoas acordando ficou mais nítido e o ruído de chuveiros sendo ligado e o povo andando a distância chegou aos meus ouvidos, a casa estava despertando.

Alguém correu exasperado para porta e apareceu nos degraus da frente, assombrada. Era Sarah.

-Mas o que...? –ela começou e parou ao me avistar, sorriu e aproximou-se, sentando-se ao meu lado.

-Abigail! O que faz aqui tão cedo? –perguntou, pegando minha mão. –E que mão fria, por que não se agasalhou?

Não havia notado de que ela estava usando um casaco, uma touca e luvas enquanto eu estava de blusa de verão larga e chinelos, contrai-me no banco ao receber o golpe de uma onde de ar gélido em meu corpo, como não havia sentido isso antes?

Adrenalina de ansiedade?

Sarah tirou as luvas e colocou-as em mim, esquentando-me.

-Obrigada. –agradeci. –É que eu não pude deixar de esperar aqui para quando Amber chegar...

-Ah! Então é hoje que ela vem visita-la... –ela assentiu e levantando-se disse: - Entendo como se sente e que quer vê-la o mais rápido possível, mas ela não iria querer chegar e descobrir sua melhor amiga sendo um boneco de neve, vai?

Ela me puxou do banco e estremeci ao receber mais uma pancada cortante do vento. Deixei que ela me levasse de volta e que me cobrisse e enrolasse o cobertor em volta de mim.

-Não quero ninguém resfriada por aqui, heim? –ela tocou delicadamente com o dedo meu nariz e sorri.

Ela não me deixou ficar lá fora porque estava previsto de que o tempo esfriaria mais do que já estava e que poderia chegar a nevar, o que realmente aconteceu algum tempo mais tarde.

Fiquei recostada na poltrona que tinha na janela da biblioteca, observando a paisagem afora com duas blusas de frio mais o cobertor.

Ficava sempre atenta para ver se algum carro chegava, mas pela minha distração com os flocos de neve caindo acabei não vendo Amber chegar, só quando a campainha tocou que eu acordei de meu pequeno devaneio e me agarrei a realidade.

Desci as escadas escorregando e cheguei à porta primeiro, abri a porta subitamente, assustando Amber que estava na minha frente e cai em cima dela, derrubando nós duas no chão que, por sorte, estava forrado com neve acumulada, amenizando nossa queda.

Rimos e nos entreolhamos, felizes pelo nosso reencontro.

Ajudamos a nos levantar e Amber me apresentou aos seus novos pais que sorriam para mim.

Sarah apareceu atrás de mim e começou a conversar com eles o que nos deu tempo e espaço o suficiente para que saíssemos de perto deles e de seu campo de visão, adentrando nos fundos do jardim do orfanato.

Fizemos guerra de bola de neve e competições de boneco de neve até que não sentíssemos mais as nossas mãos e elas ficarem sensíveis a tudo que nós tocássemos.

-O que há de bom por lá? Já se inscreveu em alguma escola? Lá é legal?

Amber balançou os pés para tirar a neve que impregnara ali.

-Sim, a escola é boa, apesar de eu me sentir meio deslocada, não é a mesma coisa sem você fazendo piadas e falando sobre os professores.

Ela riu e eu acompanhei, me sentia assim também, ali no internato, sem ela quem escutaria meus comentários?

Ela me cutucou, ansiando por minha atenção.

-E você? O que está acontecendo quando não estou?

Suspirei e no ar denso minha respiração quente se condensou e virou fumaça em minha frente, fiquei fitando a fumaça até ela desaparecer.

-Ah, nada de mais, sem você é tudo normal.

-Normal? Quer dizer que quando eu estava aqui não era?

-Não. –chacoalhei a cabeça, tirando os flocos de neve dos meus cabelos e estendi minha mão, vendo um floco cair lentamente em minha palma. –Era meio mágico, entende?

Ela trotou para mais adiante e parou na minha frente, com a testa franzida e com as mãos para trás.

-Defina “mágico”.

Olhei desconfiada para ela. O que ela estava pensando?

-Bom, era divertido.

Ela riu e eu percebi algo que devia ter notado antes, ela estava me enrolando, o que ela queria mesmo era...

-Guerra! –ela anunciou e atirou uma bola de neve em minha direção, desviei-me no último momento e olhei para ela com uma sobrancelha arqueada.

-Então é isso?

Recomeçamos nossa brincadeira e acabamos derrotadas jogadas na neve, olhando o céu e a neve cair, experimentamos a neve com a língua. Eu amava o inverno.

-Queria poder fazer isso todos os dias.

Amber se virou de lado, se apoiando com o cotovelo.

-E o que te impede de fazer?

Olhei para ela como se fosse à coisa mais óbvia do mundo.

-Você. Você não vai estar aqui.

Ela respirou profundamente e voltou a deitar-se.

-Eu queria poder estar por aqui com você, Abbie.

Ficamos em silêncio por um tempo e começamos a fazer anjos na neve.

-Você vai me visitar todas as férias? –perguntei esperançosa e virei o rosto para encara-la, ela olhou para o céu e desviou o olhar para mim.

-Não tenho certeza, Ryan e Chelsea vieram de passagem, é Natal daqui a algumas semanas e eles passam o feriado na casa dos pais que fica aqui nos Estados Unidos, é provável que eles deixem aos feriados quando eles forem vir de viagem, que já fica na estrada.

Anui, compreensiva, não iria a forçar a vir, a escolha era dela, ainda mais agora que tinha uma família.

Ficamos o resto do dia conversando, mostrei a ela minha coleção de livros novos e perguntei a ela se ela lia algum nesses tempos.

Quando chegou a hora de ela ir, fiquei melancólica e confusa.

Não era para me sentir feliz com isso? Por ela poder estar em um lugar onde estava acolhida e segura?

Afinal, ela estava bem e isso que importava.

Só que no meu coração eu me sentia sozinha. Se é que podia falar assim.

Os dias se passavam, o inverno passou e a primavera chegou, Amber me visitou novamente na viagem de volta e voltou para a Inglaterra. Era nostálgico lembrar-se dos tempos antigamente, mas conversávamos sobre isso por um bom tempo.

Nosso movimento de cartas continuou. As cartas, porém, ficavam mais curtas com o tempo.

Meu aniversário chegou e passou, recebi um tanto de dinheiro de Olivia que falava que eu tinha que começar a administrar meu próprio dinheiro, parecia minha mãe, o que na verdade, eu a considerava sendo como uma para mim. Ainda não entendia o porquê de ela não ter me adotado ainda, logo deixei esse assunto de lado, como sempre deixava.

De Amber eu recebi um CD.

Fui ao computador da biblioteca e pedi para que eu pudesse usar um, ela me entregou a senha e me estimou o tempo de uma hora.

Coloquei o fone de ouvido e coloquei o CD no computador.

Amber havia feito um vídeo sobre nós, ela pegou as fotos que ela tirava com a câmera que era de sua mãe verdadeira e encaixava na apresentação, no final havia gravado si mesma me desejando feliz aniversário.

Ela intercalava os dias que poderia vir, fiquei com medo de Ryan e Chelsea ficarem irritador por trazê-la aqui, mas parecia que eles levavam isso na boa, tinham até me conhecido e sabiam o porquê de ela vir.

Num súbito tempo adiante, nossas cartas começaram a ficar menos frequentes, com o passar dos anos tínhamos muitas interferências como o estudo e a correria, teve uma época que tive que esperar quatro meses para sua carta chegar.

Apesar disso, as visitas que ela realizava para mim permaneciam constantes, o que me animava muito.

O tempo foi passando e a sua ausência se tornou algo comum, não que eu já a esquecera, mas havia me acostumado a suas chegadas irregulares só que anuais.

Foi quando se passou dois anos de sua adoção de que o último dia de que a veria em pé chegou. Nunca desconfiaria de que aquele seria nosso último e inestimável momento em que conversaríamos novamente.

Estávamos no telhado, ela parecia estranha, vaga as coisas que falava a ela e alheia a vida a volta dela, andávamos cuidadosamente pela telha quando de repente ela escorregou e tive que segura-la para conseguir fazê-la se equilibrar.

-Amber! –exclamei. –Você está bem?

Ela olhou para o chão abaixo dela e sacudiu a cabeça, acordando com um tranco.

-Desculpe, acho que estava distraída.

Olhei-a como se falasse: “ah, sério?”.

-Sim, isso eu percebi. –falei alarmada.

Ela respirou e soltou o ar pela boca, sentou-se e abraçou os joelhos.

Sentei-me ao seu lado e examinei seu rosto atenciosamente.

-Você quer falar algo para mim?

Ela ergueu o rosto subitamente e deu um largo sorriso, mas pude ver que fazia aquilo contra sua vontade.

-Não, está tudo bem. Falei mais sobre a história.

Relutante, continuei a relatar a história de que eu contava, sobre o que o livro retratava, mas pude perceber que ela não prestava atenção, por mais que tentasse, podia vê-la facilmente se distraindo e olhando algo por tempo demais, sem ao menos virar-se para mim.

Vimos o pôr-do-sol no horizonte e trilhamos o caminho de volta ao solo, vi na porta os pais adotivos de Amber falando algo para Sarah, que escutava atenta.

-Abbie. –Amber me chamou e eu a encarei. –Hm... Você está feliz?

Surpreendi-me pela pergunta, o que ela queria dizer com aquilo? Ri, mas logo meu riso se esvaeceu ao ver a expressão séria e rígida dela, com nenhum traço de ironia, ainda esperava minha resposta.

-Bom... –pensei cautelosa. –Acho que sim, enquanto você também estiver.

Sorri e esperei ela dizer algo, mas não disse, apenas deu um leve sorriso e assentiu. Como se estivesse tomado sua decisão. Mas decisão para que?

Na hora de ela partir ela me abraçou fortemente e sussurrou no meu ouvido.

-Eu nunca a esquecerei, obrigada.

Antes que pudesse retrucar e dizer que aquilo, nosso afastamento, certamente não seria para sempre, ela já havia entrado no carro e se distanciava.

Sarah havia pegado minha mão e me levado para dentro, pensava no que ela havia dito para mim, decididamente aquela não seria nossa última visita.

Então por que eu sentia que alguma coisa houvesse bruscamente sido arrancada de mim?


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem. ^^ O que acharam da segunda parte? :3



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