A Tempestade escrita por hgranger


Capítulo 8
Capítulo 8 - Outono


Notas iniciais do capítulo

Um breve interlúdio sobre o dia-a-dia de Edward em NY. Estou com um milhão de coisas para fazer, prova no domingo, epidemia de dengue, então as coisas vão ficar mais demoradas por um tempo, não desanimem, hehehe. O texto poderia estar melhor, mas não quero demorar demais para não perder o fio da meada. Mais emoção no próximo capítulo. Abraços.



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"She calls out to the man on the street
sir, can you help me?
It's cold and I've nowhere to sleep,
Is there somewhere you can tell me?

He walks on, doesn't look back
He pretends he can't hear her
Starts to whistle as he crosses the street
Seems embarrassed to be there

Oh think twice, it's another day for
You and me in paradise
Oh think twice, its just another day for you,
You and me in paradise."

Another day in paradise - Phil Collins

 

06 de outubro

 

As noites estavam cada vez mais frias, a terra girava e se aproximava cada vez mais do inverno. Os dias já não se arrastavam mais tão lentamente; eu tinha outros objetivos. Não lembrar do que acontecera com Bella na floresta tinha feito com que fosse mais fácil me concentrar. E eu tinha muito aprender aqueles dias.

Os vampiros de New York não toleravam a luz do sol. Glove sempre ficara intrigado com essa diferença; ele especulava que talvez aquela intolerância se devesse à linhagem da qual eles descendiam. Vampiros eram criaturas variadas, que provinham de inúmeras regiões da terra. Dos mais antigos aos recém-transformados; dos mais selvagens aos mais civilizados, muitos tinham características únicas e diferenciadas. Só o que os unia era a dieta sanguínea. Meu primeiro pré-requisito para integrar a defesa da cidade era estudar sobre vampiros. Suas forças, suas fraquezas, mitos, lendas, evidências. Eu precisava estar preparado para todas as possibilidades. Assim, as primeiras noites eu passei imerso nas vivências de Glove e Axel. Estes não eram seus nomes originais; Axel e Glove realmente eram romanos, e obviamente Axel era bem mais novo. Eu ficava sentado no escritório com Glove, com a cidade iluminada aos meus pés, ouvindo a história viva, ou no escritório mais informal de Axel, no subsolo do Waldorf Astoria, o hotel mais tradicional e luxuoso da cidade. O Waldorf sempre aparecia em filmes, e estar lá me trazia uma estranha sensação de déja vu. O outono se tornou chuvoso e gelado, e eu conseguia finalmente sair nas ruas com mais liberdade, visitar lojas sofisticadas na quinta avenida, cafés boêmios no Soho, ir a cinemas imensos em centros culturais. Passei tardes a fio na biblioteca central lendo livros que Glove e Axel haviam me indicado sobre a história da cidade, que precisava ser compreendida para que eu pudesse julgar algumas situações de disputas de território entre os imortais – e seus seguidores mortais. Aqui era um hábito dos vampiros manter alguns mortais que sabiam de suas naturezas imortais, quando autorizado por Edward Glove. Então me aprofundei na história dos indígenas, franceses, britânicos e holandeses que construíram a cidade que nunca dorme.

De dia eu podia pensar livremente. Eu podia me dedicar a viver com Bella em meus pensamentos, comprar presentes para ela e guardá-los na casa em que me hospedara, em imaginá-la com eles. Roupas, jóias, livros, perfumes, brinquedos; longe dos olhos e ouvidos dos vampiros eu me permitia uma vida com Bella que eu jamais tivera a oportunidade de vivenciar. Eu via os humanos se alimentando e pensava se ela gostaria dessa ou daquela comida, me lembrava dos dias rotineiros em que estávamos na escola, de suas brincadeiras e provocações, de como o cabelo dela cheirava bem quando recém lavado, da luz que irradiava de seus olhos quando ela me olhava, de sua tranqüilidade e força, de seu sorriso tímido, da sua mente cheia de segredos. Bella me acompanhava a cada minuto, nos filmes que eu assistia, nos meus passeios à beira do rio, nas idas ao Central Park – outro ponto famoso dos filmes. Eu andava pelo Central usando o casaco que eu emprestara a ela na noite em Port Angeles, e de alguma forma ele guardara seu cheiro, tênue mas perceptível para meu olfato aguçado. Eu andava pelas alamedas arborizadas, com árvores avermelhadas e amareladas, procurando por Bella em cada mulher que cruzava meu caminho, em um sorriso, um olhar, em jeito de esconder o rosto com os cabelos, ou de não saber o que fazer com as mãos. Eu a via no andar desajeitado de alguma moça, em um copo derrubado, no rubor de uma face ou em alguma pele pálida e sedosa. Eu a via em todos os lugares, em cada gesto, em cada risada.

Já estava na cidade há vinte dias, e ao final de cada noite eu escrevia para ela, uma carta longa, melancólica, apaixonada, descrevendo minha rotina, meus pensamentos, minhas lembranças, meu futuro. O futuro que eu sonhava em ter com ela. Me perguntava constantemente se ela gostaria da cidade, das ruas movimentadas, da selva de arranha-céus emoldurada pelos dois rios plácidos. Se ela gostaria do lugar que eu agora chamava de casa, se ficaria confortável sobre a cama grande de madeira que estava no quarto principal ou se preferiria dormir sob as estrelas e luzes da ilha. Minha casa em Nova York ficava à beira do rio Hudson, fora da ilha de Manhattan, em New Jersey, parte continental da cidade. A casa era enorme, estilo colonial, com um pequeno cais e um pequeno barco a motor que poderia ser utilizado em caso de necessidade de transporte rápido. O trânsito de Manhattan era um inferno em terra; era bem mais rápido conseguir acesso a alguns lugares pela água. O sótão dava acesso a uma estrutura subterrânea que era como uma segunda casa, com quartos reforçado com paredes de aço. Sim, os vampiros aqui tinham muitos motivos para serem paranóicos. Além do frágil equilíbrio de poder entre os membros e  as constantes ameaças de serem descobertos pelos mortais, os vampiros tinham que lidar com invasões de território de vampiros desgarrados, recém-criados, que muitas vezes não sabiam sequer no que haviam se transformado. Muitas vezes isso era fruto de descuido durante a caçada. O caçador não se certificava de que sua presa estava morta, e ela sobrevivia após a mordida, e saía desvairada pela cidade, causando tumulto. Os vampiros que participavam da defesa patrulhavam os perímetros buscando essas crias desgarradas. Na maioria das vezes o desfecho era brutal; enlouquecidos pelo choque da transformação – que os vampiros aqui chamavam de abraço – os recém-nascidos, na maioria das vezes, eram abatidos. A perspectiva de participar desse processo não me animava; eu temia que aquilo pudesse alimentar o caçador em mim, quebrando todo o meu controle adquirido com os anos na companhia de Carlisle e os Cullen. E eu temia o cheiro do sangue.

A cada três dias eu viajava para uma floresta ao norte de New Jersey para me alimentar. Isso afastava tentações e me mantinha alerta e forte. À noite eu não baixava a guarda nunca. Praticava agora a técnica que Alice havia desenvolvido para deixar os pensamentos inacessíveis, mantendo a mente em branco, ilegível. Em alguma ocasiões, durante visitas a Glove, nós mantínhamos conversas inteiras apenas em nossas mentes, sem necessidade de palavras. Era estranho e confortável. Eu me sentia bem na presença dele.

Axel me levou para conhecer a cidade toda. Percorremos a cidade em um conversível esporte preto, que faria inveja a alguns dos Cullen. Ele me levou para ver de perto os territórios e os limites físicos que os demarcavam; uma rua movimentada, um beco lateral, uma praça. Aos poucos fui compreendendo sua complexidade. Também fui apresentado à maioria dos vampiros de New York, para que não houvessem acidentes devido à minha presença em algum território. Algumas apresentações eram formais, em casas elegantes; outras em escritórios em regiões comerciais; alguns viviam nos esgotos, e raramente se expunham à superfície; outros tinham bares, boates, lojas, gangues. Eram homens, mulheres, adolescentes, velhos, estrangeiros, negros, brancos, mesclados entre os humanos, camuflados. Apenas a palidez característica persistia na maioria deles, mas de maneira geral eles não se sobressaíam como nós, os Cullen, que éramos predadores óbvios. Senti um pouco de inveja do sistema que eles haviam aperfeiçoado; todos pareciam à vontade entre suas presas, destemidos, intocáveis. Isso sempre me lembrava de porque eu estava longe de casa. E nessas horas eu sentia uma pontada me incomodando no peito, o pressentimento de que eu poderia viver de outra forma. Eu poderia viver com ela. Eu não precisava estar longe.     

A companhia de Axel era uma constante nas primeiras noites. Ele me encontrava um pouco depois do sol se pôr, elegante, jovial, com um humor irônico refinado, imperturbável, os cabelos negros presos emoldurando o rosto, um sobretudo que escondia as armas que ele usava. Todos os vampiros da defesa andavam armados, alguns com armas de fogo, alguns com armas brancas. Alguns usavam distintivos da polícia local ou do FBI, e eu desconfiava que, se fossem checados nos sistemas, seriam legítimos. O poder de Glove tinha braços longos e se infiltrava na mídia, nos bancos, na polícia, entre os políticos. Axel me mostrara uma coleção de espadas antigas, todas em perfeito estado, lembranças do passado violento que a humanidade vivenciara ao longo dos séculos. Ele preferia armas brancas por serem silenciosas; tiros chamavam muita atenção, e ele preferia ser discreto. Sua postura e movimentos não deixavam trair a força física que eu pressentia nele, e eu preferia não ter que confirmar a suspeita na prática. Ele passou a me treinar no uso de espadas, e rapidamente eu peguei o jeito. Os treinos eram feitos em um galpão abandonado numa velha zona industrial de Nova Jersey, com alguns seguranças ao redor para evitar testemunhas. O embate entre vampiros nunca era muito discreto, e as faíscas voavam em chuvas quando as lâminas das espadas se chocavam. Eu ia absorvendo as informações com velocidade; história, geografia, política, combates físicos, armas variadas, técnicas. Eu sempre me vi como um pacifista, mas aquela rotina me fascinava. Edward Glove talvez estivesse certo quando via em mim um Guardião. Eu certamente me sentia assim.

Tomado pela rotina dos treinamentos com Glove e Axel, mal via o tempo passar. O dia da festa de Suzanne se aproximava, e eu era também treinado para lidar com ela. Axel descrevia com um certo pesar misturado com desconforto os problemas que Suzanne tinha causado para aqueles que tinham atravessado seu caminho. Eram histórias assustadoras, que envolviam um grau de crueldade e frieza calculadas que eu nunca havia presenciado. Nem as histórias de Jasper sobre a guerra e o Texas eram tão impressionantes. Suzanne era impiedosa, sádica e manipuladora. Tudo isso era disfarçado por uma doçura e inocência inacreditáveis. Eu passara a temer Suzanne, e isso era saudável. Eu não queria que ela me pegasse de surpresa. E ao lado daqueles vampiros tão antigos eu muitas vezes me sentia uma criança. A vida com os Cullen me protegera das intrigas e da crueldade. Entendo porque Carlisle nunca buscou a companhia de outros vampiros que não sua família, e porque tentava restringir seu contato aos Denali; eles se afastaram daquela vida de sangue e escuridão. Eu me via afundando naquele submundo cada vez mais rápido. Não me importava muito. A luz que um dia eu alcançara estava longe, segura, brilhando para outras pessoas que eram melhores para ela do que eu. Talvez eu só encontrasse paz de espírito mergulhando em minha natureza, mergulhando no obscuro, na face do vampiro, no sangue. Mas não ainda. Não agora. Não aqui. Aqui eu tinha um objetivo claro; quando terminasse eu iria para outros lugares. Talvez um dia eu voltasse. Talvez. Talvez. Seria uma opção de tentar levar minha vida adiante se... Se eu conseguisse ficar longe de Bella.

Os preparativos para a festa incluíam a escolha da roupa correta, seguindo a etiqueta rígida da corte de Edward Glove, e por isso fui escoltado por Axel para uma alfaiataria italiana em Little Italy, onde tudo era feito artesanalmente. Depois de passar horas ouvindo a discussão dele e do alfaiate que nos atendeu sobre cortes, cores, tecidos, botões, influências, eu já estava entediado. Não entendi porque tanta canversa, se o evento era tenue de soirée, então era smoking e pronto... Ou ao menos era o que eu imaginava, quando recebi o convite em mãos de uma mensageira de Suzanne. A garota era jovem, muito branca, vestida com um tailleur vermelho sangue sob um sobretudo marrom escuro. Óculos redondos de aro dourado emolduravam grandes olhos castanhos. Os lábios permaneceram o tempo inteiro com um sorriso semi-profissional, que complementavam o estilo executivo dos cabelos negros presos para trás em um rabo de cavalo impecável. Juliet. Eu já ouvira falar dela. Lider da casa de Suzanne, e seu braço direito. Fui simpático, delicado e bem-humorado, mas a garota não abandonou a postura profissional. Se despediu após ficar o tempo exigido pela cortesia, deixando para trás apenas o suave perfume de flores misturado com seu cheiro de mortal.

Saí do alfaiate com um conjunto mais esportivo do que eu imaginava. Era uma benesse exclusiva dos membros da defesa; isso os denunciava e diferenciava aos olhos dos outros membros. No meu caso, um conjunto de calça, camisa e blazer, sem gravata. Calça e blazer pretos. Camisa vinho. Devo admitir que eu tinha gostado do resultado. Só Axel para me deixar minimamente empolgado com qualquer coisa relacionada àquela festa. Eu não queria sentir nada, mas ele me puxava para longe dos pensamentos taciturnos, e eu deveria impressionar Suzanne, portanto tinha que estar realmente impecável.

E assim era minha rotina. Faltavam menos de duas semanas para o encontro com Worchester, e eu ainda tinha muito que aprender. Mas as armas iam sendo colocadas em minhas mãos com paciência por Glove e Axel. E eu me sentia estranhamente em casa. New York, cidade mais populosa dos estados unidos, pilar econômico, cultural e político do mundo. Prédio das nações unidas. Broadway. Eu andava anônimo pelas ruas, entre milhares de pessoas, ao mesmo tempo que começava a me destacar entre os imortais.

Era em meio a essa contradição que eu vivia. Outono e Inverno, de dia com o fogo de Bella em meus pensamentos, de noite mergulhando nas águas geladas do mundo de Glove. Apaixonado, enlouquecido, e ao mesmo tempo racional e pensativo.

Ao menos temporariamente os dois Edwards pareciam estar em paz. Era realmente uma pena saber que essa paz teria fim em breve...

 

 


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Festa! Suzanne! Emoções! :)



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