Romeo, Julieta E Bianca escrita por EstherBSS


Capítulo 1
Confie no destino




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Confie no destino

Rio de Janeiro

2012

Bianca olhava para o relógio de cinco em cinco segundos. Se tudo desse certo durante a noite, ela não teria que passar o Dia dos Namorados sozinha. Faltava apenas dez minutos para o fim do expediente. Ela trabalhava na redação do jornal “A noite” e estava terminando a sua matéria sobre os bueiros explosivos do Rio de Janeiro. Tinha apenas 22 anos, mas já tinha terminado a faculdade e já tinha deixado de ser estagiária. Só não conseguia manter um namorado por muito tempo, mas isso iria acabar hoje.

Depois do trabalho, ela encontraria o namorado para que eles resolvessem o que havia entre eles. Rafael tinha pedido “um tempo” alegando que o relacionamento era muito intenso para ele. Bianca mordeu a ponta do lápis enquanto olhava o relógio. Ele mesmo tinha ligado para ela pedindo que os dois se encontrassem. Bianca estava animada. Afinal, para que ele a chamaria se não fosse para reatar o relacionamento. Ela gostava dele, ele era legal, divertido e bonito. Havia momentos em que era um pouco imaturo, mas ela podia viver com isso. O relógio acusou seis horas e ela se levantou com pressa. Karina riu para a amiga quando ela passou correndo.

- Não se esqueça de usar a blusa vermelha! – gritou e recebeu um sorriso de volta antes que a outra saísse da redação.

Em casa, Bianca passou horas se arrumando. O banho foi demorado, mas serviu para acalmá-la um pouco. Ficou em dúvida sobre que roupa usar. Podia seguir o conselho de Karina e usar seu tomara que caia vermelho ou poderia escolher algo mais comum. Rafael a conhecia. Ele saberia que a roupa vermelha seria uma tentativa de seduzi-lo. Acabou decidindo por uma calça jeans confortável com um bota curta. Colocou uma bata branca como o desenho de uma menina e terminou com um coletinho roxo. Achou que estava bem o suficiente e olhou o relógio.

- Ai, caramba!

Estava atrasada. Se não corresse, não conseguiria chegar a tempo. Muito mais considerando a lerdeza dos ônibus. Pegou a bolsa que sempre usava. Não gostava daquelas bolsas minúsculas. Na verdade, gostava de apenas uma bolsa que era a que ela usava para tudo. Era uma marfim, com detalhes de metal que ela levava com a alça cruzando o peito. Pegou a bolsa, conferiu a maquiagem e o cabelo no espelho e saiu de casa.

Como sempre havia engarrafamento, ela chegou sete minutos atrasada. Rafael já estava lá e pela cara dele, não estava feliz. Os dois tinham marcado para se encontrarem em um barzinho na Lapa que Rafael adorava.

- Olá. – Bianca falou alegremente. Esperava que ele não se importasse com o atraso. Sabia que Rafael era extremamente pontual, coisa que ela não conseguia ser.

- Olá. – ele respondeu e olhou o relógio de modo explícito. Bianca mordeu a língua para não dizer o que veio a sua boca e pegou o menu. Não seria bom começar já com uma briga.

- Já fez seu pedido? – ela perguntou inocentemente.

- Só a bebida. Não vou ficar muito tempo. – ele respondeu seco. Bianca olhou para ele por cima do cardápio. Rafael estava olhando para o lado onde uma mulher cigana lia as mãos dos pedestres que passavam. Bianca procurou por algo que denunciasse o real significado da fala dele. Ele tinha as sobrancelhas um pouco juntas, mas fora isso não havia nenhum traço de emoção.

O bar estava animado. Tinha muita gente tanto do lado de dentro quanto nas mesas colocadas na calçada. Teria ainda mais no outro dia por causa do feriado. Bianca analisou as outras pessoas. Elas estariam tão para baixo quanto ela se sentia agora? Provavelmente não. A maioria devia estar ansiosa com o dia dos namorados no outro dia. Rafael pigarreou atraindo a atenção de Bianca.

- Bia, eu te chamei porque precisamos resolver a nossa situação.

Ela permitiu que um leve sorriso surgisse em seu rosto e pôs o cardápio de volta sobre a mesa.

- Foi o que você disse ao telefone. – jogou o cabelo para o lado do modo que ele sempre gostara. Também o olhou de modo sedutor. Tinha funcionado muitas vezes antes e ela esperava que funcionasse dessa vez também. Rafael nem olhou para ela e bebeu um gole da bebida. Bianca tentou afogar a sensação de que havia algo errado.

- Eu conheci uma pessoa. – ele disse e os dois ficaram em silêncio. Bianca perdeu toda a pose de moça sedutora e o olhou incrédula. Ele continuou – Não acho certo sair com ela sem terminar com você oficialmente.

- Quando exatamente você a conheceu? – Bianca perguntou involuntariamente. Afinal, quando uma mulher é trocada, ela tende a ficar um pouco curiosa sobre a outra.

- Isso é mesmo necessário? – Rafael desviou os olhos para o karaokê onde um casal tentava cantar uma música romântica – Nós não estávamos mais dando certo...

- Nós? – Bianca se irritou – Não, Rafael. Eu estava dando certo. Você é que chegou do nada pedindo um tempo. E por que você não quer falar sobre ela? Eu a conheço?

- Agora a culpa é minha? É você que não consegue manter uma maldita promessa. – ele disse irritado. Ela também se zangou.

- Que promessa eu não cumpri? Se você se refere ao casamento da sua irmã, eu disse que provavelmente não poderia ir por causa do trabalho. Não sei se te ensinaram na escola, mas o advérbio provavelmente não indica certeza!

- Você é imatura, Bianca. Acha que o mundo todo gira em torno de você e não é bem assim.

- Eu sou imatura? Quem deu um piti durante a viagem à Ouro Preto?

- Oh, você quer falar de Ouro Preto? Vamos falar de Ouro Preto e do cara que você ficou dando em cima.

- O que? – Bianca bateu as mãos na mesa e se afastou bufando de raiva – Eu não dei em cima de ninguém. O cara era jornalista e estava conversando comigo naturalmente sobre a exploração midiática das tragédias. Você que fica achando que eu tento atrair sexualmente todo homem com quem converso! E eu talvez tivesse o ignorado, se o meu namorado não estivesse fazendo pirraça sobre a quantidade de coisas que eu como.

- Se eu deixasse, você comeria a dispensa da cidade inteira. – ele resmungou e ela ofegou.

- Retire o que disse imediatamente, Rafael! – ela pegou o garfo sobre a mesa e apontou na direção dele – Eu não sou gorda! Tamanho 42 não é gorda!

- Isso é um livro, Bianca, não um argumento. – ele arrancou o garfo da mão dela e o jogou sobre a mesa – Está vendo! Você está sempre tentando arrumar confusão.

- Desculpe, senhor perfeito se eu não consigo manter a calma ao ser chutada e chamada de gorda! E não pense que eu não percebi. Quem é a fulana? É melhor me dizer. Sabe que eu vou descobrir de qualquer jeito.

Rafael a fuzilou com o olhar.

- É a Dani.

Os olhos de Bianca se arregalaram e a voz dela morreu na garganta. Ele não podia estar falando daquela Daniela. Não aquela.

- Você está saindo com a Daniela Oliveira? – ele desviou os olhos momentaneamente enquanto ele bebia o último gole de cerveja. Bianca parecia não ter forças para discutir – De todas... Tinha que ser logo ela?

- Está na hora de superar essa implicância boba, Bianca.

- Você sabe que eu odeio a Daniela! E não é implicância já que ela me odeia também! Que merda, Rafael! – Bianca respirou fundo antes que começasse a chorar. Daniela era a pessoa que Bianca mais odiava em todo o mundo. Não havia ninguém mais sebosa, mais irritante, mais metida ou mais bonita do que ela. As duas tinham “convivido” na faculdade até que Bianca conseguiu um estágio que a outra não. Desde então, Daniela tinha declarado guerra a outra.

- Ela não fica falando mal de você. Aliás, ela é muito madura. Ela é linda, sabe o que quer e sempre chega na hora.

- Cala a boca. – Bianca olhou para ele com os olhos vermelhos e cheios de ódio – Já não basta me trocar, tem que ficar jogando na minha cara também?

- Ok. – Rafael se levantou e Bianca o seguiu com os olhos – Não vou ficar aqui discutindo com você. Estamos oficialmente separados. Não quero que nada interrompa meu relacionamento com a Dani.

Depois disso ele se levantou para ir embora. Bianca pensou em pará-lo para dizer que o amava, mas o orgulho não permitiu. Ela ficou ali ouvindo o maldito casal cantar aquela maldita música romântica. Apoiou o rosto nas mãos e deixou que o cabelo caísse, criando uma cortina entre ela e o mundo. Não soube quanto tempo ficou ali até que sentiu a mão em seu ombro. Ela se virou os olhos vermelhos. Era a cigana que estendia uma rosa para ela.

- Desculpa. Eu...eu não quero comprar.

- Presente para a moça.

- Eu sou... – Bianca inspirou fundo e coçou o nariz – Eu sou alérgica a flores. Elas me fazem espirrar.

A cigana pareceu ficar sem graça e olhou de um lado par o outro. Então ela sorriu como se tivesse tido uma ideia e colocou o cesto de flores no chão. Ela pediu a mão esquerda de Bianca para fazer uma previsão. Bianca estendeu a mão sem se importar muito.

- Sua linha do amor é muito funda. – a cigana falou. Bianca deu uma risada histérica e começou a querer chorar – A moça acredita no amor.

- Começo a duvidar...

- Seu destino é forte. Ele cruza a sua linha da vida e a da cabeça. Veja. – a cigana apontou a mão de Bianca, mas ela não viu nada demais.

- Isso indica que eu nunca vou ser feliz no amor ou algo do tipo? Não é o tipo de coisa que as pessoas querem ouvir, sabia?

- Olha. Se você tivesse uma chance, uma oportunidade de viver uma linda história de amor, você pegaria ou deixaria passar?

- O que quer dizer? – Bianca falou virando o corpo em direção à mulher. A cigana tirou um colar do pescoço e o pôs na palma de Bianca. Fechou os dedos dela sobre o colar e disse:

- Teu belo nome eu pronuncio por diversas vezes. Siga o caminho de flores. Acorrentada a teu amante, a dama espera a hora de voltar. A elevação é a porta. O beijo é a chave. Teu coração, o baú que te aprisiona. Cuidado com a traição que te fere e com a mulher que te inveja. Aproveite o amor no tempo em que lhe resta e não se arrependa de viver livremente entre as estrelas.

Bianca sentiu uma sensação estranha. Ninguém nunca tinha falado daquela maneira com ela. Fitou a cigana de olhos arregalados. A mulher então a olhou e soltou sua mão. Ela pegou a cesta de flores e saiu correndo. Os pensamentos de Bianca voltaram rápidos.

- Ei! Moça! Seu colar! – Bianca correu atrás da mulher, mas ela sumiu logo na próxima esquina – Que coisa! Isso foi uma maldição ou algo do tipo? Só porque eu não comprei as flores...

Bianca olhou para o colar em sua mão. O cordão era uma corrente de bronze e o pingente era um círculo com o desenho de uma espada enrolada entre espinhos e rosas. Parecia algo antigo. Sentindo-se mal, Bianca se virou para voltar para casa.

Sentou no final do ônibus ignorando as medidas preventivas de segurança. Só queria ficar sozinha. Olhava para a janela sem ver realmente. Apenas deixava que as coisas passassem por ela. O colar estava em seu pescoço. Era a única coisa não perdida do dia. Não notou quando começou a chorar. Estava se sentindo tão sozinha!

O ônibus já estava na linha vermelha, no trecho alto, quando o tiroteio começou. Bianca gritou quando sua janela foi estilhaçada. Ela deitou sobre o banco e tampou a cabeça com os braços. Estava com medo. Estava morrendo de medo. Um dos tiros acertou o pneu do ônibus fazendo o motorista perder o controle. Bianca sentiu o corpo fixar leve enquanto o veículo caía do alto. Rodou no ar antes de bater contra o outro lado da janela. Alguém puxou seu braço, mas ela não conseguia se virar para olhar quem era. O ônibus fez um barulho tão alto quando bateu no chão que ela achou que nunca mais ouviria novamente. Estava caída e tonta. Suas mãos estavam sujas de sangue e ela ouvia pessoas gritando. Demorou um pouco até notar que era ela mesma. Sua visão ficou escura e Bianca deu boas vindas ao escuro.


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