Romeo, Julieta E Bianca escrita por EstherBSS


Capítulo 6
O Engano do enredo




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O engano do enredo

Verona

1591

Bianca acordou com uma terrível dor de cabeça. Por que sua cabeça sempre doía tanto? Estava em um quarto simples sem janelas e um pouco claustrofóbico. A iluminação era feita apenas por velas. A cama em que estava era bastante desconfortável, mas ela se sentia bem mais descansada do que estivera no dia anterior.

Viu sua bolsa em um canto e foi busca-la para trazê-la para cama. Virou seus pertences sobre o colchão. O celular estava com bateria, mas não tinha sinal. Nem mesmo para a emergência ela conseguiria ligar. Nem mesmo para a operadora! Desligou o aparelho para economizar energia. Seu tablet estava funcionando perfeitamente, mas sem internet wifi era ainda mais inútil do que o celular.

Também tinha seu batom, seu perfume, seu bloco de anotações, umas pastas do trabalho, um esboço amassado sobre alguma matéria, uma pulseira de bijuteria com pérolas, um lápis, balinhas de menta, uma escova e uma pasta de dentes. Também tinha um canivete suíço, uma escova de cabelo, umas duas calcinhas reserva, o livro 1808 que ela estava lendo para o jornal, um gravador, um alicate de unha e uma lixa. Tinha uma daquelas garrafinhas de bebida que ela tinha comprado para dar a Rafael.

Balançou o objeto nas mãos pensando em jogá-lo no fogo. Com um resmungou, começou a guardar tudo de novo. Ali no quarto não sabia dizer se era de noite ou de dia. Também tinha se esquecido de ver que horas eram quando ligou o celular. Penteou o cabelo com raiva. Estava mais que claro que o Frei não tinha acreditado em nada do que ela tinha dito. Ele até tinha insistido mais de uma vez para ver o ferimento na testa dela. Devia acha-la maluca.

Bianca escovou os dentes e voltou a deitar. Tinha que pensar no que faria. Hoje seria dia dos namorados no lugar de onde ela viera. E ela estava sozinha de novo. Também tinha que pensar no que fazer em relação a Romeo. Não podia deixar que ele largasse Julieta. Afinal, ela era destinada a ele. Estava cantarolando baixinho quando alguém bateu à porta. Ela se sentou antes de dizer para a pessoa entrar.

- Vejo que já acordaste, filha. – Disse Frei Lourenço. Ele parou na entrada e a encarou preocupado. Bianca se levantou – Está se sentindo bem? Estiveste febril.

- Sinto me bastante bem agora. Já estou pronta para outra. – ela disse tentando parecer confiante, mas o Frei não compartilhou a animação dela.

- Vê se que é jovem para já estar a desejar outra aventura perigosa como a que viveste. – o idoso rebateu e Bianca se perguntou se deveria contar que aquilo era modo de dizer. O Frei juntou as mãos sobre a barriga e pigarreou, parecendo um pouco nervoso – Não tema, filha, mas há alguém aqui que deseja vê-la.

- Ai... – Bianca gemeu ao ver o Frei dar um passo para o lado. Romeo passou por ele como um foguete. Ela bem que já imaginava que seria ele. O jovem Montecchio correu em direção a Bianca sorridente. Ele a abraçou com força e a rodopiou no ar.

- Meu coração volta a se encher de alegria por estar em sua presença, doce Bianca. – Romeo falou enquanto a mantinha em um abraço apertado. Bianca tentou não pensar no quão bem ele cheirava e em como seus braços eram fortes ao seu redor. Com um suspiro, tentou se afastar dele. Já devia ter imaginado que o Frei contaria.

- Já disse que não deveria estar aqui. Seu lugar é com a Julieta. – ela reclamou antes de sentar novamente na cama, cansada. Romeo se agachou perto dela e o Frei voltou a se sentar na cadeira perto da cama.

- Falas por enigmas, minha bela dama. – Romeo respondeu sem perder o sorriso – Já hei entendido que não sois daqui, pois nenhum habitante de Verona jamais recomendaria a um Montecchio se aproximar de uma Capuleto.

- O que contou a ele, Frei? – Bianca perguntou trazendo as pernas para cima do colchão.

- Como podeis insinuar que revelei seus segredos de confissão? Sou fiel a meus votos e não lhe disse uma singela palavra da história que me revelaste. – o Frei disse desviando os olhos o que fez com que Bianca desconfiasse de que havia algo mais. Ela se virou para Romeo.

- Hum. – Bianca bateu com o dedo no queixo pensando em um modo de contar a verdade – Acho que Dom Quixote foi escrito por volta de 1600. Em que anos estamos mesmo?

- Nos anos de 1591 pela graça do nosso Senhor. – o Frei respondeu.

- Portugal já descobriu o Brasil então? – Bianca perguntou curiosa. O Frei olhou Romeo antes de responder:

- Não entendo o que falas, filha.

- As terras do Novo Mundo que a Espanha e Portugal lutam para descobrir. As notícias já chegaram? – ela explicou.

- Já ouvi meu pai falar algo sobre o assunto. Falam sobre uma nova terra além do mar. – Romeo falou cauteloso e a olhou com renovado interesse – És de lá?

- Sim e não. – Bianca disse e resolveu explicar melhor diante da confusão de seus dois interlocutores – A Divina Comédia já deve ter sido escrita com certeza. Vocês já devem ter lido.

- Aquele livro revoltoso? – Frei Lourenço se empertigou na cadeira.

- Entenda a revolta de nosso amado Frei, doce Bianca. – Romeo interviu – Deveis saber que o livro traz alfinetadas para a Santa Igreja.

- Sei sim. Já o li embora tenha sido uma tortura ler todos aqueles versos. – ela devaneou um pouco – Enfim, sabe os personagens e tudo o mais? – Romeo acenou afirmativamente – Ok, o que eu vou falar é estranho. Entendo isso. O que você diria se acordasse dentro da história? Por exemplo, dormisse aqui e acordasse perto dos personagens do livro.

- Isso é impossível de acontecer, minha querida. – Romeo disse convicto.

- Obviamente é muito possível já que eu estou aqui. No lugar de onde eu venho que é mais ou menos daqui a quatrocentos anos a frente, a sua história é contada em um livro. A sua história de amor com a Julieta. É o romance mais famoso do Ocidente.

Seus interlocutores ficaram em silêncio a olhando como se ela fosse louca. Bianca resmungou de mau humor e se levantou para pegar sua bolsa. Despejou tudo em cima da cama. Pegou seu tablet e o ligou. Romeo e Frei Lourenço se aproximaram quando o aparelho brilhou.

- Isso aqui é um tablet. É um aparelho eletrônico do século XXI. Só para constar, eu sou do ano de 2012. – ela mexeu entre as coisas sobre a cama. Romeo e o Frei se aproximavam curiosos tocando os objetos com medo e curiosidade – Isso aqui é o meu celular. Ele permite que uma pessoa fale com outra mesmo estando longe. Só que não funciona agora porque aqui não tem sinal.

Ela procurou a enciclopédia que vinha instalada em seu tablet. Procurou o item de “Romeu e Julieta”. Podia ouvir o Frei ofegar diante de seus objetos, tão banais para ela. Virou-se para mostrar o texto a Romeo quando viu que ele examinava as suas calcinhas reserva. Bianca tomou a peça das mãos dele e a escondeu atrás de si.

- Sabe português?

Ele pareceu ficar desconfortável e ela notou que a resposta seria não. Tentou passar o idioma do computador para o italiano. Depois chamou Romeo para que se sentasse ao lado dela e lhe mostrou a tela.

- Agora leia isso aqui.

- Romeu e Julieta é uma tragédia romântica escrita por William Shakespeare entre 1591 e 1595. – Ele parou e olhou para ela. Bianca o incentivou a continuar – A peça sobre dois adolescentes cuja morte acaba unindo suas famílias inimigas é uma das obras mais famosas da literatura ocidental.

Romeo parou de ler e se levantou agitado. Andava de um lado para outro em agonia.

- Se sou um livro, um romance encerrado entre as folhas velhas de um escritor amargurado, diga minha princesa...diga qual será a minha triste sina. – ele disse com voz amargurada e triste.  Bianca se sentiu um pouco mal. Olhou o Frei, mas ele a olhava com assombro.

- Bom... A história começa com uma contenda entre quatro servos, dois dos Capuleto e dois dos Montecchio. A confusão aumenta até que chega o príncipe de Verona e dá um veredicto às duas famílias. Foi quando eu cheguei. Depois disso, o Senhor Montecchio conversa com Benvólio pelo motivo que faz seu filho, Romeo, sofrer. Ele não sabe que é por Rosalina. Depois disso, Romeo encontra Benvólio na rua. Acredito que eu tenha interrompido esse momento. – Bianca mordeu o lábio. Os dois homens a observavam assustados – Você descobre por intermédio de um criado que os Capuleto darão uma festa onde estará Rosalina. Você entra então de penetra lá para vê-la, mas acaba conhecendo Julieta. Romeo se encanta com ela e os dois trocam juras de amor depois da festa na famosa cena do balcão.

- Vê que sua história tem falhas, pois eu não me enamorei de Julieta. – Romeo rebateu enquanto andava de um lado a outro.

- Minha vinda aqui atrapalhou isso. Era para você se apaixonar por Julieta e não por mim.

- Se eu tivesse trocado juras de amor com a Capuleto, o que aconteceria em breve? – Romeo perguntou.

- Por intermédio da ama de Julieta e da ajuda de Frei Lourenço, vocês se encontrariam na igreja às escondidas para se casarem antes que Julieta se case com o Páris. Depois disso, Mercúcio e Benvólio encontrariam Tebaldo. Vai haver uma luta e Mercúcio morre. Romeo se enfurece e se vinga, matando o Capuleto. Com isso você é expulso de Verona sem poder levar Julieta. O Frei então tem a ideia de dar a Julieta uma poção que faça com que pareça morta para poder uni-la ao marido. O problema é que ele não consegue avisar Romeo do plano e o jovem ouve que a amada morreu. Romeo volta para Verona e arruma um veneno decidindo que vai morrer também. Ele luta com Páris no cemitério e vê o corpo de Julieta. Bebe o veneno e morre ao lado dela. – Bianca respirou fundo – Ela acorda e vê o amado morto. Desesperada, pega uma adaga e a crava no peito morrendo em seguida. As duas famílias ficam tão abaladas com a morte dos dois que fazem as pazes. Resumindo a história é isso. Sinto muito.

Romeo se sentou no colchão. Ele estava branco como cera. Bianca mordeu o lábio sem saber o que fazer. Tinha passado dos limites. Essa mania dela de ser direta demais tinha esse efeito. Olhou para o Frei pensando em pedir ajuda. Observou que ele analisava seu livro 1808. Bianca se levantou e parou em frente ao jovem Montecchio. Tocou o ombro dele com cuidado e se entristeceu com o olhar que viu no rosto dele. Romeo parecia sofrer muitíssimo. Até parecia querer chorar.

Ficou surpresa quando Romeo a puxou para um beijo apaixonado. Ele a deitou na cama como faziam naqueles filmes antigos e se inclinou sobre ela mantendo-a presa enquanto a beijava. Bianca ouvia as exclamações do Frei, mas não podia fazer nada e, no fundo, nem queria. Ela o abraçou em retribuição e começou a aproveitar o beijo. Deixou que a língua dele invadisse sua boca e saboreou o gosto dele.

Romeo se afastou ofegante e se levantou da cama. Bianca se sentou devagar sem conseguir separar seus olhos dos do jovem Montecchio. Frei Lourenço estava para ter um infarto ali mesmo, mas para os dois não havia mais ninguém além deles. Romeo a fitava com intensidade.

- Não me importas de onde vieste ou o que dizem sobre minha história. Não é Julieta a dama de meu coração e sim você doce Bianca. É a ti que farei meus juramentos de amor e não a ela. Lutarei contra o vil destino se preciso for para mantê-la ao meu lado por todo o sempre.

Bianca o fito de boca aberta. Como fazer o teimoso entender?

- Não escutou o que eu disse? Você é um personagem de um livro. De um livro! Não pode alterar o enredo. Você vai se apaixonar pela Julieta, só que isso deve demorar mais um pouco já que eu estou aqui! – Bianca protestou.

- Oh, parem já vocês dois! Ainda estão nos domínios da casa do Senhor! – Frei Lourenço exclamava indignado e vermelho de raiva. Romeo fechou a distância até Bianca com dois passos. Tomou a mão dela e a colocou sobre o peito.

- É por ti que meu coração está descompassado e não por Julieta. É a sua imagem que meus sonhos evocam e é a ti, e somente a ti, que meu amor responde.

- Ah, qual é! Você me conheceu ontem! Não pode estar tão apaixonado assim! – Bianca falou jogando os braços para o alto em frustração.

- Vocês dois trazem o pecado para dentro da Igreja! – Frei Lourenço exclamou.

- O que é o amor senão insensatez. – Romeo se ajoelhou diante de Bianca – Os ditames do coração não são seguidores da lógica. O amor não é racional para ser explicado em palavras. Ele deve ser apreciado com gestos e ações, com carícias e com beijos.

- E já falam de beijos dentro de território imaculado! – o frei andava em volta dos dois.

- E lá vamos nós começar com os sonetos! – Bianca resmungou – Eu não posso ser a sua companheira! Primeiro que eu nunca estive na história. Eu nem sou italiana! Sou brasileira. Sou carioca! E sou do século XXI. Quatrocentos anos e uma peça de teatro nos separam!

- Arrependei-vos de suas ações pecaminosas na casa de Deus. – o frei resmungou andando de um lado a outro.

- Entretanto estais aqui. Aqui! – Romeo exclamou e colocou a mão dela em seu rosto. Fechou os olhos apreciando o toque – Sinto o calor que sua pele suave emana e sei que podes me sentir também! O teu perfume embala meus sonhos, sua beleza enche meus olhos, o teu calor faz minha pele arrepiar e sua presença desespera meu coração. Amo-te, Bianca. Faço-o em desespero. Soube que nossos destinos estavam traçados desde que seus olhos se encontraram com os meus naquele baile.

- Não fale em destino! – Bianca reclamou.

- Bem eu já sabia que me arrependeria dessa ação impensada! – o Frei reclamou.

- Que não foi senão o destino que insistiu em nos pôr juntos, ignorando a história de seu livro? Deves ser minha, Bianca. Essa é a verdadeira história. Talvez minha bela dama também seja personagem de algum romance belo. – Romeo disse se erguendo e mantendo as mãos de Bianca entre as dele.

- Isso que não! Eu tinha uma vida muito clara antes de vir aqui! – ela respondeu.

- Também eu hei tido uma vida inteira. – Romeo respondeu – E todos os acontecimentos perderam importância e se tornaram sombrios a meus olhos depois que te conheci. Dizei, Bianca. Dizei em voz alta que não apreciaste nosso beijo de amor.

Bianca abriu a boca para responder, mas não saiu palavra. Voltou a fechá-la e olhou para o frei. Ele estava falando tanto antes e não tinha nada a dizer naquele momento? Ela voltou a fitar o Romeo. Ele parecia querer sorrir a cada segundo que ela demorava em responder.

- Eu... Eu não te amo. – ela disse por fim. O sorriso dele murchou aos poucos deixando uma expressão desesperada em seu lugar. O Frei olhava de um para outro sem palavras. Romeo apertou muito os olhos e Bianca até chegou a pensar que ele choraria. Começou a se sentir mortalmente culpada. O jovem Montecchio deu uns passos para trás e saiu do quarto como se fugisse do mal encarnado. Bianca deixou-se cair sobre a cama e apoiou o rosto nas mãos. Ela não deveria ficar com Romeo. Então por que se sentia tão mal?


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