Olhos De Sangue escrita por Monique Góes


Capítulo 26
Capítulo 25 - Número 1


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, eu realmente IA postar ontem, depois que eu voltasse do meu curso de inglês... Mas quando cheguei em casa... PUF! A internet caiu e não voltou.
Tenho um aviso, não sobre este capítulo, mas quanto toda a fic. Já estou em seu final, faltam apenas quatro capítulos para que eu a termine. Ela passou da faixa de 35 capítulos, então passarei a postá-la mais frequentemente, talvez três ou quatro vezes na semana. Mas não se esqueçam da continuação, Meia Alma! ^^



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             A primeira coisa que fiz foi voltar para a Ordem. Não gostava dela, mas me cansei dos boatos. Iria provar que estava vivo, mas omitiria ao máximo Nicholas de toda a história, o Despertar dele, sua morte. Achei que era a melhor coisa a se fazer.

              Corri durante cinco dias, em direção ao oeste, onde a Ordem se localizava, e quando já anoitecera, eu cheguei aos portões sem grandes problemas. Era a primeira vez em meses que eu voltava, e nesse meio tempo, aconteceram tantas coisas... Somente pensando, tudo parecera acontecer depois que encontrei Raquel, mas eu ia encontrá-la novamente, mesmo que fosse para somente ver se estava bem, se fora acolhida por alguém.

              Nem me importei de ir trocar de roupa antes, fui direto ao refeitório, àquela altura, todos os híbridos já estariam lá, e eu estava certo. Respirei fundo quando cheguei à porta, parecia que eu ia abrir os portões que me conduziriam a morte. Era irônico, eu chegara tantas vezes à beira da morte estes últimos tempos, eu já deveria ser capaz de rir na cara dela. Abri a porta, e haviam centenas de híbridos ali, como era o costume, e no momento em que entrei, vários olharam para mim, alguns com expressões do tipo “Oh, ele está vivo!”, outros ”deve ter fugido”. Simplesmente fui até ao bufê e peguei comida para mim, então fiz uma pequena vistoria atrás de um lugar vazio com o olhar.

              Vi um lugar ao lado de Hideo, e só então me lembrei da barreira que fizera.

              Sinto muito. – falei enquanto a derrubava e o vi revirar os olhos, estava chateado. Fui até a mesa em que ele estava sentado, como sempre, Alec e Nina estavam lá, mas agora, a cadeira que costumava ficar sempre vazia estava ocupada por Larry. Sentei ao lado de Hideo e sem dizer uma única palavra, comecei a me forçar a comer.

              -... Você está bem? – Alec perguntou.

              - Ótimo. – falei brevemente, sem desviar os olhos do prato.          

              - Soubemos... Que mandaram você em missão. – Nina sussurrou. – Com Nicholas.

              - Pois é, me mandaram. – falei ainda comendo.

              - Hã, Yudai – Larry começou. – Por que a sua camisa está... Rasgada? E essa... Manga de couro?

              Somente dei de ombros, não ia explicar nada. Hideo levantou e saiu, mas continuei no refeitório durante um bom tempo, mesmo depois de acabar de comer, até ficar praticamente sozinho ali, e então escutei a voz de Hideo:

              Quando você sair, vão te fechar. Vão perguntar o que aconteceu, ou vão te insultar, dizendo que fugiu da luta. Mas o que aconteceu quando você me bloqueou?

               Nicholas Despertara... E eu o matei.

               Vi a surpresa em sua mente, vi também a pergunta “sozinho?!”, mas apenas concordei e então me levantei. Se iriam me importunar perguntando as coisas, que viessem, eu iria respondê-los da maneira que pudesse. Saí do refeitório e vi quase todos os guerreiros ali, mas fui passando direto, se não falassem comigo, eu não falaria com eles. Mas infelizmente, não fora o que ocorrera.

               - Ei, ô número 9, para aí. – o grandalhão de cabelo curto encaracolado que reconheci como o número 7, Dante, chamou. Parei e esperei para ver o que iriam falar.

               Eu avisei... – Hideo lamentou em minha mente.

               - O que foi? – perguntei, sem me abalar com seu tamanho. – Eu acabei de chegar.

               - E daí? – rebateu. – Queremos saber o que aconteceu.

               - O que aconteceu? – perguntei, fingindo inocência.

               - O quê mais?! – A número 11, Hilda, perguntou vindo em minha direção, assim como Dante. Ela era da altura de meu ombro e sempre prendia seu cabelo em duas grossas tranças, uma caía pelo ombro e outra pelas costas. Ela vinha acompanhada de – o que não era segredo para ninguém – seu namorado, Raimundo, o número 8. Ele tinha a pele avermelhada e o cabelo longo e liso preso num rabo de cavalo.

 – Você não volta durante meses, e então desaparece com o número 2, Nicholas, e depois retorna. Não é estranho?

               - Eu não voltava por motivos meus. – respondi. – Mas pergunte a algumas pessoas, como o Hideo, eu cumpria todas as minhas missões.

               - E inclusive fracassou em uma. – Um cara baixote disse em tom venenoso.

               - Ah... Mas disseram que a Ordem fez a burrice de mandar meu grupo caçar justamente um número 1 Desperto juntamente com um número 3 Desperto? – rebati em um igual tom venenoso, irritado. – Por que não vai atrás dele e faz o que eu não consegui?! 

               Ele praticamente se escondeu e vi a expressão de surpresa em todos ali.

               - Ah é? E quanto a Nicholas? – perguntou Dante novamente e eu me preparava para responder quando senti a Aura de Raban se aproximar. Quando ele chegara ali?! E mais... Havia algo em seu ombro, e quando eu estava prestes a assimilar o que era, ele fez exatamente o que eu não desejaria.

               - Aconteceu isso. – falou sem emoção.

               E jogou o corpo morto de Nicholas no chão.

               Fiquei estático ao ver aquilo. Ele pegara o corpo de Nicholas e o trouxera para a Ordem. Para quê?! Eu não iria falar nada quanto à morte dele, e agora Raban colocava tudo por água abaixo. Por quê?                         

               - Ah, você fugiu e ele morreu contra o que vocês iam lutar. – Dante disse em um tom sarcástico.

               - Claro que não! – respondi, agora aquilo me deixara irritado. Nicholas acabara sozinho com o Despertado, mas a parte de eu ter fugido não era mentira. Só que não foi do Despertado que eu fugi.

               - Não fale bobagens. – Raban disse num tom que quase senti todos se encolherem. Novamente aquele tom de autoridade. – Yudai o matou.

               Pisquei, será que Raban assistira a luta?

               - Não diga bobagens, ele é o número 9, não poderia contra o número 2! – Dante exclamou, ignorando o ar superior de Raban. 

               O que aconteceu a seguir foi muito rápido. Raban sacou sua espada e me atacou numa velocidade que realmente me assustou. Não esperava que ele fosse tão rápido e ágil devido seu tamanho. Por reflexo, peguei a minha e bloqueei um golpe assustadoramente rápido com o Corte Imaginário, depois desviei outros quatro com a minha própria espada, então consegui tomar sua espada, saltando uns quatro metros atrás de onde ele me atacara.

               Deuses, agora que tudo foi por água abaixo.

               - Você acha que esse é o nível de um número 9? – Raban perguntou a Dante, que estava somente estava de olhos arregalados, sem acreditar.

              Devolvi a espada a Raban, que continuou com o seu olhar apático de sempre, ele então se abaixou e pegou o corpo de Nicholas, jogando-o sobre seu ombro como um saco de batatas, e então se afastou, mas disse de costas para todos:           

               - Irei delatar isso aos superiores da Ordem, eles saberão o que fazer.                      

               Ele foi embora e os que estavam ali foram se dispersando aos poucos, de cabeça baixa. Raban fizera aquilo para provar que eu não era um covarde, mas ele também fizera aquilo para demonstrar minha força aos outros. Eu só queria continuar sendo um pacato número 9...

               Senti a pulseira em meu bolso e lembrei que também que achei que deveria contar algumas coisas a Raban. Corri atrás de sua Aura e quando o avistei, gritei:

               - Raban! Espera!

               Ele parou e se virou para mim. Tirei a pulseira do bolso e dei a ele, que olhou confuso para aquilo.

               - Fui em missão à Terra. – falei. – E lá acabei encontrando Lionel, mas eu trouxe certa confusão a ele... E antes de ter que ir embora, ele pediu que eu entregasse isso a você.

               Ele olhou longamente para a pulseira, então a guardou em seu bolso e voltou a andar, mas continuei seguindo-o e disse:

               - E tem outra coisa... É sobre a Raquel...

               Sua atenção voltou claramente reforçada. Ele visivelmente se preocupava com ela.

               - Eu tive que me separar dela por causa de Nicholas, ele começou a tentar me matar e demonstrou que não se importava se teria que matar Raquel, inclusive chegou a feri-la, não gravemente, mas eu tive que me separar dela para que não se ferisse mais ou morresse. – Falei. – Mas eu vou tentar encontrá-la de novo, ao menos que seja para ter certeza de que está bem.

               Ele desviou o olhar e um suspiro pesado saiu de seus pulmões, claramente pesaroso, mas então se virou de volta para o prédio da Ordem, e apenas disse que era para que eu continuasse o acompanhando. Quando chegamos ao prédio – que não me trazia minhas melhores lembranças. – ele simplesmente entrou, ignorando as sentinelas e entramos num grande corredor branco e iluminado, que, aliás, me lembrava um corredor de hospital. 

               - Fique aqui.

               Eu apenas me encostei e ele entrou em um caminho cujo o resto não pude ver, e fiquei um bom tempo ali, esperando para saber o que aconteceria comigo quando Raban falasse com o pessoal da Ordem. Depois do que poderia ser quase uma hora, uma mulher com o uniforme da Ordem apareceu. Ele era uma anã de cabelo preto e curto como o de um homem. Ela apenas me mandou segui-la até o elevador e pediu para que eu apertasse uma série de botões por causa de sua altura, e então o elevador começou a se mover e passou um tempo assim, e quando parou, abriu-se para um corredor escuro com uma única porta ao fundo.

               - Vá para lá. – disse e as portas do elevador se fecharam atrás de mim.   

               Suspirei e andei até a porta, abrindo-a, e vi que fora parar numa ampla sala, com cinco tronos de madeira a minha frente, onde estavam sentados dois homens e duas mulheres idosas, e no trono do centro, o maior repleto de entalhes e detalhado em ouro, estava sentado um garoto com uns catorze anos, mas usava um uniforme da Ordem decorado ricamente. Ele estava apoiando o rosto na mão e suas pernas estavam cruzadas, tinha o cabelo curto de um castanho extremamente escuro, quase negro. Os olhos acinzentados eram apáticos e passava um ar muito maduro para sua idade, mas também era vazio.

               - Você é Yudai, número 9? – perguntou numa voz arrastada.

               - Sim.

               Ele bufou levemente e os outros quatro o olharam pelo canto do olho.

               - Bom, Yudai, recebemos uma... Informação quanto a você. – continuou. – Sou Adramalec Abadon. Recentemente recebi o cargo de chefe da Ordem.

               Mas hã?! Aquele garoto – tudo bem, pouca coisa mais novo do que eu. – era o chefe da Ordem? Como assim?! Bom, ele disse recentemente, mas... Ainda assim.

               - Soubemos que houve uma contenda entre você e o número 2, Nicholas, no qual você acabou matando-o. – uma das mulheres idosas disse. – Poderia nos explicar o que aconteceu?

               Rapidamente arranjei as partes que iria omitir da história e as partes que eu iria contar, então falei:

               - Nicholas foi mandado junto comigo em missão a uma caça a Despertado, porém quando cheguei lá ele me atacou e então matou o Despertado sozinho, depois tornou a me atacar, e acabei caindo de um penhasco e fiquei inconsciente. – respondi. – Quando acordei, decidi treinar duramente para aumentar meu nível caso ele aparecesse novamente e duas semanas depois, ele me encontrou novamente, atacando-me, e quando duelamos, eu o matei depois de um tempo.

               Eles ficaram em silêncio durante um tempo, então se levantaram e saíram para uma saleta atrás deles, ficando ali durante algum tempo. Eu primeiramente me perguntei se deveria ir embora, mas escutei algo que me dizia que eles estavam na verdade, discutindo o que aconteceria comigo. Pelo que eu escutara, um dos dois homens queria que eu fosse eliminado, mas depois eles retornaram aos seus lugares.

               - Bom, a Ordem admite duelos entre guerreiros para que subam de nível, desde que sejamos previamente avisados. – Um dos homens disse. – No seu caso, houve duelo, mas não avisado previamente, e nesse caso, punimos ambos os integrantes de tal duelo.

               Serei punido então? Senti o nervosismo começar a crescer dentro de mim.  

               - Porém, Nicholas era problemático, várias vezes atacou os próprios companheiros, mas nada dava jeito nele. – Continuou. – Ele o atacou, e você treinou para que conseguisse atingir seu nível. Dessa vez, não podemos puni-lo, pois não foi culpa sua, e sim, culpa de Nicholas.

               O alívio veio a mim. Graças aos deuses.

               - Porém, isso tecnicamente significa que você tomou o número de Nicholas. – a outra mulher continuou. – Já que você o matou em duelo.

               Pisquei, iriam me dar o número dois?

               - Recentemente, a número 1, Liana, chegou próxima ao seu Despertar como Predador Voraz. – Adramalec tomou as rédeas da conclusão. – Ela então pediu a uma amiga próxima que a matasse antes que Despertasse, então, tecnicamente, Nicholas subiria de número devido a morte de Liana, e já nos preparávamos para avisá-lo, mas você o matou.

               Fiquei agora atônito. Se eles iam me dar o número de Nicholas, isso significava que... Não, poderiam estar apenas informando, mas Adramalec tirou essa possibilidade no momento em que falou:

               - Parabéns então Yudai, pois você acabou de se tornar o número 1 da Ordem.

               Se tudo o que ocorrera até agora me deixava surpreso, essa ganhou o prêmio máximo em minha vida. Eu... Número 1? Não conseguia me ver assim, e se já ser dígito único é uma grande responsabilidade, número 1 é maior ainda! Mas antes que eu falasse algo – provavelmente eu iria contestar o que seria burrice. – praticamente me expulsaram de lá, e voltei para o prédio de híbridos. O problema era que a minha mente não parecia absolver a novidade, era... Não consigo explicar, era confuso.

               Ei Yudai, sinto muito... Eu acabei dormindo. O que eu perdi? – Hideo falou em minha mente.

               No momento em que ele falou, praticamente corri até nosso quarto, então abri a porta e a tranquei a porta. Hideo piscou confuso em sua cama suspensa, sem entender.

               - Ei Yu, o que aconteceu? – perguntou. – Você está com uma cara estranha...

               - Eu matei o Nicholas.

               - Sim, e...? – falou, sem entender.

               - Ele ia ser nomeado número um. – falei. – Por eu ter matado ele, consideraram que eu peguei o símbolo dele.

               Ele piscou e arregalou os olhos.

               - E-ei, então quer dizer que...

               - Eles decidiram que eu sou o novo número 1, por ter matado Nicholas.

               Ele ficou em silêncio e senti que ficara tão confuso quanto eu, era difícil absolver aquilo. Foi muito rápido, tipo...

               - Eu vou dormir. – anunciou rapidamente depois de um tempo. – É a melhor coisa que eu posso fazer mesmo, eu vou tentar ver se essa novidade entra em meu cérebro enquanto durmo!

               Hideo virou de costas para mim e se enterrou na cama, mas escutei em sua mente que ele ainda pensava sobre o assunto, mas acabei ficando surpreso com a velocidade que ele conseguiu dormir. Já eu, mesmo que tentasse, sabia que estava inquieto demais para conseguir dormir. Fui ao guarda roupa e peguei algumas roupas limpas e fui para o banheiro e passei um bom tempo abrindo todas as fivelas feitas de couro da manga do braço de Rusé, que então coloquei no cesto, junto com suas roupas e tomei um banho, trocando de roupa, mas ainda assim não consegui ficar quieto, então peguei só uma sandália que achei – fiquei um tanto surpreso, nunca vira nenhuma sandália naquele guarda roupa. – e saí devagar do quarto, indo para o corredor dos dormitórios, então fui para a janela e saltei dela para o telhado, ficando sentado lá. Fazia tempo que eu não fazia isso...

               Ser número 1... Não dava, eu não conseguia absolver aquilo. Nicholas Despertara e eu o matara, mas nunca pensara que iria pegar seu nível. E também, o Corte Imaginário era claramente quase indefensível, me pergunto como Sophia era capaz de desviá-lo, como ela fizera de maneira discreta durante a luta em que acabara em sua morte. Mas mesmo que assim, eu não...

               Mas o que eu estou dizendo?! Número 1 é um posto alto e que não vêm te importunar – na verdade, não têm coragem. O único problema era que tinha que se ser bastante forte para isso... É, acho que o problema comigo é a insegurança. Isso acontecera literalmente da noite pro dia.

               Senti a Aura de Raban novamente, e ela estava praticamente a minha frente, e o vi fazendo umas coisas... Estranhas.     

               Saltei para o chão e me aproximei, e vi que ele armava algo como uma grande fogueira, sendo que ao lado estava o corpo de Nicholas e um enorme pedaço de pano. Rapidamente entendi: ele iria cremar o corpo de Nicholas. Provavelmente usaria aquele pano como uma mortalha.           

               - Olá. – disse de costas para mim e me assustei. – Se não quisesse chamar a atenção, que ao menos suprimisse sua Aura.

               - Mesmo que eu suprima, são poucos que conseguem suprimi-la completamente. Ela só diminuiria um pouco. – falei.

               - Não, você consegue suprimi-la completamente. – falou e pisquei. – Só soube que você estava lá porque achei estranho um Despertado atacando o nada. Quando me aproximei, vi que era você. Depois você começou a deixar sua Aura fluir lentamente e a usou como arma. Rusé treinou você, não foi?

               Hesitei em responder, quer dizer então que era realmente ele que matara Rusé.

               - Sim, mas... Você o matou. – falei.

               - Como você sabe? – Raban perguntou ainda sem emoção, colocando mais lenha na fogueira. – Você não estava mais lá quando o matei.

               - Eu senti sua Aura chegar, então a de Rusé desapareceu. – respondi.

               Ele virou o rosto em minha direção com a sobrancelha erguida.

               - Você consegue sentir minha Aura?

              - Bom, sim... Ela é muito fraca, mas consigo. Assim como conseguia sentir a de Lionel.

              Ele suspirou.

              - Apenas uma pessoa até agora era capaz de me localizar, mas a outra só conseguia me rastrear pelo cheiro. – informou. – Agora, você é a segunda, mas pela Aura. Já havia escutado sobre seu rastreio de Auras, mas parece que é muito melhor do que eu pensava.

              - E Rusé? Por que você o matou?

              - Há certas pessoas que a vida termina antes de morrerem. – respondeu. – Apenas cumpri um favor que ele me pedira há muito tempo, e era o que ele queria.          

              Apenas assenti. Se fora o que Rusé quisera, eu não iria discordar – embora eu não o achasse justo - e ele continuou:

              - O que decidiram fazer quanto a você?

              - Decidiram me dar o número de Nicholas. – respondi, e então continuei com hesitação. – Ele... Ia virar o número 1, e agora...

              - Decidiram dar este número a você. – completou.     

              - Bom, sim. – falei rápido.

              - Um número 1 inseguro com a posição que ganhou. – suspirou. – É a primeira vez que vejo isso.

              Bufei e ele se levantou, enrolando o pano no corpo de Nicholas e o colocando encima da fogueira. Mexeu em seu bolso e tirou dali uma caixa de fósforos, acendeu um e então ateou fogo na fogueira.

              -... Por que você está fazendo isso com o corpo de Nicholas? – perguntei.

              - Quando um de nós morre e sobra algo do corpo – começou. – a Ordem entrega o corpo para que seja velado e enterrado por seus amigos. O problema é que Nicholas não tinha amigos.

              Lembrei do modo que ele me atacara, psicoticamente. Talvez só alguém com a mesma mentalidade para se tornar seu amigo. Isto é, se não resolvessem matar-se mutuamente.

              - Se não tiver ninguém disposto a enterrar o corpo, então a Ordem pode usá-lo para experiências, não me pergunte quais. – continuou. – Então resolvi fazer algo. Uma coisa que aprendi é que mesmo que por mais desprezível que uma pessoa pareça, toda pessoa é preciosa, portanto merece receber ao menos um enterro apropriado. Mesmo que eu não esteja enterrando Nicholas.

              Observei as chamas lambendo o corpo de Nicholas. Era estranho... Elas pareciam se mover como se quisessem acolhê-lo em vez de incinerá-lo, pensei que estivesse vendo coisas, mas era realmente isso. Elas se separaram ao redor de Nicholas, deixando toda extensão de seu corpo sem nem ao menos tocá-lo, e então se fecharam sobre ele. Olhei para Raban e ele parecera ver isso.

              - Que estranho... – murmurou.

              Assenti enquanto agora o corpo de Nicholas era realmente incinerado.

              - Você está hesitante quanto ao número que lhe foi dado. – Raban disse. – Você não disse nada, mas lembre-se das últimas palavras de Nicholas. Não dissestes nada diante delas, mas o que você sentiu?

              Não sabia. Nicholas parecera confiar em mim por poder derrotá-lo, mas por quê? Será que o simples fato de ser derrotado o fez pensar nisso? E também, mesmo pensando bastante sobre o que ele berrara quando eu me parara, eu não conseguia pensar nenhum motivo para ele ter me salvado do modo que salvou. Quer dizer, ele não me salvou exatamente, ele havia me feito seguir em frente. Mas por quê?!

              - Claramente confuso. – suspirou e eu me assustei. – Nicholas provavelmente sentiu alguma confiança em você, tente ao menos fazer isso valer a pena. Ele não era exatamente o tipo de pessoa mais equilibrada que existia – disse, enquanto olhava para o que ainda restava do corpo de Nicholas, que ainda ardia em sua pira. – mas se ele disse aquilo deve ter sido por motivos pessoais. Tente então não desapontá-lo, apesar de que, tecnicamente, você é a pessoa mais nova a ser declarada uma número 1.            

              Ele se virou e foi embora, enquanto a fogueira inexplicavelmente se apagava sozinha, enquanto as cinzas de Nicholas eram levadas em direção ao lago pela brisa. Vouivre ainda intacta no que restava da fogueira, não enrolada como normalmente estava na perna dele, estava estendida e uma pequena parte de seu corpo mantinha-se enrodilhada. Como ela se desenrolara? Tecnicamente, Nicholas teria de estar vivo para ela poder se mover.

              Peguei-a, encarando os olhos foscos. Talvez fosse loucura, mas... Pareciam tristes. Lembrei de quando ele a usara para me atacar. Há quanto tempo ele deveria possuí-la? Talvez ela possuísse sentimentos quando ele a ativava e provavelmente teria apegado a ele. Mas era uma teoria totalmente sem noção, pois ela era um objeto, e quando não era um objeto, era um animal.

              Para o meu susto, as escamas de ferro de Vouivre de repente adquiriram outra textura e ela criou vida. Soltei-a imediatamente, mas ela se enrolou em meu braço, desceu por meu corpo e se arrastou até o lago, entrando nas águas lisas e límpidas, criando leves perturbações na superfície.

              Mas o que diabos!

              Cautelosamente andei até o lago, ainda a tempo de ver um lampejo prateado se arrastando pelo fundo do lago, logo sumindo em meio ao lodo.

              Mesmo depois de Vouivre sumir de vista, fiquei um longo tempo olhando para o lago. O que eu pensava? Na verdade, eu estava tentando por os pensamentos em ordem. Por que minha mente não absolvia aquelas palavras? Tecnicamente, eu fora treinado por um número 2, isso já é pedir poder, mas eu não queria poder para uma subida drástica de nível. Talvez pareça egoísta, mas em grande parte, eu gostaria de ser capaz de sobreviver a outro ataque de Nicholas para minha própria sobrevivência. Não pela promessa de que continuaria vivo, mais por mim mesmo.

              Ainda sou humano apesar de tudo que passei, e tudo o que passo. Pelo menos, ainda sou humano em grande parte. E ainda sou um adolescente. Este, sem dúvida, foi o ano mais louco que já tive na vida até agora. Descubro que somos meras peças da Ordem, e que estão tentando se livrar de mim, depois vou em missão para a Terra, sou dopado inconscientemente e encontro lá um desertor. Volto para Darneliyan, sou sequestrado e torturado por um Despertado, Desperto, Hideo dá um jeito de ligar nossas mentes para que eu possa continuar humano, crio telepatia com ele, e então depois disso, encontro um psicopata e um sobrevivente do ataque de Lúcio. O psicopata Desperta, eu acabo o matando e quando vejo, sou nomeado número 1.

              Não é pouca coisa.

              Ainda tinha Raquel. Eu precisava encontrá-la.

              As coisas aqui em Darneliyan não são tão fáceis. Qualquer criança sozinha numa floresta já é motivo de suspeita. Se alguém a encontrasse, teriam as seguintes alternativas: Acolhê-la, se não pensassem somente em si mesmos. Poderiam... Não gosto nem de pensar nisso, mas matá-la, pensando que era um monstro fingindo-se ser uma criança, ou poderiam simplesmente ignorá-la. De todas as coisas, o que eu menos queria era a segunda alternativa.

              Talvez voltar para a Ordem não fora uma boa ideia, lá eu só poderia sair daqui se saísse em missão, sendo que eu só retornara agora, talvez demorassem um pouco para me arranjarem alguma, e pela primeira vez, eu pedia mentalmente para que não demorassem muito.

              Voltei para o prédio dos híbridos, voltando para o meu quarto. Hideo dormia, mas sentia em minha mente que estava tendo um sono leve, qualquer coisa poderia acordá-lo.

              Era estranho, eu ainda não tentara procurar o máximo do que a ligação de mentes poderia fazer, mas mesmo que inconscientemente, eu conseguia ver o que ele sonhava. Pelo que vi, estava numa vila antiga, mas ignorei seu sonho, somente troquei de roupa e fui dormir.

              No outro dia, eu – como de costume – acordei antes do Hideo, mas me mantive na cama por um bom tempo. Simplesmente não pensei em nada, foi um daqueles momentos em que somente fiquei deitado sem fazer nada. Talvez um dos motivos fosse o fato de eu não querer ter que lidar com outro confronto, se já tivesse sido espalhada a notícia de que eu agora era o número 1.

              Deuses, isso ainda é estranho.

              Fiquei acho que o equivalente a algumas horas deitado naquela cama, só encarando a parede do banheiro à minha frente, quando Hideo acordou.

              - Ei, o que você ainda está fazendo aqui? – perguntou enquanto se sentava em sua cama. Segundo os movimentos de sua Aura, ele esfregou os olhos.

              - Quer que eu vá embora? – perguntei, ainda encarando a parede a minha frente. 

              - Não. – respondeu, enquanto descia as escadas da cama. – Foi só uma inocente pergunta, não precisava uma resposta dessas.

              Apenas fechei de novo os olhos enquanto ele entrava no banheiro. Minha vontade de sair daquela cama era nenhuma, por incrível que pareça. Eu não sou do tipo preguiçoso, mas parecia que simplesmente meus músculos não queriam se mover para que eu saísse da cama. Talvez fosse pelos cinco dias quase sem descanso.

              Acabei dormindo de novo e só acordei quando uma certa pessoa chamada Hideo Keegan Hentric puxou meu lençol, me fazendo cair no chão, e, consequentemente, me acordar.

              - Hideo! – exclamei, irritado.

              - Acorda preguiça! Sai deste corpo que não te pertence!

              - Foi você que me infectou! – bufei, me levantando.  

              - Preguiça não é contagiosa. – rebateu. – Acho melhor você tomar banho e se arrumar logo, senão vão tirar as coisas do café da manhã.

              Ele saiu e peguei uma roupa qualquer no guarda roupa, então fui para o banheiro, escovei os dentes, tomei banho e troquei de roupa, rumando então para o refeitório que, graças aos Deuses, estava deserto. Comi só um pedaço de pão sem nada, não estava com a mínima fome, praticamente me obriguei a comer. E também me estranhei com isso.

              Você está sem fome pelo que aconteceu ontem? – Hideo perguntou na minha mente.

              Não sei. – respondi com sinceridade. – Esses dias, na verdade, eu tenho estado assim.

              Esses dias? – perguntou, curioso.

              Esses cinco dias. - especifiquei.           

              Por quê?

              Como se eu fosse saber.

              Você está perturbado por ter matado o Nicholas?perguntou.

              Ponderei sobre aquilo. Talvez fosse. Eu ainda não conseguia esquecer o que ele dissera sobre sua cidade ser destruída por um Despertado negro. Não havia dúvidas para mim, era Lúcio. Provavelmente destruíra sua cidade quando estava na selvageria inicial dos Despertados, mas fora isso... Eu ainda não entendera o porquê de ele ter me dito isso. Raban sugerira que ele sentira confiança em mim, ele disse que eu lembrara seu irmão mais velho, mas ele tentou – aliás, quase teve êxito – me matar. Não sei de nada, mas imagino a relação dele com seu irmão mais velho. 

              Com um suspiro, levantei, ainda com o pedaço de pão quase intacto em minha mão.                       


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Notas finais do capítulo

Eeeeee aqui está! Uma coisa que imaginei desde o início, *--*
Tadinho do Nick, virou um saco de batatas nas mãos de Raban... e.e Bom, mas agora ele descansará em paz... Ou não!
Estou satisfeita com o que tenho feito até agora, espero que vocês também gostem do que verão, embora saiba que vocês irão querer minha cabeça em um certo cap, kkkkk
Bom, críticas? Elogios? Tuuuuuuuuuuuudo nos reviews!