Quantum escrita por bragirl2


Capítulo 21
Verdade




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Capítulo 20 – Verdade

Foi tão rápido que eu teria perdido se tivesse piscado.

Eu queria, do fundo do coração, ter piscado.

Arqueiro refugou o último obstáculo, empinando agressivamente. O capacete de Bella soltou e ela caiu da montaria. A cabeça foi a primeira parte dela a tocar violentamente o chão.

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BPOV

Ele me contou que não se lembrava ao certo do que tinha acontecido depois. Entrou em choque e quando deu por si estava no hospital. Depois era como se tivesse tido um sonho muito ruim.

Segurei as lágrimas. Se Edward, que tinha vivido essa tragédia, demonstrava tanta bravura compartilhando, revivendo tudo sem chorar... Manter a compostura era o mínimo que eu podia fazer.

Eu mal conseguia imaginar o que ele tinha passado. Os pais dela, os amigos deles. O pobre cavalo, que teve de ser sacrificado.

— Só saí do torpor quando soube o que fizeram, o que precisaram fazer com Arqueiro. Até então era como se tivesse visto um filme, não era comigo. Quando Carmen, com todo jeito, me contou o destino do cavalo dela... Eu quase enlouqueci. Pensava em como ela ia sofrer, em como ia ficar arrasada quando soubesse. E quando dei por mim que ela nunca mais reagiria... Que não estava mais ali... Acho que aí eu enlouqueci de verdade. Nos meses seguintes tudo que eu fiz, tudo em que eu consegui pensar, foi em comprovar a teoria maluca de que, em alguma parte do universo, qualquer que fosse, nosso destino seria diferente. – Edward concluiu.

O sol já estava baixo no horizonte. A sombra onde nos sentamos havia se deslocado e a luz agora nos atingia. A brisa do mar era mais persistente e movia a areia a nosso redor. Já não estava mais tão quente que fosse preciso fugir dos raios do sol.

Ficamos conversando por quanto tempo? Duas horas, no mínimo. Eu não o interrompi uma única vez. O que ele contava era tão irreal, tão fantástico que eu precisava de toda a minha concentração para absorver.

Ainda assim era difícil acreditar. Ele era um viajante de outra dimensão? Éramos apaixonados em um mundo paralelo? Eu morri e ele atravessou um portal para me resgatar?

Se isso não bastasse, havia ainda informações a meu respeito, sobre minha vida, que ele acabara de revelar e que seriam suficientes para me deixar acordada a noite toda por algumas madrugadas a fio.

Minha cabeça girava. Eu não conseguia encontrar palavras. Edward parecia ansioso por minha reação. Olhava-me com a expressão profunda, observadora, que ele já havia lançado algumas vezes durante o relato. Era como se, acima de tudo, aspirasse pela minha compreensão.

Resolvi começar pela parte mais remota da história, mais íntima para mim. Respirei fundo e consegui recuperar a voz, que saiu um pouco rouca.

— Esse homem... esse Charlie Swan... Você acredita que ele seja meu pai?

Ele contraiu o corpo, por um momento assumindo uma feição pensativa.

— Sim. Acredito que ele não saiba, no entanto.

— Como assim?

— No primeiro dia em que cheguei aqui, procurei-a na sua casa, ao menos onde pensava que seria. Fui recebido pelo Felix, e ele não sabia nada a seu respeito. E ele sempre soube tudo. Ao menos tudo que se refere a Charlie. Ele, por exemplo, sabe de sua mãe.

Eu o ouvia com atenção.

— Sabe, Bella, eu pensei sobre isso depois daquele primeiro dia... Você acredita que um homem que mantém, por vinte anos, a assistência médica de uma ex-namorada... Às escondidas, arriscando ser descoberto pela esposa... Não ofereceria no mínimo alguma assistência ou atenção à filha que ele teve com ela, caso ele soubesse disso?

Era ele? Meu... pai mantinha os gastos com a clínica? É possível que nem tia Charlotte saiba disso. Esse Charlie que ele conheceu tinha se separado da primeira esposa depois de conhecer a mãe dela. Pensei o quão distante essa realidade era do que minha mãe tinha vivido, ainda vivia.

Fiquei um tempo pensando na pergunta dele, observando o colorido de uma pipa solta que subia ao céu. Mais adiante um menino levava na mão um pedaço de linha arrebentada. Fazia beicinho e era consolado pelo pai.

— Não sei... Ele pode justamente temer que qualquer contato comigo revele algo sobre esse relacionamento do passado, sobre essa vida que ele teve e da qual não deve se orgulhar muito.

Ele me avaliou, sério.

— Você pensa em tirar essa história a limpo? Em procurá-lo?

— Não – respondi de imediato.

Ele agora parecia surpreso.

— Edward, o que ocupou sua mente por algumas semanas é meu dilema de uma vida. Precisamente há 18 anos eu sonho com o momento em que esse homem abstrato apareceria, me tomaria nos braços e se revelaria meu pai. Mas agora... – parei por um momento, focando em minhas próprias mãos, entrelaçadas sobre meu colo – Parece que o tempo em que precisei de um pai já passou. E eu me virei bem sem ele. Para quê eu o procuraria agora? Somente pelo apoio financeiro? Não... Gosto de pensar que posso me virar sem isso também. Aparecer agora na vida dele seria até egoísmo da minha parte.

O que eu não queria mesmo era arriscar ser rejeitada de novo para descobrir se realmente houve uma primeira rejeição. Ou pior: fazê-lo sentir remorso por ter sido ausente em minha vida.

Ficamos ambos calados por alguns instantes. Ele ainda me olhava intensamente. Por fim, falou.

— Bella, você não para de me impressionar...

Sorri, mas não de alegria. Flashes da história dele passaram em minha cabeça. Algumas imagens casavam com meus déjà vus, outras com meus sonhos.

— Como você já percebeu, eu não sou ela.

Eu queria muito, pensei. Queria ser ela, para ele. Queria que ele me amasse como a amava. Meu coração doía ao sentir que se tratava de um parâmetro inatingível.

Edward encarou a areia.

— Não, não é. – A voz suave contrastava com a força do que ele dizia. De novo segurei as lágrimas. – Soube disso quando a vi pela primeira vez. Quando olhei nos seus olhos eu vi. Eu vi você,Bella. – Disse, erguendo o olhar na minha direção.

Antes do que eu gostaria, ele voltou a afastar o olhar. Suspirou e levou a mão aos cabelos, puxando-os de leve, exasperado.

— Sabe... Dói muito deixá-la. Toda vez. Quando voltei pra casa na primeira vez, quando contei para o doutor Banner tudo que tinha acontecido... As besteiras que eu tinha feito, de me aproximar de você, de não resistir e segui-la naquele dia...

— Você o quê?

— De intervir quando aqueles caras ameaçaram você... Ele quase teve um treco. – Edward esboçou um leve sorriso e eu nunca me senti tão grata por alguém que nunca tinha visto, como estava por aquele cientista maluco naquele momento. – Quando se acalmou ele me alertou. Bella ninguém é igual, ele disse. Vocês duas, por mais que tivessem vidas análogas em dimensões paralelas sempre foram almas distintas. São tão diferentes, Bella. – Ele falava pausadamente, a voz murmurosa.

Soltou um breve suspiro e completou, baixinho.

— Me pego gostando demais dessas diferenças. Muito mais do que seria racional.

— Tem coisas sobre as quais não é possível usar a razão.

Pensei em como minhas palavras se aplicavam sobretudo, a mim mesma. Se eu usasse a razão naquele momento, teria de pensar no futuro, na incerteza e no vazio que eu sentiria mais tarde, quando ele fosse embora.

Não. Melhor ignorar a razão por agora.

Ele franziu o rosto e os olhos fugiram para o horizonte, que estava em um rosa intenso pelo pôr do sol. Continuávamos sentados pelo que parecia uma eternidade. Minha perna estava formigando e eu precisava me esticar.

— Vamos andando? – propus.

Edward levantou e estendeu a mão para me ajudar a ficar de pé. Apoiei-me nele e tomei impulso para me erguer, mas o desequilíbrio me venceu. Acabei colidindo contra o corpo dele. Edward arqueou as costas e deu um passo para trás para recuperar a estabilidade.

Quando nossos olhos se encontraram tomei consciência da outra mão dele, espalmada na parte de trás de minha cintura. Alguns dedos tocavam diretamente minha pele, entre o final da blusinha do uniforme e a calça que eu usava. Lembrei as outras vezes em que estivemos tão próximos – naquele primeira noite enquanto ele me levava para casa, no passeio de moto e durante o sono que tiramos no sofá, no mesmo dia. Meu corpo pareceu lembrar também.

Rápido demais, ele se desvencilhou de nosso abraço inesperado, assim que se certificou de que eu havia recuperado o domínio sobre minhas pernas. Procurei por algum sinal de desconforto em seu rosto, mas o que vi me agradou demais. Outro sorriso tímido.

Começamos a caminhar lado a lado, devagar, de volta à parte central da praia. A faixa de areia estava vazia, à exceção de nós dois.

Pela visão periférica, percebi que ele me observava.

— Você parece mais calma agora – atestou. — Se você tiver alguma pergunta... Eu não quero mais nenhum segredo, Bella. É só perguntar. Esconder tudo de você aqueles dias foi... tortura.

— Bem, acho que estava esperando o pior – confessei.

— Como assim?

Puxei o ar lentamente enquanto pensava em como explicaria a forma que minha imaginação completou as lacunas quando ele me deixou ao longo daquelas semanas.

— Imaginava que você estivesse brincando com meus sentimentos. Que me quisesse como mais uma conquista em sua coleção.

Ele parecia confuso. Procurei ser o mais sincera que pude.

— Pode parecer estranho, mas o fato de você pertencer a outro universo é mais reconfortante do que meu maior temor... Que era você não gostar de mim realmente. – Concluí, encabulada.

— Eu? Não gostar de você? Bella... Isso é inconcebível. – os olhos dele estavam intensos nos meus.

Edward suspirou. Quando voltou a falar, a voz era estrangulada, mais baixa que o normal.

— Talvez você esteja perdendo o real ponto aqui. Acho que eu não fui claro o suficiente antes. E eu preciso ser.

Ele parou de caminhar e se virou na minha direção. Fiz o mesmo, aproximando-me para ouvir melhor.

— Veja, encontrar você é contra as leis. Eu estar aqui, essa simples conversa, tudo é arriscado demais. – Ele tocou meu rosto, meus cabelos, de leve e com cuidado por um instante curto demais. – Dr. Banner, nessa última vez, ele me perguntou se valia a pena provocar uma situação irreversível, pôr fim a toda a humanidade... Eu estou sendo tão egoísta, Bella. Tão egoísta... Eu disse que sim.

As palavras dele provocavam uma dor no fundo do meu peito. Um temor antigo ressurgia. Estávamos a meio passo de distância. O rosto dele a centímetros do meu.

— Pensei que vindo até aqui eu encontraria a força de que precisava para seguir em frente, que sofreria menos se a reencontrasse. Que poderia fazer isso sem causar qualquer efeito sobre você ou interferir em sua vida.

Ele desfez a expressão de dor e seu rosto assumiu uma máscara de súplica.

— Mas cada vez que a vejo percebo como sinto falta da sua presença, de conversar com você, de tê-la perto assim. É você, Bella, você. É como se tudo que senti por ela, que eu sinto, tudo que passei, minha vida até aqui... só tivesse me preparado para isso, aqui, agora. Seu calor, seu cheiro, o jeito que você me trata, como eu sou quando estou com você... Aqui, – ele apontou para o espaço entre nós dois – aqui eu me sinto em casa.

A fala dele era disparada. Atingia-me como um jorro lenitivo. As palavras eram para mim como água, que eu absorvia com uma sede eterna.

Precisava dizer a ele o que sentia, não podia mais suportar. De repente, um enorme quebra-cabeça se encaixava em minha mente. Tudo fazia grande sentido.

— Não posso compreender a dor que você sentiu quando ela morreu. – Ele se encolheu à mera menção da palavra. Para mim era muito estranho pensar que, ao mesmo tempo em que eu nunca me sentira mais viva, a vida tinha me sido ceifada em uma realidade paralela. – Mas, Edward, agora eu entendo o que eu senti nas outras vezes em que nos vimos, em que nos falamos. Nada partiu de um ponto que para mim deveria ser inicial. Esse lugar está lá atrás, só uma pequena parcela de mim mesma detém essa informação.

Ele me encarava, um misto de surpresa e alegria no rosto. Ele estreitou ainda mais a distância entre nós e voltou a pegar minha mão. Todo meu corpo respondeu a isso. Minha pressão sanguínea deveria estar alta o suficiente para provocar um aneurisma em pessoas mais frágeis.

— Nada acontece por acaso, não é?

— Não. Tanto que em meu subconsciente você já está presente há muito mais tempo. Mas só pude saber disso, do quanto ansiava por nosso reencontro, quando coloquei os olhos sobre você, no dia em que cruzou a porta do café. No mesmo dia em que salvou minha vida. No mesmo dia em que tive meu primeiro sonho com você. – Os olhos dele estavam mareados, assim como os meus. – Agora já penso que não deveriam ser sonhos. São lembranças de uma vida que tivemos. Ou, no máximo, projeções de momentos que ainda teremos – minhas palavras acertavam o ar com a força. Ficamos em silêncio por algumas batidas de coração.

— Perceba que desse ponto não há volta – ele disse, a voz rouca e baixa, em tom de leve ameaça.

Não entendi. Vendo minha expressão de dúvida, ele prosseguiu.

— Não pode retribuir o que sinto, com a tamanha intensidade com que sinto, e esperar que eu consiga viver em algum universo distante de você.

— Eu sei – sussurrei, como se tivesse um novelo de lã preso à garganta. Se eu o libertasse, um mar de lágrimas iria se soltar em meu rosto. Era a última coisa que eu desejava. Chorar enquanto ele estava bem na minha frente. A estonteante beleza de seu rosto merecia todos os meus sorrisos, nenhuma lágrima.

Ele tocou meu pescoço com as pontas dos dedos. A outra mão pousou em minhas costas, na altura de minha cintura, me puxando para mais perto. Nossos lábios a uma mínima distância. O aroma da respiração dele lavava meu rosto, entrava em mim a cada inspiração. Ele ainda me olhava fundo nos olhos. Parecia prolongar o momento que antecede o beijo, mas percebi que, na verdade, ele se decidia.

Fechei os olhos, com a intenção de me abster da decisão dele. Eu já estava certa de tudo. Se ele soltasse meu corpo naquela hora, se desistisse de mim, eu podia morrer como ela. Tudo estaria acabado. Uma lágrima desatou do novelo de lã da minha garganta. No instante em que ela rolou por meu rosto, ele a secou gentilmente com a mão, e pousou os lábios sobre os meus.

A expectativa de emoção que eu tive sonhando com esse momento, nada era em comparação com o momento em si. Parecia que fogos de artifício explodiam em minha mente, espalhando partículas de sensações por todo o meu corpo. Eu acompanhava com paixão os movimentos dos lábios dele, ao mesmo tempo lembrando-me dos sonhos e guardando na memória o toque, o sabor, o perfume.

Pode ter durado um minuto ou uma hora, eu não saberia precisar. Quando ele afastou o rosto do meu, eu estava tonta. Agradeci mentalmente por ele ter me encostado em seu peito; impediu-me de cair no chão. A respiração dele era tão ofegante quanto a minha.

— É muito cedo pra dizer que eu te amo? – ele perguntou em um sussurro intenso, beijando meus cabelos.

— O tempo não importa. – Respondi, sorrindo entre as lágrimas. – Eu sempre te amei.

Mas precisei que você atravessasse o universo para descobrir.

Ficamos assim, abraçados por um período glorioso. E então eu soube, com a certeza de cada célula do meu corpo, que eu pertencia a ele. Mas eu não podia tê-lo – não nesta dimensão, nem na outra.

Talvez fosse preciso criar um novo universo, apenas para que pudéssemos cumprir nosso destino: ficar juntos para sempre.

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Notas finais do capítulo

a/n: Obrigada por me acompanhar nessa jornada. :)
Agradeço o carinho e a atenção da Lu, da Leili, da Bee e da minha amada G. Sem vocês eu não terminaria essa história.
Aceito de coração aberto reviews com aquelas perguntas que não podem deixar de ser respondidas no epílogo.



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