A Lua e as Trevas escrita por Lara


Capítulo 3
Capítulo 03 – Certo ou Errado


Notas iniciais do capítulo

Olá! Mil desculpas pela demora! A universidade não é nenhum pouco boazinha com relação ao tempo de folga, então... mas aqui esta o penúltimo capítulo da fic! Espero que gostem! ^^
Pode ter alguns erros já que eu escrevi com tanta presa, mas qualquer coisa depois eu corrijo. Vocês podem me avisar se encontrarem qualquer coisa, ok?
Boa leitura!



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“Sentimentos. Deixei de me preocupar com eles a partir do momento em que escolhi trilhar o mesmo caminho que Bai. Parei de pensar nas coisas que queria; nos sonhos que um dia já tive e me dediquei inteiramente em ficar mais forte para protegê-la. Nós só tínhamos um ao outro neste mundo engolido pela escuridão. Houve horas em que me perguntei se ainda restava algo da minha irmã mais nova dentro daquela garota adormecida nos meus braços enquanto estávamos cercados por corpos já sem vida. Apesar de tudo, eu a amava, ela sendo ou não um Contratante. Porque ela era especial, ela era a minha família, ela significava tudo para mim.”






Quando o mundo passou a ser dividido entre humanos e Contratantes, Hei perdeu várias coisas. A chuva de meteoros não apenas transformou a sua irmã mais nova em um Contratante como também destruiu o céu junto com as estrelas que tanto admirava. Tudo mudou e de repente ele se viu diante de uma escolha que nunca sonhou que um dia teria que fazer.

– O quê? – falou incrédulo esperando que tivesse escutado mal, que não tivesse compreendido corretamente as palavras que saíram da boca da pessoa a sua frente. Porque não havia possibilidade alguma dele estar realmente lhe fazendo uma pergunta como aquela. De jeito nenhum. – O que você está dizendo?

– Nós vamos voltar para a nosso antigo apartamento na cidade e estamos te perguntando se você quer ir com a gente ou prefere ficar aqui com a Xing1. – as palavras entraram claramente dentro da sua cabeça, porém ainda sim ele não conseguia acreditar. Não queria acreditar. Como aquela pessoa podia continuar a agir de forma tão fria e tranquila? Por acaso não tinha noção do que aquilo significava? – Sua mãe... Não. Eu e a sua mãe não podemos mais morar junto com a sua irmã.

– Por quê?! – gritou com raiva e desespero sentindo que algo dentro de si quebrava o dilacerando completamente. – O que foi que aconteceu? Xing fez alguma coisa? Porque se for isso é só me deixar falar com ela e...

– Acalme-se. – interrompeu-o abruptamente retirando um cigarro do maço e o colocando entre os lábios para logo a seguir acender a sua ponta com a ajuda de um fósforo. Sugou um pouco daquele veneno e depois sobrou uma nuvem cinzenta.

– Pensei que havia dito que tinha parado. – repreendeu-o usando um tom sério e frio enquanto o encarava com certo desprezo. O homem mais velho sorriu ironicamente após escutar as palavras do adolescente. – Não ficarei surpreso se eventualmente você acabar morrendo por causa dessa droga.

– Honestamente, filho, um dia você será um pai e tanto. – riu amaçando o cigarro no cinzeiro entendendo que aquele não era o melhor momento para piorar ainda mais o humor do rapaz. – Só sinto um pouco de pena do meu futuro neto.

– Pare de falar besteiras! – socou o braço do sofá que estava ao seu lado direito. – Agora definitivamente não é a hora de ouvir mais uma das suas piadas sem graça! – trincou os dentes e fechou mais ainda o punho. – Vocês... vão mesmo abandonar Xing? Vão realmente abandonar a própria filha?

– Ela poderá ficar aqui quanto tempo quiser. – fez uma pausa. – Naturalmente, terá tudo o que precisar do bom e do melhor. Qualquer coisa que ela quiser nós lhe daremos...

– Ela só tem onze anos! Onze anos! Vocês tem noção disso?! – praticamente berrou se sentindo desesperado ao ver que as suas palavras pareciam não alcançar aquele homem. – Xing é uma criança! É impossível que vá sobreviver sozinha!

– “Impossível” você diz... Tem certeza? Ainda diz que ela é uma criança mesmo sabendo do que ela é capaz? – jogou uma série de fotos e recortes de jornal na mesa entre os dois. – Estas pessoas chamadas de “Contratantes” não são mais humanos. Não passam de assassinos sem sentimentos ou emoções.

– Xing não é assim!

– Ainda, mas um dia ela acabará fazendo a mesma coisa que essas pessoas! – bateu a mão sobre a mesa. – Ou talvez pior. Não se pode fugir do próprio destino. Esta na natureza dela, independentemente do que eu ou você façamos.

– Como pode dizer isso? Você é o pai dela!

– Justamente por ser o pai dela que eu sei! – retrucou com raiva. - Xing não é a mesma desde que houve aquela chuva de meteoros! Ela não tem afeição a nada e a ninguém, então como poderá proteger algo se não sente absolutamente nada?! Entenda de uma vez, filho! Ela não é mais humana! – respirou fundo e colocou a mão sobre o rosto. - A irmã que você conhecia não existe mais. – palavras não são suficientes para descrever o que o jovem sentiu naquele instante. O pai que um dia ele respeitou e amou estava lhe dizendo que iria abandonar a sua irmã mais nova porque ela já não era mais humana. Uma piada de péssimo gosto. Nada mais que a realidade. O pior era a sua mãe que nem teve coragem de encara-lo e dizer que se sentia da mesma forma que o pai. Pura covardia. Quando foi que eles se tornaram assim? Como não tinha percebido? Era tarde demais para começar a se arrepender da sua falta de atenção. O estrago feito não poderia ser concertado. Só lhe restava tomar a decisão.

– Esta bem. Eu entendo. – sua voz saiu neutra assim como a sua expressão não demostrava qualquer tipo de sentimento. Levantou-se e encarou o homem a sua frente bem nos olhos. – Vocês podem sair daqui na hora que quiserem. Nós não os incomodaremos mais. Em troca, quero que vocês esqueçam que um dia nos tiveram como os seus filhos. – deu as costas e começou a caminhar até a escada. – Porque nós faremos o mesmo.

– Filho! – a porta da cozinha se abriu e de lá saiu uma mulher chorando.

– Li! – já imaginava que a mãe estivesse por perto, porém não ligou. Não queria falar com ela e muito menos olhar para o seu rosto. Colocou a mão sobre o corrimão de ferro e ao levantar a cabeça percebeu que Xing se encontrava no topo da escadaria. Perguntou-se há quanto tempo ela estaria em pé ali.

– Tem certeza, irmão? – mesmo estando longe um do outro ele conseguiu ver a lágrima solitária desaparecer depois de deslizar pelo seu rosto. Teve vontade de correr até ela e abraça-la, no entanto achou que estaria sendo injusto com a irmã se não levasse a sua pergunta a sério.

– Se ouviu a conversa o tanto que acho que ouviu, tenho certeza de que você sabe qual é a minha resposta para essa pergunta. – sorriu. – Não deveria estar acordada há essa hora, então volte para a cama. Já vou subir. – a garota balançou a cabeça afirmativamente e desapareceu da sua vista.

– Li...

– Vocês fizeram a sua escolha, mãe. – virou o rosto para poder encará-la. – E eu fiz a minha. O mínimo que podem fazer é respeita-la. – mais lágrimas desceram pelos olhos castanhos da mulher a qual tinha as duas mãos sobre a boca como uma forma de tentar silenciar o choro. – Não tenho mais nada para dizer a vocês. – e começou a subir as escadas.

Na manhã seguinte, um carro chegou para buscar os donos da casa e o moreno observou tudo da janela do seu quarto. No total estavam levando quatro malas e duas caixas de papelão. Impressionou-se com a agilidade que tiveram para arrumar os seus devidos pertences, até que uma ideia veio a sua mente que o fez repensar. “Eles já estavam com as coisas prontas provavelmente antes mesmo de termos aquela conversa ontem.”, pensou ainda observando pela janela.

– Não vai se despedir? – perguntou a garota ficando ao lado do irmão.

– E por que eu faria isso? – fez cafune na cabeça dela. – São eles quem estão fugindo. – soltou a cortina, afastando-se da janela. Aquela foi a última vez que eles viram os pais. Daí em diante eles continuaram a morar naquela casa por uma semana até que Xing repentinamente disse que queria sair dali.

– Por quê? – Hei perguntou não entendendo ao certo que tipo de conclusão a irmã havia chegado para tomar aquela decisão.

– Não vejo nenhuma razão para continuarmos aqui. – foi a resposta que ela deu usando um tom neutro. – Não quero passar o resto da minha vida presa em uma casa que nem é mais minha.





Anos depois.


Havia algo de diferente em Yin desde a época em que estiveram em Okinawa, contudo Hei só começou perceber isso depois do incidente em Taiwan. Era sempre a mesma coisa: quando estava prestes a se ferir gravemente e os Contratantes com quem lutava de repente eram submetidos contra os próprios poderes e no fim morriam. A Organização não existia mais, porém seus integrantes restantes estavam atrás de Yin. Por quê?


É uma doll que esta evoluindo a um ritmo extraordinário. Alguns querem saber qual é o motivo por trás disso. E além do mais, isso foi previsto há mais de 50 anos nas escrituras. De acordo com as escrituras, uma mulher despertará e obterá o poder para mudar o mundo. E a antiga organização quer esse poder.”, foram estas as palavras do homem que fazia parte do grupo de Amber, “O que aquela doll significa para você?”.


O que a Yin significava para ele? Nunca antes havia parado para se perguntar tal questão. Para falar a verdade, fazia anos que ele se esqueceu de pensar nos próprios sentimentos, mas admitia que algo tinha mudado nele desde do momento que decidiu proteger a única pessoa importante que lhe havia restado. Por que ela lhe era importante? Quando foi que tudo começou? Hei se lembrava claramente que houve uma época, quando trabalhavam juntos, que ela segurou a sua mão gentilmente como forma de confortá-lo, porém ele a rejeitou com desprezo. Agora, não conseguia entender as próprias ações passadas, vi-as de uma forma como se tivessem sido realizadas por alguém completamente diferente.


– Então, você ainda esta vivo. – a voz sarcástica do rapaz o despertou dos seus pensamentos. A chuva ainda caia e aquele jovem admirava o estado em que o lugar onde se encontravam estava debaixo de um guarda-chuva transparente. Sua palidez continuava a mesma, assim como suas roupas de cor extravagante e seu cabelo loiro com mecha roxa.

– Você... – a voz de Hei saiu áspera e fria fazendo com que Qin se encolhesse de medo ainda segurando o bebê entre os braços e o rapaz a sua frente sorrisse de forma divertida.

– Sim, fui eu quem ordenou que esses Contratantes idiotas te matassem. – riu. – Que culpa tenho se eles acreditaram em uma ilusão? – aproximou-se de um dos corpos e o chutou. – Tem alguma ideia de quem causou essa confusão?

– Onde esta a Yin? – perguntou impaciente.

– Tem certeza de que deseja saber? Você pode acabar morrendo. – olhou para o corpo que pisava sem muito interesse. – E ter o mesmo fim que este aqui.

– Afaste-se, Qin. – ordenou para o homem com rosto semelhante a um rato, o qual obedeceu sem pensar duas vezes se escondendo atrás de uma árvore. Hei lançou uma das suas facas na direção do loiro e a seguir partiu para cima dele em uma agilidade impressionante, porém o outro simplesmente desviou-se e utilizou o seu poder para controlar o corpo do oponente. O moreno trincou os dentes enquanto tentava se mexer.

– Pelo visto, você nunca aprende, não é, Shinigami Negro? – aproximou-se em passos calmos. – Deveria ter simplesmente se afastado daquela doll quando teve a chance. – colocou a mão sobre o ombro ferido dele. – É uma pena que terei que matá-lo. – pressionou os seus dedos com força sobre a ferida ainda aberta, provocando em Hei uma dor aguda.

– Você é quem deveria ter deixado Yin em paz. – cortou a mão que estava sobre a sua ferida e a seguir segurou o rosto do rapaz, encarando-o com olhos frios. – Mas me sinto feliz que você não tenha feito isso. Agora eu posso te matar com as minhas próprias mãos. – descarregou a eletricidade sobre o corpo do jovem que se contorceu em dor até o momento em que parou de se mexer. – Isso foi por ter usado o rosto de Amber. – e o decapitou sem piscar. Ainda segurava a cabeça quando o corpo caiu sem vida no chão. Jogou fora a cabeça para algum canto e caiu de joelhos respirando fundo várias vezes.

– Você está bem?! – Qin veio correndo para o lado do moreno.

– Estou bem. – com um pouco de dificuldade, levantou-se com a mão sobre a ferida do ombro. – Você deve sair daqui o mais rápido possível. – colocou a mão dentro do bolso para pegar um conjunto de chaves que entregou ao homem. – Estou lhe dando aquele restaurante. Tem algum dinheiro escondido debaixo de uma tábua ao lado da geladeira, mas é o suficiente para você e esse bebê. – começou a se afastar.

– Mas... Mas e você?!

– Preciso encontrar uma pessoa. – parou de andar. – Obrigado por tudo, Qin. Desculpe por ter lhe trago tantos problemas. – o homem tentou dizer mais alguma coisa, porém Hei desapareceu da sua vista ao entrar no bosque.

A cada passo que dava, sentia que seu corpo estava chegando ao limite, no entanto mesmo assim não podia parar. Tinha que encontra-la. Não poderia descansar até ter certeza de que ela estava bem. Os pingos de chuva persistiam em cair e a sensação de frio aumentava a cada segundo, apesar de ignora-la. Apoiou-se no tronco de uma árvore. Respirando fundo várias vezes com a cabeça baixada, pensou novamente por que se dedicava tanto aquela jovem mulher de cabelos prateados. Yin era uma amiga muito importante, contudo será que parava apenas aí? Imagens, memórias e lembranças relacionadas a ela passaram pela sua mente. Cada detalhe fazia o seu coração doer de uma forma estranha. Afastou-se da árvore e voltou a caminhar. Ao levantar os olhos percebeu que havia alguém deitado debaixo de uma árvore enorme que servia de guarda-chuva já que poucas gotas caiam sobre a região que os seus galhos e folhas protegiam. A garota de cabelos prateados estava com os olhos fechados, porém dava para ver que o peito dela subia e descia junto com a respiração.

– Yin.

– Não se aproxime. – ele parou de se mover. Ela estava completamente molhada pela chuva e seu corpo tremia. Hei deu mais um passo para frente. – Eu disse para não se aproximar! – aquela foi a primeira vez que a via gritando daquela forma.

– Yin... – a jovem se sentou, apoiando-se na grama verde.

– Eu matei aquelas pessoas. – lágrimas desciam pela sua face pálida. – Aquele rapaz me perfurou com uma seringa e no instante seguinte estava aqui cercada por corpos. – encolheu-se mais. – Acho que só consegui parar por causa do choro do bebê. – suas mãos tremiam. – Eu sabia que algumas daquelas pessoas queriam te matar, mas não todas, então por que matei todas? Por que eu...? E se você estivesse aqui? Eu... – ao sentir os braços dele a envolver parou de falar. – Hei... – seu coração doía muito, porém sentir a ternura e a gentileza do abraço dele este sentimento diminui a um ponto mais tolerável. – Você esta ferido.

– Não é nada. – Yin retribuiu o abraço o puxando para mais perto e colocando o seu rosto sobre o peito dele. Ele conseguia sentir as lágrimas molhando a sua roupa e por isso beijou a cabeça dela.

– Hei... O que esta acontecendo comigo? – Hei passou a mão pelos fios prateados do cabelo dela enquanto pensava de que forma deveria responder a pergunta. Aquele cão havia lhe dito antes de morrer que assim que tivesse a chance deveria matar a Yin antes que fosse tarde demais. Impossível. Como ele poderia fazer uma coisa dessas? Não. Ele a salvaria. Tentaria de tudo que fosse possível e a protegeria, mesmo que tivesse que se sacrificar para isso. Não perderia mais ninguém que lhe fosse importante.

– Não sei, mas nós iremos descobrir. – afastou-se um pouco para que pudessem se encarar. – Antes, tem um lugar que eu gostaria que você fosse comigo.

– Entendi.




A enorme casa de três andares não parecia ter mudado em nada no passar de todos esses anos. Ele poderia até jurar que tinha sido ontem que havia saído dali se não estivesse neste instante segurando a mão de Yin. A sensação de nostalgia começava a dominar a sua mente quando começou a analisar cada detalhe daquela arquitetura. Tudo ali lhe trazia lembranças de uma vida passada que ele próprio havia se esquecido.

– Aqui... – Yin começou a dizer.

– É onde eu e Bai costumávamos a viver... antes do mundo mudar. – ao se aproximar da porta notou que o alarme de segurança ainda estava ligado. Estranhou tal fato. Mesmo sabendo que o dono daquele lugar ainda estava vivo, não conseguia entender porque ele desperdiçaria o seu dinheiro mantendo aquela propriedade. Não era como se alguém fosse voltar a morar nela. Estava prestes a desligar o alarme usando o seu poder, quando algo lhe disse para antes tentar uma abordagem diferente. Digitou os números que milagrosamente ainda guardava dentro da sua cabeça e esperou pela resposta. “Bem vindo de volta, senhor Li”, foram as palavras que apareceram na tela verde antes da porta abrir. – Inacreditável...

– Hm?

– Não é nada. – adentrou no local junto com a jovem. – Apenas estava pensando... – observou o ambiente com curiosidade. – Este lugar não mudou nada... diferente de mim. – parecia mais que ele estava dizendo as palavras para si do que para Yin. – Já volto. – soltou a mão dela e foi em direção a cozinha. Yin começou a andar pela casa em lentos passos até parar perto da lareira onde havia alguns porta-retratos. Passou a mão pelo vidro do retrato onde havia quatro pessoas. Dois adultos e duas crianças. Eles pareciam felizes na época em que a foto foi tirada, principalmente o mais jovem Hei. Nunca o tinha visto antes sorrir daquela forma. Um pensamento estranho veio a sua mente: “Quero proteger este sorriso.”. Como poderia proteger algo que já não existia mais? Algo que nunca conheceu?

Após revistar a casa inteira, Hei voltou para a sala de entrada e notou que ela havia adormecido no sofá abraçada a um porta retrato. Colocou-o de volta no lugar e a carregou nos braços, levando-a para o andar superior. Ao entrar no seu antigo quarto a colocou gentilmente sobre a cama e logo em seguida a cobriu com o lençol. Enquanto a observava dormir desejava que pudessem ficar daquele jeito para sempre. Ter uma vida tranquila, sem precisar ter que fugir de ninguém ou se esconder... Impossível. Por que estava perdendo o seu tempo pensando coisas sem sentido como essas? Riu de si mesmo se perguntando como tinha ficado tão fraco. Trincou os dentes quando a dor da ferida do ombro esquerdo o fez lembrar-se da existência de tal machucado. Encaminhou-se para o banheiro e lá decidiu tomar uma ducha.

A água fria caia sobre as suas costas se misturando com o sangue das feridas e por fim desaparecia deslizando para dentro do ralo. Apoiava a sua mão na parede de azulejo e mantinha os olhos fechados tentando não pensar em nada. Agora entendia porque nunca antes havia cogitado em voltar para aquela casa mesmo depois do desaparecimento de Bai. Aquele lugar lhe afetava mais do que qualquer outra coisa. Afinal, foi ali que tudo começou. As evidencias do seu passado estavam por todos os lados, mesmo que não quisesse vê-las. “Por que eu voltei para cá?”, perguntou-se ao girar a torneira, desligando o chuveiro.

Hei colocou o notebook em cima da escrivaninha que ficava próximo da sua cama e começou a pesquisar na internet informações sobre a Organização e também sobre os poderes de Yin. Pelo que tinha hackeado nada indicava que eles sabiam onde ele e Yin estavam. Sobre os poderes dela, as informações eram poucas. Não havia nada concreto, apenas mitos, lendas e boatos. A palavra “Izanami” era mencionada várias vezes. Quando estava prestes a desistir encontrou um relatório que chamou a sua atenção. As exatas palavras eram: “É uma arma feita exclusivamente para matar Contratantes”. Arma? Essa era a ideia que tinham sobre Yin? Virou o rosto para observa-la. Ela continuava a dormir. De repente, a imagem que nunca saiu da sua mente reapareceu. As estrelas caindo, os corpos sem vida espalhados pelo lago, Bai olhando para o céu com sangue pingando de ambas as mãos. Voltou a atenção para a tela do computador e continuou a procurar por informações. As horas foram passando sem que notasse e em um dado momento acabou adormecendo de cansaço sobre a escrivaninha.


Por que você voltou para casa, irmão? – bem a sua frente estava Bai, com a exata aparência em que a tinha visto pela última vez. – Esperava encontrar respostas? Ou esperava que eu me manifestasse?

– Bai, eu...

Eu sei o que procura. – interrompeu-o com certa frieza. – E não vai encontra-la na nossa antiga casa. – aproximou-se ainda mantendo o contado visual. – Ela esta aqui. – e com o indicador tocou na testa de Hei. – Ou pelo menos era para estar. – ela sorriu colocando os braços para trás das costas. – Você se esqueceu?

– Como posso esquecer algo que nunca soube?

“Nunca soube”? – fez uma pausa. – Entendi. Deixe-me fazer uma pergunta então, irmão. Como você acha que acabei controlando os meus poderes?

– Boqueando os seus sentimentos.

Errado. – respondeu imediatamente. – É verdade que com o passar do tempo fui me esquecendo dos meus sentimentos, tornando-me cada vez mais um Contratante, contudo este não foi o motivo. – ela colocou a mão sobre o coração. – Pense, Hei. – levantou a cabeça para poder encara-lo. – O que me fazia diferenciar o certo do errado? Quem sempre me impediu de ser apenas uma máquina de matar? Quem ficou ao meu lado não importava o que acontecesse? – aproximou-se mais para segurar com as duas mãos o rosto do irmão. – Você era o meu “freio”, irmão, por isso... seja o dela também.

– Como? – Bai riu enquanto se divertia em apertar as bochechas dele.

Apenas seja você mesmo. – soltou-o e se afastou um pouco. – E se isso não funcionar... Que tal começar a ser honesto com ela e com si mesmo? Sobre os seus sentimentos.

– Não posso fazer isso. – virou o rosto para o outro lado.

Sentimentos não são uma fraqueza, irmão. Pare de pensar como um Contratante.

– Eu sou um Contratante. – disse Hei com firmeza. – E nada vai mudar isso. – ele estendeu a mão alcançando os fios dos cabelos dela. – Sinto sua falta, Xing. – e sem que percebesse já a estava abraçando com força. – Eu... eu não quero perder mais ninguém. Não vou aguentar se perdê-la do mesmo jeito que te perdi.

Está vendo? Você não é um Contratante e também não é um humano. – retribui o abraço. - É o melhor dos dois. – encostou a testa no peito dele. – Sua bondade e gentileza não mudaram nada com o passar dos anos.

– Que tolices você esta falando? Sou nada mais que um egoísta. – fez uma pausa. – Tudo o que fiz foi apenas pensando em mim. Menti, torturei, traí e matei. Não tem como alguém como eu ser uma boa pessoa.

Mentiroso. – Bai se afastou para poder encará-lo. – Justamente por não ser um egoísta é que você se machuca mais do que qualquer um. – a expressão do rosto dela era de tristeza. – A egoísta fui eu que mesmo sabendo o quando você se feria por estar ao meu lado continuou a querer você por perto até o fim. Sou a pior. – lágrimas desceram pelo rosto pálido dela. – Sabe... Às vezes, enquanto olhava para o céu, me via imaginando como teria sido a sua vida se você tivesse escolhido os nossos pais ou em vez de mim... Provavelmente teria sido mais feliz, né?

– Esta errada! Eu...

Por isso eu te amo mais do que qualquer coisa. – sorriu. – Por isso desejei aquela estrela cadente que eu ficasse mais forte para poder protegê-los. Você, papai e mamãe. – afastou-se mais dando alguns passos para trás. – Mas no fim não consegui proteger ninguém. Desculpe.

– Bai...

Controlar qualquer tipo de poder é fácil, o problema é se manter no controle. Como não deixar que ele te domine? Algumas pessoas precisam mais do que a própria força de vontade para conseguir isso. Para certas pessoas... é necessário uma razão. Entendeu?

– Obrigado, Bai.

Encontre a sua felicidade, irmão, e quando a encontrar nunca a solte.


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Notas finais do capítulo

Notas:
1 Xing é o verdadeiro nome de Bai.



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