A vejo vindo na minha direção, facas nas mãos e os dentes cerrados, tento gritar para ela se afastar, mas apenas um grito estrangulado sai de minha garganta. Me viro a tempo de ver a garota do cinco e o tributo do dois saírem correndo, mas ele não teve tanta sorte, uma faca lhe crava nas costas em seguida uma no crânio e o canhão soa, o tributo do dois também estava morto.

                A garota do cinco se esgueira na mata e Gabriela pega as facas do corpo do garoto do distrito dois.

                - O que faz aqui? – falo por fim sentindo que minhas pernas iam ceder em breve.

                - O que eu faço aqui? Você ia morrer! Você me deixou sozinha. Você... – grita ela, mas hesita na última parte.

                - Eu tinha tudo sob controle! Você podia ter morrido. – grito de volta.

                Então minhas pernas tremem, o arco cai de minha mão e tudo fica preto.

                Acordo horas depois em uma barraca pequena que ela devia ter pegado de algum dos Carreiristas. Álex morreu ou ela o deixou? Bom de qualquer modo eu...

                Ela interrompe meus pensamentos quando entra na barraca.

                - Você está melhor? – pede ela com uma voz que estava perto de ser meiga.

                - Por que? Eu só desmaiei! – falo.

                Ela ri e me mostra um corte profundo no braço.

                Ela senta do meu lado sem falar nada, então me entrega a faca que havia me dado com a flecha e a bandagem que eu amarrei para que ficassem cruzadas.

                - Não me esqueci disso. – fala ela me fitando.

                - Esqueceu sim. – digo ainda inconformado com aquele beijo.

                - Dylan... – ela me arrasta pra fora da barraca e segura minhas mãos a ponto de quebra-las e começa a falar em tom urgente – Nada tinha mudado, eu e você ainda éramos uma equipe, eu não me esqueci de você, eu nunca me esqueci de você. Quer que eu admita na frente de toda Panem?

                - Gabriela, eu só... – começo a falar, mas ela me corta.

                - Dylan, eu arrisquei minha vida para te salvar. – ela olha profundamente nos meus olhos – Acha que te esqueci? Que vim para cá por nada? Para um simples ato de diversão? Eu fiz isso por você. Você sabe, Panem sabe, todos sabem. – ela olha pra baixo com um sorriso, mas levanta a cabeça e continua. – Em momento algum depois que me deixou eu quebrei a promessa de te proteger, eu vou continuar fazendo isso até o final, porque você é meu aliado, meu companheiro de caça e o principal – ela me olha nos olhos novamente – porque eu te amo.

                Olho para ela sem acreditar no que acabara de dizer, ela tinha mesmo dito isso? Ou eram visões do remédio? Eu estava enlouquecendo. A garota que eu conheci naquela manhã. A garota que se arriscou por mim. A garota que está me dizendo isso agora. Isso era real?

                Ela morde o lábio inferior e sei que ela está tentando conter as lágrimas.

                - Eu deixei o Leo morrer por mim, praticamente deixei Álex morrer debaixo dos meus olhos, você vai voltar vivo. Eu vou lutar com a garota, se ela me matar você terá apenas ela para fazer o mesmo e aí voltará mais rico para casa, não precisará dividir comigo, isso não é ótimo? – diz ela sorrindo enquanto suas lágrimas pingavam em minhas mãos e eu continuava uma estátua.

                Sentei-me em uma pedra e a puxei do meu lado, eu fui injusto, eu fui fraco, eu fui terrível, o que ela me disse, era verdade, seus olhos cinzentos e brilhantes confirmavam isso. Então eu a abracei e deixei que chorasse em meu ombro enquanto tirava seus cabelos molhados dos olhos.

                - Me desculpa, me desculpa... – falei não me importando em deixar as minhas lágrimas caírem também. – Por favor, me desculpa. – falo com um nó na garganta.

                Ela continua abraçada a mim, então vejo que seus braços se soltam e que ela adormeceu. Ajeito um casaco por cima dela e toco levemente as suas bochechas macias.

                Não voltei pra barraca, tinha medo que ela acordasse então apenas a deixo dormir no meu ombro.

                Logo as estrelas aparecem, as corujas piam e vejo o quão bom é ter um ser vivo quente ao seu lado, depois de dias sozinho.

                Acordo já é de manhã, devíamos ter caído, porque estávamos no chão. A jaqueta não a estava cobrindo, mas ela estava ainda abraçada a mim. Seus olhos fechados e os cabelos balançando levemente com a brisa.                                                                                

                Cometo o erro de dar um beijo na sua testa, então ela acorda. Os olhos cinzentos e belos me fizeram perceber o quanto mais doce e frágil ela ficou na arena, mas com a mesma coragem e persistência.

                Ela se levanta parecendo envergonhada por estar dormindo abraçada a mim e sorri.

                - Depois eu vou caçar... Precisamos comer. – fala ela meio confusa.

                - Não vai sair antes de me ouvir. – eu me joelho na frente dela – Me desculpa, Gabriela, me desculpa por tudo. Eu não queria deixa-la sozinha, mas quando você e Álex... eu não consegui mais suportar olhar para aquilo,  como eu já havia dito, eu estava de olho em você mesmo antes de falar contigo, e ainda quando ele sussurrou aquilo lá no treinamento, para eu não força-lo a competir comigo por você, eu... – começo a falar rápido segurando as mãos dela. – Foi demais para mim, eu te amo muito, eu não quero voltar para casa rico ou algo assim, eu quero voltar com você, se a garota te matar eu vou morrer aos poucos, você não vai ser tirada de mim, porque eu também vou te proteger. Por favor, me desculpa?

                - Calma, foi isso que ele te disse lá? – ela pede com um riso.

                - Me desculpa? – indago novamente me levantando.

                - Me desculpa também? – ela se levanta na ponta dos pés e me beija.

                Os pássaros se calaram, a brisa cessou, as árvores não fazem mais barulhos, está tudo imóvel, só eu e ela, apenas nós dois.

                Sua mão por cima dos meus cabelos e as minhas na sua cintura. Então somos interrompidos por um risinho, Gabriela se afasta subitamente e não sei como me empurra fortemente e caio inconsciente em uma pedra.