Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 28
Capítulo 28




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Semanas depois - Dalaran, a Cidade Suspensa

 - Ahn... – Imladris olhava tudo ao redor. Era como estar em um dos livros de contos-infantis que sua primeira tutora lia quando os novatos no clericato se preparavam para dormir. Dalaran era uma cidade cheia de prédios antigos espiralados, assim como era a Antiga Quel’Thalas que ainda se lembrava. Mas estava muito irritada.

 - O que foi? – perguntou Sorena ao seu lado, olhos fundos e cara de doente.

 - Estou brava.

 - Por que foi expulsa de Undercity?

 - Eu não fui expulsa!

 - Ahn, eu posso estar nas últimas, mas ainda não perdi minha audição... Eu ouvi algo sobre expulsão e não pisar mais na cidade dos Abandonados...

 - Quer parar?

 - Parar o quê? – Sorena tossiu roucamente e começou a rir de um gnomo que passara na frente delas. – Hahaha, homenzinhos vestidos de vestido!! – a mais nova gargalhou, mas foi obrigada a tossir novamente. Imladris ainda estava emburrada. Não gostava de Dalaran, nem quando ela ficava perto das Montanhas Arathi, pregada ao chão e não em um lugar fora do espaço como no continente gelado de Northrend. – Você viu isso?

 - Vi e não gostei.

 - Temos uma vencedora no concurso de cara fechada do ano?

 - Papai!! – Sorena jogou a mochila que carregava no chão e abraçou Hrodi, seu pai adotivo. Imladris ainda olhava desconfiada para o gnomo mago que acabara de aparecer. – O senhor está...?

 - Firme e forte. Nunca estive melhor! Olha só para mim! – mostrando a língua e a falta de manchas em volta do pescoço pela Nova Praga. Sorena devolveu com o mesmo gesto. – Mas você está terrível... – dando uma examinada nos olhos avermelhados da garota. – Vai ter que tomar chá de carmim.

 - Ééécaaaa!! – a menina elfa negou com a cabeça. Imladris cruzara os braços atrás de Sorena.

 - Oh cara clériga Imladris! Creio que está aqui contra sua vontade, não?

 - Totalmente. – respondeu secamente. O gnomo mago passou por eles novamente. Sorena não conseguiu conter o riso. Hrodi encarou a filha e percebeu que era uma das crises.

 - Vamos, levarei você para a Taverna Crisálida para descansarem... – os três foram pelas ruas pavimentadas de pedras claras de Dalaran, passando por muitos lugares. Sorena apontava para todas as placas e tentava ler, mas caía na risada toda vez que via um gnomo passar.

 - O que são eles? – apontando para o gnomo parado na frente da lojinha de Encantamentos.

 - São pessoas. Chamam gnomos.

 - Gnomos... O que eles fazem?

 - Eles são pessoas, Sorena... – repetiu Imladris ainda irritada. Sorena a olhou curiosa.

 - Você está assim porque a “outra” te expulsou de casa? Ela não é sua dona. – Imladris foi abrir a boca para discutir, mas soltou um suspiro agonizante.

 - Oh por tudo que é sagrado... – ela se escondeu atrás de Sorena como um bichinho assustado.

 - O que foi? – Sorena a perseguiu dando voltas em si mesma. Hrodi, carregando a pouca bagagem das duas, já havia entrado na Taverna Crisálida e acenava.

 - Não acena, não acena!

 - Immie, que houve?! – ria Sorena atrás dela.

 - Immie, é você?

 - Oh maldição...

 - Hey! Clérigos não podem falar palavrão! – repreendeu Sorena sorrindo largamente.

 - É mesmo você, Imladris, a flor selvagem em meu jardim de inverno!

 - Ah... olá... Krassus... – Sorena percebeu no quanto a clériga desviara o olhar do elfo de olhos azulados e de ombros largos que vinha em direção a elas. – Como vai indo? Você nunca mais apareceu em Stormwind...

 - Estive ocupada.

 - Vocês se conhecem? Stormwind? Você é de lá? Você conhece um paladino lindão chamado Oxkhar?

 - Oxkhar, o Piedoso? Sim, claro! Foi nosso companheiro de luta nas Estepes Borbulhantes...

 - Ahn, Sorena, esse é Krassus Dawnlight... Ele é membro do Silver Covenant...

 - Que seria...?

 - Somos os honrados Paladinos de Milady Windrunner! – ele anunciou com orgulho na voz.

 - Qual delas? – perguntou Sorena bobamente. – Porque têm muitas. Tipo... Três... – fazendo o número três com os dedos. – Será que tem mais delas por aí? – saindo de perto dos dois e indo falando sozinha para uma fonte que havia ali perto. – Porque se tiver mais delas, eu estou ferrada! Vai que...

 - Immie, por que você fugiu?

 - Eu não fugi!

 - Nós tínhamos tudo para estarmos aqui em Dalaran e você preferiu “eles”?

 - Eles me salvaram, lembra? E você também deveria lembrar-se disso! Você estava lá quando tudo aconteceu!

 - Isso foi antes de conhecer o Silver Covenant. Devo minha vida a eles!

 - Pois eu também devo a minha a “eles”! – imitando o tom de nojo que o paladino havia falado. – Não vamos começar, vamos? Eu estou cansada e em uma cidade que não me traz boas lembranças... – ela se esgueirou um pouco e observou a amiga sentadinha na beirada da fonte, balançando os pés dentro d’água.

 - Você vai ficar mesmo?

 - Irei por um breve tempo. Minha amiga está adoentada. – indicando Sorena na fonte. – Preciso ajudá-la a se recuperar... – o paladino pegou sua mão gentilmente, Imladris o encarou assustada.

 - Calma, Immie, só estou checando sua pulsação...

 - Por que isso agora hein? – disse a clériga desconfiada.

 - Porque eu sinto que há algo dentro de você que está lutando contra algo letal para seu corpo.

 - Bobagens e... – os dois se viraram no mesmo momento, pois ouviram um barulho de algo caindo na água. Sorena não estava mais no lugar a beirada da fonte. Dois habitantes de Dalaran que estavam ali perto foram acudir a menina elfa. – Oh Sorena!! – a clériga correu, levantando a barra de seu manto escurecido pela falta de limpeza desde a Batalha em Undercity. – O que você está aprontando?

 - Achei!! – gritou Sorena cuspindo água para o alto e mostrando uma pedrinha. – Não, não achei... Mas que... – e quando iria soltar um palavrão, o paladino Krassus a tirou da fonte com facilidade. – Obrigada, senhor Krassus... – ela riu um pouco e tremendo o queixo.

 - Da onde vocês vieram? – perguntou Krassus com a voz rouca e se sentando na beirada da fonte com palidez evidente.

 - Da cidade “deles”... – respondeu Imladris com altivez. Sorena ficou na beirada tentando olhar dentro d água, mas lá estava Hrodi tirando a filha de perto da fonte.

 - Certo Sorena, já teve o seu banho de hoje... Vamos, entre logo e se aqueça. Pode pegar uma gripe assim...

 - Acho que é a última coisa que ela pegaria agora... – comentou Krassus massageando sua testa.

 - E-eu irei com ela, senhor Hrodi... Uma boa tarde Krassus... – o paladino apenas deu um aceno de até logo. Hrodi olhou para a fonte e depois para ele.

 - O que aconteceu aqui?

 - A pequena caiu na fonte. Você as conhece?

 - Sim... – agradecendo aos rapazes que ficavam perto da fonte. – O que têm elas?

 - Uma está possuída por uma entidade poderosa.

 - Oh isso... Não, não, ela está doente. É a mesma doença que contraí nas Terras Contaminadas...

 - Não Hrodi, não é da Imladris que eu falo... É a sua filha ali não é...?

 - S-sim... a de cabelos curtos e vermelhos...

 - É melhor você levá-la aos Magos do Covenant. Ela está realmente possuída...

 - Mas isso é... bem... – ajudando o paladino a se levantar. – Preocupo-me com as duas. Irei acatar sua sugestão nobre paladino.

 - Grato pela atenção, Hrodi...


 - Você está vermelhaaaaa...

 - Calada! E senta logo nessa cama.

 - Você está envergonhadaaaaaaa!! – a mais nova obedeceu sentando pesadamente na cama nos dormitórios acima da Taverna Crisálida. – Ele é seu namorado?

 - Não!! Oh pela Dama Sombria!! Tanto lugar para se estar e justamente aqui?!

 - Ele era seu namorado?

 - Não!!

 - Eu disse “era”, oras...

 - Ele nunca foi nada meu, oras! Só um colega de viagem que tive que fazer para Stormwind... bem... irritante... Eu era nova ainda, estava na comitiva de Orgrimmar e... Ah pra que eu tenho que ficar me explicando?!

 - Você está gritando. Isso quer dizer que ele significa alguma coisa para você.

 - Pára de provocar!

 - Viu? Agora você está vermelha e falando descontroladamente. Ele era o quê? Noivo? Ele era seu marido? Você casou com ele e nem me falou? O Oxkhar vai ficar com o coração partido por causa disso...

 - Por que todo maldito paladino acha que só porque eu sou clériga eu sou obrigada a me apaixonar para ele?! – a pergunta-desabafo deixou Sorena com olhar de peixe-morto e boca aberta para responder.

 - Ahn... Sei lá. Porque você é clériga. Deve ser essa a resposta.

 - M-mas, mas!! – Imladris desempacotava sua bolsa na outra cama. Sorena estava coberta por duas toalhas felpudas e outra cobrindo a cabeça. – Por que eles acham que eu tenho que sair com eles?

 - Hmmm, deve ser alguma coisa a ver com a Luz...

 - Já não basta ter que ficar dando satisfação do que faço para meus “parentes” e agora eu tenho que ser toda gentil com um cara que vivia me mandando ficar enterrada debaixo de ordens de um bando de birutas de Stormwind.

 - Ahn... Você obedecia ao pessoal do Apotecário lá em Undercity. Não vejo diferença... – o olhar mortífero de Imladris para a amiga fez Sorena fingir que estava coçando o ouvido esquerdo. – Oh! Oh! Vivos!

 - Ahn?!

 - Essa é a diferença entre os caras de Stormwind e de Undercity... Alguns estão vivos e outros não. Eu tou confusa agora, se o Monastério Escarlate é de gente vinda de Stormwind e viva, porque o Arcebispo é um morto-vivo?

 - Sorena, tente não questionar demais. Você está ruim da cabeça, lembra? Pulou naquela fonte à toa, é?

 - Não! Não, eu estava procurando uma coisa lá...

 - Uma coisa?

 - É, algo que eu perdi... ou não... seilá, tou confusa agora... Se no Monastério Escarlate tem clérigos vivos porque o Arcebispo... – e parou de falar abruptamente ao desmaiar na cama com um baque acolchoado. Imladris foi até ela e sentiu sua testa. Estava queimando de febre. Cobriu-a com os lençóis novos e a aconchegou no travesseiro.


Ghostlands, anos atrás.

 - Por favor, por favor, não tirem ela de mim, não.. Não!! – implorava Serenath indo atrás de Vereesa Windrunner. – Peça para ele mudar de idéia, diga que posso proteger minha filha, que tenho parentes em Silvermoon, por favor Vee, o convença que isso é uma idéia boba... Por favor...

 - É muito perigoso, Serenath... – respondeu o patriarca da família Theridion. Lirath chegava apressado do quarto no térreo.

 - Mamãe piorou a febre... Acho que terei que ir a vila pegar alguns ingredientes...

 - Não, não! Lá fora está infestado dessas aranhas horripilantes! – gritou o pai com a testa suada.

 - E-eu posso te cobrir, Lirath... – disse Sylvanas apertando a mão do irmão mais novo, o curandeiro da família.

 - De jeito nenhum vocês irão se arriscar lá fora!!

 - Papai, fale baixo! – pediu Vereesa indicando o estado estressado de Serenath. Myrtae em seu colo não queria mamar em seu peito e quando o fazia, chorava alto.

 - Vamos minha pequena... Você precisa comer um pouquinho para ficar forte... – Sylvanas aprontou o arco em sua mão esquerda e indicou a porta dos fundos para o irmão mais novo, enquanto o choro da menininha aumentava e o pai ia para o quarto auxiliar a mãe adoentada, os dois saíram.

 - Syl... Você está tão calada...

 - Estou só pensando...

 - São os Farstriders não é?

 - É meu dever Lirath, nem tente me dizer que não devo ir... – a mais velha devolveu um olhar irritado para ele. O mais novo sorriu gentilmente e se esgueirou no chão para arrancar uma plantinha do chão. As raízes vieram emaranhadas.

 - É pra Myrtae... Ela não come direito há dias. Pobre Serenath, tentou dar-lhe um pouco de suco de melão e ela bebeu sem problema algum, mas quando mama parece que...

 - Ela está doente, Lirath? – Sylvanas interrompeu imediatamente.

 - Ahn... eu não saberia dizer exatamente... Não acompanhei bebês em meu treinamento sabe? Mas bebês costumam beber leite materno não?

 - Você bebia... – comentou Sylvanas se endireitando na postura e apontando o arco e flecha para um ponto distante. Lirath forçou os olhos, mas nada viu ali. A flecha zuniu e um gorgolejo soou na tarde nublada. Uma aranha jovem caiu de uma árvore e levando um ninho junto com ela.

 - M-mas como você...? – o irmão perguntou embasbacado.

 - Posso acertar um pássaro em vôo com um de meus olhos fechados... – vangloriou-se a General-Vigia da Capital dos Elfos.

 - Bem, isso é ótimo! Alleria ficaria orgulhosa, Sylvanas!

 - Alleria não está mais aqui, Lirath... Acostume-se... – ela bufou para o vento quente vindo da praia. – Deixe-me adivinhar... Não há remédio para mamãe? – o irmão deixou os ombros caírem.

 - Não... Eu desconfio que.. que... – o silêncio ficou entre os dois.

 - Você acha que Myrtae estaria...?

 - Oh não! Não, não! Ela é saudável como um bebê deve ser. Só o fator de não comer direito. Talvez ela não goste de leite... Ou talvez os nervos de Serenath devam estar afetando o leite e... Como vocês fazem isso?! – perguntou Lirath admirado.

 - Atirar em ninhos de aranhas?

 - Não! Produzirem leite para dar aos filhos!

 - Lirath, pelo que eu saiba, eu não tive filhos para isso acontecer...

 - Hmmmm, perguntarei a Serenath depois... Ou papai. Papai sabe dessas coisas e...

 - Papai está rabugento porque a heroína da família fugiu com um humano. Ele não vai querer responder tão cedo suas perguntas...

 - É, ele não fala nada desde que ela saiu de casa... – Lirath coçou o queixo com barba mal-feita e voltou a tatear o chão para pegar outras plantas que ali cresciam. – Mas eu acredito que vamos passar por cima disso e sairmos bem nessa guerra toda... Estamos com a Aliança, certo? Eles sabem o que fazem, nós também. Somos fortes o bastante para isso... – dizia ele extraindo sementes e raízes. Sylvanas mordia o lábio inferior com ansiedade, a mão no arco tremia um pouco. Ela queria falar, mas estava com medo. Morrendo de medo de dizerem que ela era uma covarde.

 - Lirath, você conhece bem os Kirin-Tor não?

 - Sim... Um pessoal singular eles, não? Aprendi algumas coisas sobre poções com eles, mas acho-os desconfiados das artes da natureza. Bem, pelo menos eles não ficam tão grudados com aqueles tapados que servem ao Príncipe Kael’Thas...

 - Ele não é mais o príncipe, irmão. Ele não é mais nada.

 - Você tem muito rancor, Sylvanas.

 - Ele nos deixou em momento em que mais precisávamos!

 - E é por isso que há você e Alleria para nos ajudar. Os Farstriders são imbatíveis em combate, irmã querida. Eu sei bem disso... Já levei muitas surras de Brightwing quando mais novo...

 - Não estou confiante, irmão... – ela suspirou olhando para o chão, Lirath estava cavando o chão úmido, cara colada ao solo. – O que você está fazendo? – sorrindo um pouco pelo rosto sujo do irmão.

 - Estou ouvindo as pimentas-de-trovão...

 - As o quê?! – rindo e se abaixando.

 - Schiiii, estou tentando ouvir! – Sylvanas investigou o solo e olhou curiosa para o irmão mais novo. – Elas dizem que vai chover nos próximos dias... E muito!


 - Papai o senhor não tem esse direito!

 - É claro que ela não está em sua perfeita sanidade, Vereesa! Ela entra em pânico toda vez que acorda, grita como uma histérica quando tiram Myrtae de perto, o que quer que eu faça?

 - Ela não recebe notícias de Sylvos há semanas, ela perdeu a família inteira no ataque de anteontem! Tenha piedade!

 - Ela não está em condições de criar um filho sozinha!

 - Ela tem os Windrunner!

 - Não, ela não tem! – o pai estava tão vermelho que Vereesa desistiu de retrucar. – Dê-lhe um momento sozinha com a menina, e não duvido que não a jogue janela a fora...

 - Você é um velho insensível, meu pai! – Vereesa ralhou com um dedo apontado para o peito do pai. – E algum dia isso vai te matar!

 - Não me venha dizer bobagens sua menina insolen... – os dois pararam no mesmo momento. A mãe Dandelion estava na porta, olhos fundos, respiração ofegante.

 - Onde está Alleria? – os dois se olharam, Theridion resolveu ser o primeiro.

 - Meu bem, Alleria não está no momento...

 - Ela foi caçar trolls?

 - É, isso... Trolls...

 - E por que ouço uma criança chorando? Há uma criança conosco?

 - Filha de Sylvos e Serenath, mamãe... Lembra-se? Falamos sobre a pequena para a senhora... – a mãe fitou a filha com sofrimento.

 - Alleria... Onde está a minha filhinha? – Vereesa respirou fundo e sibilou algo como: “Conte logo, ou eu conto.”, Theridion ficou a encarar a esposa sem saber como começar.


                Vereesa entrou devagar no quarto de Sylvos. Serenath estava cantando baixinho para Myrtae dormir. A recém-nascida insistia em se concentrar no rosto da mãe com grandes olhos cor de mel. De todos os Windrunner, a pequena Myrtae viera com os olhos diferentes dos azulados dos Altos Elfos. Isso rendera um dia de discussão entre Alleria, Theridion e Serenath. Vereesa ainda conseguia ouvir o eco da voz de sua irmã mais velha quando ela proferiu ao portão do Windrunner Spire:

“ – Não darei ao meu inimigo o prazer de ver que um dos Windrunner nasceu como um dos viciados em magia de Sunstrider!!” – todos sabiam que a família de Serenath apoiava o Príncipe e que a própria clériga seguia os passos daqueles que se intitulavam Elfos do Sangue. A melhor amiga não via isso como um crime, mas aprendera a evitar aqueles Elfos do Sangue.

 - Ela é uma menina muito curiosa... – sussurrou Serenath acariciando o rostinho da filha, Vereesa se aproximou e encarou a pequena.

 - Igual ao pai... – sorrindo para a amiga.

 - Estou com medo, Vee... E se ele não voltar? O que direi a ela?

 - Ele irá voltar... Você sabe como Sylvanas é com Sylvos... Ela o acharia nas profundezas da terra caso ele estivesse lá...

 - Por que ela não bebe de meu leite...? Ela não me quer como mãe? Sou uma péssima mãe, Vee?

 - Não, não! Claro que não! – beijando a mão da amiga e a encarando. – Ela só precisa se acostumar com leite...

 - Ela não gosta de mim, Vee... Eu posso ver...

 - Seren não fale isso...

 - Ela só fica me olhando e... e...

 - Ela está reconhecendo seu rosto e sua voz. É isso.

 - Por que ele quer tirá-la de mim? É porque eu sou uma péssima mãe... – a voz de Serenath foi diminuindo até um soluço ser ouvido, Sylvanas foi rápida e conseguiu pegar a sobrinha a tempo. Serenath desfaleceu ao chão chorando amargamente. Vereesa ajudava a amiga a se levantar.

 - Vamos Seren, você consegue... – pedindo ajuda a irmã mais velha, mas Sylvanas encarava a sobrinha. A menininha abrira um sorriso sem dentes em sua direção. O mundo pareceu terrivelmente lindo e assustador ao mesmo tempo para Sylvanas Windrunner. Há pouco tempo atrás ela cogitava a possibilidade de ajudar Serenath a fugir de Silvermoon com Myrtae. O destino seria o Sul dos Reinos do Oeste aonde a Praga ainda não chegara. O plano era tão certo quanto sua confiança em sua fonte, Vereesa discordara, mas não deu solução para o argumento forte de seu pai em levar a menina para Stormwind, onde os Windrunner eram aliados dos poderosos Altos-Elfos.

 - Por que ele me deixou...? Por que...?! – chorava Serenath, Sylvanas se virou lentamente com a sobrinha no colo.

 - Ele não nos deixou. Eu sei disso! – a menininha levou um susto com exclamação e mencionou em chorar, Sylvanas a acolheu bem e a ninou calmamente para tranqüilizar. – Ouviu isso neném? Papai não nos deixou. Ele logo vai chegar. Nem que eu tenha que buscá-lo amarrado.


Semanas depois.

                A General-Vigia observava o pequeno grupo de Vigias se aproximando do acampamento nas fronteiras da Floresta. Dois deles puxavam um embrulho enorme, com um corpo envolvido em um pano grosso. Sangue manchava a parte de cima. Ela logo respirou fundo para se preparar para outra baixa em seu pelotão.

 - Quem vem lá? – um dos guardas perguntou. O grupo parou imediatamente e reverenciou os tenentes e Sylvanas.

 - Reportamos mais uma perda no Monastério Escarlate, General... – Sylvanas se aproximou do grupo e observou o embrulho ser aberto. Um corpo mutilado no peitoral e decapitado. – E lamentamos muito pela perda... – Sylvanas deixou seu arco cair ao chão e se ajoelhou perto do corpo.

 - Não... Não... Sylvos...? Sylvos...? – revistando as roupas que o cadáver trajava. – Irmão... Meu irmão... Onde eu estava quando isso aconteceu com você?

 - Milady, nós... Nós tentamos procurar o restante do... do... – o vigia líder do grupo balbuciava. – Mas eles eram muitos. Perdemos Hyrme e Alaor. Malditos magos...

 - Quem fez isso? Quem ousou matar meu irmão?! – gritou Sylvanas no rosto do líder do grupo de reconhecimento.

 - N-nós não sabemos!! Apenas o achamos na estrada para o vilarejo ali perto. Nos identificamos como Farstriders, mas os malditos nos atacaram antes mesmo que disséssemos que éramos leais a Aliança de Lordaeron!

 - Eles irão pagar... – ela sibilou cobrindo o corpo do irmão e arrastando o embrulho ela mesma sem a ajuda de ninguém.


                A notícia da morte de Sylvos chegou aos ouvidos de Serenath de modo secreto. Sylvanas havia reservado uma carroça dos Farstriders para buscá-la no meio da noite com Myrtae. As duas trocavam olhares cúmplices quando Sylvanas voltara para o Windrunner Spire. Vereesa percebera na mudança da melhor amiga e desconfiava do que ocorria entre a irmã e ela. Theridion se trancara em seu laboratório por dias, enquanto Lirath cuidava da mãe adoentada.

 - Hey você aí... – disse Serenath chegando ao aposento em que sua sogra estava agora, o quarto de Sylvanas.

 - Oh querida... Venha já aqui... – pediu a matriarca acenando alegremente. – Veja só quem veio me visitar? Myrtae, a alegria de nossa casa... – a avó acenou para a menininha curiosa que olhava para todos os lados. – Não chegue muito perto, querida, estou doente. Pode fazer mal ao bebê.

 - Sim senhora... – respondeu Serenath a uma distancia de três passos do leito da sogra.

 - Como ela vai indo? Esse pedacinho de gente?

 - Ela está indo bem... Comendo como um murloc faminto! – as duas riram, Lirath chegava ali para abrir o quarto para claridade entrar, a mãe grunhiu desconfortável.

 - Meus olhos, Lirath... Doem quando há muita claridade, feche essas cortinas...

 - Não é bom ficar confinada aqui dentro mamãe... – explicou o filho. Serenath sentia as vibrações desconexas vindas de sua sogra, era uma batalha entre o corpo e um poder estranho que controlava aos poucos a vida dela.

 - Lirath me disse que a pequena vomita muito?

 - Oh isso... É que... ahn... percebemos que ela só faz isso com leite... Então... ahn... a senhora está bem?

 - Lirath, meu filho feche as cortinas... – implorou a avó com lágrimas nos olhos avermelhados. O filho obedeceu e se espantou com as placas de sangue que surgiram nos olhos da mãe.

 - Acho que deveríamos...

 - Não, não minha querida... Sempre gostei de sua companhia... E agora que Sylvos se foi... – suspirou a mãe pesarosa. – Você é a única que guarda um amor especial pelo meu Sylvos...

 - Bem, obrigada senhora Dandelion... Mas Sylvanas também... – a avó fez um aceno irritado.

 - Sylvanas... Sylvanas... Aquela criança tola sempre tentando se exibir. Se Alleria estivesse aqui colocaria um pouco de juízo na cabeça dela. Os dois! Os dois eram sem juízo e assim Sylvos morreu... Por culpa de Sylvanas.

 - Não diga isso mamãe... – pediu Lirath, Serenath prendia o choro pelo assunto delicado e se retirou sem mais palavras.


Dias depois, à noite.

                A carroça estava pronta. Comida para bastantes dias, o carroceiro era o velho Adrian, mago itinerante e muito poderoso de Kirin-Tor. Serenath não se despedira de ninguém, apenas deixara uma carta para Lirath por cuidar dela e de sua filha durante seu último período de gravidez e parto. Sylvanas estava na carroça, ajeitando o lugar onde mãe e filha ficariam durante a viagem ao Sul. Vereesa saltou na frente da irmã e a segurou.

 - O que você está fazendo?

 - Dando um jeito em tudo! – sibilou Sylvanas se desvencilhando do puxão no braço.

 - Papai disse para ficarmos e levá-la para Silvermoon! Os Magos irão levá-la para Stormwind, onde será bem protegida!

 - Quem garante?

 - E pra onde você irá levá-las? Para seus Farstriders?

 - Irei segui-la até o Sul, lá há um acampamento provisório de nossos Vigias. Os Willfire irão ajudar na viagem, está tudo sob controle.

 - Papai vai ficar decepcionado! Você está agindo como uma fugitiva! Vai nos deixar também? – Sylvanas puxou a irmã para um abraço sem vontade, mais como uma atitude de dominação do que de carinho com a mais nova.

 - Não vou deixar a filha de meu irmão morrer aqui, escutou? E nem você e nem papai e nem ninguém irá me deter... Alleria não está mais aqui, percebe? – fazendo a irmã a encarar firmemente. – Eu não posso mais fugir, Vee! Quando aquela cidade cair, eu irei junto e todos que nós amamos, todos sem exceção, irão cair também! Não há nada que possamos fazer para impedir, nada!

 - Não fale isso!! – Vereesa a empurrou para afastá-la, mas Sylvanas manteve a proximidade.

 - Você irá ficar quieta! Não vai estragar tudo contando para papai o que eu fiz!

 - Por que a sua reputação entre nós será abalada demais por se meter com aquele necromante do Putress?

 - Ele estava me ajudando a curar a mamãe! – pontuou Sylvanas. Serenath chegou tranqüila, carregando Myrtae e uma bolsa de pertences.

 - Eu pensei que você fosse a minha melhor amiga!! – exclamou Vereesa para Serenath, a clériga a olhou com cansaço e os olhos particularmente em tom esverdeado.

 - E eu pensei que você fosse a irmã que eu nunca tive. Agora posso dizer que é minha conhecida, ou minha cunhada e apenas. – e sem mais, a elfa clériga subiu na carroça e teve cuidado em se instalar no fundo da cabine em forma de casinha.

 - É isso que você faz, Sylvanas? Tira tudo de mim? Minha melhor amiga, meu irmão, meu orgulho próprio?

 - Vereesa, você aprendeu a viver muito bem. – disse a irmã mais velha. – Aprenda a viver sozinha agora, como eu mesma fiz. Te desejo toda sorte do mundo, querida irmã... – O velho Adrian incitou os cavalos e a carroça começou a andar.

 - Eu te amaldiçôo, Sylvanas Windrunner!! – gritou Vereesa com lágrimas nos olhos.

 - E eu espero que você nunca se case, minha irmã! – replicou a mais velha seguindo a carroça e se acomodando ao lado do velho cocheiro.


                Durante a noite, enquanto mãe e filha dormiam. Sylvanas adentrou a casinha e deitou ao lado da sobrinha. A menina mudara na cor dos olhos. O tom de mel ia para esverdeado. Talvez Serenath estivesse usando mágica com a pequena. Talvez o que seu pai falava sobre a mãe entrar em um acesso de loucura e matar a pequena fosse verdade. Talvez Sylvos não concordasse com tudo que ela fizesse até ali, talvez tudo estivesse errado e ela não deveria nem se importar em voltar para os Farstriders. Amava tanto Sylvos quanto sua criança. Era o que restava de seu irmão ali deitada em um embrulho fofo e cheio de cobertores. Sylvanas tentara esconder as lágrimas por muitos dias, tentava fingir que a guerra era a prioridade, que a doença da mãe não era a Praga se espalhando em seu lar, que seu pai também sabia, mas teimava em ficar em casa. Que Alleria engravidara de um humano e tivera um filho na mesma época que Serenath.

                Ninguém confiava nela o suficiente para dizer essas coisas. Segredos de família, todos tinham, o de Sylvanas Windrunner era que manteve o corpo do irmão embalsamado em uma cripta ao oeste de acampamento dos Farstriders para conseguir fazê-lo voltar a vida. Mesmo sabendo que isso era impossível. Que isso era uma abominação a natureza do universo. Que ao pensar na vaga idéia de que Putress poderia trazer a alma de seu irmão de volta ao corpo, tudo se resolveria. Tudo, absolutamente tudo.

                Sua vida se tornara vazia desde então, sem sentido, sem muitas amarras. A não ser aquela menininha esquisita ao seu lado, ressonando baixinho e mexendo involuntariamente alguns dedinhos da mão. E Sylvanas sabia que tudo iria piorar se ficassem ali. Ela sentia como era estar morta agora, uma parte dela havia ido embora para um lugar onde ela não conseguiria alcançar. Seu dever era manter a chama dos Windrunner acesa, a família deveria continuar mesmo se ela não fizesse parte disso (Ou jamais fizera? Estava confusa agora.). Sylvos era seu irmão-gêmeo, aquele que partilhava cada emoção e pensamento sem fazer esforço algum para entender o fenômeno. Como sentia falta dele...

 - Você vai cuidar bem dela...? – perguntou Serenath no meio da noite. Sylvanas se surpreendeu com o tom de voz da mulher.

 - C-claro... – respondeu um pouco nervosa.

 - Vamos fazer o melhor para Myrtae?

 - C-claro... – repetiu sem saber o que falar.

 - Quando os Willfire chegarem... Peça para um deles levar Myrtae para Karin da Irmandade das Arqueiras... Ela vive em Goldshire...

 - Seren, o que eu você está pedindo...?

 - Eu não posso mais suportar a vontade, Syl... – a voz de Serenath era baixa e chorosa. – Sei que se perder o controle, posso matar minha própria filha...

 - V-você...? Mas...

 - Eu sou um deles agora, Sylvanas. Elfo-do-Sangue. E minha fome por magia está arriscando minha filha...

 - Podemos dar um jeito nisso! Sei que podemos! O velho Adrian conhece muito sobre essa área e ele...

 - Ninguém pode me ajudar agora Sylvanas. Por favor... Atenda esse meu pedido como se fosse o último de se irmão, meu amado Sylvos...

 - E-eu não posso deixá-la ir!! Está me pedindo o que não posso fazer!! Sylvos não aprovaria isso!! – Myrtae acordou chorando, Serenath se recusou a atendê-la. Sylvanas olhou para a elfa com nojo. – Ela é sua filha!!

 - E-eu não posso Sylvanas, entenda!! – a mais nova pegou a sobrinha no colo e a amparou como pode. Serenath mudou de expressão rapidamente e seus olhos esverdeados brilharam na escura noite. – Dê-me minha filha!! – suas mãos emergiam poder igualmente esverdeado. Sylvanas se desviou a tempo e conseguiu atingir a cunhada no estômago para que ela desmaiasse instantaneamente. Serenath caiu ofegante e logo perdeu a consciência. Myrtae ainda chorava muito e balançava os bracinhos. Sylvanas a ninou um pouco e procurou por suco de melão na bolsa de provisões. Acalmou a menina com a bebida fresca. Ela ficou ali sentada ao chão maquinando o que faria agora. Serenath não queria ficar com Myrtae, ela não poderia ficar com a sobrinha e não podia voltar para casa. Descansou a cabeça na parede de madeira da cabina da carroça e respirou fundo. Deveria tomar decisões naquele exato momento. Se não vidas iriam se perder, novamente. A vida de sua sobrinha e de seu irmão.

                Myrtae arrotou sonoramente e resmungou por comida. A tia a encarou com pena.

 - O que eu vou fazer com você hein, pequena?


Fronteira de Goldshire.

                Káli Willfire prestava bem atenção nas instruções de sua superior, Sylvanas Windrunner. Tinha uma missão e deveria cumprir custe o que custasse. Mas quando a missão foi entregue em seus braços, ela ficou atônita. O bebê dormia calmamente, cheirava suco de melão e morango silvestre. O carroceiro Adrian se voluntariou para levá-la até Goldshire e ao acampamento da Irmandade das Arqueiras. Entrou na carroça e sentou-se de pernas cruzadas, acolhendo bem o neném em seu colo.

                Sylvanas Windrunner se fora como chegara. Era disso que Káli gostava na General. Como era eficiente e altiva! Com um sorriso bobo pensou no dia em que seria promovida a Arqueira-Vigia de Silvermoon, mas agora era só a mensageira-júnior dos Farstriders. Olhou bem para o bebê e tentou encaixar as peças do grande quebra-cabeça que colocaram seu colo. Por que a General queria que um bebê élfico fosse para as Arqueiras da Irmandade? Elas eram conhecidas como guerreiras implacáveis e nada socializáveis. Fungou o ar um minuto e torceu o nariz. O bebê havia feito coco.

 - Oh por mil trobos encrenqueiros... – ela resmungou ajeitando a menininha no chão da carroça e indo trocar sua fralda.




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