Olhos De Sangue escrita por Monique Góes


Capítulo 34
Capítulo 33 - Calmaria


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas =)
Bom, final chegando, este capítulo é "A calmaria antes da tempestade"...
Bom, espero que gostem!



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Saí de dentro do banheiro de uma das casas que remanescentes, meu cabelo ainda pingando água. Eu fora tomar banho depois de tudo que ocorrera, para ver se eu me acalmava, mas havia algo errado comigo. Meu peito estava inquieto, quase como se eu tivesse de me preparar para o pior. O número de Despertados aumentava conforme avançava, mas não tinha nada haver com isso. Então... O que poderia ser pior?!

Eu só podia pensar que o que poderia ser pior era que Hideo, Raquel, Alec ou Nina morressem. Eu gostava muito de todos eles.

Ah, e eu também poderia morrer. Isso também está na lista de pior que pode acontecer.

Suspirei, segurando minha camisa – que ainda não vestira – em minha mão direita. Era estranho pensar que essa mão um dia fora de Rusé, embora eu agradecesse ao fato de tê-la. Por um momento, me lembrei da dor que sentira no momento em que a perdera. Estava desesperado e lutava pela minha vida. Apesar de tudo, era ainda uma lembrança que continuava viva em minha mente.

- E... As garotas piram com seu corpo nu. – Hideo disse irônico, andando pelo corredor com o chão de carpete verde.

- Eu não estou nu. – me defendi.

- Não, está seminu. – concordou. – Mas acho bom você se vestir.

- Por que...? – perguntei num tom irônico, começando a vestir a camisa de mangas compridas negra.

- Por que talvez se virem como você é já vão saber como sou?

- Só por isso?

- Claro que não, eu sei que você ia ficar da cor dos seus olhos se te vissem assim. – bufou. - Ou melhor, uma garota te visse assim.

Tive de concordar com Hideo, ainda pensando no que era aquela sensação. Sentia calafrios só de pensar nela, e parecia que era quase... Um presságio. Balancei a cabeça, tentando afastar aquele pensamento da cabeça, e Hideo percebeu.

- Ora, vamos Yu, você nunca foi pessimista. – disse.

- Eu sei. – concordei. – Mas... Sei lá, essa sensação não sai de minha mente.

- Percebe-se. – falou, e então empurrou minha testa. – Vamos lá número 1, mantenha seu orgulho.

Dei um fraco sorriso, mas não havendo muita alegria nele. Aquela sensação simplesmente não me deixava em paz. Fechei os olhos, e senti Hideo ficar preocupado comigo, e ele tinha razão. Eu também estava. Para minha surpresa, Hideo me abraçou, e esse contato era algo que não tínhamos há muito tempo. Era mais fácil nos agredirmos do que isso, atualmente.

- Ei, o que há de errado com você? – perguntou.

- Não faço a mínima ideia. – respondi, então suspirei, pousando a testa em seu ombro, enquanto apertava levemente meus braços envolta dele. – Sei lá... Essa sensação só veio depois de um tempo...

-... E não te deixa em paz. – completou.

- Bom, é. – confessei. – Sei lá por que vou ter um pensamento desses antes de uma batalha...

- Completamente suicida com chances quase zero de sobrevivência.

Entreabri apenas um olho.

- Hideo, você não está me ajudando muito agora.

- Foi mal.

Deixei uma lufada de ar sair de meus pulmões antes de desencostar a testa do ombro de Hideo e o soltei.

- É, acho que é coisa da minha cabeça. – falei. – Acho que vou ver como os outros estão.

- Você vai ver como Raquel está. – acusou, dando depois uma risada ao ver minha cara irritada.

- Não tem graça. – bufei, mas, no fundo, bem fundo, admiti que ele tinha razão. E que era uma boa ideia.

- Vai lá. – disse, e vi que ele estava reprimindo o riso. – Faça o melhor que puder e não hesite!

- O que você está falando de hesitar? – perguntei enquanto descia as escadas, mas somente escutei a porta do banheiro se fechando.

Calcei meus sapatos e saí da casa, vendo que parara de nevar, mas o sangue dos Despertados ainda manchava a neve imaculada de vermelho vivo. Pela primeira vez me peguei pensando o porquê de o vermelho sempre fazer parte de minha vida. Quando eu era criança, meu cabelo era muito vermelho, quando me tornei um híbrido, meus olhos se tornaram vermelhos e passei a ver sangue aos borbotões.

Parece que agora só estou pensando pensamentos inúteis. Pensei, sentindo um pensamento de concordância por parte de Hideo. Andei até uma das casas remanescentes e abri a porta. Alma ainda curava os feridos, não foram tantos, mas os ferimentos foram bastante feios. Senti um aperto ao imaginar quando os Despertados chegassem no dia seguinte.

Ela aparentava estar cansada, mas continuava curando o ferimento no peito de Liloel, que estava inconsciente, o cabelo ondulado caindo sobre o rosto de feições ligeiramente quadradas. Havia sangue manchando até mesmo seu rosto.

- Como eles estão? – perguntei, olhando para Miranda, os cabelos desfeitos do usual penteado. Ainda inconsciente.

- Bem... Até amanhã. – Alma respondeu, e então apontou para Miranda. – Ela só desmaiou pelo esforço, logo irá acordar.

As mãos de Alma estavam um pouco acima do peito de Liloel, uma tenra luz, quase que invisível, aparecendo de suas mãos, e o ferimento dele se fechava visivelmente. Depois do que eu dissera anteriormente, o clima pesado imperava com todos os híbridos, assim como eu.

Lembrei-me do renegado que encontrara há apenas alguns dias. “Boa sorte com esse fardo.”, fora o que ele dissera. E tinha razão. O número 1 talvez fosse o pior número que existia. Mais responsabilidade por ser o mais forte, por ser o primeiro, por estar na frente. Não era algo que eu desejasse para alguém. Era o que se poderia chamar de fardo do poder.

Olhei para Maurice, inconsciente como todos ali, tirando eu e Alma. Ele era pequeno e magro, talvez com um metro e sessenta e pouco. Eu não sabia quantos anos ele tinha, mas seu rosto aparentava ser de alguém com uns treze ou catorze, e seu cabelo era liso, com a franja cortada um tanto na diagonal, sendo pouco acima da sobrancelha direta, descendo, e terminando na altura dos olhos. Seu rosto também era ligeiramente rechonchudo, mas não redondo.

Vi uma garota de rosto um tanto triangular cabelo curto, na altura de seus ombros, completamente liso, e curiosamente, seus lábios chamavam a atenção, já que tinham o formato quase perfeito de um coração, e ela era claramente alta e esguia. Ela ainda não fora curada e tinha um ferimento feio em seu ombro esquerdo e outro na altura de seu abdome. Eu sequer sabia qual era o seu nome, mas tinha quase certeza que uma coisa avermelhada que eu estava vendo em seu ferimento era ou seu estômago ou seu fígado ou seu pâncreas. Sim, não era a coisa mais linda do mundo de se ver.

- Quantas pessoas se feriram em todos os grupos, aproximadamente?

- Doze. – respondeu. – E todos perderam a consciência.

Sentei atrás de Alma, de costas para ela. Havia uma menina baixinha à minha frente, com o rosto redondo e seu cabelo longo e cacheado espalhando-se pelo chão. Pergunto-me o que um humano pensaria ao ver tantos híbridos feridos nessa situação. O medo o dominaria, como sempre, ou iria ajudar?

Pode parecer mesquinho de minha parte, que já fui humano, mas tenho certeza que a alternativa correta seria a primeira. Claro que provavelmente haveriam exceções, com um pouco de sorte.

- Ei, gatinho.

- Que é? – falei arrastado.

- Você acha que vamos conseguir sobreviver a amanhã?

Fiquei em silêncio. Não tinha certeza de nada, e a incerteza também estava na voz de Alma. Não era como se eu pudesse prever as possibilidades de sobrevivência assim, do nada. Mas também acho que não ficaria calmo se soubesse que o número 1 está com medo de uma missão. Pensei no que eu e Hideo fizéramos há cinco anos. Eu Despertara enquanto ele me controlava. Não havíamos feito aquilo novamente, não havíamos treinado para aquilo. Se ao menos tivéssemos certeza de que funcionaria, que nenhum de nós dois escorregaria na hora de controlar um ao outro, talvez pudéssemos fazer aquilo e ter uma chance. Mas... O que os outros híbridos pensariam? Tentariam me matar por Despertar? Ou Hideo, se fosse ele? Ou nós dois? Afastei aqueles pensamentos da mente, percebendo que Alma ainda esperava que eu a respondesse.

- Espero que sim. – disse por fim.

- Você não parece muito certo. – acusou.

-... Não dá para ter certeza. – falei. – Dependerá de cada um...

- E de os Despertados não estarem famintos. – completou de maneira lógica.

Assenti, então levantei, saindo pela porta. Todos os híbridos estavam ou agrupados ou isolados, mas nenhum se atrevera a sair da cidade, prudentemente. Eram tantos... Não queria pensar em ninguém morrendo ali, a neve manchada de sangue sendo sua última visão, ou sendo um Despertado o atacando.

Falando em neve, ela estava se revirando e escondendo o vermelho carmesim do sangue, que aos poucos desaparecia. Alec estava encostado em uma casa, olhando para o chão. Seu cabelo não estava penteado para trás, como sempre, e sim deixando seu cabelo curto e repicado do jeito que era. Eu tinha uma teoria – quase que concreta – que ele só fazia aquilo com seu cabelo para que não o confundissem comigo ou com Hideo. Éramos muito parecidos, e não seria a primeira vez que isso ocorreria. Lembro-me muito bem de que uma vez, logo depois de entrarmos como aprendizes, perguntaram se éramos trigêmeos.

- Expulso da casa? – perguntei com uma pontada de sarcasmo.

- Talvez. – respondeu, me surpreendendo.

- Por quê?

- Dante entrou aqui, e ele é um saco, e só fico com um mimimi de “quem aquele pirralho pensa que é”, “ele só é o número 1 por sorte”, coisas assim. – bufou e apontou para a casa onde na parede onde a qual estava se escorando. – Não aguentaria ficar no mesmo time do que aquele grandalhão musculoso.

É, acho que eu também não.

Um pedaço de uma casa caiu, fazendo a nós dois pularmos, assustados com a possibilidade de ser um Despertado, mas depois acabamos soltando uma risada sem graça pela situação patética.

- O que você disse deixou todo mundo tenso. – suspirou. – Essa tensão me lembra a...

- De quando esperávamos pela cirurgia?

- Sim. – confessou. – Ninguém tem qualquer alternativa. Como você mesmo disse, fugir não é opção, já que os Despertados vão tentar sair daqui. Você acha que damos conta?

- Temos que acreditar que sim. Ou teremos de tentar.

- Aproveite essas últimas horas. – disse, desencostando-se da pedra.

- Por quê? – perguntei novamente.

Alec não respondeu, com uma expressão não muito boa, mas quase pude escutá-lo dizendo: “Porque podem ser as últimas.”. Ele foi andando até outra casa, abriu a porta e entrou sem cerimônia nenhuma, mas nenhum dos possuidores das Auras que estavam ali alojados reclamou com sua chegada. Ouvi a porta da casa onde Dante estava e vi três garotas e dois rapazes saindo de lá com uma expressão de quem não aguentava mais, e presumi – não por ressentimento ou coisa do tipo – que eles estavam de saco cheio dele...

- Yudai – däzh. – uma das garotas murmurou pra mim quando passou por mim. Talvez só tivesse certeza de que fosse eu porque ela deu uma olhada em meu símbolo antes de falar aquilo, que, aliás, me deixou um tanto sem graça. Era tanto raro escutar alguns sufixos em Darneliyano, principalmente “däzh”, que caiu quase em completo desuso.

E mais, só se usa “däzh” pra pessoas de extrema importância ou respeito. Mais um motivo para eu ter ficado sem graça.

Olhei para o céu escuro acima de mim, pensando no que poderia fazer agora, e me peguei pensando ou em besteiras ou em coisas inúteis. Na verdade, os dois eram praticamente as mesmas coisas. Esfreguei meus olhos com as costas da minha mão e vi minha mente vagando novamente, mas dessa vez em direção a lembranças de minha infância, como se fosse necessário eu rever tudo o que eu fizera, caso eu morresse amanhã. Um pensamento deveras macabro, diga-se de passagem.

“A partir de agora, você vai lutar no meu lugar. Se você morrer, eu não vou te perdoar.“.

É Nicholas... Eu também não espero te ver de novo tão cedo...

Fui andando lentamente por entre as casas, desviando ocasionalmente de destroços de casas, e pensei ter visto um braço entre eles, mas preferi não verificar para ter certeza.

Quanto tempo você pretende ficar perambulando por aí? – Hideo perguntou para mim.

Sei lá.

Grande. – resmungou.

Parei em frente à pequena casa a qual eu havia falado com Anita mais cedo, e coincidentemente, sua Aura estava ali, bastante isolada da grande maioria dos outros. E pareceu-me que seria uma boa ideia falar com ela, então bati na porta.

- Eu posso entrar?

- Entre. – respondeu simplesmente.

Entrei ali, e ela estava simplesmente sentada no chão sobre o tapete, sem fazer nada. Seus cabelos estavam úmidos e soltos, e a casa estava quase na penumbra.

- É só impressão minha ou você gosta de se isolar? – perguntei.

- Talvez eu goste. – respondeu, girando um pedaço de pano que ela tirara sabem-se lá os deuses de onde entre os dedos.

Fechei a porta, interrompendo o fluxo de ar gelado para dentro da casa e comecei a me aproximar, as tábuas envelhecidas de madeira rangendo sob meu peso. Sentei ao seu lado e ela não pareceu se incomodar realmente.

- De onde você tirou esse plano dos Supressores e Transfiguradores? – Anita perguntou.

Hesitei, pensando no que poderia dizer. Ainda esperava que o que Lionel dissera naquele dia cinco anos fosse verdade, pois talvez a vida de todos aqui dependesse daquilo. Bati meus dedos por meus joelhos antes de responder.

- Lembra-se daquela missão em que você nos contou tudo? – perguntei.

- Claro. – respondeu simplesmente, ainda mirando aquele lenço.

- Logo depois... Me mandaram para uma missão na Terra. – comecei. – Obviamente, tive de ir disfarçado de humano. Passei uns bons meses lá, mas não encontrava o monstro. Mas eu encontrei um renegado.

- Ele que lhe ensinou isso?

- Basicamente. – disse distraidamente, então questionei. - E você? O que você fez durante esses cinco anos?

Anita olhou-me de esguelha, como se ponderasse o porquê de minha pergunta, ainda enrolando aquele pedaço de pano entre os dedos. Voltou a olhá-lo, e então respondeu:

- Investigando... – Começou. – Consegui ter acesso a alguns arquivos dos computadores...

- Huh? Mas lá não tem computadores com senhas e câmeras de segurança?

- Tem, mas eu posso facilmente sabotar as câmeras momentaneamente. – respondeu com uma impensada simplicidade. – Os computadores possuem cada um uma senha diferente. Algumas são óbvias, portanto, consigo entrar facilmente.

- Hã... Eu pensava que o sistema de segurança da Ordem fosse mais eficaz. – comentei, sem graça. Admito que talvez eu tenha ficado um tanto decepcionado com aquilo.

- Mas é, bastante. – respondeu. – Se você errar a senha, o alarme irá soar, e todas as portas serão fechadas com campos de energia. Se você tentar sair, irá ser eletrocutado até ficar inconsciente.

Onde ela conseguira tantos detalhes? Se isso já houvesse acontecido com ela uma vez, provavelmente não estaria aqui para contar a história...

- Caso esteja se perguntando, há vários arquivos com vídeos. – esclareceu, então soltou um penoso suspiro. – E há de tantas coisas que você ficaria horrorizado. Fotos e documentos que provavelmente tirariam o sono de qualquer um...

Pude sentir Hideo praticamente gelando em minha mente e um arrepio sinistro atravessou minha espinha. Mas a curiosidade impeliu-me a querer saber mais.

- Tipo... O quê?

- Acredite, eles gravam a cirurgia de transformação. – respondeu, puxando o pano a ponto de que eu escutasse o som de tecido se rasgando, a raiva estando visível em sua voz. – Como se não passasse de uma macabra curiosidade. Eles gravam de todas as crianças que sofrem o transplante e as separam por geração, e cada geração é uma pasta.

Hã?! – Hideo exclamou, sua voz reverberando em minha mente, a raiva dele começando a fluir em direção a mim, que estava completamente alheio. E tive de admitir, ele estava certo. Nos obrigavam a passar por aquilo, ter nossos corpos multilados e modificados contra nossa vontade e ainda para eles gravarem tudo?! Isso já é forçar demais a boa vontade das pessoas... – ou a falta dela.

- Você...

- Estou falando sério, só não tem os dos primeiros 20 híbridos, pois naquele tempo ainda não se se possuía recursos filmo gráficos. Mas eles possuem os nomes de todos.

É, parecia-me lógico.

- Você sabe mais ou menos em que ano ocorreu a 1ª cirurgia? – perguntei, a curiosidade cutucando-me.

- Aqui foi por volta de 7081... – murmurou e me assustei. Não fazia a mínima ideia que existiam híbridos há tanto tempo. – Na data da Terra teria sido por volta dos anos de 1530.

- Eles convertem até mesmo para a data da Terra?!

- Sim, talvez seja falta do que fazer quando não tem cobaias humanas disponíveis. – disse com uma pontada de sarcasmo, mas talvez tivesse razão. – Segundo as fichas, a primeira cirurgia foi num garoto de catorze anos chamado “Lyon”, que, aliás, foi o único voluntário, pois como não possuíam-se testes anteriores, os humanos provavelmente haviam ficado com medo de ou morrerem ou virarem monstros.

- Com muita sensatez, diga-se de passagem. – bufei. – Mas o que aconteceu com esse garoto?

- Ele sobreviveu, e se tornou o primeiro híbrido da história. Mas não ocorreu o que ocorre hoje em dia. – continuou. – Demoraram exatos trinta anos até fazerem outro híbrido, na verdade, uma híbrida, chamada Amanda. Parece que ela foi treinada por Lyon, mas não se dava exatamente bem com ele.

Eu já tinha um mau pressentimento...

- Ela só viveu até mais ou menos seus 23 a 27 anos. Ela desafiou Lyon para um duelo, só que ela perdeu o controle sobre si mesma e...

-... Virou o primeiro Despertado da história. – Completei. – Mas a Ordem tem tudo isso documentado?!

- Sim. Pelo que encontrei, o homem que a fundou, “Abadon”, manteve um diário durante sua vida. Seus filhos seguiram seus passos, também documentando tudo, até os computadores daqui serem inventados. – respondeu vagamente. – Então, foi só armazená-los lá.

- Que... Legal. – suspirei. – Mas então, sabe-se o que aconteceu?

- Hã, o quê?

Acho que eu nunca imaginei Anita distraída, mas tudo bem...

- O que o Lyon fez com a Despertada?

- Eliminou-a, mas não deu detalhes a Abadon, então ele preferiu acreditar nas habilidades de Lyon, segundo o que estava lá... – comentou. – Talvez trinta anos como o único podendo dar conta de monstros tenha dado mais força a ele do que a nós, os atuais...

- Deve ser, não é? E... Você tem memória fotográfica?

- Tenho.

Tá explicado. Acho que eu não conseguiria armazenar tanta informação. Na verdade, talvez dizer que eu acho é muito... Eu tenho certeza de que não conseguiria armazenar tanta informação. Minha memória é uma desgraça e ainda sou distraído. Não é melhor das junções...

- Tem mais alguma coisa... Assim?

- Bom, encontrei algo que me deixou particularmente perturbada. – Anita murmurou.

- O quê?

- Estão tentando fazer um novo tipo de híbrido. – disse, com sua voz tão baixa que era praticamente um sussurro. – Com vísceras de Despertados.

- Você está brincando... – comecei após vários minutos de silêncio. Não, eles não poderiam estar tentando coisas desse tipo.

- Estão. – afirmou. – Mas todas as crianças acabam se tornando bestas sem controle algum, e, portanto, são eliminadas antes que façam algum estrago.

- Agem como se todos fossem completamente descartáveis.

- Exatamente. Nada mais do que obedientes peões.

Soltei um suspiro pesado. A Ordem era mais louca e maligna do que eu pensava. Fazer aquilo com pobres crianças, quem fazia uma coisa daquelas? Colocar as vísceras de coisas ainda mais horríveis em seus corpos e vendo que não podiam controlá-las, as matava. Dava vontade de mandar todos irem para o pior dos lugares.

- Yudai. – Anita chamou.

- Sim?

- Você realmente matou Nicholas? – perguntou.

Olhei-a, surpreendido por sua pergunta repentina, que estava completamente fora do assunto o qual conversávamos. Por que ela me perguntava uma coisa daquelas?

- Sim. – respondi por fim. – Por quê?

-... Eu... – começou, hesitante. – Eu o odiava.

Bom, acredito que eu não poderia repreendê-la por aquilo. Mas deveria ter algum motivo.

- Por que...

Anita fechou os olhos e respirou fundo, claramente pensando no que iria dizer a mim. Quando os abriu, parecia estar extremamente distante do local e momento em que estávamos.

- Eu... Admirava profundamente o número 6 que veio antes de mim, Erick. Logo que me tornei uma guerreira, as pessoas me tratavam como um lixo ou me ignoravam, pelo fato de eu ser uma novata e que minha numeração não era muito boa na época. Mas ele não. Ele foi bastante gentil e não parecia se importar nada com a nossa abissal diferença de numerações. – disse, com uma risada amarga. – Eu não tinha o que se poderia chamar de uma grande autoestima, mas ele me incentivava e ajudava. Era quase como se fosse meu treinador depois de ter me tornado uma guerreira.

Eu me lembrava vagamente de haver escutado rumores sobre Erick. Mas aquilo foi somente em meus treze anos, no máximo, catorze. Não era exatamente como se eu fosse me recordar muito bem.

- Nicholas era uma raridade. – continuou. – Apareceu de repente, mas evoluiu, escalando o ranking de guerreiros de maneira tão rápida que chegava a ser assustador. Não é todo dia que se vê um garoto de 13 anos que já é o número 3, não é?

Fiquei atônito com aquilo. Nicholas se transformara em híbrido depois de mim, devido ao fato de ter sido Lúcio que destruíra sua cidade. Mas... É, isso com certeza ajudava a torná-lo mais monstruoso diante aos olhos de outras pessoas.

- Eu me lembrava, e ainda me lembro, de que uma semana antes, eu falara com Erick. Mas ele parecia abatido, estava muito pálido. Ele me fez um pedido estranho... Foi de que, caso alguma coisa ocorresse, e ele estivesse prestes a Despertar, ele iria pedir para que eu o matasse. Mas fazia pouco tempo que, durante uma missão na qual ele participava, um amigo seu Despertou. – Anita murmurou. – Pensei então que ele ainda estivesse abatido e impressionado com aquilo, então aceitei sem pensar. Mas também falei que ele deveria não pensar naquilo, que ele não iria Despertar tão cedo. Mas voltando ao caso de Nicholas, todos os membros do grupo ficaram desconfiados pelo fato de o capitão do grupo ser... Uma menina jovem, assim por dizer, mas ele logo falou que era um garoto. Ele pareceu ficar extremamente irritado.

- Eu também pensei que ele era uma garota na primeira vez que o vi. – confessei. – Só que quando ele me atacou, eu mudei de ideia rapidinho.

Anita assentiu antes de continuar.

- Alguma coisa me dizia para que eu tomasse cuidado com aquele garoto, mas os outros membros estavam o subestimando, fazendo piadas quanto à idade dele, sua altura e sua cara de garota. Mas ele os ignorava, mas eu quase conseguia ver uma aura assassina despontando de seu corpo. Ele parecia estar esperando o momento certo para matar a todos que estavam tirando sarro de sua cara.

- Não duvido nada que estivesse.

- Nem eu, mas enfim. O Despertado apareceu, estava já de noite. E contrariando o que todos pensavam, Nicholas levou praticamente o Despertado ao chão sozinho e gritou para que eu acabasse logo com ele de uma vez. Eu não havia feito nada praticamente, pois estava estarrecida. Mas não com ele, e sim com o Despertado. – sussurrou. – Ele havia atacado a todos, e todos tiveram de desviar, mas a mim não. Ele claramente não havia me acertado propositalmente. Eu o matei, mas quando seu corpo retornou a forma humana...

- Era Erick. – adivinhei. Não era muito difícil.

- Era. – confirmou, e para meu susto, vi grossas lágrimas por correndo por seu rosto. Fiquei meio sem saber o que fazer, pois jamais imaginara Anita chorando e jamais pensara que um dia a veria chorando. – Eu... Mesmo ele já estando morto, perguntei por que não me chamara quando pressentira quando estava Despertando, porque não fizera nada. Aí, atrás de mim, Nicholas disse com aquele seu tom inocente: “Ah... Mas ele pediu para que eu te chamasse, que você fosse atrás dele na colina de Durkst, mas achei melhor não. Afinal, eu não iria me divertir, não é mesmo?”

- Ele... Ele não disse isso. – murmurei, chocado. Ele fora tão monstruoso?!

- Disse. – respondeu, limpando as lágrimas com manga de sua blusa. – Eu... Eu fiquei com um ódio imenso dele, tanto, que quando percebi, minha Aura estava fora de controle.

- Ele ficou mais animado com a perspectiva de lutar com outro Despertado. – Era tão previsível...

- Sim, e talvez seja isso que tenha me feito voltar...

Não falei nada, para que ela não chorasse ainda mais, enquanto refletia sobre o que ela dissera agora a pouco. Tudo bem, Nicholas provara ter tendências psicopatas (pra não dizer o pior), mas aquilo já era demais. Alguém Despertar só porque eu quero me divertir parece ser algo extremamente errado, então, porque ele fizera aquilo? Tudo bem... Eu já sabia a resposta mesmo.

Um tanto sem jeito, passei um de meus braços envolta dos ombros de Anita e comecei a contar o meu encontro com Nicholas e como eu o matara.



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Notas finais do capítulo

Nicholas... çç Eu quero ele de volta... Ainda faço um bichinho de pelúcia dele todo sujo de sangue u.u'
Bom, há algumas surpresas (incluindo desagradáveis) no próximo capítulo. Provavelmente o postarei amanhã!
Lembrando! Cinco capítulos e um epílogo! Assim, terminará Olhos de Sangue!
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