Romeo, Julieta E Bianca escrita por EstherBSS


Capítulo 5
O amor de Romeo




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O Amor de Romeo

Verona

1591

- Bom dia, meu bom padre. – Romeo cumprimentou Frei Lourenço ao entrar.

- Benedicite! Quem me fala a essas horas! Como? Disse te algo ruim o coração tão cedo? Por tudo isso em tua aparência, assim, me assegura que algo escondes na tua postura. Ou então direi, se acaso em erro estou, que esta noite Romeo não se deitou.

- Sim. Não encontrei repouso esta noite.

- Oh, sim. Vê-se que ficou a pensar novamente em Rosalina. – Frei retorquiu cansado.

- Rosalina, bom padre? Eis que nem me recordava esse nome. Tenho esquecido essa palavra e a dor adjunta.

- Assim é melhor, meu bom filho. Dize então o que lhe tira o sono.

- Vou te contar, pois permissão me deste. Fui a casa de nosso inimigo onde meu coração foi ferido. E agora estou em desespero porque não conheço remédio para sofrimento como o meu.

- Sejais claro; A confissão por enigmas não chega à absolvição!

- Estou apaixonado como nunca estive. Amo a moça, mas não sei onde a posso encontrar. Ela estava em festa dos Capuleto, mas é certo que não é uma deles. É uma dama como nenhuma outra que é capaz de atacar a um homem feito e sair correndo como uma gazela logo depois. – Romeo adquiriu um ar sonhador enquanto falava – Ela tem a voz de um anjo, mas age de forma diferente das outras moças. Passei a noite em claro pensando se ela é mesmo real ou fruto da confusão de minha mente. Estou arrasado, Frei. Amo-a.

- Vejo que nada aprendeste com Rosalina. Pelos céus! Rosalina antes tão adorada agora é depressa posta no esquecimento!

- Censuravas meu amor.

- Censuravas a intensidade com que se finava.

- Mandaste-me enterrar esse amor.

- Mas não para fazer nascer a outro.

- Não posso resistir, frei. – Romeo levantou e caminhou em círculos – Vê-se que ela é bela. Embora Benvólio diga que há moças muito mais bonitas, não há comparação a meus olhos. É um amor que vai além da beleza. Ele reside nas maneiras dela, em sua voz de anjo, em suas falas apressadas...

- Falas apressadas? – Frei Lourenço perguntou franzindo o cenho.

- Sim, bom padre. Veja que ela não monta frases como nós costumamos fazê-lo. Sempre diz claramente o que tem a dizer sem perder tempo com floreios. Se está zangada, diz que está assim e pronto.

- Achei que admirasse os versos poéticos da nobreza.

- Até ver a decisão e a praticidade naquela voz divina. Ela me encanta. Tira-me o fôlego e nem sei onde procura-la agora. Parece até que é um espírito enviado para me tentar.

- Não blasfemes na casa do senhor. E a dama corresponde ao teu amor?

- Não sei lhe dizer, Frei.

- Como que não sabes?

- Dancei com ela no baile e jurava que ela gostava de estar em meus braços. Deixei palavras doces tocarem seus ouvidos e ela me mandou encontrar Julieta.

- Julieta?

- A filha dos Capuleto. Não entendo. Ela me olha quase com o mesmo ardor que eu, mas logo tenta me afastar a todo custo.

- Ó. – o frei procurou um banco para se sentar branco como cera. Romeo, percebendo o nervosismo do frei, tratou de ampará-lo.

- Sente-se bem, padre? É preciso que traga vos ajuda?

- Estou decidindo qual pecado é menos mortal para que a minha alma carregue. Sinto-me dividido entre o carinho que tenho por ti e o segredo de confissão.

- Agora sois vós que não fala com clareza. Não vos compreendo. – Romeo se abaixou perto do frade.

- Acredito que compreendo em parte o seu sofrimento e lhe garanto que ele não é de todo infundado. Vês que não posso lhe contar. Então farei diferente. Darei a ti vinte minutos para encontrar o que procuras.

- O que estás tentando me dizer, padre. – Romeo se levantou confuso – A única coisa que procuro agora é o calor dos braços de minha doce Bianca.

- E vejo que já sabes o nome dela.

- Falas como se a conhecesse também.

- Verdade que a conheço. – Frei Lourenço concordou – Ide, filho. Vinte minutos. Seu amor o guiará.

- Não pode estar a insinuar que... – a compreensão atingiu Romeo como uma bomba. Ele sorriu animado.

- Vinte minutos contados, filho. Sinto que já vou me arrepender.

Romeo saiu em disparada para os aposentos da Igreja. Procurou em todas as salas eclesiásticas com ardor. Até no local de repouso do Frei ele procurou. Pensou nas galerias que havia abaixo da igreja. Correu para lá. Com medo e ansiedade empurrou a pesada porta de madeira. Seu coração deu um salto dentro do peito ao vê-la deitada dormindo. Era ainda mais bela de dia como se isso fosse possível. Aproximou-se quase em reverência a algo sagrado. Com cuidado, se ajoelhou ao lado da cama. Ela levava os braços nus e vestia a mesma roupa com que ele a vira no dia anterior pela manhã. Eram trajes muito estranhos para ele. Colavam ao corpo mostrando as curvas tentadoras da moça. E ela usava calça como os homens.

Percorreu a pele com as mãos, mantendo o toque suave. Ela não esboçou nenhuma reação e ele continuou. Tocou o rosto da moça com carinho, afastando alguns fios de cabelo. A pele era alva, mas a cicatriz na testa se pronunciava quase como uma mácula abominável. Romeo sentiu extrema vontade de depositar ali um beijo para espantar qualquer má lembrança com o seu amor. Sim, a amava. Não podia mais parar de pensar na moça. Sua Bianca era perfeita. A mais bela criatura que já vira e a mais interessante também.

A pele foi suave contra sua boca. Quente também. Quente em demasia. Romeo se afastou preocupado. Tocou o rosto de sua amada com cuidado e devoção. Ela ardia em febre. Buscou a jarra de água e molhou seu próprio lenço. Voltou a cama e se pôs a lutar contra a febre pela saúde de sua amada. Romeo estranhou o silêncio de sua amada. Colocou a cabeça em seu peito e sorriu ao ouvir os batimentos.

- Já estás aproveitando para abusar da inocência da moça! – Frei Lourenço comentou indignado a chegar ao quarto.

- Juro por minha honra que jamais pensei em lhe fazer mal algum. Corto minha mão antes de tocá-la com mau intento. Bianca está fervendo com a febre. Está doente por um acaso? Não consigo acordá-la.

Frei Lourenço se aproximou e confirmou a febre com a mão.

- Estava muito nervosa ontem e lhe dei uma poção para o sono. Enquanto isso, trataremos essa febre.

- Como conheceste minha Bianca, padre? – Romeo perguntou enquanto acariciava o cabelo da mulher deitada.

- Encontrei-a na via das flores. Fugia também da casa dos Capuleto. Acredito que Tebaldo, sobrinho da senhora Capuleto, esteja interessado na moça.

- E lá vão os malditos Capuletos a interferirem em minha vida. Às vezes eu consigo entender essa rixa entre nossas famílias.

- Vá que esse ódio já foi longe demais. Não deve alimentar esses sentimentos, filho. – Frei Lourenço se aproximou da cama e pediu ajuda a Romeo para fazer Bianca beber um chá – Uma história muito estranha esses meus velhos ouvidos escutaram ontem à noite. Deve conversar com a moça quando ela acordar.

- É certo que o farei em breve já com o intento de lhe conseguir a mão em matrimônio. Falarei também a meu pai.

- Deve conversar com a moça primeiro e ver a que ela vem.

- Eis que tenho pressa, padre. Necessito-a.

- Prudência, jovem Romeo. Quem mais corre, mais tropeça.

- Levarei o assunto ao meu pai e verei sua posição. Virei à noite para falar a ela.

- Não é certo incentivar encontros que a noite esconde dentro dos domínios santos da igreja.

- Juro por minha alma que não lhe desejo fazer mal. Apenas necessito vê-la e ouvir sua bela voz. Isso é para mim mais importante que o sangue que corre em minhas veias de homem mortal.

- Que seja, filho inconsequente. Entre pela porta debaixo da ponte e não permita que lhe vejam durante sua incursão.

- Sejais abençoado, meu bom Frei Lourenço. Voltarei a noite sem falta para ver minha bela Bianca. – Romeo sorriu e se inclinou para beijar a cabeça de sua amada. Alegre, partiu.

O jovem Montecchio caminhava pela rua de alma muito mais leve quando avistou seus dois amigos. Aproximou-se a tempo de ouvir parte da conversa. Benvólio lhe sorriu com olhos acusadores e disse:

- Signor Romeo, bom dia! Esta noite passaste nos uma bela moeda falsa!

- Bom dia para ambos. Que moeda falsa vos passei?

- A de vila-diogo[1]! Ouviste-me bem? Vila-diogo! – Mercúcio respondeu inflamado.

- Perdão, meu Mercúcio, mas o negócio que tinha em mãos era por demais importante. Nesse caso, acredito ser lícito forçar um pouco a cortesia.

- Já nós somos forçados a dobrar a perna e correr. – Mercúcio rebateu sem perder tempo.

- Sim, por cortesia. – Romeo respondeu com extremo bom humor.

- Rebates-me com muita galanteria. – Mercúcio disse debochado.

- E também com muita cortesia. – Romeo sorriu ainda mais diante da cara irritada do amigo.

- Ora que já vejo o que tens! – Mercúcio sorriu de canto – Já andas a suspirar de amor! Mas agora só se revelas sociável! Esse teu amor vive a te trazer problemas. Porque esse teu amor disparatado é tal qual um grande idiota que corre a cambalear por aí tudo, para, no fim, esconder sua bugiaria em qualquer buraco.

- Pára aí! – Benvólio interrompeu – Cessai essa discussão sem pé nem cabeça.

- Olhe-o, Benvólio! – Mercúcio insistiu – Veja seus olhos animados. No creio que Rosalina tenha lhe aceitado então é suposto que tenha encontrado amor nos braços de outra.

- Eis aí um assunto retesado, senhores. – Romeo respondeu dividido entre a vontade de contar a verdade e a de proteger sua dama da curiosidade alheia.

Uma serva idosa e uma menino andaram até o grupo. Mercúcio recebeu a senhora com um comentário mal criado por ela tentar cobrir o rosto com um leque. A mulher não perdeu tempo e tentou rebater a fala dele. Ficaram uns instantes assim a pilhar um ao outro até que ela perguntou:

- Mas e então, cavalheiros? Podereis me dizer onde posso encontrar o jovem Romeo?

- Posso. – Respondeu Romeo – Eis me aqui em carne e osso embora minha alma esteja longe presa a uma outra.

- Se és mesmo o jovem Romeo, desejo ter contigo uma conversa particular. – a senhora falou.

- Óh, por certo que se trata do convite para alguma ceia. – Benvólio respondeu alegremente, mas Mercúcio riu.

- Ou certo que o interesse é de um encontro às escuras. Uma alcoviteira, já o digo! Ha. Uma alcoviteira! – o rapaz exclamou para a irritação da mulher.

- A que vos parece isso? – Romeo perguntou à parte para os amigos.

- Um engodo. Cuidado com o enredo dessa falsa lebre. – Mercúcio respondeu sorrindo de suas próprias palavras. Benvólio ergueu os olhos pedindo paciência – Ah, hei que vamos jantar na casa de teu pai esta noite. Encontramo-nos lá, fica claro?

- Acertado que seja. Ides na frente que já vos sigo. – Romeo respondeu e esperou os amigos se afastarem para falar à senhora.

- Alegro-me que já o tenha ido. – a mulher respondeu – Por obsequio, senhor Romeo, quem é esse desavergonhado que só traz velhacarias na cabeça?

- É um cavalheiro, senhora, que tem prazer em ouvir a própria voz. E sem tento na língua para ser capaz de em vinte minutos prometer ações que não cumprirá nem em uma vida! – Romeo respondeu sorrindo.

- Sujeito à toa! Encolerizei-me a tal ponto que estou a tremer! – a mulher respondeu e seu rosto estava vermelho de indignação.

- Mas que vos envia para falar a mim? – Romeo perguntou.

- Minha senhora me enviou a falar a ti. Ela deseja se desculpar pelas amargas palavras que endereçou a ti ontem.

Romeo segurou o braço da mulher e a puxou para um canto da rua.

- Estás a falar de Julieta Capuleto? É esta a sua senhora?

- Por certo que és. Ela se envergonha das cousas ditas a sua pessoa. Está em sofrimento pensando que a odeia e pede que releve as palavras amargas que pronunciaste.

- Diga a sua senhora que relevo neste momento o que mo foi dito. Não tenho nenhum sentimento negativo em relação a ela e não desejo de modo algum alimentar o ódio que consome nossas duas famílias.

- Então não lhe guarda rancor? Está muito bem então. – a ama sorriu satisfeita – Minha pobre menina tagarela não para de traçar elogios a tua pessoa. Suspira a todo canto depois do baile de ontem. É certo que pede também para encontra-lo amanhã no jardim a duas casas dos Capuletos. Posso afirmar a ela que irá?

- Não me decido se isso é realmente aceitável, boa ama.

- Deixe que minha senhora em pessoa lhe peça desculpas. Isso a deixaria por demais feliz. Não lhe guarda rancor, certo?

- É certo que não guardo sentimentos negativos em relação a sua senhora. Pois bem. Aceitarei o convite. Que ela esteja lá entre o primeiro e o segundo canto da cotovia. É bem cedo para que não haja movimento na rua. Aceita isso pelo trabalho. – Romeo estendeu umas moedas para a mulher.

- Levarei o recado sem demora. – a senhora respondeu – Não. Não aceitarei nenhuma moedinha.

- Vamos. Aceita que estou dizendo!

- Não, senhor. Estará lá, certo. Amanhã cedo.

- Certo que estarei.

- Passar bem então, senhor Romeo. Que o bom Deus o guarde em seu caminho. – a ama se despediu com um floreio antes de sumir pela rua.

O jovem Montecchio voltou a guardar suas moedas e seguiu em direção à sua casa. Tinha ainda que tratar de certo assunto com seu pai.




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Notas finais do capítulo

[1] Dar às de vila-diogo significa se safar ou fugir. Algo que diziam a muito, muito, muito tempo atrás.