Romeo, Julieta E Bianca escrita por EstherBSS


Capítulo 2
As duas famílias inimigas




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As duas famílias Inimigas

Verona

1591

Bianca tocou a testa e gemeu de dor. Parecia sentada contra alguma coisa dura. Imaginou se era o banco do ônibus. As cenas do acidente voltaram à sua mente. Ouviu passos de pessoas correndo. Abriu os olhos e piscou até conseguir focar alguma coisa. Homens passaram correndo na frente dela com paus e pedras. Ela olhou em volta e deixou o queixo cair ao olhar o lugar. Onde diabos estava? Cadê os carros? cadê os prédios? Ela abriu ainda mais a boca na hora em que homens à cavalo passaram trajando armaduras.

Era impressão sua ou eles falavam italiano. Pelo menos podia entende-los. Sendo uma Balistieri, descendente de imigrantes italianos, ela acabara aprendendo o idioma. Tentou se levantar. Tinha sangue seco em sua testa, mas fora isso, nenhum ferimento grave. Manteve-se perto da parede tentando não ser vista. As pessoas se aglomeravam na rua de pedras e Bianca tentou olhar para o meio da bagunça. Alguém discursava. Tentou se concentrar no discurso.

- ...que profanais vossas espadas no sangue dos vizinhos...

Bianca franziu o cenho. Por que se sentia como se estivesse em algum filme medieval?

- Sob ameaça de tortura, jogai das mãos sangrentas as armas para o mal, só, temperadas, e a sentença escutai de vosso príncipe irritado. Três vezes essas lutas civis, nascidas de palavras aéreas, por tua causa, velho Capuleto, por ti, Montecchio, a paz de nossas ruas três vezes perturbaram. Os provectos cidadãos de Verona, despojando-se das vestes graves que tão bem os ornam, nas velhas mãos lanças antigas brandem, vosso ódio enferrujado. Se de novo vierdes a perturbar nossa cidade, pela quebrada paz dareis as vidas.

Bianca parou de prestar atenção, chocada. Ela tinha mesmo ouvido Capuleto e Montecchio? Colocou a mão na boca se impedindo de gritar. Ela não poderia estar em Verona na história de Romeo e Julieta, não é mesmo? Seus olhos demonstravam pânico. Procurou o colar da cigana. Estava lá do mesmo jeito. Sua bolsa ainda estava com ela e usava suas roupas do século XXI.

- A maldição... – sussurrou e tentou não entrar em pânico. Viu as pessoas se dispersarem e procurou um esconderijo. Alguma coisa em seu íntimo dizia para se esconder e ela obedeceu sem questionar.

Quando a rua voltou a se esvaziar um pouco, ela saiu do beco onde se enfiara. Assim que colocou o pé na rua, um senhor idoso de cabelos brancos com um porte elegante, mas com dificuldade de andar apareceu. Voltou depressa para o seu esconderijo e esperou. Ele andava com uma senhora e ambos usavam as cores azul e branco. Um homem correu até eles e chamou o senhor de Montecchio. Bianca olhou curiosa. Ele era o pai do Romeo? Seria ele mesmo? O original?

Virou, pensando em sair pelo outro lado do beco. Andou de costas tendo certeza que não era seguida e se voltou rapidamente. Bateu em alguém do outro lado da rua. Iria cair para trás quando duas mãos fortes a seguraram. Ela abriu os olhos assustada e se deparou com os dois olhos verdes mais verdes que já tinha visto. Também havia surpresa naquele olhar. Havia outra pessoa que parou de falar aos poucos.

- Dá liberdade aos olhos; Examina outras bele...

Bianca nunca tinha visto homem mais bonito. Talvez apenas Jensen Ackles ou Henry Cavill, mas nunca os vira pessoalmente então eles não contavam. Sentiu as pernas tremerem levemente. Espalmou as mãos sobre o peito do homem irresistível pensando em afastá-lo. Má ideia. Assim que o tocou, suas pernas tremeram ainda mais. Bianca imaginava que devia estar olhando o com olhos arregalados e com a boca aberta. Ele também pareceu surpreso com o toque dela.

- Estás ferida! – o homem exclamou olhando o sangue seco em seu rosto.

- Dizei-nos bela dama qual o vil homem que a injuriaste. – o outro homem falou embora ela não conseguisse desviar os olhos do rosto a sua frente para ver quem lhe falava. Tentou se soltar sem muito sucesso.

- Solte-me! – ela pediu em uma voz fraca. Viu o homem franzir o cenho e entendeu que tinha falado em português. Repetiu a ordem em italiano e ele pareceu surpreso. Bianca estava ficando agitada. Sentia que não deveria estar ali. Chutou a canela do homem, se virou e saiu correndo em disparada.

- És verdade que uma moça miúda daquela há lhe feito dano, Romeo?

- Não se ria da minha desventura, Benvólio! – o homem protestou já perdendo a mulher de vista – Nunca hei visto mulher como aquela. E estava ferida. Provavelmente o dano tem lhe afetado a mente.

- Usava roupas estranhas, a tua dama.

- Ela não é minha dama, Benvólio. O cupido se nega a acertar meu verdadeiro amor.

- Por obséquio, senhor. – Romeo e o amigo encararam o criado que se aproximava – Sabeis ler?

- Sei sim. – Romeo respondeu com um sorriso triste – Minha miséria e minha própria sorte.

- Entendo, senhor. Falais com honestidade. Passai bem. – o criado fez menção de se retirar, mas Romeo o chamou de volta.

- Espera aí, rapaz. Sei ler. – Romeo tomou o papel e recitou os nomes da lista. Rosalina era mencionada no papel – Belo conjunto. A que se deve isso?

- Vou dizer-vos já que mo pergunteis. São os convidados de meu amo para o baile de máscaras.

- Com efeito; é o que deveria haver perguntado em primeiro lugar. Quem é o seu amo?

- Meu senhor é o grande e poderoso Capuleto e, se não fordes da casa dos Montecchio, penso que também vades esvaziar uma taça de vinho. Tenha um bom dia, senhor!

Benvólio bateu no ombro de Romeo enquanto olhava o criado se afastar alegremente.

- Nessa tradicional festividade dos Capuleto ide cear a tua formosa Rosalina juntamente com as outras beldades de Verona. Vai também, e com olhos imparciais compara o rosto dela com o de quantas eu te mostrar por lá, que sem estorvo, verás teu cisne transformado em corvo.

- Irei; não para ver tal resplendor, mas para me ofuscar em meu amor.

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Bianca só tinha corrido tanto na vida no dia em que competira nas Olimpíadas da escola. Pelo menos, continuava boa corredora já que ninguém a perseguia. Algumas pessoas tinham se escandalizado ao vê-la, mas a rua em que se achava agora era deserta o suficiente para que pudesse descansar.

Sua mente era uma confusão completa. Ainda se recusava a acreditar que estava em Verona e precisamente dentro da história de Romeo e Julieta. Sentou-se na porta de uma casa e tentou respirar novamente. E quem tinha sido o homem maravilhoso que ela tinha encontrado? Aquilo sim era um pedaço de mal caminho. Era bonito, era forte e tinha um olhar sedutor. Rafael deveria se envergonhar só de ficar perto.

Aquilo fez sua cabeça doer. Rafael não estava perto. Ela não estava perto de ninguém. Não estava mais no Rio e nem no seu país. Gemeu de frustração. O que iria fazer agora? Já sabia como a história de Romeo e Julieta acabava. Os dois morreriam sem que ela precisasse interferir.

Olhou em volta. Estava mesmo em Verona? Apoiou a cabeça na porta da casa com desalento. Estava dolorida, cansada e com fome. Fora, é claro, o fato de estar perdida dentro de uma história de Shakespeare. Tentou puxar a história pela memória. Começava com a briga na praça. Seria aquela que ela presenciara? Então, o homem que a segurara... Não. Aquele não poderia ser o Romeo. Ou poderia?

O que ela deveria fazer? Devia estar ali por uma razão. Só precisava saber qual e então poderia ir embora. Era assim nos filmes. Bianca se levantou e esticou o corpo. Parecia que tudo nela estalava em dores. Já pensava em qual seria seu próximo passo quando a porta atrás dela abriu e alguém saiu falando alto. Era voz de homem. Ele bateu contra as costas dela e a derrubou no chão. Bianca gemeu. Estava batendo em homens demais naquele dia.

- O que fazes em frente a minha porta? – o homem parecia zangado. Bianca tentou se levantar quando ouviu um som de surpresa – Óh, acaso os anjos depositaram esse tesouro em frente aos meus olhos? Perdoe-me senhorita pela grosseria que ei-lo feito.

Bianca olhou para o homem, confusa. O que o sujeito estava tentando falar? Essa mania de falar poeticamente estava começando a irritá-la. Ele era um pouco moreno. Tinha cabelos negros e olhos castanhos. Era bonito...de um jeito meio rude.

- Já vou sair de sua porta, senhor.

- Estás ferida! – ele disse, tocando o rosto dela – Diga-me quem tem lhe feito mal e o cortarei com minha espada! – o homem se virou para o criado que estava parado na porta e disse – Traga minha espada, pois devo vingar a honra de uma dama.

- Carece não. – Bianca falou limpando a poeira da roupa – Já me vou.

Ótimo, ela pensou, já estou começando a falar que nem esses loucos. Caminhou apressadamente para sair dali. O homem correu e se ajoelhou em frente a ela. Ele tomou a mão dela com delicadeza.

- Perdoa este estúpido que não soube lhe tratar com a verdadeira devoção que merece um anjo. – ele disse e Bianca ergueu a sobrancelha em um movimento aristocrático. Os homens tinham desaprendido muita coisa desde a época da renascença – Precisas de cuidados, bela dama. Suplico-lhe a chance de trata-la. Nenhum vilão ousará ameaçar uma dama sob a proteção dos Capuleto!

- Capuleto? – Bianca puxou a mão depressa e olhou a casa. Era uma casa muito elegante mesmo, mas tinha que ter ido parar logo ali! Parecia que o destino estava se divertindo à custa dela. Seu destino é forte. Lembrou-se das palavras da cigana.

- Sim. Tebaldo Capuleto e seu mais fiel servo. – ele fez uma reverência ainda permanecendo de joelhos. Observando o choque no rosto dela, estreitou os olhos e perguntou – Oh, pelo amor dos céus, diga que não é uma Montecchio? Nosso destino de morte já estaria traçado nesse exato momento!

- Não! Não, não, não, não! – ela entrou em desespero. Sabia bem o que acontecia entre as famílias inimigas na história de Shakespeare – Sou uma Balistieri.

- Os Balistieris da vinícola? – Tebaldo perguntou já abrindo o sorriso. Qualquer mulher que não fosse uma Montecchio estava boa para ele. Principalmente uma tão bonita e com tamanha decisão na voz.

- Não. Balistieris de um outro país. De um país muito, muito, muito, muito distante mesmo. – seus antepassados tinham que ser logo de Verona? Com tanto lugar na Itália? Tentou pensar em uma desculpa para estar ali. Pensou em distraí-lo com outra coisa enquanto bolava uma razão – Sou Bianca Balistieri. Já que se mostras tão prestativo, poderia deixar que eu cuidasse de meus ferimentos? Creio que demorarei um pouco para voltar para casa.

- Jamais negaria auxílio a uma dama necessitada! – Tebaldo levou a mão ao peito – Minha casa é sua assim como meus criados.

- Agradeço, senhor.

- Tebaldo. Chame-me apenas de Tebaldo. – ele falou enquanto a levava para dentro da casa e chamava os criados para que a ajudassem.

- Continue sendo bonzinho assim e eu pensarei em seu caso, senhor Capuleto. – ela disse fazendo com que ele sorrisse pelo desafio.

Quando chegou ao quarto, a tina de água quente para um banho já estava preparada. As empregadas eram outras que deviam ter desaprendido algumas coisas desde a renascença. Suas roupas foram tiradas como se fossem parte de um tesouro precioso. E pensar que as tinha comprado em um brechó.

- Ó Deus maravilhoso. – exclamou ao entrar na água quente – Como isso é bom!

- Onde se machucou, senhora? – uma das empregas perguntou. Bianca estranhou tomar banho com outras mulheres perto, mas apreciava ter alguém esfregando suas pernas, braços e costas com gentileza.

- Senhorita. – Bianca corrigiu a mulher – Não sou casada. Sofri um acidente. É o que eu me lembro. E então acordei aqui nessa cidade.

Ouviu as mulheres ofegarem em choque. Abriu os olhos. Elas pareciam realmente assustadas com o que tinham ouvido. A mais velha molhou uma toalha branca e a usou para limpar o ferimento.

- Pobre criança. Está segura agora. Tem a proteção dos Capuleto. Tudo ficará bem.

- Queria estar tão certa. E não sou criança. Eu tenho vinte e dois anos. – Bianca respondeu.

- É viúva, senhora? – a mais nova perguntou e recebeu olhares mortais das outras.

- Não. Eu nunca me casei. – Bianca respondeu confusa. Diante do olhar sem graça das outras entendeu o que elas pensavam – Oh, não pensem que sou solteirona ou algo do tipo. Acontece que as mulheres se casam mais tarde no lugar de onde eu vim.

Elas pareceram satisfeitas com a resposta. O banho foi relaxante. As mulheres a ajudaram a se vestir em uma daqueles vestidos de época e ela se observou no espelho. Estava se sentindo uma princesa de conto de fadas. Tebaldo entrou no quarto junto de uma mulher. Ele parou de boca aberta enquanto a outra dizia.

- As criadas me contaram tua triste sina, minha querida. Sou a mãe de Tebaldo.

- É um prazer conhecê-la, senhora. – Bianca inclinou a cabeça. Não sabia fazer reverência e fazer uma errada era pior do que não fazer nenhuma – Agradeço pelos cuidados que tiveram comigo, mas não é preciso tamanha preocupação. Peço um lugar para dormir a noite e partirei em seguida.

- Pretendeu deixar-nos? – Tebaldo perguntou interessado. Interessado demais agora que Bianca parava para pensar.

- Eu tenho uns assuntos a resolver. Agradeço mesmo os cuidados, mas tenho que ir.

- Ó doce Bianca, por que paga nossa preocupação com a fuga? – Tebaldo falou – Permanece em nossa companhia por mais um tempo. Ide conosco no baile que o senhor Capuleto dará hoje e depois pensas em irdes.

- Sim, Bianca. Venha conosco ao baile. Arrumaremos uma linda máscara para ti.

- Um baile de máscaras? – Bianca perguntou e uma sirene tocou em sua cabeça quando a mulher concordou. Era o baile onde Romeo conhecia Julieta. Algo dentro dela implorou para estar lá – Acho que não há problema em ir.


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