Asas Negras escrita por Jenny Fell


Capítulo 7
Capítulo 7




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O segundo dia de aula foi ainda pior. Tive que me sentar com Lucy, uma garota de cabelos ruivos cheios de cachos e de olhos castanhos que não parava de tagarelar sobre ela mesma. O Sr. Fredricksen insistia em escolher nossas duplas para que pudéssemos “fazer novos amigos”.

         Observei pelo canto do olho Dean, e vi que ele estava em dupla com Christie. Ela remexia nos cabelos obsessivamente, tentando chamar alguma atenção para si mesma. Mas ele não parecia ligar. Estava olhando para mim. Enquanto Christie Blake estava bem ao seu lado! Percebendo que eu estava olhando, Dean sorriu. Desviei o olhar rapidamente e tentei me concentrar em qualquer outra coisa que não fosse ele.

         Havia algo de estranho em Dean. Algo nele era diferente. Era como se parte dele estivesse oculta, eu não sei. Como se... Algo sempre estivesse faltando.

- E então, Emily, pode nos dizer qual a resposta ou não? – pude ver a impaciência estampada no rosto do Sr. Fredricksen.

Eu estava tão envolta em meus pensamentos sobre Dean que não prestei atenção quando o Sr. Fredricksen me perguntou a resposta. Olhei em volta, não sabendo o que fazer, já que não sabia em que questão ele estava.

Observei Lucy apontar disfarçadamente para a questão número nove e suspirei, agradecida.

Quando acabei de ler a resposta, o Sr. Fredricksen assentiu e passou para próxima questão, me ignorando.

- Obrigada. – agradeci baixinho.

- Não há de quê. – falou, com certa cortesia. – Mas da próxima vez, é melhor parar de ficar olhando hipnotizada para Dean Lakeford.

Senti minhas bochechas ficarem vermelhas, e não soube se era de raiva ou vergonha.

- Eu não estava olhando. – a mentira em minha voz era tão clara e ofuscante quanto o sol, e Lucy nem se deu ao trabalho de tentar acreditar em mim.

Ela observou suas unhas perfeitamente bem feitas pintadas de lilás.

- Fala sério, todo mundo percebeu, Emily. – ela fez uma pausa – Tá certo que o Dean é superlindo, mas você podia pelo menos disfarçar sua queda por ele.

Olhei para ela boquiaberta.

- Eu não tenho uma queda pelo Dean! – falei, esquecendo-me de abaixar a voz.

Quando notei, a sala toda estava olhando para mim com olhares que pareciam chamar-me de esquisitona. E também havia o olhar de Dean. Era um olhar zombeteiro, como se achasse graça. Ele estava sorrindo, e pude sentir meu rosto esquentar e corar. Felizmente, Sr. Fredricksen apenas pigarreou e me dirigiu um olhar de advertência, e depois voltou a me ignorar.

Lucy deixou escapar uma risadinha baixa.

- Fala sério, que mico. – zombou. Então ela se recompôs. – Como eu estava dizendo, bem... Você deveria disfarçar melhor.

- Já disse que eu não tenho queda nenhuma por ele. – falei, apertando os olhos.

Lucy levantou as mãos como quem se rende.

- Tá legal, já entendi. – ela revirou os olhos – Bem, pelo menos você não fica dando em cima dele o tempo inteiro como a Christie faz. E isso é o que eu chamo de não disfarçar mesmo.

- Não acho que ele goste da Christie. – peguei-me falando.

- Então ele vai ser o primeiro. – falou – Você sabe que o que Christie quer, ela consegue. – falou, dizendo o nome da garota mais popular da escola como se fosse o nome de uma doença. – Mas ele me parece mais interessado em você do que nela.

- Ele não está... – comecei.

- Ah, por favor, Emily. Pare de negar o óbvio. – falou, revirando os olhos. – Então, qual é o seu truque?

- Truque? – perguntei confusa. – Eu não tenho um truque.

Eu e Lucy fomos interrompidas novamente pelo Sr. Fredricksen, que disse:

- Essas duplas serão permanentes até o fim do ano.

- Não – gemeu alguém lá no fundo.

-E a sua ideia de “fazer novos amigos”? – Lucy perguntou decepcionada.

 - Digamos que agora a minha ideia é parar com a conversa.

E, com essa declaração, ele voltou a sua aula.

Droga, eu ia ficar me sentando em dupla com Lucy o ano todo!

- Fala sério. – ela grunhiu baixinho. – E eu nem tive a chance de sentar com Dean. Christie tem muita sorte.

- Eu tive e não foi nada de mais. – resmunguei.

De repente, ela voltou sua atenção para mim e ergueu uma sobrancelha. Eu nunca conseguira fazer isso.

- Fala sério, Emily. – Lucy respirou fundo. – Nada demais?Quem não gostaria de se sentar com Dean Lakeford?

Uni as sobrancelhas. Antes que eu pudesse discordar, Lucy me interrompeu.

- Você pegou o telefone dele? – perguntou baixinho.

Fiquei confusa.

- Deus do céu, Emily! Você tem que ser mais ligada! – falou, e depois resmungou: - Pelo visto, eu tenho que fazer tudo sozinha!

- Eu não preciso do telefone dele. – falei.

Lucy fez uma cara tão perplexa que era como se eu tivesse dito que o fim do mundo seria amanhã. Tentei consertar.

- Quero dizer... Ele mora na minha rua... A algumas casas da minha.

Lucy arregalou os olhos.

- Como é que você nunca disse isso? – sussurrou, para que o Sr. Fredricksen não notasse nossa conversa. E depois acrescentou mais para si mesma: - Parece que vamos passar muito tempo juntas, Denvers.

Era a primeira vez que alguém me chamava apenas pelo sobrenome, mas eu gostei de como isso soava.

- Sabe, eu adoraria ir à sua casa. – falou, tentando soar ao máximo adorável.

- Não. Você adoraria ver o Dean. – murmurei.

Ela suspirou.

- Por favor. – agora seu tom era suplicante.

- Não.

- Por favoooor. – pediu novamente.

- Não, Lucy.

Ela franziu o cenho, como uma criança que não consegue o que quer.

- Por quê? – perguntou.

Bem nesse momento, o sinal tocou. Pensei que poderia escapar de Lucy, mas ela bloqueou minha passagem.

Tentei inventar uma desculpa decente, mas nenhuma passou pela minha cabeça.

- Não vai gostar da minha tia. – falei. – Ela odeia adolescentes.

Não era uma boa desculpa, mas era a melhor que eu tinha.

- Não me importo. – falou.

Suspirei, derrotada.

- Tá bem.

Lucy soltou um gritinho e me abraçou, surpreendendo-me.

- Obrigada, Emily! – falou, com empolgação. – A gente se vê mais tarde!

E então ela me soltou, se despedindo com um aceno.

Olhei em meu horário de aulas qual seria minha próxima aula. Literatura. Até que enfim uma matéria de que eu goste.

Fui caminhando calmamente até a sala. Pulei de susto quando fui surpreendida por uma voz masculina.

- Literatura?

Virei-me para olhar quem era com o coração batendo num ritmo acelerado. Dean. Eu devia estar com a cara de quem acaba de ver um fantasma, porque ele disse:

- Desculpe... Eu te assustei? – ele parecia entretido com a minha situação.

- É, assustou. – falei. – Como sabe que vou para a aula de Literatura?

- Não sabia. Foi por isso que perguntei. – falou, e sorriu. – Estamos na mesma classe.

- Que... Coincidência. – falei, escolhendo as palavras com cuidado.

Ele uniu um pouco as sobrancelhas.

- Não pude deixar de notar que você e sua amiga estavam falando sobre mim na aula de Biologia. – falou, e deu aquele seu belo sorriso torto.

Senti minhas bochechas ficarem vermelhas, lembrando-me do pequeno incidente na aula de Biologia.

- Lucy parece bem interessada em você.

Dean ergueu as sobrancelhas.

- Lucy?

Respirei fundo.

- Devia... Pensar nisso. – sugeri.

Não sei por que, mas, ao dizer isso, eu me senti como se alguém tivesse me dado um tapa na cara. 

- Obrigado, mas não estou interessado em sua amiga Lucy. – ele falou de modo extremamente cortês.

Algo no que ele disse me causou um alívio repentino, e não pude entender por que.

- Então tá. – falei.

- Acho melhor irmos logo. Estamos atrasados.

Segui-o pelo corredor, que agora não estava lotado de alunos.  Dean parecia saber muito bem para onde ir, por ser um novato. Teríamos aulas de literatura com a Sra. Katlein. Eu gostava dela, por ser extremamente calma e educada. Quando entramos na sala, notei que a sala estava organizada em duplas. A Sra. Katlein nos dirigiu um sorriso e falou:

- Hoje faremos um trabalho em dupla. Vocês dois poderiam se sentar bem ali? – ela gesticulou para duas carteiras coladas uma na outra.

Pus meus materiais na mesa, e Dean espelhou meu movimento. Sentamo-nos quase que em plena sintonia, e não pude deixar de achar estranho.

- Bem, como eu estava dizendo, vocês produzirão um texto com o intuito de conhecer seus parceiros. Terão que fazer perguntas, descobrirem segredos ocultos. E vão anotar tudo numa folha de seus cadernos.

Uma menina de cabelos negros lisos na altura dos ombros e olhos azuis, que nunca falara uma palavra durante a aula por ser muito tímida, levantou a mão, pedindo permissão para falar.

- Mas alguns estão sentados em dupla com seus melhores amigos. Enquanto que, outros, com pessoas que quase não conhecem. Provavelmente, as pessoas sentadas com seus amigos terão um menor trabalho, porque já se conhecem muito bem. Não acha um pouco... Injusto?

Ela tinha um sotaque inglês, e parecia bastante culta. Eu tive que concordar com que ela estava dizendo. Afinal, como eu iria saber como Dean realmente me via? E pior: eu gostaria mesmo de saber? E se fosse algo ruim? Ou talvez algo bom, mas além dos limites? E se fosse algo completamente estranho, ou... Sei lá. Por um lado, eu tinha medo de perguntar essas coisas a Dean e não gostar da resposta, mas por outro, queria loucamente saber como ele me via de verdade.

- Bem, foram vocês quem escolheram suas duplas. – falou a Sra. Katlein, com um quê de indiferença.

- A Emily não escolheu. E se ela quiser trocar de parceiro? – falou uma voz melosa. Percebi que era de Christie. Não sabia que ela tinha Literatura. Eu nem percebera sua presença. Ela estava sentada junto de Nicky

Como de costume. A amiga estreitava os olhos diante da ideia de que, se Christie fosse sentar junto de Dean, ela teria de fazer dupla comigo. Ou talvez fosse outra coisa, mas não pude captar o que era. Mas, no entanto, Christie não ligava. Era perceptível a expectativa de conseguir se sentar junto com Dean em duas aulas seguidas vibrando em seus olhos extremamente azuis.

De repente, o olhar da Sra. Katlein foi direcionado apenas para mim.

- Gostaria de fazer alguma mudança, Srta. Denvers? – perguntou ela.

Olhei para Christie, que assentiu, quase imperceptivelmente, como se me incentivasse a mudar de parceiro. Depois, meu olhar passou para Nicky, que reprovava essa ideia completamente. E, finalmente, olhei para Dean, que sorriu calorosamente para mim.

- Não, obrigada. – falei para a Sra. Katlein.

Ouvi Christie bufar, alto o suficiente para que todos notassem sua repulsa em não estar ao lado do – muito, muito provavelmente – menino mais lindo da escola. Ela me olhou, apertando os olhos.

Perguntei-me porque não quisera trocar de lugar e me sentar com alguém um pouco mais conhecido. Mas a verdade era que eu gostava de Dean. Ele estava inevitavelmente se tornando meu amigo. Ou talvez mais.

- Muito bem, então podem começar. – Sra. Katlein falou.

Mal a Sra. Katlein falou, Dean já estava rabiscando alguma coisa em seu caderno.  Tentei espiar, curiosa.

- O que está escrevendo? – perguntei.

Ele sorriu.

- Já se esqueceu do texto que devemos fazer? – zombou.

- Não. – revirei os olhos. – Posso ler?

Ele parou de escrever e olhou para mim.

- Não até ficar pronto.

- É um texto sobre mim. Eu exijo ler.

Ele deu um sorriso meio badboy.

- Nunca fui de obedecer ordens.

                                               . . .

- Eu não entendo... – falou Charlie, me passando dois ovos.

- O que você não entende? – falei, rindo um pouco de seu rosto todo sujo de farinha.

Estávamos na cozinha da minha casa preparando uma receita de cookies. Charlie parecia se atrapalhar cada vez mais com a massa, até que eu pedi para ele apenas me passar os ingredientes. Ele pareceu aliviado.

- Essa sua nova amizade com Lucy Prescott . Vocês nunca tinham se falado antes de hoje.

 - Não é uma amizade. – falei. – Ela insistiu para vir aqui para ver o Dean.

Charlie resmungou alguma coisa ininteligível.

Ouvi o barulho da campainha.

- Espere aí. – falei.

Corri para atender a porta, pensando em como Lucy chegara cedo. Ela devia estar ansiosa em se encontrar com Dean.

Quando abri a porta, não foi com Lucy que me deparei.

- Oi, Emily. – Dean falou, abrindo um sorriso preguiçoso.

- O que você está fazendo aqui? – perguntei, chocada.

Dean carregava uma caixa de ferramentas em uma mão. Imaginei como eu deveria estar. Eu tinha o cabelo preso em um coque desajeitado, também estava um pouco suja de farinha e estava segurando uma colher de madeira.

- Lembra que eu disse que tinha me oferecido para consertar o carro da sua tia? – perguntou, sorrindo.

Senti-me uma idiota por ter me esquecido.

- Ah, claro. – pisquei duas vezes. – Eu tinha me esquecido.

Ele sorriu.

- Entre. – convidei-o.

- Obrigado. – agradeceu. Ele me analisou demoradamente dos pés a cabeça, provavelmente notando a farinha nas minhas roupas. – Cozinhando?

- É. Estamos tentando fazer cookies.

Nesse momento, Charlie apareceu por trás de mim.

- Dean. – cumprimentou-o educadamente, mas sem deixar transparecer nenhum sentimento. – Que surpresa você por aqui.

Dean acenou levemente com a cabeça.

- Onde está o carro? – perguntou.

Acompanhei Dean até a garagem do imenso e velho casarão. O cômodo parecia mais um sótão que uma garagem. Lá estavam, abarrotadas, várias caixas de papelão. Era possível sentir uma fina camada de poeira pairando sobre nós. Tossi ao entrar lá.

- Um modelo bem clássico. – murmurou.

Na garagem, estava um velho Chevy Impala 1967 que alternava o tom entre dourado e marrom claro. Estava caindo aos pedaços. Deveria estar assim há um bom tempo. Como todos que tentavam consertar o velho carro fracassavam, Tia Dorothy teve que se contentar em comprar outro carro, o mesmo em que eu ia para aula. Mas ela não se desfez do Chevy, como eu achei que faria. Tia Dorothy é uma mulher muito conservadora. Ela manteve o carro empoleirado na garagem.

- Então, onde está o problema? – a voz de Dean me despertou de meu blá-blá-blá interno.

Infelizmente, eu entendia tanto de carros quanto Tia Dorothy. E talvez até menos.

- Ahn... Que tal você... Você dar uma olhada no... No... – gaguejei, tentando me lembrar de qualquer parte do carro. - No para-brisas! – exclamei, satisfeita por ter me lembrado de algo.

Dean riu como se debochasse de mim.

- Não tem nada de errado com o para-brisas, Emily. Apenas um bocado de sujeira, mas eu não vim limpar o carro.

- Ahn. É claro... Eu só estava brincando... – falei, corando.

Dean olhou dentro de meus olhos profundamente, e senti-me completamente invisível, como se ele olhasse através de mim. E depois ele abriu um sorriso preguiçoso.

- Não sabe o que está falando. – falou.

- Não. – confessei.

Ele estreitou os olhos para o carro.

- Tudo bem. Verei o que posso fazer.

- Obrigada. – falei, agradecida. – Depois eu volto para... hum... Ver como você está indo.

- Que sorte a minha ter uma supervisora tão atraente. – falou, sorrindo. Eu sorri, nem prestando atenção no que ele acabara de dizer.

Quando as palavras foram finalmente digeridas, senti-me terrivelmente exposta, mas lisonjeada. Agora, toda a atenção de Dean estava concentrada no Chevy, então, aproveitei minha deixa e escapei.


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