Meu pai e eu caminhamos em silêncio. Ele me levou até um quartinho, que parecia uma espécie de dispensa, e falou baixo e firme:

-Pronto chegamos.

-Por que você me trouxe aqui? Esse quarto parece aquele tipo de lugar que a gente vai para fazer algo escondido como dar uns amassos na escola. - tentei fazer graça

-Bem, eu não pretendo fazer isso. Mas é bom saber o que você costumava fazer. - depois ele continuou sério- Só queria um lugar tranquilo para conversamos.

Eu ainda estava sonolento e surpreso, não sabia o esperar daquela conversa. Meu pai ainda parecia perturbado, e ficou um tempo em silêncio até voltar a falar:

-Como você está?

-Bem, animado com os jogos. - disse como se fosse qualquer coisa

-E como você acha que eu estou?

-Bêbado, deprimido, desapontado.

-Isso é verdade. Estou um trapo, né? Parecendo um fraco, certo?

-Pai, não importe com isso. Sei que é uma fase, e vai passar. Você não é assim.

-Como você sabe? Talvez isso que está na sua frente seja o meu verdadeiro eu. Você acha que eu não bebia escondido a noite? - algumas memórias vieram a minha mente, sim, lembro de meu pai na mesa de cozinha de madrugada tomando drinks, enquanto eu me escondia quando precisava ir no banheiro- Que eu não chorava escondido, ou tinha pesadelos que não me deixavam dormir? No dia seguinte eu parecia inteiro, mas eu não estava. Nunca estive. Os jogos fizeram isso comigo.

-Desculpe, eu ....

-A culpa não é sua. Eu queria que você não estivesse aqui, que não ficasse tão animado com isso. Mas culpa é toda minha. Nunca te mostrei ou contei o que os jogos fazem com a gente. Ele nos destroça O quanto é difícil. E você não é cruel .... - não podia escutar aquilo, meu pai não acreditava que eu podia vencer

-Eu sou forte, sei usar armas, posso me defender.

-Diamond, eu sei. Seus professores me disseram o quanto você era talentoso com facas, lanças e se virava bem com espadas, eu sei, eles diziam como se isso fosse me agradar. Não é isso que me preocupa. Você pode se defender e matar. Mas não é cruel como os outros, ou pelo menos não o suficiente. O jogo pode destruir até quem tem um coração feroz e duro. Aconteceu isso comigo, e você é um bom garoto, pelo menos mais do que eu era. Só vê o espetáculo. Mas tire isso da cabeça, lá é diferente. Há intriga, traição, ameaças, e matar alguém pode acabar com uma pessoa, e acredito que fará isso com você. Eu devia ter te contado. Feito você entender. Mas não, preferi esconder a verdade. Achava que te protegeria, que você poderia ficar com sua inocência. Sua ilusão. Que nunca precisaria passar pelos jogos. Mas não, isso eu tenho certeza, depois que você entrar naquela arena, nunca mais será o mesmo, voltando ou não, nunca mais será esse bom rapaz. Esse é o pior pesadelo que eu poderia ter, ver um filho passar por tudo aquilo que eu conheço e ser destruído no processo .... -

Meu pai se conteve, lágrimas começaram a cair dos seus olhos, e eu pensei no quanto aquilo era sério, acho que ele poderia ter razão, ele me conhecia, será mesmo que arena iria me destruir, matar seria tão devastador? Fiquei em silêncio olhando meu pai enxugar suas lágrimas, depois ele colocou a mão em meu ombro e continuou:

-Não é só isso. O governantes da Capital realmente mostram o seu poder. Eu agia da forma que eles queriam, me mostrava feliz, o vencedor perfeito. Fazia e deixava que fizessem propaganda. Era querido aqui e no nosso distrito. Fui mentor durante vários anos, e mandei crianças matarem e morrerem. Mas quando eu disse que queria parar, ter um pouco de paz no nosso distrito, deixar que outro tomasse o meu lugar como mentor, pois não aguentava mais. E também recusei punir a sua irmã por falar mal dos jogos. Eles te sorteiam.

-Você está dizendo que eles forjaram o sorteio? Podem fazer isso?

-Certeza eu não tenho, Diamond. Mas é muita coincidência. As chances eram bem pequenas. Logo você, o meu filho ter o nome naquele papel. Ainda mais considerando a situação. E eles gostam disso, melhora o show, traz mais drama, alguém para povo o simpatizar, a maioria torcer e a minoria odiar. Já houve outros filhos de vitoriosos que foram aos jogos, sei que eles adoram, e se for considerar outras colheitas, parece que os nossos filhos tem mais chances de ir, só pode ser manipulado. E você talvez seja um dos filhos de Vitoriosos mais promissores atualmente: é bonito, forte, provavelmente não vai morrer tão rápido. Assim o drama não vai acabar logo, e o espetáculo será maior. Dói falar assim, mas funciona desse modo.

Eu fiquei quieto durante algum tempo, era muito o que absorver. O jogo era bem maior do que eu pensava, realmente eu devo ser muito ingênuo. Queria mostrar que eu também podia, atingir a glória, ser como o meu pai. Mas depois de escutá-lo, entendi o quanto tudo era difícil para ele, e que ser Gunner Wall, não era nem um pouco agradável. Meu pai era admirável, mas não queria ser ele, não queria estar na sua pele. Agora, a glória não parecia me importar tanto assim.

-O que eu devo fazer, pai?

-Não morrer. Fique vivo, só isso! Deixe que a sua vontade de viver, seja maior do que tudo. Do que a culpa por matar alguém, o cansaço, a tristeza, a dor, o orgulho, do que você acha que é certo, ou que o distrito ia gostar. Faça tudo para continuar vivo. Só isso. A sua vontade de viver tem que imperar. Por favor, faça isso, volte vivo da forma que for.

Meu pai me abraçou, e depois olhou para o meu rosto, vi que seus olhos estavam molhados, os meus também começavam a ficar assim,mas ele já falou de forma mais otimista:

-Não fique desanimado. Eu fui duro, eu sei, mas você tem muita chance. Eu te ajudarei, estarei com você daqui em diante, inclusive quando estiver na arena. Não te abandonarei nunca, não esqueça disso.

-Então você me treinará?

-Com certeza. Você será o tributo mais bem treinado do que qualquer outro que já passou pelas minhas mãos.