Lonely Star escrita por Lana Snakebald


Capítulo 1
Céu Vermelho




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A tempestade parecia ainda pior naquela parte da floresta. Os pingos de chuva caíam grossos e violento, golpeando intensamente tudo o que estivesse sobre a terra e abaixo do céu. E atingiam também um par de óculos caídos no chão.

                O dono daqueles óculos não estava em melhor situação. Suas mãos já não tinham mais forças pra segurar a pistola, e ela deslizaria por suas luvas de couro molhadas, se ele tentasse ergue-la novamente.  E como uma das maiores potências do mundo, como um dos guerreiros mais fortes, América não conseguia acreditar e nem entender como fora parar ali. Como ele poderia estar agora caído no chão com o rosto na lama.

                Ela o observava de cima. Sua respiração arfante se misturando ao som da chuva. Ela ainda segurava seu remo, arma com o qual conseguira derrotar o rapaz loiro. Ela não era tão grande quanto ele, não era tão poderosa quanto ele, não tinha o mesmo poder tecnológico e nem bélico. Mas, isso nunca impediu Vietnam. Suas mãos poderiam estar trêmulas agora, ela poderia estar muito machucada, era só uma aldeã e não costumava evolver-se com os assuntos dos países modernos e suas indústrias. Mas ela tinha o poderoso América aos seus pés, e o derrotara só com seu espírito guerreiro e os poucos recursos que tinha.

                Poucos países no mundo poderiam se dar ao luxo de dizer que derrotaram o América. E muitos deles eram até bem mais poderosos e ricos que ela. E mesmo assim, ela não se sentia vitoriosa em vê-lo daquela forma. Não estava feliz em ver aquele loiro diante dela, todo machucado e sem forças se quer para levantar-se.

                Isso porque uma parte dela ainda o amava.

- Eu.... – soava a voz rouca do americano. Um sorriso fraco formando-se em seu rosto ferido e cansado. – Eu perdi.

                Ela ainda o encarava firmemente, segurando seu remo pronta pra certá-lo caso ele tentasse se erguer novamente. Ela tinha a expressão de uma guerreira, mas não sabia por quanto tempo conseguiria suportar aquilo. Pois as lágrimas já ardiam em seus olhos. Ela recuperou o fôlego e tentou gritar com a pouca força que ainda lhe restava.

- Levante-se! – ela dizia. E por mais que em sua voz aquilo apenas parecesse uma ordem, em seu coração ela realmente desejava que ele apenas estivesse bem o suficiente para ser capaz de fazer aquilo. – Levante-se e vá embora daqui! E não ouse... – sua voz falhou. Ela sentiu dor, mas essa dor não vinha de seus ferimentos, vinha de seu coração. Ela sentia vontade de chorar. Mas, precisava ser forte. Ela era uma guerreira. Fechou os olhos com força ignorando o que sentia e disse: - E não ouse voltar á minha casa! Nunca mais!

                América sorriu fracamente, e usou toda a força que ainda lhe restava para erguer-se. A chuva forte batia em seu rosto violentamente, lavando a lama que cobria sua beleza. Ele cambaleou por um momento e quando conseguiu retomar o equilíbrio caminhou alguns passos na direção da jovem que ainda mantinha-se alerta e em posição de ataque.

                Ele apanhou seus óculos no chão lamacento e tocou as lentes com um olhar terno e um sorriso triste. A água gotejava dos fios loiros de seu cabelo que caiam entre aqueles olhos azuis tão cheios de vida.

- Eu pensava que fosse forte o suficiente. –ele riu fracamente. – Mas, no fim... Acho que eu não tenho mesmo o direito de amar você.

Repentinamente ela sentiu a força esvair-se de seus braços. Suas mãos relaxaram e o remo escorregou por suas mãos.

Tudo pareceu mergulhar em uma falha no tempo onde cada segundo se arrastava. As gotas pareciam cair lentamente. O som do remo de madeira batendo no chão ecoava alto e levava pro passado os pensamentos daquela jovem vietnamita de volta ao passado, a medida que seus olhos orientais se fechavam.

                O dia em que encontrou aquele mesmo rapaz caminhando em meio a suas terras, com um sorriso bobo e animado apesar de estar claramente perdido. A noite se aproximava, e o céu pintado de vermelho e laranja do entardecer, anunciava que o calor da manhã não perduraria por muito tempo. Ele claramente era ocidental, e sabia o quanto ocidentais tinham interesse em suas preciosas terras.

- Ei! Você! Quem é você e o que está fazendo aqui? – perguntou ela com seu remo já em mãos.

                América pareceu se surpreender com a abordagem. Mas, não se assustou. Apenas não tinha notado que havia mais alguém ali além dele.

- Ah! Oi! – ele disse acenando pra ela com um sorriso alegre e amigável. – Você é daqui? Eu sou o América!

                Hunf! Ocidentais...

- O que você quer aqui yankee?

- Querer? Bem... – ele riu bobamente enquanto coçava a nuca. – Hahaha! No momento, eu só quero saber onde eu estou sabe? – então apontou pro mapa que tinha em mãos. – Eu estava visitando o meu amigo Japão e pensei em passar pela casa do China pra pegar de volta um CD que eu tinha emprestado pra ele. Nós não andamos nos dando muito bem por que...

- Tá! Não importa! – cortou a moça bruscamente colocando uma mão na cintura e apontando seu remo pro americano. – Eu sou Vietnam e você está na minha casa. Agora que já sabe, tome seu rumo e vá embora!

                América alternou o olhar entre a ponta do remo que estava diante de si e o rosto bonito e sério da moça. Ela parecia brava por algum motivo que ele não entendia.

- Vietnam... Ahn... – então ele levantou seu mapa até a altura dos olhos e vasculhou o papel minuciosamente. Então franziu o cenho coçando a bochecha com uma expressão confusa. – Curioso, eu não estou encontrando a sua casa aqui.

                A moça suspirou tediosamente. A irritação aumentava a cada momento que aquele garoto continuava diante dela. Não que quisesse ajudá-lo de forma alguma. Mas, se o orientasse talvez ele fosse embora mais rápido. E esperava que ele fosse embora antes que a noite caísse, pois não queria ser obrigada a dar abrigo á ele.

- Me dê! Deixe-me ver isso aqui... – disse ela arrancando o mapa das mãos do rapaz bruscamente e analisando-o. E não foi preciso mais do que alguns segundos correndo os olhos pelo mapa pra que ela percebesse o que havia de errado e como aquele garoto foi parar tão longe de seu destino. – QUE DIABOS DE MAPA MUNDI É ESSE? – dizia ela balançando o papel diante do loiro. Apontando que o mapa só mostrava o continente americano. - Não tem como se guiar por aí com uma coisa dessas! Você é retardado ou o que?

- Engraçado que você não é a primeira pessoa que me diz isso...

                Ela lhe devolveu o mapa suspirando e passando a mão na testa. Ainda que aquele garoto parecesse só mais um idiota mauricinho, ela preferiu não baixar a guarda, e nem lhe dar confiança.

- Ouça. Siga aquela estrada de terra em direção ao norte até avistar a casa do China. – ela disse apontando. – Depois vire na direção do sol nascente. É só seguir reto e você chegará á casa do Japão. De lá você pode ir pra sua casa mais facilmente, certo?

- Ahn... Certo. – disse o menino olhando-a confuso. – Bem, de qualquer forma, eu me viro. Obrigado por tudo,... é....

- Vietnam. – respondeu a moça irritada por ter que falar novamente.

- Vietnam. Claro. – riu o rapaz meio sem graça. – Não me lembro muito bem, mas acho que o França já comentou algo sobre você. É estranho ele não ter entrado em detalhes, normalmente ele costuma falar bastante quando se trata de moças bonitas.

                A última palavra fez o coração dela palpitar. Não era algo que ela queria sentir, mas sentiu mesmo assim. Suas bochechas ficaram rubras e ela se sentiu estranha por não ser capaz de controlar aquilo.

- Você é amigo do França? – disse ela tentando manter a cara amarrada diante do gringo. E conseguiu é claro, graças á lembrança do francês que também tentou ludibriá-la certa vez com aquele tipo de cortejo. Ele teve o que merecia...

- Amigo? – surpreendeu-se o americano. Então riu timidamente massageando a nuca e desviando o olhar pra um ninho de pássaros numa árvore. – Mais ou menos. Na verdade, acho que ele não vai muito com a minha cara. Muita gente não vai muito com a minha cara... Mas, isso não tem muita importância.

- Bem... – disse a moça em voz mais baixa e tom mais suave. Ela não havia reparado, mas baixara o remo e segurava timidamente o braço desviando o olhar dele também, como se não olhar pra ele evitasse que ele reparasse suas bochechas vermelhas. – Obrigada pelo elogio de qualquer forma... Agora será que da pra você ir em...

- Só posso fazer uma coisa?

- Grrr! Promete que vai embora depois disso?

- Tudo bem. – riu o americano. – Prometo.

                A vietnamita cruzou os braços e encarou-o firmemente aguardando pelo que ele faria.

                Seu coração realmente amoleceu quando aquele belo moço se aproximou dela e tocou seu rosto, afastando uma mecha de seus cabelos negros e tocando entre suas sobrancelhas com a ponta do dedo indicador.

                Ela olhou pra ele confusa. Seus sentimentos a estavam traindo e ela não conseguia mais sentir raiva daquele homem. E o sorriso meigo e carinhoso, tal como o de uma criança, que ele esboçava, não a estava ajudando a se segurar.

- Tinha uma ruga aqui. – sorriu ele. – Mas, acho que um sorriso lhe cairia melhor.

                Seus olhos se fixaram nele e em seu sorriso doce. Ela afastou-se dele num ímpeto. Ela sabia que sentimento era aquele e não iria se deixar levar. Não poderia! Tinha que cuidar de seu povo, tinha que proteger sua terra.

                América se surpreendeu com o movimento repentino da moça. Sorriu um tanto arrependido por tê-la assustado.

- Deve ser difícil pra você. Morar sozinha num lugar assim. Principalmente em tempos como esses, cheios de lutas... – ele baixou o olhar. – Eu sinto muito por tê-la assustado. Alguém como você não deveria ter que lutar.

- Eu preciso lutar! Preciso defender a minha casa!

                Então ele a fitou seriamente por alguns instantes. Baixou o olhar, suspirou fundo e se espreguiçou soltando um “ahhh” bem satisfeito. Então colocou os braços atrás da cabeça olhando pro céu e voltou a esboçar aquele sorriso iluminado.

- Não é certo deixar uma garota no meio de um monte de lutas como essas. Apesar de que, você parece ser bem forte! – então ele voltou a olhar pra ela com aquele mesmo sorriso. – Já sei! Eu tive uma idéia! Eu vou proteger você e te ajudar a ficar cada vez mais forte! Afinal, eu sou um herói!

                Aquelas palavras surpreenderam a moça. Muitos já haviam tentado conquistá-la. Muitos á haviam subestimado, dizendo que ela não passava de uma agricultora fraca e indefesa. Mas, aquele rapaz a reconhecia... E ainda sim queria protegê-la... Por que?

- E-...Eu... Eu não preciso da sua proteção! – disse ela vacilante. – Posso muito bem me cuidar sozinha!

- Ah! Eu não duvido disso! – disse o América com um olhar surpreso por ter sido mal interpretado. E logo depois voltou a sorrir: - Mas, se eu cuidar de você, você não vai precisar ficar com essa ruga feia na sua testa o tempo todo, né? Nem ficar sempre preocupada... E aí, quem sabe... Eu possa vê-la sorrindo algum dia.

                Vietnam não soube o que dizer. E nem teve tempo de se recuperar daquele sentimento caloroso que invadia-lhe o peito. O americano correu em sua direção de repente e lhe deu um beijo no rosto, pouco antes de tomar a direção do caminho de terra que moça lhe apontara.

- See you later!

                E ela o viu se afastar.

                Como teria de vê-lo se afastar novamente agora.

                Ela abriu os olhos lentamente, e já não conseguia mais conter as lágrimas. Felizmente a chuva as ocultava. Como aquele cenário tão caloroso e iluminado de antigamente veio a se tornar esse campo de batalha sombrio e tempestuoso?

                E ele ainda estava lá. Olhando pra ela com aquele mesmo sorriso que ela vira naquele dia. O mesmo sorriso, apesar de mascarado pelo sangue que corria no canto de sua boca e no supercílio, dos arranhões e as manchas de lama.

- Eu sinto muito. – dizia ele baixando os olhos.

- Vá embora! – ela dizia com os olhos em lágrimas. A chuva contrastava com seu rosto quente. Aquecido pela raiva, pela vergonha, pelo medo.

- Posso... Só fazer uma coisa? – ele disse mancando em sua direção.

                Ela não olhava pra ele, mantinha os olhos fixos no chão, que parecia querer engolir seu remo com a lama. Sabia que se olhasse pra ele, só sofreria mais. Mas ela ouvia seus passos mancos chapeando a lama. Ela o ouvia se aproximar e sentia o calor dele chegando mais perto.

                E ela sentiu a mão trêmula dele segurar-lhe o queixo e ergue-lo suavemente em sua direção. E sentiu os lábios dele tocarem os seus.

                Um calor suave demais para aquecê-la da chuva. E não forte o suficiente pra acalmar a dor de seu coração. Mas, ela o amava ainda sim.

                Uma lágrima escorreu por seu rosto quando ela decidiu corresponder aquele beijo. Sabia que aquilo só pioraria o sofrimento, mas optou por aquele ultimo capricho. Porém, sua escolha veio tarde demais. Quando os lábios do americano se afastavam dos dela e aquele calor era dissipado e tragado pelas gostas de chuva.

- Eu prometi que iria embora... E vou... – disse ele. – Mas, não poderia entregá-la ao Rússia sem deixá-la saber disso...

                E então ele se foi.

                E ela o viu se afastar mancando para fora da floresta.

                Ela cobriu os lábios com as duas mãos, para guardar seu choro, para segurar o máximo que pudesse a lembrança daquele calor, seu olhos negros banhados em lágrimas e martírio.

                Então ela caiu de joelhos, sentindo a dor de seu coração e de seus machucados. Que pareciam vir ao mesmo tempo em que o América partia.


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Notas finais do capítulo

Eu aqui de novo! o/
Pra não ficar só na onda de Bad Bad Gakuen, resolvi postar essa fic.
O legal é que, na minha lembrança, eu nem dava nada por ela, sabe? Na verdade, nem é um casal que me encha os olhos. Mas, vasculhando aqui eu achei ela... E depois de lê-la após tanto tempo, percebi que na verdade ela ta até muito bem escrita! E ficou muito bonita também.
Espero que vocês gostem! É um casal meio atípico, mas eu adorei.
Valeu gente! Beijos o/



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