Saul quis vir mesmo sendo noite, mesmo sendo perigoso. Sorri ali em pé ao lado do telefone.

Minha mãe sequer perguntou quem tinha ligado, ela ainda estava em seu quarto... Coitada.

Caminhei até o sofá e me sentei, minha respiração estava pesada, havia um pouco de lágrimas em meus olhos, passei a mão no cabelo e olhei para baixo. "Será que Benson está aqui por perto?" Ao pensar isso, imediatamente me levantei e fui até à janela checar, olhei para um lado e depois para o outro, nenhum sinal daquele desgraçado.

Caminhei até à cozinha e enchi um copo de água, bebi o líquido e o senti passar dificilmente pela garganta, como se estivesse tentando desfazer o nó que havia nela.

Voltei à janela e olhei para o pouco movimento por trás do vidro, alguns carros passaram, algumas pessoas, um vira-lata, dois ônibus... Olhei à direita e vi um garoto em uma bicicleta se aproximando, esperei ele chegar perto da entrada de minha casa. Quando o menino estendeu a mão para bater na porta, eu a abri:

- Demi - disse ele dando um sorriso sutil.

Quando vi Saul parado na minha frente, a única coisa que queria era lhe dar um abraço, mas eu não queria fazer muito barulho por causa da minha mãe. Então coloquei meu dedo indicador verticalmente sobre a minha boca e sussurrei "Shhh". Indiquei com as mãos para Saul entrar no meu quarto, o menino entendeu e foi para lá junto com a sua bicicleta. A fim de disfarçar a nossa conversa, liguei a televisão da sala e logo depois fui para o quarto fechando a porta delicadamente.

Quando me virei para dentro do cômodo, Saul estava em pé no centro do quarto com os braços em posição de dúvida:

- O que aconteceu?

Fiquei o olhando por alguns instantes, imaginando o que eu iria dizer. Caminhei até um dos puffs que estava na frente da minha cama e me sentei abraçando meus joelhos.

- Demi, o que está havendo? - disse Saul sentando no puff ao meu lado - Eu te liguei e você estava quase chorando... e agora que estou aqui você não diz nada?

- É que - disse eu já com lágrimas rolando pelo meu rosto - ... Eu não sei como dizer...

- Dizer o que? - Saul disse passando uma de suas mãos sobre minha cabeça.

- Bem, digamos que... - eu disse limpando as lágrimas - ... que meu pai apareceu...

- Seu pai? Mas isso não era para ser uma coisa boa? - disse ele confuso.

Fiz que sim com a cabeça:

- O problema é quem ele é...

- Bem, então me diga quem é.

- Saul, ele é quem eu nunca desejaria ver de novo - disse olhando para o rosto do menino - É ele, aquele homem que me segue. Saul, eu tenho medo, muito medo dele...

O cenho do garoto ficou petrificado e duvidoso:

- Demi, ele fez algo com você?

Eu, uma hora antes, estava decidida de não contar para ninguém o que aquele homem fez e o que pretendia fazer comigo, mas naquele momento tudo havia mudado, ele estava na minha cola, bagunçando a minha cabeça, bagunçando a da minha mãe. Não conseguia mais esconder o pânico em mim, eu precisava contar para alguém, imaginei o que ele viria a fazer, e esse medo já bastava.

Contei tudo a Saul, ele ouvia cada sílaba que eu dizia. No final do meu depoimento, o garoto olhou fixamente para mim e disse:

- Demi, me conte se esse cara tentar fazer alguma coisa para você.

- Você faria o que? – dei uma risada a fim de descontrair – Você é só um pirralho drogado metido!

Saul deu uma risada maior e disse:

- Tem razão, eu não sou nada, é melhor chamar uma tal de Demi Melton para jogar hambúrguer na cara daquele homem para ele aprender a lição, ela é muito barraqueira, sabia?

Ri e empurrei de leve o ombro do garoto:

- Por falar nisso... como é que está aquela vadia?

- Nunca mais a vi...

- Ela deve estar criando um pouco de vergonha naquela cara horrorosa dela.

Nós dois rimos.

Resolvi dar uma olhada na minha mãe, ver se ela tinha saído do quarto ou algo do tipo. Eu disse a Saul que já voltaria. Abri do meu cômodo e olhei em volta, tudo estava a mesma coisa, Alyson ainda estava no quarto e a TV da sala ainda estava ligada. Dei uma passada no banheiro para ver a situação do meu rosto que provavelmente estava inchado, lavei o rosto e comprovei o que havia pensado sobre minha cara.

Voltei ao meu quarto dizendo a Saul:

- Como é que você aguenta olhar para a minha cara? Olha só como está inchada!

- Ah, isso é porque você é um bebê chorão e voc...

Saul foi interrompido quando uma almofada foi de encontro ao rosto dele.

- Vai se catar- completei rindo.

- Vai você, sua feia! – Saul respondeu jogando outro travesseiro em mim.

- Sua feia? – disse eu rindo - Mas que tipo ofensa é essa?

- Do tipo de ofensa que você aceita!

Saul fez uma careta e começou a pular em cima da minha cama, com tênis ainda.

- Desce daí, seu otário! Minha mãe vai ouvir!

Saul nem deu ouvidos, então peguei outro travesseiro que estava no chão e joguei nele com muita força, fazendo-o cair na cama. O menino ficou deitado nela, imóvel. Aproximei-me para ver se tinha acontecido alguma coisa. Ele estava de olhos fechados.

- Saulieee – disse eu.

Em questão de segundos o menino abriu os olhos e me puxou para cima dele, girou seu corpo para a direita, fazendo com que eu ficasse embaixo.

- Saulie é? – disse ele sorrindo.

- É.

- Isso é meio gay.

- Combina com você então. – dei uma risada.

- Feiosa. – Saul disse enquanto se aproximava de meu rosto.

Quando faltava apenas 1 centímetro para que minha boca se encostasse na dele, Saul deu uma risada e me deu um beijo rápido, saiu agilmente de cima de mim e disse sorrindo:

- Tchau!

O menino pegou sua bicicleta e saiu de meu quarto, logo em seguida ouvi o barulho da porta de entrada se fechando.

Dei outra risada e pensei "Gay".