Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 59
Capítulo 59




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O jantar foi sem graça, a corça era magra demais para um churrasco, mas valeu por um cozido temperado. Imladris reclamara um pouco sobre a idéia de caçada. Ox reclamara por não ter participado. Sorena não viera comer. A pequena mesa que dividiam era fria e desinteressante quando Sorena não estava ao seu lado. Já era noite e ventava como sempre, inspecionou os seus equipamentos, saiu para cumprimentar os vigias aos arredores, chutou alguns ratos que fuçavam alguns grãos no chão da Taverna e entrou no estábulo. Ali estava quente e vivo, as tábuas tremiam com o vento, mas davam segurança para os cavalos que estavam ali. Andou um pouco e sentiu seu coração pulsar mais forte ao pressentir o uso de magia.

 - Sorena, quantas vezes vou ter que...? - pegou a garota no flagrante, drenando energia vital do passarinho morto do cercado. - Sua teimosa! Quantas vezes terei que avisar! - pegando o animal e jogando janela afora, Sorena estava tão tensa que suas pupilas aumentaram de tamanho, seu braço machucado mostrava as veias pulando à flor da pele com as estranhas tatuagens e o corpo trêmulo. Kali a empurrou para a parede. - Quantas vezes terei que dizer? Drenar magia assim te faz mal! Está me escutando? - e depois se enfureceu pelo riso histérico malicioso da garota, deu tapas em seu rosto e a empurrou novamente para a parede de madeira.

 - Bater neste corpo não adiantará nada, Willfire... - disse Sorena com convicção. - Eu não pertenço mais a este lugar, se é que ainda não entendeu... - outro tapa em sua face que a fez cair no chão segurando o rosto. Kali tentava não chorar, não se desesperar, não passar dos limites.

 - Se era para estar morta, diga logo! Faço esse favor à humanidade!

 - Não me toque... - disse Sorena com visível dor na voz. - Dói quando você me toca... – se encolhendo segurando bem o braço machucado.

 - O que está havendo com você Sorena? Por que está...? Por que...? - e se perdeu no meio das palavras por ver que a garota tinha sangue no nariz.

 - Eu não posso mais me livrar deles... Quando estou sozinha, é como se eles me chamassem o tempo todo, pedindo ajuda, pedindo uma resposta... E sei que não posso fazer nada, então... Peço para eles ficarem calados, mas eles não ficam!!! - chorando e tocando o sangue no nariz. - E quando eles acham que posso ajudar, me obrigam a... a... me obrigam a mantê-los vivos aqui... - apontando para o seu próprio peito, Kali se ajoelhou e foi até ela. - Não dá mais para conter... Mestre Derris não me explicou como funciona... Eu tento evitá-los, mas eles não vão embora...!! - e segurando sua cabeça fortemente, ela caiu em um choro silencioso, Kali a abraçou tremendo, o poder emanado do espírito da garota era terrivelmente confuso. Como se tivessem milhares de pedaços tentando se reconstituir em algo que mal ela sabia distinguir.

 - Faça-os irem embora, meu bem... Você não merece ficar com eles...

 - Mas eu já fiquei...!!! - exclamou ela desesperada, seus olhos se encontraram com os de Kali e quando a mais velha tocou seu rosto, parecia que a pele de Sorena estava se enrugando e deteriorando aos poucos.

 - Sorena, pelo Sol!!! - ela exclamou, mas seu toque ficou grudado à face da jovem e o crânio de Sorena aparecia debaixo de seus dedos, sangue escorria em seus braços e o grito ensurdecedor da garota a fez desmaiar.


Kalindorane acordou em sua cama na Hospedaria. Sorena comia uma fruta e lia um livro de mecânica em silêncio, alisando o gatinho de estimação que adotou lá da lixeira, Scido, sentado em seu colo. Levantou em um salto e olhou em redor.

 - O que houve?!

 - Você estava dormindo...? - disse a mais nova apática. - Devia estar tão cansada de dar ordens e fingir que era alguma coisa, aí caiu no sono... - Sorena aproximou a lamparina em sua mesinha e para Kali, sua aparência era boa e saudável, se perguntava agora o que fora aquilo tudo. Um sonho, uma premonição ou a realidade?

 - Sorena, venha cá... - a garota deixou os ombros caírem.

 - Ai, lá vem você com mais ordens...? Volta a dormir, eu tou lendo... – voltando seus olhos para o livro, mas um abraço assustou a garota, Kali soluçava em seu ombro e seu corpo foi escorregando para o chão, Sorena não conseguiu segurar a tempo, mas a içou para a sua cama. O filhote Scido apenas miou baixo e ronronou perto da dona. – K-kali...? Você está bem? - sentindo a pulsação e depois a testa da mulher, não havia nada errado. - Vou pegar vinho ali e... - a mão de Kali puxou a de Sorena para si, seus lábios encostaram perto de seu rosto e ela suspirou algo antes de desmaiar:

 - Não me deixe... Não me deixe, por favor...

 - Até aqui tem que chover desse jeito? - perguntou Sorena para si mesma. Estava emburrada por causa do tempo que encontraram no cabo Stranglethorn, Imladris agradeceu a tudo que via pela frente, finalmente tinha um pouco de chuva para alegrar a lua-de-mel. O casal agora passeava pela pequena vila costeira cuidada pelos Orcs de Grom’kon e Trolls Darkspears. Sorena e Kali foram na direção contrária, por acaso. Sorena queria ver os navios afundados da Aliança na última invasão Pirata que houvera ali, Kali queria saber cada passo que a mais nova dava e conseguia sem muito esforço ou reclamação.

 - Uma chuvinha de nada...

 - Preciso patentear guarda-chuvas mais eficientes... – disse a mais nova jogando os dela fora por se reduzirem a varetas de madeira, já que a cobertura fina de tecido fora danificada pela chuva de mais cedo.

 - Vai derreter é donzela de açúcar? - Kali caminhava alegre, sussurrando uma canção qualquer e acompanhando os passinhos apressados de sua mascote Scido, um filhote de pantera que fora abandonado nas ruazinhas de Ratchet. – Sua dona é a donzela de açúcar, Scido...

 - Eu não sou dona dessa coisa aí... – resmungou Sorena puxando sua blusa para cima e cobrindo sua cabeça. Estava completamente encharcada e isso a deixava um tanto nervosa. Kali nem se importava e soltara os cabelos avermelhados para pegar a fina garoa que caía desde cedo. Um cais diminuto para embarcações de pesca estava apinhado de goblins, orcs e trolls na função, todos esperando a chuva passar para poderem voltar ao seu trabalho, Sorena escolheu um lugar mais afastado dos comerciantes e pescadores, um celeiro pequeno que abrigava os grãos e caixas de mantimentos que deveriam se manter secos da monções constantes do Cabo. Da porta do celeiro, ela observava a cena. Um tempo atrás ela acharia isso tudo esplêndido, a primeira elfa que vira em sua vida adulta tomando banho de chuva, rindo e cantarolando para os céus, a chuva cobrindo a sua face e molhando suas roupas. Poderia ser a melhor hora para poder falar alguma coisa bonita e aproveitável, mas preferiu esconder a idéia bem guardada. O braço esquerdo a lembrava de tantos e tantos que deveria recorrer à magia para se curar. Ervas e pastas de frutas selvagens, curas menores que Immie aplicava também não adiantaram até o momento. Olhou ao redor e viu que um cadáver apodrecido de um passarinho colorido jazia ali perto do cercado. Com um pouco de apuro em seus sentidos, conseguiu sentir que ainda restava um pouco de energia vital do mamífero... Um impulso desagradável tomou seu estômago e ela se viu caminhando para o cercado.

 - Aonde vai Sorena? Não se esqueça de nosso treino vespertino... - disse Kali um pouco alertada. Foi em direção da mais nova e enlaçou seu braço no dela e a levou para longe do cercado. - Começamos agora... Apronte-se...

 - Aprontar para o quê? Você não... Ah não!! Não de jeito nenhum!!

 - Sem reclamação! – a mais velha a beliscou na orelha esquerda, Sorena se contorceu de dor. A arqueira retirou seu arco e flecha dos ombros.

 - Arco e flecha novamente?! - disse a garota sem motivação. – Não tem aonde treinar aqui!!

 - Não... Hoje vai ser luta de corpo-a-corpo...

 - Ahn... Eu bater em você? - perguntou Sorena com receio, olhando para os lados, a sensação de emergência de reposição mágica se afastando a cada palavra que dava. - Nada feito.

 - Vamos fingir que os ancinhos são lanças... - sorriu Kali e jogando uma das ferramentas para ela, Sorena a pegou com dificuldade. Armas não costumavam estar em seu repertório nas lutas. - Ainda lembra as posições?

 - Que posições? Tem posições? – e ficando vermelha subitamente. – Okay! Eu não pensei em nada quando você disse a palavra “posições”!! - Sorena balançou a cabeça tentando afastar os pensamentos absurdos. Kali testava o cabo do ancinho nas mãos, realmente seria fácil derrubar a menininha da taverna. Sorriu mais uma vez e se posicionou.

 - O que será que deve ter passado nessa sua mente poluída quando eu falo certas coisas hein? – imitando o sotaque de Sorena e girando o ancinho várias vezes nas mãos. – Vamos ver... – sorrindo maliciosamente e umedecendo seus lábios com a ponta da língua. – Quer que eu te deixe de quatro? – indicando o ancinho nas mãos. Sorena balançou a cabeça do mesmo modo anterior. Kali riu alto. - Então... Se está esperando que eu diga algo mais afetuoso, pode esquecer! - e atacou com velocidade, a garota se esquivou e aparou o golpe com o cabo de sua ferramenta, um garfo de 3 pontas, Kali girou em seus calcanhares e desferiu outro golpe rápido com a ponta do cabo, Sorena sentiu-se jogada para trás ao levar o golpe nos quadris e quase caiu no chão coberto por feno e lama. - Os reflexos estão bons... Pensei que sabia ter noção do perigo...

 - Você é quem deveria ter consciência disso...! - Sorena empurrou seu garfo para atrasar a mais velha. Com um giro rápido tentou atingir o cabo nas costelas de Kali, foi lenta demais e recebeu uma cotovelada no rosto, caiu no chão ofegante e morrendo de dor.

 - Hmmm... Parece que anda distraída com alguma coisa... Seria a minha incrível beleza exótica que confunde seus sentidos? - vangloriou-se por um momento até Sorena revidar com um ataque certeiro em seu joelho esquerdo, a derrubando no chão com um grunhido doloroso.

 - Mas que beleza? Você já está velha... E bem acabada... - soltando o ancinho e apontando para o chão, a terra tremeu por um instante e Kali estremeceu pelo que viria a seguir, mas pequenas flores arroxeadas saíram da terra e um perfume muito agradável prendeu a atenção dela para o chão. - Quer que eu te enterre com essas flores depois que eu acabar com o seu traseiro élfico? - Kali levantou com um sorriso vitorioso.

 - Algo me diz que você vai adorar mexer com meu traseiro élfico... – Sorena arregalou os olhos em timidez e deu alguns passos para trás. – Algo me diz que eu também vou adorar você mexendo no meu bumbum?

 - E-e-eu não disse nada disso!! - Kali desferiu diversos golpes em uma velocidade moderada, testando cada reflexo de Sorena até a garota dar os primeiros sinais de cansaço.

 - Desiste? Está muito cedo para desistir... - e dando uma rasteira na garota, depois um breve tapa no rosto dela como provocação, ela disse: - Vai precisar de muito mais para me enterrar, sua tonta... - Sorena levou à sério e pulou em cima da líder, tentou dar socos, mas a mais velha se desvencilhava e dava mais tapinhas em seu rosto. - Olha só quem resolveu atacar de verdade... - girando o braço direito de Sorena e a colocando de joelhos no chão. Girou mais um pouco o braço e garota soltou uma exclamação de dor. - Aaah, sim... Era isso que eu queria ouvir... Mas me diga... - empurrando o rosto de Sorena para o chão. - Quem é a velha acabada aqui? Até o que sei, não fui eu que gastei todas minhas forças lutando para se ferrar toda e ser possuída por espíritos maléficos... Muito menos não fui eu que... - Sorena gritou e prendeu os braços de Kali para si, a jogando no chão sem dó. As costas da mais velha bateram firmes no chão e por um tempo ela ficou atônita com a força da garota.

 - Se fiz aquilo, era porque era preciso! Não me julgue se não me entende! - Kali se levantou rapidamente e se aprontou para mais outra rodada.

 - Por que eu entenderia? Você tecnicamente é uma aberração para uma feiticeira... – Sorena a chutou nas costelas, mas Kali defendeu sem problemas, a chuva deixara as roupas de Sorena pesadas e se Kali estivesse certa, a garota estaria usando faixas por debaixo do vestido magenta. - Tirou a única chance de se livrar de seus tormentos internos e o que quis em troca? Isolamento e dor...

 - Você não entende!!! - avançando em uma corrida e empurrando Kali para trás com os ombros.

 - Atacando o inimigo com raiva? Isso não é uma boa estratégia... - tentando não se impressionar com a força nos braços frágeis da garota que a empurrava, a parede do celeiro encostou em suas costas e ela percebeu o quanto Sorena havia se esforçado para isso. Cerca de 10 metros de corrida e esforço. Encarou a garotinha à sua frente, seu nariz sangrava e seus olhos demonstravam aquele apelo assassino de destruição. Engoliu em seco e tentou sorrir novamente, mas Sorena a prensou na parede.

 - E qual seria a melhor estratégia? Atacar o inimigo com paixão? - Kali engasgou com o nó na garganta após o comentário, Sorena baixou a guarda e ruborizou de forma abrupta. Logo estava três passos afastada de Kali, os passos aumentaram até ela ganhar a porta do celeiro e fugir pela chuva.

Mais tarde na Estalagem a Beira-Mar.


 - Alguém viu a Sorena? – perguntou Kali encharcada pela chuva torrencial. Oxkhar e Imladris chegaram do mesmo jeito, mas haviam se secado antes por voltarem para a Estalagem antes que a chuva piorasse.

 - Ela foi direto para o quarto. Você não se importa se...? – perguntou Imladris com um sorriso cúmplice para a arqueira.

 - Oh não, claro que não! Ela tagarela tanto de noite, que me faz dormir...

 - Sorena não fala enquanto dorme... – estranhou Oxkhar ajeitando seu kit de barbear. – Ela era sonâmbula, mas falar não falava...

 - Esquece Ox... – Immie o beijou no rosto e arranhou a barba que já crescia.

 - Eu já sei... – ele disse um pouco irritado. – Mulher tem cada coisa...! – saindo para os fundos da Estalagem para se barbear. Imladris suspirou profundamente como se houvesse ganhado uma batalha grandiosa.

 - Ele queria deixar a barba crescer... – opinou Kali já sabendo o que ocorrera.

 - Arram e eu o proibi. Não o quero parecido com um anão de Ironforge... – as duas sorriram, Imladris indicou o andar de cima. – Ela estava mais nervosa que o habitual. Algo em que eu possa...?

 - Oh não, deixe para lá... Sorena não sabe lidar com certas coisas...

 - Como o próprio coração...? – instigou Immie com um dos olhos fechados. Kali riu um pouco e espremeu um pouco seus cabelos molhados perto da lareira ali perto.

 - Não... Drenar mana. Acho que ela não aprendeu direito com o mestre dela... – Imladris fingiu-se de entendida no assunto, mas tentou se lembrar dessa lição em seu treinamento com Aelthalyste. Antes que Kali atingisse o final das escadas para os dormitórios, Imladris gritou:

 - Deixa ela fora do alcance de paladinos!

 - Certo...

 - Muito poder e... magia... faz mal... Nada de paladinos... – tentou embromar por não lembrar mesmo o que aprendera sobre Drenar Mana.


                Sorena estava esparramada na rede que servia de cama nos bangalôs da Estalagem. Fazia muito tempo que sentia dores nas costas e a rede estava a confortando em não achatar suas costelas, fez o melhor que podia na armação de madeira e o feno seco que recheava um tecido velho que fora ofertado pela dona da Estalagem. Ali na rede cobriu um lençol claro que exalava um aroma bom de flores, já que o mantinha envolto em um incenso especial e sempre que o estendia em qualquer cama, sentia os pulmões mais leves e o ar mais inebriante para um sono tranqüilo. Adorava aquele cheiro, pois era parecido com o mesmo perfume que usavam nas Casas de Cura em Fairbreeze. Isso lhe dava boas lembranças e tirava alguns risinhos cúmplices de seu rosto, do tempo em que ficava horas na janela das Casas observando bem a vida lá embaixo e principalmente a arqueira tão atarefada que a vigiava de volta sem saber que estava sendo também vigiada. Já havia tomado banho e sentia que a noite seria livre de pesadelos hostis com demônios, rostos desfigurados e sangue em vitrais de catedrais e salões enormes infestados de monstros decapitando pessoas inocentes, crianças dilaceradas e mulheres violentadas por bestas. Suspirou fundo no lençol e enterrou seu rosto entre os braços para se abrigar das tremuras que sentia por causa da chuva.

 - Sonhando alto, é? - levou um susto tão grande que quase enrolou a rede em si mesma e caiu. Kali estava apenas de camisola de dormir, de tecido leve e sedoso na cor preta. A cor contrastava com seus cabelos vivos e sua pele morena por anos de serviço nas Florestas e nas terras castigadas pela Praga. - É... acho que minha incrível beleza exótica te desarmou outra vez... - e arrumando a rede para se sentar, continuou - Nossa... Que caminha perfeita... - se debruçou preguiçosamente em cima da rede e sentiu o aroma do lençol. - Nunca pensei que tivesse tanto capricho com essas coisas... - Sorena ainda se recuperava do susto e conseguiu sair da rede para as escadas. - Onde vai?

 - Já que vai dormir na minha cama, vou dormir com os animais...

 - Mas por que justamente com os animais...?

 - Eles espantam os pesadelos melhor do que você...

 - Oh, isso foi uma ofensa? - Sorena deu de ombros e desceu as escadas deixando Kali imersa em seus pensamentos. Aquilo fora uma ofensa ou...? Correu para as escadas descalça e desceu rapidamente, a recepção da Estalagem estava vazia, já que os únicos hóspedes eram os recém-casados e as duas elfas. Encontrou Sorena encolhida perto de um monte de feno que cobria boa parte do lado esquerdo do barracão de ferramentas. A garota ainda se encolhia para dormir melhor.

 - Não vai desistir de me perseguir...?

 - Não estou te perseguindo, sua... - e uma pontada de dor veio em sua cabeça. Era quando sentia que a empatia dos animais afetava literalmente o espaço em que estavam. Scido estava ali, arranhando suas novas garras na madeira velha de uma carroça aos pedaços e preso por uma coleirinha especial que a arqueira preparara - Por que disse que os animais afastam seus pesadelos? - disse curiosa chegando perto do monte de feno.

 - Animais são canalizadores de energia. Os espíritos maléficos são repelidos por campos de energia vital... Quando um animal morre, os espíritos quebram esse campo e tomam conta do lugar... - Kali afastou o feno e a viu encolhida no fundo. - É difícil explicar com precisão, mas quando um animal está por perto eu não ouço tanta baboseira de morto no meu ouvido...

 - Você ainda ouve os mortos...?

 - O tempo todo...?

 - E isso não... te incomoda? - Kali titubeou nas palavras, sabia muito bem que incomodava, que atormentava a garota, que Sorena nem mais queria chegar perto dos outros por causa disso. Pensou um pouco mais e seu coração deu um pulo. Quando saíram de Ratchet para ali, Sorena ficara estranhamente quieta e rabugenta. Deveria ser isso. - E como faz para que eles vão embora?

 - Espero um animal morrer e tento expulsar eles...

 - Que nem aquele passarinho lá fora na tenda dos pescadores?

 - O que tem o passarinho? – Scido se contorceu em um bocejo lerdo e miou em seguida. Queria atenção. Kali puxou o seu mascote para seu colo e sentou-se perto de Sorena com o animalzinho arranhando de leve seu braços para ganhar mais carinho na barriga de pelagem branca.

 - Ele morreu há alguns dias... E você estava de olho nele! Pensa que eu não vi? - e com um sinal de reverência para se proteger. - Isso me parece coisa de rituais de sacrifício...

 - Bem, eu era uma feiticeira dãããn...?

 - Mas mesmo assim! Se quer recorrer a drenagem de mana, me informe antes. Posso te ajudar mais do que você pensa. – coçando a barriga do filhote.

 - Funciona quase da mesma maneira... - Kali suspendeu o fôlego. - Mas não sacrifico ninguém, espero a natureza fazer o trabalho para mim... – e ajeitando seu lugar, ela virou-se sem cerimônia, dando as costas para Kalindorane. - Boa noite...

 - Não, espere! - disse rapidamente e sentiu seu rosto ferver por falar assim tão ansiosamente. - Quero dizer... Por que não dorme comigo? Lá em cima é mais quente do que aqui...

 - Pode ser, mas não vai me livrar dos pesadelos...

 - Por que eu sou um ímã de pesadelos? - disse sarcasticamente, Sorena virou-se para ela com cara de sono.

 - Porque pensar em você é mais doloroso do que agüentar lamúria de alma penada... - Kali sorriu com o elogio e recuperou seu costumeiro falar arrastado. Scido abriu a boquinha e miou melodiosamente para ganhar mais mimos.

 - Então se é assim, devo imaginar que você não pára de pensar em mim o tempo todo...?

 - Algo do tipo... - Sorena abanou a cabeça e a voz embargada de sono.

 - Uma cama como aquela não deveria estar lá fria e sem ninguém para se deitar... – murmurou Kali para Scido que bocejava novamente.

 - Então vai dormir...

 - Não quero dormir hoje... Quero você do meu lado e vê-la dormir sossegada! - a ordem fez Sorena pular do lugar e olhar para a arqueira.

 - Não vai começar com suas demandas estúpidas de novo, vai? Honestamente isto está se tornando ridículo... – Scido agora dormia tranqüilo e com a boca aberta no colo de Kali. – Como é que você...? – a arqueira estendeu a mão que acariciava o mascote, uma pequena fagulha de mana emanava entre seus dedos.

 - Eu sei como usar isso muito bem... Posso te ajudar... – Sorena a olhou confusa.

 - E-ele não vai...?

 - Não... Só se sentirá cansado e dormir desse jeito... É até bom... – absorvendo o pequeno estoque de mana que ganhara drenando do seu mascote. – Do jeito que panteras são, era capaz dele sair fazendo bagunça no estábulo e nas casas vizinhas querendo caçar coisinhas por aí e fingir ser o predador... – Sorena estava atônita com o poder tão controlado da arqueira-vigia. – Então...? Cama, comigo, agora? Prometo não te morder... em lugares visíveis, é claro... – a mais nova franziu a testa com irritação. Kali riu da seriedade influenciada pelo sono que a mais nova tinha.

- Toda vez quando você começa com essas coisas, me dá nos nervos... - subiram as escadas seguidas pelos resmungos de Sorena. - Parece que nunca tenho noites boas de sono... E hoje que pensava que...

 - Boca fechada e se deita logo... Ou te dou um tapa bem dado no seu traseirinho élfico! – beliscando o quadril de Sorena, a elfa mais nova deu um guincho de surpresa. – Hey, quieta! Pessoas dormem!



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