Spirit escrita por Hanko


Capítulo 6
Capítulo 6.


Notas iniciais do capítulo

Oi você que acompanha a vida nem tão maravilhosa do Aoi em Spirit. Vai ler.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/209954/chapter/6

- Ah Shinji, por favor! Por favor, por favor, por favor!

Como era de costume, Saga tentava convencer Tora a fechar a loja mais cedo – coisa que ele nunca conseguia, mas não o impedia de continuar tentando toda sexta-feira. Já havia passado pouco mais de uma semana desde que eu descobrira que realmente havia um ‘’espírito’’ na minha casa, e embora nas duas primeiras noites eu estivesse assustado como uma criança que assistira um filme de terror e não conseguia dormir, com medo de que os monstros ou assombrações do filme lhe atacassem durante a noite, agora eu estava conseguindo lidar razoavelmente melhor com a situação.

O loiro aparecia e então eu simplesmente saía de casa por um tempo, e quando voltava, ele não estava mais lá. Quero dizer, ele ainda estava lá, sim. Mas eu não o via, e isso me deixava 65% mais... Calmo, por assim dizer.

O problema era que na última noite ele tinha entrado daquele jeito bizarro nos meus sonhos – coisa que ele não havia feito outra vez até então. Ou então tinha sido só a minha imaginação mesmo, mas isso era o bastante para me deixar tenso. Embora agora eu conseguisse me assutar um pouco menos com suas aparições, elas ainda me deixavam um tanto quanto nervoso. Eu agora carregava aquele anel que Naoyuki tinha dito pertencer ao loiro em uma correntinha que eu levava no pescoço, apenas por precaução. Takanori gostava de revirar as minhas coisas e eu tinha medo de que ele encontrasse o anel, provasse e acabasse tendo um AVC ao ver o fantasma – ok, Naoyuki também tinha me dito que ele não era um fantasma, mas eu não conseguia encontrar um adjetivo melhor do que aquele, e não é como se o loiro tivesse um nome pelo qual eu pudesse chamá-lo.

- Tá bem, Takashi. Você venceu. – Tora suspirou, enquanto terminava uma venda para um garotinho. – Vamos fechar mais cedo. – baixou o olhar, visivelmente esgotado. - Eu não estou me sentindo muito bem, mesmo.

Saga – que deveria estar comemorando por sua tortura psicológica finalmente ter convencido Shinji a fazer o que ele queria -, não disse nada. Como todos nós, seu olhar tinha se arrastado de Tora até Hiroto, que nada fez além de fingir que não havia escutado nada e que estava muito interessado em organizar os livros na estante, do outro lado da loja.

Todos nós sabíamos o que Tora queria dizer com não estar se sentindo muito bem. Todo aquele gelo que estava levando da pessoa que lhe era mais importante na porcaria do mundo inteiro estava acabando com ele. Hiroto mal lhe dirigia a palavra – tudo que Shinji obtinha do baixinho eram os olhares raivosos, ressentidos, magoados e por vezes uma mistura de tudo aquilo, que ele não compreendia -, e, nas raras vezes que lhe dirigira, fizera a menção de ser o mais desagradável possível.

E não era como se nós não tivéssemos vontade de tomar uma atitude perante aquilo, afinal, era injusto que Tora nem ao menos soubesse o que tinha feito para despertar a raiva de Hiroto, mas nós simplesmente não podíamos fazer nada. Nos víamos de mãos atadas perante a situação.

Shou mesmo tentara fazer alguma coisa alguns dias atrás, mas apenas acabou por gerar uma discussão que deve ter sido ouvida pela cidade inteira, uma pilha de livros jogada no chão e um Hiroto furioso saindo pela porta – fazendo a questão de batê-la com força ao sair por esta.

Não é como se desse pra se colocar no meio daqueles dois.

- Pode deixar que eu e o Kohara fechamos a loja. – Takashi disse com um sorriso de canto, e no mesmo segundo Shou estancou onde estava, para me direcionar um olhar que implorava por socorro logo em seguida. – Nós dois precisamos conversar, mesmo.

Eu sabia bem o que ele queria dizer com ‘’conversar’’, e Shou sabia melhor ainda o que ele queria dizer com ‘’conversar’’, e por isso praticamente gritava internamente por ajuda. Se, por um lado, Hiroto e Tora estavam tendo seus problemas, do outro, Shou e Saga também estavam tendo os seus  - ou ao menos Shou estava. Ele fazia o possível e o impossível para não ser deixado sozinho ou ficar muito na companhia de Takashi. Inúmeras vezes naquele mesmo dia ele tinha vindo para o meu lado toda vez que via o outro se aproximar.

Kohara continuava um pouco amuado por causa daquela história do Takanori e do Takashi no meu sofá, por mais que morresse sem admitir. E acho que finalmente Saga tinha percebido – porque, tal como o primo, ele era um tanto quanto tapado, às vezes -, e agora fazia questão de provocá-lo toda vez que o via por perto. Sempre tentando chegar o mais perto possível, fazendo comentários que deixavam Shou vermelho até o último fio de cabelo de tão constrangido; isso sem contar as inúmeras vezes em que ele, pelo puro prazer de ver Shou ter um troço o prensava contra a parede ou então o agarrava de surpresa pelas costas e quase o beijava. No dia anterior ele prensara Shou contra uma estante e passeara levemente os lábios por toda a extensão de seu pescoço enquanto segurava firmemente seu rosto – Kohara ficou tão vermelho e perturbado que acabou derrubando todos os livros que deveria levar para o caixa, e Saga o soltou dando uma risada divertida, saindo como se nada tivesse acontecido, sob os olhares perplexos de todos nós.

- Não precisa, Takashi. – falei, rapidamente. – Pode ir, deixa que eu fecho a loja com o Shou.

Saga estreitou os olhos, como se me perguntasse o que diabos eu achava que estava fazendo.

O que eu estava fazendo? Eu digo o que estava fazendo:

Estava tirando Shou da forca enquanto passava meu pescoço pela corda.

- Eu faço questão. – ele disse, ainda me olhando com os olhos apertados.

- Deixa que eu ajudo o Yuu. – falou Hiroto, aparecendo entre nós. – Você e o Shou podem ir embora.

- Etto... Hiroto... – chamou Tora, meio incerto se devia ou não tentar falar com o loirinho. -... Se quiser, eu posso te levar pra casa.

Normalmente ele não perguntaria. O baixinho ia sempre pra casa com Tora – isso quando não ia para a casa dele. Mas as coisas estavam longe de serem como ‘’normalmente’’.

Hiroto o olhou por não mais de dois segundos antes de desviar o olhar.

- Não. – disse, ríspido. – Não precisa se incomodar comigo.

- Não seja estúpido. – retrucou Shinji. - Você sabe que não é incomodo nenhum.

- Aposto que você está louco pra chegar em casa, Tora. – praticamente cuspiu as palavras, sem olhá-lo. – Então vai logo.

Tora fez uma careta como que de dor e o encarou por alguns segundos.

- Como quiser então. – disse, com a voz estrangulada, quase como se fosse um enorme trabalho respirar, quanto mais falar, antes de pegar suas coisas sobre o balcão e sair da loja batendo a porta.

Saga se virou lentamente na direção de Hiroto, encaminhando-lhe seu mais hostil olhar, e um silêncio desagradável se deu.

- O quê foi? – resmungou, ao ver que Shou e eu também o encarávamos. – Perderam alguma coisa?

- Mas que merda, Hiroto. – disse entredentes, chamando em vão por Tora antes de sair em disparada atrás dele.

Hiroto nos fitou de lado por alguns segundos, desviando o olhar em seguida.

- Me deixem em paz. – resmungou.

- O que é que está havendo? – Shou perguntou. – Por quê...?

- Eu pedi pra me deixarem em paz! – Hiroto quase gritou, com a voz embargada, como se estivesse segurando o choro. – Vocês não entendem!

- O quê é que a gente não entende, Hiroto? Me diz! – retrucou Shou, também erguendo o tom de voz. – É óbvio que eu não entendo o porquê de, da noite pro dia você resolver ser um idiota com o Tora, que por acaso é a pessoa que esteve do seu lado durante toda a droga da sua vida e que por acaso é a pessoa que mais se importa com você nessa porcaria de mundo! É óbvio que eu não entendo o porquê de você estar sendo tão rude e estar machucando tanto o Tora sem uma merda de um motivo aparente! – fez uma pequena pausa pra respirar. – Eu não ando conseguindo entender o que se passa nessa sua cabeça Hiroto, ninguém aqui anda conseguindo, e o Tora, que por acaso te conhece melhor do que você mesmo, muito menos! Então trate de desmanchar essa cara e falar abertamente com o Shinji sobre qual seja a merda do seu problema, porque não é justo você estar sendo tão grosseiro sem ele nem ao menos saber motivo.

Hiroto o encarou e deu uma risada debochada, tentando não deixar transparecer o quanto aquelas palavras o estavam magoando. Kohara seria uma das últimas pessoas no mundo que eu imaginaria falando aquilo daquela forma para o loirinho.

- Você fala em falar abertamente sobre problemas, - começou, o sorriso maldoso de quem encontra uma brecha perfeita pra atacar tomando lugar aos poucos em seu rosto  – por quê não tenta fazer o mesmo com o Takashi, pra variar?

Shou o encarou, perplexo.

- Não... – se viu desarmado perante o argumento do menor. – Não é a mesma coisa.

- Não seja hipócrita. É claro que é. – rosnou.

Eu apenas estava parado entre os dois, em uma tentativa de mantê-los afastados – naquele ritmo logo mais ambos estariam rolando pelo chão e trocando socos, e eu gostaria de poder tentar evitar isso.

- Yuu. – Shou me chamou, falando cada letra pausadamente, como se contasse incessavelmente até dez. – Vai pra casa.

- Mas... – tentei argumentar. Se eu deixasse os dois sozinhos, iam acabar se matando.

- Eu e o Hiroto só vamos conversar. – ele disse, ainda daquele jeito pausado, dessa vez respirando fundo por entre as palavras. O olhei de canto ele me deu um olhar significativo que queria dizer que ele não tornaria a repetir.

-... Tudo bem. – suspirei, me dando por vencido. – Então eu... Vou pra casa.

Os dois apenas assentiram com um aceno, sem nem ao menos olhar na minha direção, e eu saí da loja, virando a placa de ‘’aberto’’ para ‘’fechado’’ que estava na porta, me perguntando como que a loja ia abrir no dia seguinte daquele jeito, considerando que era a semana do Shou, do Tora E do Hiroto trabalharem no final de semana. Juntos.

Eu não me surpreenderia nada se chegasse lá na segunda feira e encontrasse um ou mais contornos de corpos desenhados no chão, e lindas faixas para isolar áreas criminais decorando a livraria.

Acabei por dar os ombros e ir pra casa. Onde se encontravam – se não todos, posso dizer que ao menos boa parte – dos meus problemas.

...

Suspirei diante da porta do meu apartamento, encostando a testa na madeira gelada. Ele estava lá dentro. Eu estava realmente cansado, e não iria ter sossego pleno com ele lá, podendo aparecer à qualquer hora – como uma bomba que poderia explodir a qualquer instante. Por isso entrei em casa e sentei no sofá com meu notebook no colo.

Naoyuki não me contara – certo, eu não tinha perguntado, mas tinha quase certeza de que se perguntasse ele não me responderia, por causa daquela história de ter que ser eu a pessoa a ajudá-lo – como afastar um espírito. Quero dizer, devia haver um jeito. Se eu podia chamá-lo, também devia ter um jeito de mantê-lo longe – ou ao menos contido -. Um jeito que de preferência não requerisse nenhum ‘’dom especial’’ como o de N*ao e aquele olho colorido dele.

E bem, se as pessoas não podem te fornecer uma informação, pois tenha certeza de que a internet pode. A internet sempre vai te ajudar de bom grado, e vai fazer questão de te apresentar os dois melhores amigos do homem – responsáveis por arruinar uma geração inteira de estudandes:

O Google e a Wikipedia.

Depois de dois bolinhos, duas caixinhas de achocolatado, uma xícara de café e horas de pesquisa, eu finalmente obtive uma resposta que parecia funcionar de verdade – ou tão de verdade quanto a internet pode ser.

Sal.

Sal afastava os espíritos.

...

Ouvi a campainha tocar, e gritei que estava ocupado, mas que a porta estava aberta.

-… Yuu? – Takanori chamou.

- No quarto!

Contei mentalmente os 10 segundos que Ruki levaria para chegar até ali.

-... Yuu, por quê a sala está cheia de… - a frase morreu em sua garganta e seus olhos passearam pelo meu quarto antes que ele continuasse -… Será que eu posso saber o que raios você está fazendo?

- Nada, ué. – dei os ombros, sacudindo de leve o saco de sal agora vazio, para que o pouco que restava saísse pelo corte que eu havia feito em um das extremidades do pacote. Bati as mãos nas roupas antes de largar o saco vazio sobre alguns outros, que aos poucos formavam uma pequena pilha.

Takanori me encarou como se eu fosse louco.

- Nada? – ele repetiu. – Tem sal espalhado pelo apartamento inteiro!

- Ah, isso? – falei, despreocupado. – Não é nada demais.

Ruki me olhou com a mesma cara – talvez até pior – que a caixa do mercado tinha me olhado mais cedo, naquela manhã, quando eu cheguei no caixa em questão com um carrinho repleto de sacos de sal. Não que ela, como caixa de supermercado, já não tenha visto coisas muito mais esquisitas do que um cara levando uns 30kg de sal,  mas acho que o que eu disse que ia fazer com o sal a assustou um pouco.

Quero dizer, pensando bem, eu poderia ter encontrado palavras melhores do que ‘’ah, bem, é que tem alguém me incomodando onde eu moro, e preciso dar um jeito de me livrar desse alguém’’, palavras que com certeza não fariam com que ela pensasse que eu ia salgar um cadáver ou algo assim.

O que é loucura, porque eu só ia usar aquele sal pra afastar um espírito da minha casa.

O que é perfeitamente normal, claro.

- Como assim nada demais?! – estrilou – Sua casa ‘tá parecendo um labirinto mortal pra lesmas, Aoi.

- Exagerado. – resmunguei, enquanto abria outro saco e começava a contornar a minha cama com o sal.

- Sei que vou me arrepender de perguntar… - ele suspirou, massageando a testa. -… Mas pra quê diabos você está colocando sal em tudo?

Dei os ombros, como se fosse óbvio.

- Pra afastar espíritos e coisas assim, claro. Pra que mais seria?

Takanori me deu outro – o terceiro em menos de 10 minutos – olhar incrédulo, e respirou fundo, fazendo aquela cara de quem está perfeitamente calmo que ele sempre faz quando está perdendo a paciência ou alguém faz ou diz alguma coisa muito idiota – você poderia vê-lo fazendo essa expressão enquanto explica um caminho pra alguém ou enquanto explica para um velhinho como se mexe em um iPhone – pela vigésima sexta vez.

- Tudo bem. – ele disse, respirando fundo. – Tudo bem. O que eu vim fazer tinha a ver com essa história toda, mesmo.

O encarei com o canto dos olhos, sem parar o que estava fazendo.

- Yuu, lembra que o Yutaka-sensei tinha dito que aquele loiro era uma ilusão criada pela sua mente pra suprir a falta de alguém?

- Lembro. – falei, e o encarei por alguns segundos. - E… Espera aí. Como é que você sabe disso?

-… Não vem ao caso agora. - deu um sorriso amarelo, tratando de mudar de assunto.

Porra, mas Yutaka tinha contado pro Takanori daquela nossa conversa?

E aquela história de sigilo médico-paciente ou seja lá como seja o nome dessa porcaria?

Onde estava o profissionalismo daquele cara?

Aposto que todo mundo naquela droga de consultório agora sabe dessa minha história e fica rindo e me chamando de louco pelas minhas costas.

‘’Você tem um problema? Sua esposa te traiu? Seus pais não te amam? Sua vida está na merda? Bom, pense pelo lado positivo: pelo menos você não é o Shiroyama Yuu! Sabia que ele vê pessoas que não existem porque é a forma do subconsciente dele suprir a falta de alguém na vida amorosa dele?’’.

Isso não se faz. O caipira de Mie não aprova essa atitude.

O caipira de Mie não está chateadíssimo com a suas atitudes.

Chateadíssimo.

- Bem, - Takanori pigarreou, chamando a minha atenção de volta para si, já que eu já estava passeando nos meus devaneios. – eu fiquei sabendo disso que o Yutaka-sensei falou…

-… Sei bem como você ficou sabendo disso. – resmunguei.

- Cala a boca, não me interrompe e escuta. – ele retrucou, dando um sorriso em seguida. -… Chegou ao meu conhecimento essas palavras do Yutaka-sensei, e eu queria fazer alguma coisa pra ajudar, e como você não me deixa ser o seu cupido e te arranjar o amor da sua vida…

Takanori saiu do quarto e voltou alguns instantes depois, segurando uma gaiola em uma mão e um cachorro menor que o meu antebraço no colo.

-… Ta-da! – ele disse, sorrindo feito um imbecil enquanto largava a gaiola no chão e segurava o cachorro nos dois braços, como se fosse um bebê. – Yuu, esse é o Koron.

Pisquei algumas vezes enquanto meu olhar passava do Takanori pro cachorro e do cachorro pro Takanori. Depois de alguns poucos minutos eu lembrei como é que se falava e criei forças pra olhar Ruki nos olhos e perguntar:

- Mas que porra é essa, Takanori?

Ele me olhou como se eu fosse retardado.

- Um cachorro, ué. – disse, enquanto acariciava aquele bicho e falava coisas desconexas com voz de doente mental. – Ele é o seu mais novo amigo e vai morar com você, não é, Koron? Vai sim, não vai? Vai, né, Koron?

Pisquei manualmente mais algumas vezes.

Gota.

… Gotassa.

- Pelo o amor de deus, me diz que você não tá achando mesmo que eu vou colocar um cachorro pra morar dentro desse apartamento comigo.

- Vai sim. – ele disse, sem nem me olhar. Sua atenção era toda do cachorro – que aliás me lembrava um rato, só que mais bonitinho. – Ele vai te fazer companhia.

- Nem pensar. Eu não vou cuidar desse cachorro. Nem pensar.

- Mas olha que gracinha o Koron, Yuu! – estendeu o cachorro na minha direção – Como é que você pode pensar em não querer ficar com ele?

- Já percebeu que esse cachorro é quase do seu tamanho? – ri. – E ele me lembra vagamente um rato, além de ter essa cara de psicopata.

Takanori abraçou Koron – era esse o nome do cachorro, não era? – e cobriu suas orelhas, como que pra protegê-lo dos meu comentários, com uma cara extremamente ofendida.

- Insensível! – ele me acusou, ainda agarrado no cachorro. – Não escuta ele Koron, o Yuu é grosso, mas logo ele vai ver só como você é a coisa mais lindinha desse mundo. – me mostrou a língua, como se tivesse voltado a ter 8 anos de idade.

- Se você gosta tanto do cachorro, por quê não fica com ele? - revirei os olhos.

- Porque, caso você não se lembre, não são permitidos animais lá no prédio. – fez um bico. Animais não eram proibidos até o dia em que uma senhora do 5º andar – que por acaso tinha 4 gatos, 3 poodles, 1 calopsita, 1 porquinho da Indía e 1 tartaruga – deixou a porta do apartamento aberta e todos os bichos escaparam. Levou o dia todo e foi necessário que o prédio inteiro se mobilizasse pra tentar encontrar os animais, um por um. E no final das contas nem mesmo os bichos aguentavam aquela mulher e acabaram conseguindo fugir – menos a tartaruga, que, coitada, ainda nem tinha conseguido alcançar a porta quando toda aquela confusão terminou.

- Pede pro síndico abrir uma exeção, então.

- Não dá. – resmungou em resposta.

- Mantenha o cachorro em sua casa clandestinamente?

- É um cachorro, não um imigrante ilegal procurado, Yuu! – ralhou. – Vá lá, dê uma chance pra ele!

- Takanori, tenta entender que eu não sou capaz nem de tomar conta de mim mesmo, quanto mais de um cachorro!

- Mentira! – retrucou. – Você é uma das pessoas mais responsáveis que eu conheço.

- Você sabe que ficar me bajulando não vai funcionar, não sabe?

- Uma semana. Fica com ele por uma semana. – pediu. – Dá uma chance pra ele, vai. Aposto que vão se dar muito bem!

- Você não vai parar de me torturar enquanto eu não dizer que sim, não é?

Takanori assentiu.

Suspirei.

- Argh, eu vou me arrepender, mas… Argh… Tá.

O baixinho sorriu enquanto acariciava o cachorro. Ele sabia que eu ia ceder, no final das contas. Eu era um idiota que sempre cedia aos caprichos de um idiota com a metade do meu tamanho.

- Você vai ver, ele vai se comportar direitinho, e vocês vão se dar muito bem. – disse, ainda sorrindo.

Pro cachorro, claro.

-… Sei.

Takanori ainda ficou mais um tempo lá em casa brincando com Koron e me explicando como cuidar dele antes de ir embora, e então tratei de continuar com o árduo trabalho de fazer aqueles círculos de sal, com toda a concentração do mundo.

- Mas o quê diabos você está fazendo?

Dei um pulo ao ouvir a voz repentinamente. Ergui o olhar, me deparando com o loiro sentado na minha cama, as pernas cruzadas como se meditasse, me encarando como se eu fosse louco.

- Me livrando de você. – respondi, voltando a prestar atenção no que fazia.

- Com sal? – riu - Acho difícil, porque ao menos que eu seja uma lesma, não é como se esse sal fosse me impedir de me movimentar.

Parei o que fazia e me levantei, limpando as mãos nas calças e cruzando os braços.

- Sal repele espíritos. – falei. – E então ele repele você.

- Você realmente só pode ser louco. Ainda insiste nessa história de que eu sou um espírito e ainda não saiu da minha casa porque ainda insiste que você é quem mora aqui.

- Se não é um espírito, venha até aqui. – desafiei.

O loiro revirou os olhos e deu outra risada descrente.

- Então tá.

Eu estava esperando que, quando ele tentasse atravessar a primeira linha, algo como uma barreira invisível, mas não. Ele passou por cima de cada uma delas e parou na minha frente, com uma das mãos na cintura e uma expressão de deboche no rosto.

- Feliz?

Pra falar a verdade, não. Eu tinha gasto quilos e quilos de sal – sem contar o tempo, e o dinheiro que o sal custava – pra nada.

- Então tenta tocar em mim. – sorri de lado, sabendo que ele não conseguiria. – Vai lá, tenta.

- Escuta aqui, - começou -, eu ainda não consegui entender qual é a sua, mas se acha mesmo que eu vou perder mais um segundo sequer dando corda pra essa loucura, você está muito… - de repente ele olhou pra mim – mais especificamente pro colar pendurado no meu pescoço, onde o anel repousava -, e travou. Seus olhos se arregalaram e ele pareceu ter esquecido como se respirava – se bem que ele tecnicamente não respirava. – Onde… Onde você conseguiu isso…?

- Achei por aí.

- Isso não… Isso… Você não devia estar com esse anel! – disse, parecendo muito perturbado. – Tira! Tira, agora!

- Se quer tanto que eu tire, - falei, dando os ombros. – então tira você ele de mim.

No segundo seguinte sua mão avançou na direção da corrente pendurada em meu pescoço, e ele parecia ter força o suficiente pra arrebentá-la e arrancá-la.

Mas, como era de se esperar, não foi isso que aconteceu. Sua mão atravessou o colar – e meu peito, fazendo com que eu tivesse o pior arrepio da minha vida. Ele pareceu confuso, mas tentou outra vez. E outra. E outra. E mais outra. Mas sua mão sempre atravessava o colar como se fosse ar.

Depois da quinta ou sexta tentativa, ele finalmente parou, se afastando alguns passos de mim e segurando  a própria mão, parecendo apavorado.

- O… O que… O que está acontecendo? – perguntou, parecendo prestes a chorar.

- Eu já disse. Você não é real. – respondi, tentando transparecer calma. – Quero dizer, você é real, mas não totalmente. É como se fosse… Um fantasma.

- Que brincadeira de mau-gosto é essa?

-  Se não acredita em mim, pode vir até aqui e tentar me acertar um soco. Pode tentar pegar as flores daquele vaso, - apontei para um pequeno vaso próximo da janela – também. Sua mão vai atravessar tudo como se fosse ar.

E ele tentou, várias e várias vezes antes de desistir.

- Não! – ele soluçou, quase gritando. – Não pode ser verdade! Eu não estou morto!

Eu o olhei, ainda parado no mesmo lugar de antes.

- O quê aconteceu comigo?! – sua voz saía engasgada e ele parecia a ponto de arrancar os próprios cabelos de tão desesperado. Tentou me segurar pelos ombros, mas suas mãos os atravessaram, e ele as recolheu, como se tivesse medo delas. – Eu não morri, tenho certeza que não morri! O que aconteceu comigo?!

- Nós… Podemos conversar um pouco?

Ele assentiu mudamente e me seguiu até a sala.

… Então…

… Eu tinha me rendido, e afinal, estava enrolando meu próprio pescoço na corda da forca.

Fazendo exatamente o que eu tinha dito que não ia fazer de jeito nenhum.

Me envolvendo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

TAN TAN TAN TAN TAN. *música dramática*
Bom, eu tinha escrito um testamento aqui, e o Nyah não se contentou em comer meu capítulo, comeu as minhas notas também.
Então, vamos resumir:
1. Ontem (25/05) Spirit completou 2 meses, já! ;u; *joga confete* /tapa
2.Fiquei muito feliz ao ver que Spirit tem 25 leitores. Muito obrigada, seus lindos. Mas aos leitores fantasma, saibam que eu ficaria muito feliz se vocês dessem sinal de vida. Os reviews é que me motivam, e eu preciso saber o que vocês estão achando da fic, o que eu preciso melhorar, o que vocês estão gostando ou não. Não precisa ser um review do tamanho da bíblia - embora eu fosse ficar ainda mais feliz se fosse /tapa -, só um ''oi hanko, eu existo e acompanho spirit, estou/não estou gostando, e quero que você continue/acho que você precisa rever isso e isso e corrigir isso'' já basta. Pensem nisso ~
3. E eu queria agradecer de coração pro pessoal que me deixa esses reviews lindos e maravilhosos e que me fazem sorrir feito uma bobona. Seus lindos. ♥
4. Esse capítulo vai ser dedicado pra Shima (takashima-waka), porque eu tive uns problemas aqui em casa, sumi da internet por uma semana inteira e estou devendo uma betagem pra ela. ;__; É todo seu, Shima. ♥
5. Sou má e só vou atualizar dependendo dos reviews. OU SEJA, se eu vou demorar ou não, depende exclusivamente de vocês. /soco :33
E é isso, por enquanto. Beijos e vejo vocês no próximo. ♥
Hanko