Acordo assustado com alguém gritando ao meu lado.

– Levanta logo moleque! Hoje é dia de colheita, quem você acha que vai fazer os pães? – Diz minha mãe.

– Pelo jeito não é você, não é mesmo?! – Respondo de mau humor.

-Olha como fala... Quer morrer mesmo sem ir pra Arena?- Aquela mulher era um inferno.

Levanto da cama, lavo o rosto e vou preparar os pães. Meu pai está muito mais amável do que minha mãe, e o modo como ele me ajudou com os pães, assim como ontem, me fazendo sentir menos tenso. O modo como ele conversava comigo e me encarava com o olhar de espanto mostrava que ele estava preocupado, com medo de seu filho ir para arena. Era assim todos os anos. Ele tentava abaixar o clima de tensão, ainda mais com minha mãe brigando o tempo todo comigo.

Apesar de tudo, fazer pães hoje seria meio inútil, já que todos ou estão em sua casa juntos de seus filhos, com medo de perdê-los para a provável morte ou na praça do distrito, onde é realizada a colheita todos os anos.

Todos estão com medo. Inclusive meu pai. Mas, sinceramente, apesar de estar aterrorizado, o meu verdadeiro medo é de perder Katniss. Todo ano me convenço de que irei falar com ela, mas nada acontece. E é assim vez após vez. Medo de perder Katniss. Sim. Medo por perder a garota por quem sou apaixonado desde quando era criança. Ela provavelmente nem sabe da minha existência, enquanto eu... Bem, mais do que aparentemente sou apaixonado por ela.

Ao terminar de assar os pães e de permitir uma conversa com meu pai decido tomar um banho, já que o assunto parece ter acabado.

-Vou tomar um banho, pai. Valeu pela conversa. - digo, levantando-me da cadeira.- Valeu pela conversa.

-Filho, posso lhe perguntar uma coisa?- Ele faz um movimento com a cabeça indicando que eu devo me sentar. Assim faço.

-Fale

-Katniss. Você a ama não?

Uma tensão imensa percorre todo meu corpo. Sinto meu coração bater rápido e meu sangue esquentar. Minha mão começa a tremer e demora até que consiga emitir algum som.

-Ahn, err, anh.- Não consigo formar palavras e a única coisa que sai da minha boca são sons confusos.

-Filho, não se preocupe. Eu não sou tão ingênuo. Já entendi tudo.

-Como?

-O dia que você chegou da escola, todo feliz, sorridente entrou na padaria e a única coisa que disse foi: ‘’Era um anjo sem asas, com o canto mais belo do que de um pássaro’’.

Dei uma risada.

-Eu disse isso mesmo?

-Com todas as palavras.

-Haha, não acredito.

-Desde então vim percebendo como você ficava quando ela vinha à padaria, principalmente quando estava com Gale.

Permaneço quieto, esperando que ele continue ou mude de assunto. Como percebo que ele também está em silêncio arrasto a cadeira para me levantar.

-Bom, já está na hora. É melhor eu me arrumar

-Tudo bem. Ah, filho! Acho que você gostaria de saber que Gale veio aqui pela manhã. - Meu pai disse quando me dirigia ao meu quarto.

-Por quê?

-Veio buscar um pão.

-Ah...

Ele sorri para mim, como se fossemos melhores amigos. E, por incrível que pareça, estamos nos tornando. Com ele me sinto a vontade de falar de vários assuntos. E como é aparente, ele sabe dos meus mais profundos sentimentos. Meu amor por Katniss.

Ao entrar no banho fico ali por um tempo, embaixo na água quente, deixando que ela leve todos os meus pensamentos ruins. Me arrumo e faço um topete. Com plantas, faço um perfume agradável. Sim, estou muito apresentável, e posso dizer que até bonito.

...

A praça está ficando cheia. Quando chego entro na fila para tirar sangue. Ainda não me acostumei totalmente com essa picadinha e todo ano sinto uma leve dor. Em seguida sou mandado para junto com os outros meninos do meu distrito. De um lado estão as meninas, e do outro nós. Cada um estando apreensivos e quietos em seus mais profundos pensamentos, até que eles são interrompidos por Effie Trinket quando chega ao palco.

Esse ano ela está com um vestido rosa, púrpura. Não sei exatamente a cor, mas parece que agrada a todos. Ela bate no microfone duas vezes.

– Feliz Jogos Vorazes! E que a sorte esteja sempre a seu favor! Vamos ver agora um filme que a capital preparou para vocês. – O filme começa. O mesmo filme de sempre, que diz que a capital é generosa em nos colocar numa arena. É, muitooo generosa. Mas não presto atenção no filme, pois estou muito ocupado em procurar por Katniss.

Katniss está linda. O cabelo preso em duas tranças que se juntam atrás de sua cabeça, sem deixá-las soltas. Mas parece estar preocupada. De vez em quando troca olhares com Gale e diz alguma coisa, apenas mexendo os lábios, mas não consigo entender o que. Ela está preocupada por conta de sua irmã, Prim. Este é o primeiro dela na colheita e Katniss a mantém salva desde a morte de seu pai, já que sua mãe não está ativa e deixa tudo nas costas dela. Mas, assim como eu, ela não está preocupada com si mesma, mas com alguém que ela ama.

Quando volto a ouvir, Effie faz como todos os anos sua cerimonia.

–Primeiro as damas! – Diz ela visivelmente entusiasmada como todas as pessoas da Capital. Ela se dirige ao lado esquerdo (meu lado esquerdo) do palco até a bola de vidro com os nomes das garotas que serão sorteadas. Depois de escolher bem o papelzinho o lê em alto e bom som

- Primrose Everdeen. – Ela olha em direção a multidão procurando pela dona do nome.

Prim. Como algo como isso pode acontecer? Seu nome está ali apenas uma vez e ela foi sorteada. Nesse momento todos estão olhando para Prim caminhando para o palco. Tão pequena e indefesa se dirigindo agora para sua morte.

– Prim! – Reconheço a voz de Katniss, ela está desesperada. Mas... O que ela poderia fazer? – Prim! – Katniss vai em direção à sua irmã  mas os homens da capital a impedem de se aproximar.  – Eu me ofereço! Eu me ofereço como tributo!

Ela corre em direção a Prim e a puxa e a abraça até que Gale a afasta de Katniss.

Medo. Angustia. Dor. Tristeza.

Acho que eu devo ter me esquecido de como se respira, meus joelhos estão flácidos e não sei como eu não desabei no chão. Isso não é real, é? Parece mais um daqueles pesadelos de que eu não consigo me livrar. Katniss. O que eu mais temia aconteceu. Quero me oferecer no seu lugar, mas isso é impossível. Não há nada que eu possa fazer. Ela vai para a arena e eu não consigo impedir isso.

– Magnifico! O primeiro tributo do distrito 12 a se oferecer... - Diz Effie Trinket com aquela voz insuportável- Esse é o espírito dos jogos!

Prim agarra Katniss enquanto grita histericamente.

– Não Katniss! Não! Você não pode ir!

– Prim me solta! – Diz ela – Solta!

E então aquele Gale puxa Prim e a leva para longe dali, Prim chora e se debate em seus braços, mas é em vão.

Esse tempo todo eu estou me perguntando: Por quê? Porque eu não consigo acordar? Porque essa droga de pesadelo não tem fim? Porque eu estou sendo obrigado ver a garota que eu amo caminhando para sua morte? Porque eu não consigo encontrar uma maneira de protegê-la? Por quê?

Porque na verdade, essa é a realidade. A que é pior que qualquer pesadelo em que nada pode ser revertido. Essa é a dor real.

A minha vida inteira eu tentei criar coragem para falar com Katniss e, nesse exato momento eu me arrependo muito de não ter feito isso.

-Venha queridinha. Suba. Suba. – Ela puxa Katniss até o centro do palco. Ela prece meio perdida como se nada ainda tivesse entrado na sua mente.- Qual seu nome?

-Katniss Everdeen.

-E aquela é sua irmã, imagino.

-Sim- Ela diz fria e direta.

– É chegada a hora de escolhermos nosso tributo masculino!- Ela caminha até o outro lado do palco e pega outro papel.

Effie Trinket o abre, sorri e diz:

Minhas pernas tremiam mais do que nunca. Minha respiração era fraca, quase inexistente. Não conseguia raciocinar direito. Todos estão olhando pra mim e abrindo caminho. Só aí que entendo. Sim, Effie pronunciou em alto e bom som:

-Peeta Mellark.