Pokémon Fantasy escrita por Lawliette


Capítulo 21
Capítulo 20: Descontrole


Notas iniciais do capítulo

Guys...? *desvia das milhões de pedras* Gomen por demorar, mas eu tenho uma explicação para isso! Como vocês já devem saber, eu sou casada com a minha amada criatividade, PORÉM eu tenho um caso com a auto-critica (e também um com a Alysse, mas ela não sabe disso, so shhh q) e, bem... A criatividade descobriu. Tivemos uma briga horrível e ela saiu de casa, levando nossa filha, a inspiração, junto, e eu fiquei fula da vida porque não conseguia escrever... Mas depois de muito conversar, fizemos as pazes e somos todos uma grande família feliz, e o fruto da nossa felicidade foram esses dois capítulos, um pro plot principal e um especial pra ver se assim eu compenso vocês (tudo mentira, ele ia estar aqui mesmo se eu não demorasse q)
Além disso, eu tive um terrivel problema. Sabe quando tu tá escrevendo a fic de boas, coloca algo no primeio capítulo, por exemplo, algo que é importante, mas que você não vai revelar naquele capítulo em especial e depois simplesmente se esquece daquilo e deixa um mistério pendente? Pois é. Quando eu estava indo reescrever/ler os primeiros capítulos da fiqué, descobri que haviam muitos desses, além do que, vocês provavelmente devem se lembrar da cena em que o Cavaleiro injetou algo no Altaris alguns chapters atrás, certo? Não era para aquilo estar ali. Só depois que eu e a Alysse estávamos vendo umas ideias eu percebi que aquela cena em especial ficaria perfeita em outro lugar, mas eu não posso simplesmente ir lá, tirar e obrigar vocês e voltar naquele capítulo ou fazer com que meus leitores (que nunca aparecem, seus feios, coxinha pra vocês *faz gesto*) ignorem aquilo, além do que essa cena não teria o mesmo impacto com vocês se eu retirasse-a dali e colocasse em outro capítulo como se fosse a primeira vez. Além disso, tiveram outras coisinhas que me passaram despercebidas mas que deveriam ter sido explicadas, como, por exemplo, o porque da Clair não ter saído para ter uma jornada quando mais nova. Isso era pra ter sido explicado no chapter 3 ou 4, mas eu fiquei tao entretida com a parada do Satoru e da Larysse explicando pra ela que podiam entender os pokemanz que eu esqueci completamente. Isso e outras coisas foi e são um problema horrível, a qual a Alysse teve saco pra ouvir e me ajudar. Eu não sei o que seria da fic sem ela.
Mas srsly, se não fosse a inspiração, uma música do Pierce the veil e a Alysse, esse capítulo não saia. E se não fosse pelo Altaris, eu não postava isso hoje, preguiça de ir na lan zzz
Apesar disso tudo, eu estou especialmente feliz por ter conseguido chegar ao capítulo 20 de uma história, ainda mais um projeto grande como a PF é. Muito feliz e muito orgulhosa de mim, mas, de novo, se não fosse pela Alysse, a fic ainda estaria no capítulo 10 q
Mas anyways, sem mais enrolações, que venha o capítulo!



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Altaris se agachou para que assim pudesse enxergar melhor o pequeno Pokémon aos seus pés. O Pokémon pareceu ofendido de algum modo com a atitude do garoto e recuou, lançando-lhe um olhar estranho, e um olhar mais estranho ainda para os outros dois garotos e o homem vestido de preto que os observavam, curiosos com a aparição de um Vulpix em um lugar como aquele. E pela expressão do pequeno Vulpix, podia-se dizer que não estava nada feliz em ver aquelas pessoas em seu território.

O Pokémon raposa tinha uma aparência um pouco estranha, incomum para um Vulpix selvagem. E Altaris sabia muito bem disso, principalmente pela cicatriz em seu olho direito que descia numa curva até o focinho. Também havia o fato de que a raposa era magra, dando-lhe a aparência de que não comia há vários dias. Estes eram um dos fatos que fazia o ruivo se questionar se aquele era realmente um Pokémon selvagem ou não, e, caso não fosse, o que estaria fazendo ali.

– De onde saiu esse Vulpix? – Perguntou Noah, franzindo o cenho e pegando a atenção do pequeno. O Pokémon os encarou com o melhor olhar duro que podia fazer.

– Não sei. – Respondeu Altaris, e Dani disse o mesmo.

– Deixem ele. - Soou a voz do Cavaleiro.

Ignorando a ordem do Cavaleiro sobre Pokémon, Altaris continuou agachado, encarando o mesmo, como se desse modo um pudesse descobrir quais os pensamentos do outro. Não podia acreditar que uma raposa como aquela estivesse numa floresta qualquer, ainda mais desse modo, claramente com fome, mas sua personalidade não pareceria que iria se permitir a dizer isso. Altaris queria poder fazer algo por ele. Não, Altaris tinha que fazer algo por ele. Ignorou completamente os avisos que ele próprio se dava ao desobedecer ao Cavaleiro, e se permitiu desfazer as barreiras em sua mente para se impedir de observar pensamentos de outros sem querer e se direcionou ao ponto brilhante que era a mente do Pokémon.

Não houve rejeição alguma ou sinal de que o Pokémon percebeu o que Altaris estava fazendo, e assim que estava em sua mente, ao abrir e fechar os olhos, viu imagens de uma floresta idêntica a que ele estava com claras diferenças, ao mesmo tempo em que via o local em que estava no momento e sentia os olhares sobre si. Pôde ouvir as palavras do Vulpix, como se ele estivesse sussurrando em sua cabeça, mas sabia que ele não estava e sim que Altaris havia apenas conectado suas mentes, de modo que ele poderia ouvir seus pensamentos e o contrário também acontecia. E, ao fazer tal coisa, havia o enorme risco de que uma coisa acontecesse, uma coisa que o garoto certamente não iria querer que acontecesse.

Não possuía explicação para tal acontecimento, só podia dizer que, se não tomasse cuidado com o modo que explorasse a mente do Pokémon, ambos acabariam compartilhando várias informações, o que incluía lembranças, e no pior dos casos, todas as lembranças que ambos possuíam até o momento seriam vistas pelo Vulpix, assim como o contrário. Altaris só sabia desse risco porque já acontecera antes, e fora uma experiência dolorosa. Esse era um dos maiores e principais motivos para que o garoto evitasse olhar as mentes de pessoas e Pokémons, mesmo se quisesse ou fosse preciso. O caso atual era algo totalmente a parte de suas atitudes, mas não deixava de tomar certo cuidado.

Altaris tinha um estranho medo de que tal coisa acontecesse, principalmente com uma pessoa, porque a partir do momento em que essa pessoa tivesse todo o passado do menino em suas mãos, o ruivo não teria controle de suas ações ou poder para fazer com que essa pessoa esquecesse o que viu, e então ela poderia fazer o que quiser com as informações obtidas. E isso ele não podia permitir, então, para evitar coisas piores, deixava de olhar mentes de pessoas a menos que fosse realmente preciso ou se quisesse, e ainda assim tomava cuidado ao fazer isso, pois não confiava tanto assim em seus poderes. Mesmo depois de tanto tempo tendo-os, não conseguia controlá-los como gostaria, e incidentes como estes tinham grande chance de acontecer.

As únicas ocasiões em que podia relaxar e deixar a cautela de lado era quando visitava mentes de Pokémons como o Vulpix. Não era todo mundo que podia entender os Pokémons como Altaris e as novas pessoas que conhecera recentemente, então mesmo que um acidente acabasse acontecendo, o Pokémon a qual teria suas informações não podia dizer para uma pessoa o que havia descoberto e acabar causando problemas ao garoto. Além disso, porque um Pokémon iria fazer algo assim?

Por isso, não teve tanto cuidado assim ao ver a mente do Vulpix e ignorou todo e qualquer questionamento interno de suas ações e o motivo delas, deixando apenas uma ideia estranha que gostaria de testar. Direcionando-se a mente do Vulpix, mandou para ele um único, porém claro pensamento contendo sua voz, do mesmo modo que faria ao falar consigo mesmo. Os resultados foram imediatos: o Pokémon olhou para os lados, como se procurasse o dono da voz que havia ouvido, e então olhou para Altaris, confuso.

“Foi você?” Veio a resposta, igualmente clara e também em pensamentos. O menino se surpreendeu com a voz do pequeno em sua mente, mas gostou de ver que sua teoria se provava real.

“Foi sim.” Respondeu o menino.

“O que é isso agora?”O Vulpix soou raivoso. “Desde quando humanos podem invadir mentes?”

“Eu sou o único que pode fazer isso. O que você faz aqui?”

Não houve resposta. O Pokémon apenas o encarou, com uma expressão surpresa. Altaris podia entender a surpresa e a raiva do Pokémon. Se fosse ele em seu lugar, estaria imensamente surpreso ao conversar com alguém sem nem ao menos abrir a boca.

– O que está fazendo...? – Uma voz interrompeu os pensamentos de ambos, surpreendendo o ruivo. Ele franziu o cenho. Era difícil se concentrar no que estava fazendo sem motivos e no que acontecia a sua volta, mas ainda assim, tentou o máximo para estar nos dois lugares ao mesmo tempo.

Uma imagem veio a ele, provavelmente uma lembrança de pouco tempo atrás, ele presumiu, onde podia ver o mesmo Vulpix que visitava em mente correndo pela floresta em que se encontravam, provavelmente atrás de alguma coisa. Algumas outras imagens vieram a ele, mas o ruivo não prestou tanta atenção assim como devia, tentando formular palavras para explicar o que estava fazendo para quem quer que tivesse perguntado, e isso tornava difícil de se concentrar em um só. Ele suspirou, decidindo dar a devida atenção a mente do Pokémon antes que ele fosse embora e estivesse tão longe que o garoto não conseguiria mais alcançá-lo. E por estar em sua mente, sabia que a única coisa que mantinha o Pokémon ali era a curiosidade que tinha do menino.

Além disso, ainda não havia terminado a sua pequena experiência. Tentar falar com alguém telepaticamente era algo que o garoto sempre imaginara fazer, ainda mais sabendo de seus poderes e o número limitado de coisas que podia fazer com eles, mas nunca tivera uma oportunidade real de fazer tal coisa, principalmente porque, em todo o tempo que tinha conhecimento dos poderes, tinha medo do que poderia acontecer caso usasse-os, além de medo do que poderia acontecer com os outros, já que, até agora, não sabia se era ou não capaz de machucar alguém daquela forma. Fora esses motivos, gostava de ter a privacidade de sua mente, assim como sabia que os outros também gostavam.

No momento, ele não sabia qual fora o verdadeiro motivo de ter olhado a mente do Vulpix. Provavelmente era apenas impulso, como fora das outras vezes em que mantinha o controle, e tinha certeza de que não fora por descontrole que fizera isso. Ele estava apenas imaginando o motivo e o que faria para ter mais confirmações quando simplesmente aconteceu.

Ele tinha certeza de que tivera controle e cautela com o que estivera fazendo, mas inda assim, tudo isso pareceu ter sido facilmente ignorado. Imediatamente, sua mente se encheu de diversas imagens e de pensamentos, além de sons, cheiros e sentimentos, todos de uma vez só, chegando tão rápido que Altaris não tinha como identificá-los direito. Assim que aquilo começou, sua cabeça doeu, e a dor se espalhou por todo o seu corpo, primeiro imperceptível, depois foi aumentando gradativamente até chegar ao ponto em que Altaris queria gritar, tudo isso em poucos segundos enquanto as imagens cruzavam sua mente. Num gesto automático, piscou, e quando abriu os olhos novamente para finalizar o gesto, não estava mais no mesmo lugar de antes. Uma floresta. Um prédio branco com piso e paredes brancas. Uma coluna de chamas. Um céu escuro e sem estrelas. Essas eram as imagens que Altaris conseguia ver e que lhe deram a certeza de que não estava mais no mesmo lugar.

O menino resmungou em meio à estranha dor que o invadia, e com amargura, teve certeza de que o que não queria que acontecesse havia acontecido de novo.

Mordeu o lábio, segurando um gemido, e já sentado na grama pressionou as curtas unhas contra a grama e a terra abaixo dela, tremendo o tempo todo. As informações vindas de Vulpix chegavam cada vez mais rápido e lhe causavam mais dor, e estava ainda mais difícil tentar identificar o que estava vindo.

Como que para contradizer tal afirmação, assim que esse pensamento lhe cruzou a mente, um nome lhe foi sussurrado, vindo da mente do Pokémon, e dito por uma voz masculina e desconhecida, sendo a única coisa que ele podia identificar no momento.

Rudolph. Esse era o nome dito apenas uma vez em sua mente, mas essa única vez foi o bastante para que tivesse conhecimento do mesmo. E, junto com ele, veio uma imagem que, ao contrário das outras, não passou rapidamente para dar lugar a outra, e sim ficou tempo o suficiente para Altaris pudesse saber que imagem era e acompanhar os acontecimentos que ela lhe mostrava. A primeira coisa que viu foi exatamente o mesmo lugar que estava agora, uma pequena clareira dentro da floresta. Viu também o mesmo Vulpix que vira antes, mas ele não tinha a cicatriz que possuía no presente. Ao seu lado, estava um pequeno Shinx, o mesmo que Satoru chamava de Typhon e soubera pelo mesmo que era perseguido por um Vulpix. Em frente a eles, um garoto aparentando ter dezesseis anos os encarava com um olhar duro, como se desaprovasse suas ações.

O garoto disse algo, mas Altaris não foi capaz de ouvir, apenas sentir a surpresa causada pelo o que fora dito. O garoto virou as costas deixando Typhon e o Vulpix incrédulos para trás. O menino tentou interromper as imagens e voltar a si, mas ao invés disso, sentiu o que o Pokémon sentia, e, se não estivesse enganado, sabia que pensamentos lhe passaram pela cabeça naquele momento. Porque sabia que ao contrário de Typhon, Vulpix não podia deixar que aquilo acontecesse, pois aquele garoto era seu treinador. E treinadores não deixavam seus Pokémons para trás.

Tentou correr atrás dele, mas o garoto correu também, segurando uma Pokeball na mão e liberando um Pokémon que foi facilmente reconhecido por Vulpix e, por tabela, o ruivo: Um Nidorino. Um Pokémon com pele grossa na cor roxa, com grandes orelhas e espinhos por todo o seu corpo, além de um longo chifre em sua testa, uma de suas maiores armas. Ele se postava nas patas traseiras com certa dificuldade, e assim que a raposa laranja surgiu, tentando desviar dele para perseguir o menino que seria seu treinador, ergueu um braço, revelando grandes garras, e afastou a raposa com elas.

Não parecia ter sido sua intenção, mas quando o Pokémon de fogo foi jogado para trás pelo impacto e caiu no chão, sua expressão foi de grande surpresa, principalmente quando uma enorme ferida se revelou em seu rosto, por pouco não atingindo seu olho direito. Aquela pareceu ter sido a gota d’água para Vulpix, pois ele não se levantou para ir atrás do garoto novamente. Apenas ficou no lugar onde fora deixando, fechando os olhos e gemendo pelo ferimento.

Por quê? De todas as pessoas, porque justo seu treinador fizera isso com ele? Ele não era o suficiente para fazer parte de seu time e por isso havia sido abandonado? O que havia de errado com ele, afinal? Vulpix tinha certeza de que havia feito tudo o que ele pedira, sempre dando o seu melhor para concluir as complicadas ordens do garoto e se esforçando para não perder outra batalha. Não, ele nunca havia reclamado, como Typhon fazia. Nunca se recusara a cumprir as ordens e nunca dera problemas, como o inútil e assustado Shinx que o incomodava. Se alguma coisa dera errado, era por culpa de Typhon, e não de Vulpix. E perder seu treinador não era algo que a raposa iria deixar passar.

Typhon tinha de pagar.

E Vulpix faria o que fosse preciso para que o Shinx se arrependesse de ter feito o que fez.

***

Chris resmungou algo ao se levantar, e então suspirou. Havia ido dormir mais cedo, mas se sentia extremamente cansada por algum estranho motivo, mesmo que não tivesse passado de seu horário normal na noite anterior. Seu corpo doía, reclamando do cansaço e pedindo para voltar a dormir. Apesar disso, a menina fez o máximo para ignorar e se dirigir até o banheiro. Não queria arranjar problemas por não ter acordado cedo.

Em pouco tempo, estava pronta, ou ao menos o que podia chamar de pronta. Algumas roupas surradas cobriam seu corpo, pois o trabalho que teria de fazer provavelmente a sujaria, e Chris não gostaria de fazer isso. Afinal, ela que teria de lavar. Na verdade, era ela quem tinha de fazer tudo, desde varrer a casa até lavar toda a roupa suja, não importava se fosse ela que tivesse sujado-as ou não. Todo e qualquer serviço que a garota podia realizar era destinado a ela, e até mesmo alguns que não poderia também eram.

E não havia motivo para isso. Pelo menos, não um grande motivo. A única e verdadeira razão para que Chris fizesse tais coisas era sua mãe e seu pai. Eles mandavam, e a mais nova tinha que cumprir, não importava se houvesse uma razão para aquilo ou não.

Enquanto a menina tinha de fazer o serviço de casa para mantê-la em ordem, seu pai passava o dia todo for por causa de seu trabalho de zelador numa empresa. Sua mãe, por sua vez, passava o dia inteiro em casa fazendo sabe se lá o que. Chris nunca prestara atenção para saber. Estava mais preocupada consigo mesma.

Com um bocejo seguido de outro suspiro, Chris começou o que poderia chamar de “tarefas que era obrigada a fazer antes de poder sair”. Por uma hora ou duas, pode fazê-lo em paz, até que sua mãe finalmente acordou e começou a criticá-la e a apressá-la, o que a irritava profundamente. Chris preferia muito mais fazer o que era obrigada sem ouvir sua mãe a irritando do que tê-la a incomodando para que seu trabalho pudesse ser devidamente feito.

Isso a irritava demais, mas ao invés de se deixar levar pela raiva e dizer algo para ela, continuou limpando, tentando terminar o mais rápido possível. Mas ao contrário do que realmente planejara, sua mãe não permitiu que saísse de casa, pelo menos não antes de lhe dar uma última tarefa. Retardara a filha em sua saída por um breve momento, pedindo para que ela esperasse na cozinha enquanto a mãe procurava algo, resultando na menina bufar em aborrecimento. Já estava irritada pelas reclamações vindas da mulher que chamava de mãe, e por ser Chris a ter de fazer o serviço de sua mãe, e agora a mulher lhe vinha com uma tarefa a mais?

Sua mãe era uma mulher que já estava chegando na meia idade, e possuía estatura média e pele morena, porém branca, assim como a de sua filha. Mas ao contrário da mesma, a mãe possuía curtos cabelos negros e olhos da mesma cor, com um olhar extremamente aborrecido, como se tudo e todos contribuíssem para seu mau humor.

Depois de alguns poucos minutos, a mulher mais velha se voltou para Chris e lhe entregou algumas notas, enquanto explicava o que queria que ela comprasse. Chris assentiu veementemente, sem dizer nada, mas por dentro, estava brava mais uma vez. Ou pelo menos em partes. Aquilo lhe daria uma desculpa perfeita para ir até Floaroma sem ter que ouvir as perguntas de sua mãe quanto ao que iria fazer. Acabou aceitando a tarefa de bom grado, e logo depois de receber o dinheiro e guardar na mente o que devia comprar, foi para seu quarto se trocar e pegar seu próprio dinheiro. Havia mais coisa que ela também gostaria de fazer.

Se arrumou o mais rápido possível, tomando cuidado para ignorar as reclamações e insultos vindos de sua mãe. Sentia seu corpo quente, tamanha era sua raiva, e assim que conseguiu colocar os pés para fora de casa, deixou escapar um longo suspiro, demonstrando seu alivio. Era um pouco estranho fazer isso e estar feliz por ter que sair de casa, pois a casa de Chris era grande e bonita, além de possuir o maior quintal que qualquer pessoa rica de Floaroma podia ter. E sua família nem era rica.

Isso porque seus pais eram donos de uma fazenda, o que provava que seu quintal era enorme, um grande espaço feito pela natureza e que se estendia até onde a menina conseguia olhar. O quintal principal era somente um espaço plano de terra de vários metros, desprovido de grama ou de qualquer arvore ou planta. Logo depois, se mostrava a terra coberta por um tapete de grama, interrompido apenas pelo espaço largo de terra que era a estrada e o caminho que levava até o estábulo, antes habitado por Pokémons como Ponytas e suas evoluções, além de Miltanks e de vez em quando, alguns Mareeps. Agora que não os tinham mais, parecia um desperdício manter o pasto que havia logo atrás, se estendendo até onde a vista podia alcançar.

Além daquele grande espaço que a garota conseguia enxergar, se a menina andasse um pouco mais além do estábulo e do pasto, encontraria uma trilha que levava a uma porteira um pouco mais a frente, que era a entrada para o grande pomar que possuíam. Aquele era um dos lugares que Chris mais gostava de ir, tanto por ser um lugar calmo quanto pela vista. Nos limites do pequeno bosque que o pomar formava, era possível enxergar um grande espaço coberto por grama, mas o que mais impressionava era a visão da minúscula cadeia de montanhas ao longe, quase que completamente coberta por uma grande extensão de florestas.

Diante de tal cenário, parecia estranho que a garota quisesse sair da fazenda o mais rápido o possível. Mas Chris não queria sair dali por ser uma fazenda, e sim pelo ambiente que ela tomava com seus pais por perto. Era por esse motivo que achava que, no momento, quando mais longe estivesse de sua casa e de suas ordens, melhor.

A única coisa que realmente a aborrecia por sair era a distância que tinha de andar de sua casa até Floaroma. Como sua casa era uma das mais distantes em comparação às outras fazendas, tinha de andar no mínimo uma hora para chegar até lá, e isso num passo apressado. Caso enrolasse para chegar a cidade, caminhando lentamente, levaria meia hora a mais, se não uma inteira. Chris nunca quisera tentar para confirmar.

Chris não queria demorar, especialmente hoje, onde a garota também tinha algo para fazer na cidade. E, além disso, passar um tempo andando não lhe faria mal algum e mesmo que continuasse aborrecida com aquilo, dizia a si mesma que se quisesse ser uma treinadora algum dia, tinha de se acostumar a andar distâncias como essa todos os dias, se não mais. Esses dois pensamentos motivaram a menina a continuar andando, enquanto ponderava sobre a ideia de sair em uma jornada Pokémon.

Suspirou mais uma vez, observando a paisagem e, de vez em quando, um ou outro Pidgey ou Starly que passava por ali, batendo suas asas para se erguer no céu e desaparecer. Fora seus piados o som do farfalhar das folhas, Chris era a única que fazia algum ruído ali. Não havia mais nenhum outro som, nem mesmo outras pessoas ou o ruído característico dos carros. Nem qualquer outra coisa que pudesse indicar que havia mais alguém ali além da própria Chris.

Talvez tenha sido por isso que a menina parou para ouvir os piados de Starlys e Pidgeys ao longe, provavelmente acima dela, como que para confirmar que não era a única ali. Talvez tenha sido pelo fato de que não havia mais ninguém por perto para questionar sua atitude ou perguntar porque menina tivera um súbito desejo de parar e escutar, como fazia muitas vezes em que tivera chance. Nem mesmo ela tinha resposta para aquela pergunta, só podia dizer aos que perguntavam e a si mesma que era impossível ignoraras vozes.

As vozes. Na maioria das vezes, assim como agora, apenas palavras soltas. Palavras que, sozinhas, não faziam sentido algum. Ela só sabia que tinha que prestar atenção, mesmo que não entendesse, pois aquelas não eram qualquer tipo de palavras.

Eram palavras ditas por Pokémons.

Apenas isso era motivo o suficiente para que Chris quisesse e continuasse ouvindo, sempre atenta a que tipo de vozes os Pokémons tinham. Era estranho, mas só por ser capaz de entender aquelas vozes que muitos diziam ser a repetição do próprio nome já lhe despertava curiosidade, principalmente porque sabia que aquilo não era normal em nenhum lugar do mundo, por isso não era normal encontrar alguém que pudesse entender tais palavras com tanta facilidade. E como não tinha tantas oportunidades quanto queria para poder ouvir, parou por alguns minutos e imaginando o que os Pokémons acima dela estariam dizendo.

Não imaginou por muito tempo. Logo voltou a andar, pois não queria chegar atrasada a cidade, já que tinha que fazer coisas para sua mãe e o que ela mesma queria fazer. Mas voltou a andar principalmente porque sabia que poderia passar muito mais tempo do que planejava ali, sem nem ao menos perceber o tempo passando. Isso já acontecera muitas vezes, e poderia acontecer hoje muito facilmente, mas as consequências que teria caso enrolasse para ir até a cidade e acabar chegando mais tarde em casa do que previa suprimiam a vontade de ficar e ouvir as palavras soltas para tentar entender o que diziam.

Por isso, se limitou a imaginar tais coisas enquanto andava, mantendo um bom ritmo para não perder mais nem um minuto de seu tempo. Mas por mais que tentasse imaginar o que aquelas aves estariam falando, ainda lhe ficava o seu outro lado, um que questionava o porquê de ela ser a única pessoa que conhecia capaz de fazer isso. Afinal, não era qualquer um que tinha um dom como aquele e por não ser algo nada comum, significava que não era normal. Chris não era normal.

Não havia modo de Chris ser normal, tanto por entender palavras de Pokémons que os outros diriam que era apenas a repetição do próprio nome quanto pela outra coisa que definitivamente não era normal. Estremeceu só de pensar naquilo, e procurou pensar em qualquer outra coisa enquanto andava para não se lembrar.

Era muito mais saudável andar do que pensar em coisas como aquela. Ao invés de continuar com aquilo, se permitiu olhar o cenário, de modo que pudesse aproveitar mais uma vez a paisagem do lugar onde morava.

Desse modo, mal prestou atenção no tempo e conseguiu chegar no tempo normal que levaria para alcançar a cidade de Floaroma. Esta nãoo era uma cidade tão grande quanto as outras, mas possuia o movimento característico de uma, tanto de pessoas quanto de carros, mas o que mais chamou atenção nisso, foi que entre as pessoas, boa parte delas trazia mochilas de viagem nas costas, algo que poderia ser considerado coisa de um treinador. E para confirmar sua suposição, como era costume em Floaroma, boa parte dos indivíduos andavam ao lado de um Pokémon, a grande maioria sendo essas primeiras pessoas que vira, o que confirmava que de fato eram treinadores. Aparentemente, a época em que os mesmos começavam sua jornada já havia chegado.

Nessa época, como era obvio, muitos treinadores perambulavam por Floaroma, encantados com suas atrações, que apesar de serem poucas, traziam orgulho aqueles que moravam ali, principalmente por atrair treinadores de todas as partes do continente. E entre esses atrativos, uma das coisas que mais surpreendiam tanto ela quanto os treinadores, com a exceção dos Contests, era a grande arena pública que havia numa rua que levava ao Centro Pokémon, a mesma que Chris pegara apenas para vê-la mais uma vez.

Tal arena era literalmente publica, além de ser desprovido de qualquer tipo de cerca ou limite que impedisse as pessoas de entrar, o que mostrava claramente que a cidade estava convidando os treinadores a treinarem seus movimentos ou fazerem uma batalha ali. Infelizmente, aquele tipo de coisa não acontecia frequentemente naquela época, era mais frequente apenas quando faltavam poucos meses para a Liga e o Grande Festival. Por isso, Chris ficou extremamente surpresa ao ver que, dessa vez, havia sim uma batalha acontecendo na arena, onde várias pessoas se juntaram ao redor da arena para observar as duas treinadoras e seus Pokémons.

Igualmente curiosa, Chris se juntou aos outros curiosos rapidamente, chegando a tempo de ouvir a primeira ordem de uma das treinadoras:

– Flamethrower!

Pouco depois, a Pokémon que parecia pertencer a garota lançou uma rajada de chamas contra a segunda, esta sendo uma grande Zoroark com um olho vermelho e outro azul. A segunda treinadora não disse nada, mas sua Pokémon reagiu rápido, criando uma esfera negra e lançando-a contra as chamas, resultando nas mesmas retardarem o caminho por um curto tempo antes de serem destruídas, tempo o suficiente para que a autora do Shadow Ball fugisse. A mesma cena se repetiu mais algumas vezes, e numa das pausas entre as chamas, Chris pode ver que a autora das mesmas era uma Charizard, mas uma bem estranha, pois em sua cabeça e o no peito, ao invés de ter escamas, havia pêlos.

A treinadora da Charizard era ainda mais incomum. Seus cabelos lisos e ondulados eram azuis, e seus olhos possuíam um tom forte de roxo, fazendo com que tais cores entrassem em contraste com sua pele pálida. Apesar disso, sua oponente não se salvava da aparência incomum: Além de seus olhos serem negros, possuía uma estranha cicatriz abaixo de um deles, que descia numa curva em forma de S em direção ao queixo. Fora isso, essa segunda garota não dera ordem alguma para sua Pokémon, seja para desviar ou para atacar a oponente, quase como se a deixasse por conta própria. Mas em sua expressão, era como se soubesse que a Pokémon da outra era mais forte e mais experiente e estivesse estudando uma forma de derrotá-la apesar disso.

Isso tudo impressionava a mais nova. Apesar de saber que batalhas de treinadores experientes aconteciam apenas alguns meses antes da Liga, nunca viera para vê-las, além de nunca ter visto Pokémons assim antes, pelo menos não ao vivo. Aquilo era, no mínimo, incrível. Aquilo era o que os treinadores lutavam para conseguir, aquilo era o que Chris gostaria de se tornar algum dia.

Uma treinadora forte, com Pokémons igualmente fortes como as duas treinadoras que prosseguiam com a batalha. Sim, algum dia, Chris seria como elas. Algum dia batalharia com alguém do mesmo modo, tendo uma platéia tão grande quanto aquela. E era por isso que, mesmo querendo ficar um pouco mais e ver o final, iria logo fazer o que sua mãe pedira e logo depois seguiria para o Centro Pokémon. Antes disso, ficou alguns poucos momentos a mais, maravilhada com as Pokémons, a batalha e até mesmo a pequena multidão que se juntara para ver. Felizmente, Chris estava num lugar bem na frente de todas essas pessoas, onde podia facilmente observar a Charizard investindo contra a Zoroark, assim como a treinadora e a raposa negra.

E sua treinadora a observando.

Assustada, Chris recuou alguns passos. A expressão da garota mais velha era confusa, quase como se ela estivesse procurando alguém, embora não olhasse para nenhuma outra direção que não fosse onde a garota estava, dando-lhe a impressão de que estava olhando diretamente para ela. Mas não, ela não podia estar olhando para Chris. Provavelmente apenas em sua direção, e por isso parecia outra coisa. Além do mais, porque aquela garota estaria olhando para Chris? Nenhuma das duas havia se encontrado antes, e ela estava no meio de uma batalha. Se fosse olhar para alguém, esse alguém tinha de ser muito importante.

Ainda assustada com aquilo, Chris saiu da mini multidão, tendo de se esgueirar por várias pessoas para finalmente sair e ir em direção ao Cento Pokémon, mas ao invés de ir para ele direto, comprou o que sua mãe pedira primeiro em algumas lojas que haviam por perto, e então foi para o CP. Fizera-o rapidamente, pois tinha esperanças de que pudesse voltar e ver o resto da batalha, mas por enquanto, queria apenas o que lhe permitiria ser uma treinadora também.

– Chris! – Cumprimentou a enfermeira Joy quando a mais nova adentrou o local.

Como ela esperava, o CP estava tão cheio de treinadores e Pokémons quanto a cidade, e até mesmo havia uma fila de pessoas que pareciam querer usar a incubadora, apenas para descobrirem que, de algum modo, ela havia quebrado e não tinha previsão para conserto. Chris franziu o cenho ao ouvir a informação, mas ficou feliz ao ver que a fila se desfez rapidamente, deixando o caminho livre para que Chris pudesse conversar com a mulher de cabelos rosa sem problemas.

– Hey Joy, o que houve com a incubadora? – Perguntou Chris, logo depois de cumprimentá-la.

– Quebrada de novo. – Respondeu ela, dando um suspiro. – Algo a ver com algum tipo de vírus.

Levantou uma sobrancelha para isso, mas não pediu mais detalhes. Preferiu conversar com a mulher sobre outros assuntos ao invés, como sempre costumavam fazer. Sempre que Chris ia até lá, gostava de conversar com a enfermeira de cabelos rosa sobre qualquer coisa, e de tanto que fizeram isso, se tornara um costume. Por isso, a menina não se importava quando ela gritava seu nome ao entrar no Centro, direcionando vários olhares para ela.

– Você veio pelo seu Trainer Card, não é? – Perguntou ela, num certo ponto.

– É. Consegui dinheiro para pagar. – respondeu Chris, dando um sorriso logo em seguida.

– Ah, falando nisso, ele vai chegar amanhã, ou hoje ainda.

– Eu venho aqui mais tarde pegar, então.

A enfermeira assentiu, enquanto Chris deixava as sacolas de compra de lado para pegar o dinheiro que juntara para pagar o Trainer Card.

Conseguir um Trainer Card em Floaroma era extremamente simples e até fácil, tanto que ela mal podia acreditar em tamanha facilidade. Para conseguir a prova de que você era um treinador oficial, precisava ir a algum Centro Pokémon e pedir, então o responsável pelo Centro cuidaria dos detalhes e dependendo da pessoa que pedia, haveria um ou outro teste para comprovar que essa pessoa seria um bom treinador, e em dentro de alguns dias após o pagamento, o documento chegaria e seria entregue, assim como a conta bancaria especial dos treinadores, que vinha com uma boa quantidade em dinheiro para ajudar os novos treinadores em sua jornada, já poderia ser ativada.

Isso era o que a menina havia feito, logo depois de conseguir juntar o dinheiro suficiente para pedir seu próprio Trainer Card e então ser considerada uma treinadora de verdade. Fazer aquilo demorara muito mais tempo que o esperado, ou Chris teria saído muito mais cedo. Seus pais não lhe pagariam, já que não podiam, e mesmo que pudessem, duvidava que o fariam, então ficara a cargo de Chris juntar o dinheiro aos poucos até que finalmente tivesse a quantidade necessária, além de ela considerar que era muito melhor fazer aquilo ela mesma do que esperar pelo consentimento e dinheiro dos pais, portanto, se fosse possível, ela mesma bancaria sua jornada, o que não seria muito difícil. Assim que tivesse seu Trainer Card em mãos, não precisaria se preocupar com o dinheiro para conseguir se virar sozinha. Compraria o que iria precisar e guardaria o que sobrasse, e para conseguir mais, caso precisasse, participaria de Contests, algo que faria mesmo se não precisasse.

Cantarolando, tirou do bolso o dinheiro que guardara por tanto tempo para aquela ocasião e colocou no balcão, onde a enfermeira começou a contar. Enquanto esperava, Chris olhou para fora ansiosamente, como se desse modo pudesse enxergar a batalha entre as duas estranhas treinadoras que vira antes. Passou alguns poucos momentos assim, até que a voz da enfermeira cortou sua distração:

– Chris? – Chamou ela, parecendo um pouco triste. – Acho que está faltando dinheiro.

Chris a encarou, nervosa.

– Mas eu olhei antes de sair de casa. Peguei todo o dinheiro!

– Tem certeza?

Não respondeu. Ao invés, contou o dinheiro ela mesma, apenas para chegar à mesma conclusão que a enfermeira. Aparentemente, faltava uma pequena quantidade, que apesar de parecer pequena no momento, era grande o suficiente para que qualquer um notasse facilmente. Recusando a acreditar, contou o dinheiro uma segunda, e então uma terceira vez. Para ter certeza, contou uma quarta vez e, finalmente, colocou a mão no bolso onde o guardara antes para verificar se não havia um pouco faltando ou algum buraco no tecido por onde o dinheiro pudesse ter caído.

Nada. Nem um buraco ou moeda que lhe tenha escapado. Como aquilo podia ter acontecido? Chris sabia que tinha o dinheiro suficiente, sempre o conferira para ter absoluta certeza, além do que, a quantidade que faltava não lhe passaria despercebido facilmente. Chris tinha percebido. Qualquer um teria percebido. No entanto, a menina não se lembrava de ter usado uma parte do dinheiro para comprar algo ou qualquer outra coisa, muito menos ter esquecido algum dinheiro em sua casa.

Finalmente, levou a mão até o outro bolso da calça, onde guardara o dinheiro de mãe, e tirou a quantia que lhe faltava, ao mesmo tempo em que ignorava os avisos que dava a si mesma sobre as consequências de fazer aquilo. Porém o motivo, seus sonhos e a vontade de realizá-los foram maiores. Não importavam as consequências, só importava que Chris iria sair em breve, com ou sem a permissão de seus pais, então o que iria acontecer caso ela usasse o dinheiro da mãe realmente não importava.

Por mais que repetisse essas palavras para si mesma, se sentiu nervosa ao ver a enfermeira contar o dinheiro e levar consigo. No fundo de sua mente, mesmo não querendo, imaginava se ter usado o dinheiro de sua mãe fora realmente uma boa ideia. Talvez ela fosse precisar do troco, não, ela precisava de dinheiro. Sempre precisava, para que pudesse pagar as dividas que seu pai insistia em fazer e para comprar coisas que sempre faltavam na casa. Mas e se ela precisasse urgentemente desse dinheiro?

Afastou esses pensamentos, mas parou por um momento. Quase sentiu pena. Quase. Acabou colocando um sorriso um sorriso de felicidade no rosto, coisa que não podia negar que sentia.

– É só vir aqui amanhã, que até lá já chegou. – Avisou Joy mais uma vez, dando um sorriso para Chris.

A menina retribuiu o sorriso, e logo depois se despediu da mulher, correndo de volta para a arena pública, esperando que pudesse ver o resto da batalha. Talvez assim a voz em sua cabeça que ainda avisava sobre as consequências do que fizera se calasse.

***

Andava mais rapidamente que o normal, perdida em seus próprios pensamentos, estes ainda maravilhados com a batalha que, apesar de ter terminado de uma forma estranha, não deixava de ser incrível. Estava feliz por ter finalmente conseguido o Trainer Card também, e mal podia esperar até o dia seguinte para ir buscá-lo no Centro. Ainda assim, não conseguia simplesmente afastar as preocupações pelo o que tinha feito mais cedo. E quanto mais perto chegava de sua casa, mais a realidade dos fatos e as conseqüências deles atingiam, e por isso, andava cada vez mais lentamente, adiando o momento em que voltaria para casa, embora isso só fosse servir para irritar sua mãe ainda mais.

Por mais que tivesse enrolado para voltar, acabou chegando de qualquer forma, e a primeira coisa que encontrou foi sua mãe, que logo passou a reclamar do quanto ela havia demorado e a fazer insinuações do que estivera fazendo, incluindo xingamentos. Chris desviou o olhar dela, preferindo fitar alguma coisa qualquer enquanto sua mãe contava o dinheiro, sem parar de reclamar de Chris e de rebaixá-la o tempo inteiro. Mesmo assim, acabou vendo com o canto do olho que a mulher parou de repente, franziu o cenho, e então contou o dinheiro novamente, da mesma forma em que Chris havia feito, porém sem o desespero que ela tivera.

Encarou a filha com um olhar que parecia saber o que ela havia feito, mesmo que Chris nunca tivesse contado seus planos para qualquer um da casa, menos ainda sua mãe, pois sabia que, caso contasse, ela não só não iria permitir que o fizesse como estragaria seus planos e nunca deixaria que Chris saísse. Ela já perguntara antes. Diversas vezes.

Por isso e por outros motivos, ela mesma juntara seu dinheiro para conseguir seu Trainer Card e seguir com o plano, que era o que desejava ter havia anos. E não podia esperar mais para fazê-lo, pois Chris não achava que seria capaz de ficar mais um ano em sua casa, submetida às vontades de sua mãe, vendo outros treinadores podendo ter sua própria jornada enquanto ela ainda tinha que ficar em casa, apenas vendo-os ir e vir de Floaroma, enquanto ela tinha que servir de escrava para seus pais.

Não, não se arrependeria do que havia feito, mesmo quando sem dizer uma única palavra, a mão da mulher que chamava de mãe se chocou contra seu rosto, criando um som alto e causando dor. Não se arrependeria, e nem se arrependeria quando ela não parou por ali.

***

As lágrimas continuaram caindo e ela não conseguia parar de soluçar, mas não parou de andar. Enxugava-as com as mãos, mas logo outras tomavam o seu lugar, apenas que o processo recomeçasse, ao mesmo tempo em que sentia a dor clara em seus membros, estes indignados pelo caminhar rápido e constante da morena. Ao longe, podia ver o sol se pondo, indicando que logo a noite chegaria, mas nem por isso parou. Não se importava que ficasse escuro, só tinha que andar. A ideia fixa a impedia de pensar no que havia acontecido antes, e o porquê de seus sentimentos estarem... Daquela forma. A única coisa que conseguia pensar no momento era se afastar de sua casa e ir em direção a Noise, a única pessoa que a entendia.

Ou melhor, o único Pokémon que a entendia.

Com tais pensamentos em mente, apressou o passo, afastando os galhos das arvores frutíferas do pomar e as plantas em seu caminho, continuando a fazê-lo até finalmente avistar a caverna, esta sendo uma grande fenda na pedra, por dentro escura e parecendo assustadora, sendo o lugar perfeito para diversos Pokémons noturnos passarem o dia, perfeita para o Pokémon que ela procurava passar o dia, também.

– Noise! – Chamou Chris, de frente para a caverna. Sua voz ecoou, voltando para ela de uma forma assustadora, a única palavra sendo repetida diversas vezes. Ela estremeceu.

Chamou novamente, e momentos depois de o eco devolver sua voz diversas vezes novamente, um Pokémon escuro surgiu, revelando ser um morcego com a cor roxo claro sendo a principal, contrastando fortemente com os pêlos escuros que haviam em sua perna, cobrindo toda a extensão acima e abaixo dos joelhos, além de possuir um colar de pêlos negros em volta do pescoço, cobrindo o peito, a cor se estendendo até o queixo e todo o maxilar inferior do morcego. Fora isso, apenas a franja, a curta cauda e o tecido das asas também possuíam a cor negra, o tecido das asas sendo consideravelmente mais escuro que os outros. Possuía grandes orelhas num lilás mais escuro que o resto do corpo, estas levantadas e que constantemente se mexiam para os lados, na direção de sons que somente ele era capaz de ouvir. O mais interessante na aparência do pequeno Noibat, com exceção de suas asas, eram seus olhos, na cor laranja, mas que eram facilmente confundido com o dourado, parecendo brilhar na pouca iluminação que o sol fornecia.

Esse Pokémon em especial, era um dos poucos que Chris já havia conversado realmente, além de ele ser o único e primeiro que percebera que Chris podia entender não só a fala dele, como também de todos os outros Pokémons. Se conheceram há muito tempo, e se não fosse por ele, Chris não saberia que outras pessoas não podiam entender os Pokémons e não saberia que aquilo certamente não era normal. Além disso, Noise era o único amigo que possuía, o único que não a julgava por esse fato e aquela coisa a mais que ela sabia fazer e nem achava que a menina era uma aberração; pelo contrário, levava aquilo como sendo algo perfeitamente normal.

Esse fora um dos motivos que a amizade entre eles era fácil, pois ambos se entendiam e ambos podiam confiar um no outro para contar coisas que não se sentiriam bem ao contar para outros. E talvez fosse por isso que Chris viera até ele no momento. Nem mesmo ela sabia o real motivo.

Primeiramente, Noise bocejou, deixando claro que a garota havia-o privado de seu sono. Depois, quando viu Chris, sua expressão se tornou um misto de surpresa e preocupação, e, finalmente, o pequeno morcego pousou em um de seus ombros, perguntando o que havia acontecido para que ela ficasse daquele modo. De alguma forma, aquilo fez com que Chris se sentisse melhor, mas nem por isso conseguiu impedir as lágrimas de caírem ou de soluçar.

Mesmo o morcego tendo repetido a pergunta, Chris não conseguiu respondê-lo. No entanto, várias perguntas sem resposta cruzavam sua mente e com elas, tristeza, raiva, medo, tudo de uma vez só, se misturando e deixando-a ainda mais triste. Tristeza por ter pais assim e por julgarem errado que a menina realizasse seu sonho. Raiva pela dor que sentia em seus membros entorpecidos e pelas marcas vermelhas que se encontravam por eles, as quais fazia questão de esconder. Medo do que aconteceria caso Chris continuasse um pouco mais em sua casa, ouvindo sua mãe voltar a falar milhares de coisas, entre elas tentando dar um sermão, falhando inutilmente.

E junto com esses sentimentos, vinham também as velhas perguntas que sempre fazia a si mesma, mas nunca tivera resposta. Afinal, porque seus pais haviam feito aquilo? Seus pais eram pobres e não podiam lhe pagar o dinheiro necessário para ter um Trainer card, por isso a menina juntara o próprio, e quanto mais longe estivesse dos pais, melhor seria, tanto para eles quanto para ela mesma. Ela, que não teria mais que aturar sua mãe a xingando e a fazendo de escrava, lhe culpando por todos os seus problemas e insistindo em rebaixar a garota, a ponto de fazê-la se perguntar se tudo o que sua mãe dizia era verdade ou não, e para eles, que não teriam mais que se preocupar com uma pessoa mais para cuidar, alimentar e gastar o dinheiro com ela. De certa forma, não era realmente um problema que Chris pegasse uma pequena quantidade do dinheiro para juntar ao seu, então, por que aquilo parecia tão errado para eles? E Por que tinham de rebaixá-la tanto? Com exceção de que podia entender os Pokémons e daquilo, ela era normal. Não era...?

Ao menos ali, naquele momento, havia quem realmente se importava com ela, e quem não ligava pela sua estranha anormalidade, e a tratava como uma pessoa qualquer, quem a fazia se sentir melhor só por estar ali. Era por esse e outros motivos que gostava tanto de Noise, e agradecia por tê-lo conhecido. O pequeno Pokémon a ouvia sempre que estava triste e precisava desabafar, fazia o que fosse preciso para fazê-la se sentir melhor, e o contrário também acontecia. Muitas vezes, em segredo dos pais dela, o Noibat vinha até sua casa, mais precisamente o estábulo, para poder visitá-la, e passavam horas juntos.

Eram essas horas em que Chris podia dizer que se sentir normal, embora não fosse normal uma humana entender o que um Pokémon dizia.

E era porque se importava com ele que vinha avisá-lo. Porque, dessa vez, não era como as outras em que brincava, dizendo que algum dia iria fugir, e nunca mais voltaria. Naquelas vezes, não tinha condições de sair e sobreviver lá fora, pois não tinha dinheiro, não teria comida, não teria aonde dormir. Dessa vez, com o pouco que era dado para os treinadores iniciantes, poderia muito bem sair e ter sua jornada. Dormiria ao ar livre, como todos os outros treinadores. Participaria de quantos Contests fossem precisos, e iria realizar seus sonhos.

Esses pensamentos a motivaram explicar-lhe o que estava acontecendo e o que faria, para logo depois deixar um confuso Noise para trás, ou então ficaria ali por um bom tempo. Tinha que voltar para casa para arrumar suas coisas, e então ir direto para a cidade, antes que escurecesse demais.

O Noibat observou ela partir, triste pela menina. Seus cabelos castanhos foram levantados pela brisa fria que passou, fazendo-a estremecer e fazer uma careta de desgosto. Caminhou tão rapidamente quanto o fizera para chegar ao Noibat, agora com outra ideia fixa, para que não começasse a chorar novamente.

Assim que chegou a sua casa, ignorou tudo ao redor e foi direto para o seu quarto, e de lá, foi direto para o seu pequeno armário de roupas, e pegou algumas, escolhendo qual poderia ser a melhor para sair daquela maldita casa. Seu corpo doía e ardia, tanto de dor quanto de raiva, misturada com uma estranha tristeza e revolta. Mesmo concentrada no que estava fazendo, as lágrimas insistiram em cair.

Chris juntou seus poucos pertences e colocou dentro de uma mochila surrada, mas que ainda estava boa o suficiente para usar. Logo depois, tirou de cima da cama o violão a qual também comprara e colocou de volta na capa. Nunca seria capaz de deixar o instrumento para trás. Logo depois, colocou uma blusa por cima da camiseta, e depois foi para a cozinha. Sua mãe não estava lá, para a sua sorte. Provavelmente estava discutindo com seu pai novamente, estressando-o ainda mais de um dia cheio do trabalho. Não que ela realmente se importasse com aquilo, pois seu pai era tão ruim com ela quanto sua mãe, se não pior. Ao invés, preferiu procurar pelos armários qualquer coisa que pudesse levar como comida, enchendo um pouquinho mais a mochila já praticamente vazia.

E então, saiu o mais silenciosamente que pôde, limpando as lágrimas mais uma vez. Dessa vez, não caminhou assim tão rápido quanto caminhara para encontrar Noise e voltar para casa, para finalmente sair de lá. Seu corpo ainda doía pelo o que havia acontecido há pouco, e também por ter ignorado a dor e continuado caminhando ainda assim. Mas não parou. Não podia parar até chegar a Floaroma, e só então poderia relaxar.

Foi motivada a caminhar mais rapidamente quando viu que o céu começava a escurecer cada vez mais rapidamente e o sol sumia no horizonte, principalmente porque aquilo ajudava-a a se distrair dos pensamentos que a deixavam ainda mais triste. Além disso, não seria nada bom ficar no meio do mato, ainda mais no escuro, principalmente por causa dos Pokémons selvagens e pelo fato de que sua visão ia ser dificultada. E também porque seus pais poderiam ir procurá-la, mas, é claro, não porque se importavam com a menina, e sim porque ficariam sem sua escrava particular.

Demorou um pouco, mas finalmente conseguiu chegar à cidade novamente, e já estava tão escuro quanto deveria estar, porém as ruas eram iluminadas pelos postes de luz e pelos letreiros brilhantes, os quais pareciam solitários em seus prédios, visto que não havia ninguém por perto nas lojas onde estes estavam. Na verdade, não havia ninguém nas ruas no momento, diferentemente da tarde do mesmo dia. Todas as pessoas, carros e Pokémons haviam simplesmente sumido, substituídos pelo estranho vazio e pelo estranho silêncio, que claramente não era característico de uma cidade como Floaroma.

Aquilo fora o suficiente para distrair Chris e para que ela pudesse esquecer do porque estivera triste. Agora, estava mais preocupada com as pessoas que deveriam estar ali, mas não estavam. Não era tão tarde assim, então não podia entender o porquê exatamente. Continuou andando em direção a uma praça onde havia uma rua que a levaria para o mesmo Centro Pokémon que sempre visitara.

Para sua surpresa, não havia ninguém lá também, de modo que a praça estava completamente vazia. Por um lado, era estranho, mas por outro, Chris podia ficar com o banco embaixo de uma enorme arvore centenária, que fazia uma grande sombra por seu tamanho. Sentou-se no banco abaixo dela, tirando a mochila e deixando-a no banco ao lado de seu violão, para que desse modo pudesse descansar melhor antes de ir mesmo para o Centro.

Respirou fundo diversas vezes, para que assim sua respiração pudesse se estabilizar novamente. Seu corpo ainda doía, principalmente as pernas por ter forçado-as a uma caminhada forçada varias vezes no mesmo dia, enquanto pensava em diversas coisas várias vezes. Não estava conseguindo se acalmar apropriadamente, e sua mente ficava o tempo todo pensando em várias coisas ao mesmo tempo. Irritada com isso, bufou, e assim que o fez, teve uma estranha ideia, uma ideia que apesar de ser estranha, a ajudaria a se acalmar.

Chris deixou o violão dentro da capa ao seu lado, junto com sua mochila, e se virou no banco da praça em direção a grande arvore que há pouco estivera em suas costas. Olhou para os lados, nervosa, tentando captar algum som que indicasse que havia alguém andando por aqueles lados, mas o único som que pôde ouvir foi o do farfalhar das folhas, causado pela leve brisa que passava no momento. Só para ter certeza, Chris andou até as esquinas, e quando se certificou de que não havia ninguém, voltou a se sentar, ainda nervosa. Mesmo que a certeza de que ninguém estava andando naquela parte da cidade naquele momento, estava com uma terrível paranóia de que alguém em algum lugar iria aparecer a qualquer momento e flagrar suas ações. Por isso, acabou hesitando, mas, por fim, fechou os olhos e respirou fundo.

Passou alguns poucos segundos assim, apenas prestando atenção em sua respiração, ainda nervosa com o que pretendia fazer. Aquela certamente não era a primeira vez que o fazia, estava longe de ser. Mesmo assim, se sentia estranha ao tentar fazê-lo, ainda mais num lugar publico como a praça, onde uma pessoa poderia passar a qualquer momento para flagrar seus atos. Mas por mais que diversas preocupações como aquela passassem por sua cabeça, não conseguia mais parar, ainda mais quando uma estranha sensação a invadiu, como algo quente, porém liquido, deslizasse por seus braços para chegar até suas mãos. Ter tal sensação provava que, mesmo depois de muito tempo não fazendo aquilo, sabia que seus poderes ainda estavam ali.

Finalmente, Chris abriu seus olhos, e momentos depois, levantou as mãos para que pudesse olhar para elas, abrindo os punhos antes fechados no caminho. A menina encarou as próprias mãos, e sorriu depois de ver as chamas brincando por entre seus dedos, iluminando de leve o local em que se encontrava. Seus lábios tremeram, como se quisessem dar um sorriso nervoso, revelando todos os seus medos e preocupações que deixavam-na naquele estado e tiravam sua leve concentração para com as labaredas. Não foi o suficiente para que Chris cessasse as chamas, mas foi o suficiente para que esta perdesse seu controle das mesmas e esta fizesse seu caminho no ar em direção a grande arvore centenária, deixando seus dedos completamente.

A menina piscou, surpresa. Aquela era a primeira vez que aquilo acontecia, por isso, observou com surpresa a fina linha de fogo que antes estivera em seus dedos ondular no ar, como se somente ele fosse o bastante para que queimasse sem realmente estar queimando. A linha de fogo ondulou até a grande arvore, onde do mesmo modo que brincou com os dedos de Chris, brincou com o tronco da arvore, tocando-o sem realmente queimar o tronco da arvore. Surpresa, se aproximou da arvore, tocando a pequena linha de fogo com as mãos, e como de costume não se queimou com o calor, apenas o sentiu numa temperatura morna e, aparentemente, o mesmo acontecia com o tronco.

Aquilo já era impossível o suficiente. Pelo o que a garota conhecia de ciência, somente o oxigênio não era o suficiente para que o fogo se mantivesse, além de não ser possível algo como aquilo estar acontecendo naquele momento. Mas, para começo de conversa, não era possível que Chris criasse as chamas, então, de certa forma, fazia sentido que aquilo não fizesse sentido. Ainda assim, não deixou de se perguntar o que estava acontecendo e tentar encontrar uma explicação lógica para os acontecimentos.

Até que um som se fez ouvir.

Rapidamente, a menina se virou na direção do som, assustada. No fim da esquina, um barulho de pesadas botas foram ouvidos, parecendo ainda mais altos pelo silêncio da cidade. Não demorou muito para que o dono do som aparecesse, revelando ser um homem alto, vestido todo de preto, inclusive uma blusa com um capuz por cima da cabeça, de modo que tornava difícil ver seu rosto, principalmente porque sua cabeça estava baixa e a iluminação da praça estava escassa, tornando ainda mais difícil de se ver, então mesmo que Chris olhasse diretamente para o sujeito, não conseguiria distinguir suas feições. Mas aquilo não importava no momento para a garota. O que mais importava era o fato de que havia uma fina, porém longa linha de chamas na arvore centenária, brincando com a madeira da mesma do mesmo modo que brincara com seus dedos há poucos momentos atrás. Só pelo fato de Chris estar perto, encarando seu feito com assombro, o homem que chegara poderia tirar conclusões precipitadas e, de alguma forma, ligaria o fenômeno a Chris.

Era um medo bobo, movido por uma linha de pensamento sem sentido, mas mesmo sabendo tal coisa e desprezando aquele medo, não conseguia simplesmente não tê-lo. E este medo a fazia pensar que qualquer pessoa que visse Chris perto de fogo, seja este com ou sem explicação, de algum modo associara aquilo a ela, e a partir disso, tal pessoa iria descobrir todo o resto e expor seus segredos para todos.

Por isso, se virou rapidamente, colocando a mochila de volta nas costas e carregando seu violão consigo. Não importava se achava que seus medos eram bobos ou se ainda não havia se recuperado completamente da caminhada forçada ou se seus pés ainda doíam, só importava onde devia chegar e o que devia fazer para se livrar das suspeitas com o fogo na arvore. Deixou as chamas que criara no lugar, sem se preocupar em fazê-las desaparecer, já que, caso fosse realmente fazê-lo, teria de se concentrar novamente e permanecer perto das mesmas. Andou rápido e sem olhar para trás, para que desse modo o homem não visse sua hesitação, e continuou caminhando até o Centro, sendo sempre seguida de perto pelo constante som das botas do sujeito, que logo passou pela morena quando a mesma adentrou o Centro, deixando escapar um suspiro de alivio ao fazê-lo.

– Chris! – Chamou uma voz, assustando a garota. – O que faz aqui a essa hora?

O rosto da enfermeira Joy ao fazer a pergunta demonstrava surpresa, assim como uma confusão com a súbita aparição da mais nova, ainda mais num horário como aquele e com uma mochila nas costas. Do tanto que vira a menina aparecer à tarde, acabara se acostumando com o horário em que ela aparecia, além de presumir que seus pais certamente não permitiram que a morena andasse por Floaroma numa hora dessas.

– Ah! – Exclamou Chris ao vê-la, demonstrando sua surpresa. – Eu só... vim buscar meu Trainer Card mais cedo e... passar a noite aqui, se eu puder...

– Por quê? – Perguntou a mulher, desconfiada. – Aconteceu alguma coisa?

– Não, não. Só quis começar minha jornada mais cedo.

Joy encarou-a, claramente desconfiada da morena, mas não fez mais perguntas.

– Tudo bem, então. O seu Trainer Card já chegou, e quanto ao quarto, eu vou ver um para você...

Chris assentiu em resposta, preferindo olhar o local mais uma vez enquanto a gentil enfermeira fazia alguma coisa em seu computador, provavelmente checando se havia um quarto para Chris passar a noite. Estranhamente, aquele CP em especial se encontrava vazio em comparação a tarde do mesmo dia, sendo somente ela e a enfermeira as únicas pessoas ali, do mesmo modo que as ruas da cidade se encontravam. Estar ali no Centro Pokémon a noite já era estranho, e ver que não havia ninguém e que o silêncio dominava apenas contribuía para que aquela visita ficasse cada vez mais estranha.

Era a época em que os treinadores, sejam estes novatos ou avançados, começavam sua jornada em busca de fitas ou de insígnias para participar das duas maiores competições do continente: A Liga Pokémon e o Grande Festival. Por esse motivo, parecia estranho não haver ninguém ali no momento. Tinham muitos hoje a tarde, faria mais do que sentido o local estar igualmente cheio a noite também.

Esse pensamento e o incomum fato de que não havia ninguém ali no momento a incomodou tanto que Chris se viu forçada a perguntar a enfermeira, que não pareceu nem um pouco surpresa com a pergunta.

– As pessoas estão com medo. – Disse ela, sem tirar os olhos do computador. – Do ataque da Equipe Rocket em Jubilife, quero dizer. Floaroma não é tão longe assim de lá, então há grandes chances de que algo parecido aconteça aqui também. Sem falar que a Equipe Rocket são criminosos. Só por eles estarem à solta de novo, as pessoas sentem medo e tentam evitar sair a noite, principalmente depois do que o Cavaleiro fez com aquele menino. Além disso, alguns treinadores estão saindo de Floaroma muito rápido...

A mulher de cabelos rosa continuou falando, mas Chris não ouviu. Estava mais preocupada com o suposto ataque da Equipe Rocket, comandado pelo temido Cavaleiro do Manto Negro. Ouvira falar do ataque e do que a Equipe Rocket fez no passado e andava fazendo agora desde que ouvira os rumores de que alguns membros da Equipe haviam fugido da prisão em que estavam. Mesmo ouvindo tais coisas, sendo as pessoas dizendo-as diretamente para a morena ou não, estavam na boca de quase todos, embora até mesmo ela soubesse que a mídia nunca dissera algo parecido. Em compensação, a mídia falava –e muito- do Cavaleiro do Manto Negro e sua primeira vitima real, o criminoso preferido de qualquer emissora, principalmente pelo ataque recente a cidade de Jubilife. Então, ela compreendia o medo que as pessoas pareciam sentir da Equipe Rocket.

Entediada, voltou a prestar atenção no que a enfermeira dizia, bem a tempo de ouvir sua pergunta:

– ...Estou surpresa de ver você aqui tão tarde e pedindo um quarto. Seus pais finalmente deixaram você sair?

– Uh... Sim. E eu quis sair um pouco mais cedo, também.

Joy franziu o cenho.

– Ouvi falar que poucos pais deixam seus filhos sair, por medo da Equipe Rocket e do Cavaleiro... Você é sortuda por conseguir, huh?

– É.

A conversa morreu, e Chris encarou um ponto fixo qualquer, olhando o local sem realmente vê-lo. Finalmente, a enfermeira murmurou algo e saiu, dizendo que pegaria seu Trainer card.

Uma vez sozinha, Chris se permitiu suspirar e brincar com os próprios dedos, ainda quentes pelas chamas de pouco tempo atrás. Não dera muitos detalhes a enfermeira sobre o porquê de ela estar ali naquele momento, e esperava que ela não desconfiasse e ligasse para seus pais, avisando onde estava e estragando todo o seu plano de fugir de casa para ter sua própria jornada, o que até agora vinha funcionando sem problemas. Mas depois de ouvir da enfermeira que os pais não estavam deixando os filhos saírem por medo da Equipe Rocket e do que poderiam fazer, as suspeitas em cima de seu aparecimento repentino no Centro Pokémon aumentaria mais ainda.

Chris olhou para as mãos novamente, sentindo o calor das chamas antes mesmo delas aparecerem. Fazer aquilo a ajudou a se acalmar melhor do que teria feito caso respirasse fundo ou algo assim. E agora que estava mais calma, sabia que a enfermeira não faria isso, e sabia também que estava se preocupando a toa, assim como se preocupara a toa momentos antes de entrar no CP. Extinguiu as chamas em sua mão com um leve movimento, esperando a enfermeira. Pouco depois, ela voltou pela mesma porta que havia entrado, tirando o seu Trainer Card de um envelope. Somente a visão dele fez Chris estremecer, vendo que finalmente podia dizer que era uma treinadora oficial.

Joy entregou para a menina o cartão e deu as instruções de como abrir sua conta, a qual podia fazer agora mesmo, e com isso, Chris se dirigiu ao local indicado para seguir as instruções.

Depois disso, voltou ao saguão, onde a enfermeira lhe deu a chave de um quarto no terceiro andar. Isso era outra coisa desconhecida para ela, portanto, ficou feliz em receber essa chave e poder finalmente ver o que havia além do saguão do Centro, agora como uma verdadeira treinadora. Não importava se a menina ainda não possuía uma Pokédex, Pokeballs e nem mesmo o Pokémon. Essas coisas ela poderia conseguir mais tarde, só depois que Chris deixasse de se sentir tão feliz em ter seu Trainer Card em mãos e de se encontrar num quarto do Centro Pokémon como uma treinadora pela primeira vez. Não havia nenhuma preocupação ou algo que estragasse aquela felicidade no momento.

Sentou-se na única cama que havia no quarto e sorriu. Por impulso e sem nenhuma razão especifica, aproveitou que estava sozinha e se permitiu brincar com suas chamas mais uma vez, feliz com sua pequena conquista e o que poderia ter por ter conseguido o primeiro objetivo. Talvez pudesse encontrar outras pessoas como ela, que podiam entender os Pokémons e talvez, quem sabe, outros que também eram capazes de fazer aquelas coisas como ela fazia, e talvez essas pessoas pudessem dar as devidas respostas para todas as perguntas que a menina tinha. Mas mesmo que não tivessem, só de encontrar outros como ela já lhe era o bastante. Saber que não era a única, o que certamente não devia ser, lhe bastava.

Encarou as chamas em sua mão, dessa vez cobrindo toda a extensão da palma e dos dedos em um fogo alto, brincando com elas enquanto o sono não vinha, ao mesmo tempo que imaginava como seria sua jornada, algo que fizera muitas vezes. Balançou a mão em chamas, divertindo-se ao vê-la coberta pelo fogo e o mesmo deixar um rastro no ar ao acompanhar seus movimentos. Assim que se cansou da brincadeira, extinguiu as chamas, pronta para dormir. Mesmo sem ter sono, tinha que dormir logo para acordar cedo e sair o mais rápido possível, antes que alguém percebesse que Chris não estava mais na fazenda e viessem procurá-la. Pronta para fazer isso, fechou a mão em chama para encerá-las de vez e ir se deitar.

Só que elas não desapareceram.

Confusa, Chris repetiu o ato que sempre usara para encerrar as chamas, mas ao invés de elas obedecerem ao comando, continuaram acesas, sem queimá-la realmente. Mantiveram a mesma altura, sem alteração alguma, mas se recusaram a desaparecer, não importava o que a morena fizesse para encerá-las.

Rapidamente, o desespero tomou conta de Chris, trazendo-lhe medos bobos e infantis: E se sua mão ficasse assim para sempre? E se por causa disso causasse acidentes? Imediatamente, se repreendeu por pensar nisso. Chris estava nervosa, e por isso aquilo estava acontecendo, certo? Se ela se acalmasse, tudo voltaria ao normal e poderia finalmente ir dormir como planejava fazer. Ela só tinha que se certificar de que as chamas se apagassem do mesmo jeito que sempre fizera. Era simples.

“Mais fácil falar do que fazer”, pensou ela logo depois de tentar pela quarta vez. Balançou a mão freneticamente pela frustração, a espera que desse modo o fogo se apagasse, do mesmo modo que aconteceria a uma vela. Com isso, as chamas roçaram no lençol da cama em que estava sentada, e para sua surpresa, as chamas finalmente saíram de sua mão e passaram para o lençol, utilizando-se dele para se manter aceso, mas dessa vez, queimava de verdade. Chris soltou um grunhido estrangulado com isso, assustada, e depois de hesitar por alguns momentos, tirou rapidamente o lençol da cama e suas coisas de lá, para evitar que estas fossem queimadas, ao mesmo tempo em que tentava afastar o fogo dos móveis. Se aquilo queimasse, Chris ia ter muitos problemas.

Seus esforços foram inúteis, pois as chamas continuaram na cama mesmo tendo tirado o lençol que a cobria, se espalhando rapidamente, mais do que ela achava ser possível. Ao ver aquilo, acabou desistindo de tentar impedir o fogo e pegou suas coisas, colocando a mochila nas costas novamente, pois do jeito que estava, não achava que conseguiria apagar o fogo simplesmente jogando água. Precisava fazer alguma coisa para impedir o que havia feito, e precisaria de ajuda para isso. E logo.

Desceu os três lances de escada rapidamente, quase tropeçando nos próprios pés ao fazê-lo. Quando chegou ao saguão, acabou deslizando pelo piso do local, mas não restou atenção e nem se preocupou, já que não fora o suficiente para acabar tropeçando.

– Enfermeira! – Chamou a menina, procurando pela mesma. Para sua surpresa, ela não se encontrava ali naquele momento, mas nem por isso parou de chamá-la. – Enfermeira! Enfermeira Joy!

Chamou-a mais algumas vezes e pediu por socorro, mas não obteve resposta. O desespero começou a tomar conta mais uma vez, fazendo Chris imaginar todo tipo de coisa que poderia acontecer caso não fizesse algo. Podia até mesmo ouvir os gritos das pessoas e ver a face da mulher de cabelos rosa jogar a culpa em Chris, com um olhar que era capaz de descobrir todos os seus segredos. Podia ver o Centro em chamas. Por sua culpa. Não, Chris não podia deixar que aquilo acontecesse, e não podia deixar que a enfermeira descobrisse que o incêndio começara em seu quarto por sua culpa, ou tudo o que acabara de conquistas, seus planos e seus sonhos, tudo isso estaria acabado. Ainda assim, mesmo não tendo a ajuda, não podia deixar que um incêndio começasse, ou não seriam apenas os sonhos dela que estariam acabados.

Deixou de pedir por ajuda e olhou pela sala, a procura de um extintor de incêndio. Assim que o localizou, o tirou do apoio que o mantinha na parede e voltou a correr em direção ao seu quarto, tentando descobrir como aquilo funcionava no caminho. Chris iria por um fim naquilo antes que algo pior acontecesse. E iria impedir que a descobrissem.

Ou pelo menos tentaria.


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Notas finais do capítulo

YEEE o que acharam? Nesse capítulo teve uma pequena demonstração dos poderes do Altaris e do acontece caso ele apronte demais, e, surprise, o Vulpix reapareceu~ Mas deixem esses dois de lado, porque o foco principal foi a Chris. Essa é uma das personagens que a Alysse fez, e man, eu não percebi que a parada dos Trainer Cards ia ser extremamente útil para ela até que fui escrever esse chapter. Fora isso, teve um draminha e tal, e espero que tenha ficado bom porque, pra ser sincera, eu não costumo escrever drama, e tudo isso aqui é, na maioria das vezes, uma experiência nova pra mim. Mas aceito criticas quanto a isso ok? u_u
Voltando, eu gostei de ter escrito sobre a Chris na maior parte do capítulo. Esse chapter era pra ser inteiramente dela, eu nem sei porque botei o troço do Altaris dali, mas havia ficado tão legal que eu não podia simplesmente ignorar. E acabou que o resto do capítulo ficou tão bom quanto eu achei, com o drama e tudo e como ponto de vista voltado para a Chris e pela situação dela.
E fora isso, mesmo que não tenha acontecido muita coisa nesse chapter dela, tentei fazer o possível pra ele não ficar tedioso. Mais de 10mil palavras e um tédio profundo não são nada, nada legais, huh? Eu também queria testar algo que aprendi para capítulos assim nos meus profundos estudos (cofcof mentira cofcof) sobre a escrita de capítulos tediosos e mesmo assim deixar o leitor lendo, que no caso, seria revelar as informações aos poucos ao invés de jogar tudo na cara no leitor e, ao meu ver, ficou bom, mas eu ainda quero criticas e elas são extremamente bem vindas.
Enfim, acho que é isso que tenho pra dizer sobre esse chapter. Aliás, peço desculpas por estar repetindo o CP em chamas, mas são circunstâncias diferentes, né. E é isso
Jaa ne~



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