- Você quer brincar de esconder também?

Mamãe olhou com expectativa para mim da cozinha. Pude sentir seu olhar, mas não me virei muito para olhá-la.

- Pode ser. Eu vou procuro e você se esconde, okay?

Ele juntou minhas mãos no rosto e correu para se esconder. Eu contei até dez e abri meus olhos. Como toda criança pequena, Micky não sabia se esconder assim tão bem, então imaginei que seria fácil encontrá-lo. Eu rodeei os sofás, porém ele não estava na sala. Também procurei pela cozinha, mas ele não estava lá. Nem no quintal. Nem na sala e quarto de trás, muito menos no banheiro de baixo. Eu subi para o segundo andar, virei praticamente tudo de cabeça para baixo e não o encontrei. Eu desci as escadas novamente e quase pulei de susto ao ver Micky sentado no sofá, mandando beijinhos. Mamãe riu da cozinha.

- Você o ajudou? - perguntei a ela.

- Não - ela negou. Devia estar brincando.

Eu fui até Micky.

- O.K., você venceu essa. Eu conto de novo.

- Jesse... - Jonah chamou baixinho.  - Eu posso brincar também? Nós podemos brincar também? - ele olhou para mim e para Jason.

Eu olhei para mamãe e ela mais uma vez mantinha certo olhar de expectativa. Se eu dissesse sim, essa seria o primeiro dia em família de verdade, como na antiga casa, como sempre. Como antes de Loui. Seria tão fácil assim esquecê-la?

- Sim - murmurei e fui para a porta da frente. - Mas vamos mudar o ponto inicial.

Agatha desligou o som e correu para junto dos meninos. Eu pensei que Kendra poderia ir também, mas ela estava olhando para mim com uma cara estranha e não saiu do seu lugar.

Então eu me virei e me pus a contar em voz alta.

- Um, dois, três, quatro, cinco, seis... - comecei a ouvir os sussurros sobre de onde se esconder e os primeiros passos a serem dados.  Casinha no quintal... Quarto de Agatha... - Doze, treze, catorze, quinze, dezesseis - banheiro de baixo... Cozinha... Árvore... Nossa.

  Ouvi mamãe dar algumas dicas também, mas não tão interessantes assim. Eu ouvia a voz de todos menos a de Micky e Kendra. Logo tudo ficou silencioso e eu ouvi apenas portas se fechando, pés arrastando e gritos baixos de "Aqui!" ou "Aqui é melhor!". Então eu parei de contar:

- Prontos ou não... Lá vou eu!

Kendra ainda estava no mesmo lugar, olhava para o chão. E por um instante eu me perguntei por que achavam que o louco da casa era eu. Afastei o pensamento da cabeça e corri para o andar de cima.

Foi fácil achar Agatha em cima do armário de mamãe. Depois encontrei Jonah embaixo de sua cama e Jason dentro do guarda-roupa de Micky.

- Ah! Você sempre pega todo mundo! - Jonah reclamou.

- Não... - Jason me olhou. - Onde está Micky?

- Ele não veio com vocês?

- Nem o vimos. - ele deu de ombros.

Nós descemos as escadas rapidinho. Eu não iria olhar para Kendra, mas ela disse algo que me chamou atenção.

- Olhem no porão.

Ela estava na sala, de costas para a escada, e o porão era no corredor atrás da escada, do lado da cozinha. Nem mesmo eu da porta poderia ter visto alguém entrar lá.

- Como você sabe? - Jonah perguntou.

- Eu o vi passar para o quintal. - Mamãe discordou e depois fez uma cara que demonstrava arrependimento por tê-lo denunciado.

- E ele pulou a janela da sala de trás e foi para o porão - Kendra continuou.

- Vamos ao quintal. Ela pode estar nos enganando - Jason retrucou.

Decidi dar ouvidos a ele, era o mais provável. Kendra não poderia ter visto isso se ficou o tempo todo sentada no sofá, e, além disso, mamãe o viu correr para o quintal. E como Micky conseguiria pular uma janela sozinho. Mas o fato de ele ter ido para o quintal era estranho, já que estava de noite e ele deveria ter medo. Se tivesse ido para lá devia estar no batente ou perto da árvore. Ele só tinha cinco anos.

Nós saímos para o quintal, mas nada de Micky. A luz de fora estava acesa e só iluminava até a árvore, o que comprovava minha teoria de uma criança apenas se atrever de ir até lá. Mas ele não estava. Eu contornei a casa, sendo seguido por Jason e Agatha e fui até a janela da sala. Sempre ficava fechada, ele não poderia abrir por fora. Jason quase gritou. Estava aberta. Ele correu de volta para casa comigo e Agatha em seu encalço. Kendra estava agora parada na escada e Jonah estava ao seu lado, rindo da nossa cara.

- Bom, Kendra tinha razão - ele deu de ombros.

- Mas... Como? - Olhei para a porta da frente e lá estava Micky, olhando para nós com sua cara divertida e infantil de sempre, as covinhas aparecendo na bochecha.

- Agora eu sou o melhor em esconder, Jesse. - ele sorriu.

- Como você conseguiu? Onde você estava? - Agatha perguntou.

- É segredo... - ele riu.

- Tudo bem, agora quem conta é Agatha, não é? - Jonah interrompeu.

- Não, ainda falta achar ela.  - Micky correu para as escadas.

Meu coração parou por uma fração de segundos. Mas foi mamãe quem fez a pergunta que ninguém teve forças para fazer.

- Ela quem?

- Lou... A amiga de Jesse. E minha também - ele deu pulinhos na escada e depois se sentou ao lado de Kendra.

- O que disse? - Jonah arregalou os olhos.

- Eu vou dar uma dica... Não! Não posso - ele tapou a boca e olhou para a cozinha.

Nós olhamos também, mas não havia nada. Nada que pudéssemos ver.

- É difícil achar Lou - Micky continuou. - Só Jesse pode achá-la. Por isso ele é que tem que procurar.

- Micky - mamãe se aproximou dele. - Do que você está falando?

- Ah, mamãe, você sabe - ele olhou para ela. - Lou, a amiguinha do Jesse. E minha também, agora.

- Você... Você... A vê? - Agatha perguntou.

- Nem sempre. Ela gosta de desaparecer. Ela me levou no quintal e me ajudou a pular a janela e ir para o porão.  Ela disse que eu não preciso ter medo dela. Nem do Jesse.

Jason tossiu.

- O Jesse o fez contar essa mentira, só pode.

- Não fez nada! Jesse não mente! - Micky gritou. - Lou está no porão! Epa - ele tapou a boca novamente. - Ah, vocês não vão achá-la, ela desaparece quando quer. Talvez nem Jesse a veja. Ela passou o dia todo invisível, ela me disse. E por isso Jesse estava tão triste.

- Vamos pra cama, Micky - mamãe tentou pegá-lo no colo.

- Não! - ele subiu um lance de escada. - Só depois de a brincadeira acabar.

- A brincadeira já acabou. Jesse encontrou todo mundo - ela continuou.

- Não. Falta Lou - Micky subiu outro lance de escada.

- Lou não existe - Jason retrucou.

- Olha ela ali. - ele apontou para a cozinha.

Nós olhamos juntos, porém dessa vez eu a vi. Ela estava lá, porém com uma expressão um pouco triste. Na verdade, muito triste. Talvez por minha causa. Ela moveu os lábios num pedido de desculpas silencioso, que apenas eu pude entender.

- Ali não tem nada. Agatha, leve Micky para o quarto. A brincadeira acabou - mamãe falou, agora seria e imperiosamente. - Todo mundo pra cama. Jesse também. Eu vou ligar para o pai de vocês agora. E ele virá com o Reverendo Breslyn.

- O quê? - Virei-me subitamente para ela.  - Não! Você não pode.

- E se ele não der jeito - ela continuou, ignorando minha interrupção. - Iremos nos mudar daqui.

- Mãe, você não pode fazer isso. - Agora Micky retrucou.

Loui se arrastou até ele e disse alguma coisa em seu ouvido. Pude sentir Jonah tremer ao meu lado - um calafrio.  Kendra se afastou bruscamente de Micky e subiu as escadas.

- Micky! - mamãe gritou. - Agatha, leve-o para o quarto. Rápido! Vocês dois também, subam - ela enxotou os gêmeos com o pano de prato. - Jesse, se quiser ficar, até pode, mas para conversar com o Reverendo também. Se não, suba lá para cima e deixe que os adultos cuidem da coisa. Nós iremos organizar tudo aqui. Tudo!

"Eu sou mais forte do que eu". Suspirei.

- Mãe...

- Vai subir ou não? - ela perguntou, já se dirigindo ao telefone.

- Eu te deixo ser. Deixe-me ser, então. - sussurrei.

- Você não é. A coisa é que é. E ela está atrapalhando a nossa, a sua vida. Será que não vê?

- Você é que não vê. Eu... Eu que disse para Micky inventar aquilo. Loui é minha amiga imaginária. 

- Jesse, nem na China você teria dito isso. Micky é uma criança.. Se você tivesse dito isso a ele, seria para piorar ainda mais a sua situação. E por favor, não me interrompa.