A Bruxa De Liveway. escrita por belle_epoque


Capítulo 7
Capítulo 7 - O Pequeno Presente.


Notas iniciais do capítulo

Passei a postar dia sim ou dia não.
Vocês esperaram de mais xD
...
Agradeço aos reviews de:
> Nathalia S
> Hina
> LuLerman
> miss yuki
> B_M_P_C
> carolisle
> Lilith



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Capítulo Sete – O Pequeno presente.



Acordei e vi que era um belo dia. O sol brilhava. Uma brisa refrescante dançava pelos ares. A grama nunca esteve tão verde. Os pássaros cantavam... E era uma detestável segunda-feira. O último pensamento foi o que predominou, fazendo com que aquele dia mudasse para o pior dia da semana. Arrastei-me para o meu banheiro, onde tentei ajeitar meus cabelos e passei uma maquiagem para disfarçar as olheiras.

Passei a noite rolando na cama. Perguntando-me o que era aquilo que eu vi. Era a minha imaginação? Um fantasma? E quem era ela? Quem ela queria que eu protegesse? Por que nem Roman e nem os outros a viram? Por que somente eu parecia ter visto?

Fiz um rabo de cavalo alto e me olhei no espelho.

– Você é uma garota normal, Anabelle Malback – disse a mim mesma, apontando para o reflexo na chance de dar ênfase. – Uma garota normal e que não acredita em fantasmas e muito menos os vê! Você passa tempo de mais lendo livros de terror.

– Você pode ser normal, mas está falando sozinha – meu pai invadiu o meu quarto e acabei por levar um susto e jogar uma toalha nele. – É assim que você me recebe?

– É – respondi com petulância. – Não sabe bater na porta? E se eu estivesse só de toalha?

– Posso dizer que não veria nenhuma surpresa – ele revirou os olhos, ele adorava jogar na minha cara o tempo que ele cuidou de mim quando minha mãe morreu. Claro, isso quando ele não me abandonava com algumas babás. – Bem, eu só vim para avisar que o seu amigo Roman veio te levar para a escola.

– Roman está aqui?! – perguntei surpresa. – Espere... Como você sabe que o nome dele é Roman?

– Ele estava conversando comigo – ele respondeu. – Cara bacana.

Era o fim da picada, o que esse garoto pretendia conversando com o meu pai? Primeiro ia me seduzir pelo meu papai e depois ia tentar alguma coisa para cima de mim? Eu ia esganar aquele garoto loiro oxigenado – o que de fato ele confirmou ser verdade -. Mas primeiro, me arrepiei quando meu pai disse que ele era um “cara bacana”. Ele nem apoiava o David, meu ex-namorado falecido.

– Vou para a escola então – disse deixando o banheiro para pegar o meu material.

– Ei, esse garoto pode ser carismático, mas eu não gostei do sorriso dele. Fica de olho que eu conheço o tipinho dele – meu pai conversava enquanto eu pegava minha mochila, e eu, obviamente, não dei atenção. – Se ele pensar em encostar um dedo em você, eu cortarei as bolas dele e jogarei ping-pong com elas.

Eu corei. Poderia ter continuado sem essa.

– Claro, um safado reconhece o outro – eu respondi colocando a pesada mochila em minhas costas. – Não é, futuro senhor Nightray? Ou melhor, seu comedor de santinhas.

Ele bufou. E eu me deleitei de sua adorável expressão chateada enquanto saia do quarto.

– Você nunca deixa isso passar? – ele disse dolorosamente enquanto passávamos pela cozinha.

– Desculpa, não é todo o dia que eu encontro o meu pai no maior esfrega-esfrega com uma mulher – respondi fazendo tom de nojo. – Quer dizer, você tem quarto para quê? Sem contar que, urgh, você é meu pai.

– E também sou homem – ele respondeu.

Revirei os olhos e encontrei Roman querendo muito rir da minha conversa com meu pai, mas se segurando dolorosamente. Puxei-o pelo capuz do casaco que ele estava usando.

– Anda, vamos para a escola – eu disse puxando-o para fora de casa.

– Até mais Sr. Malback – Roman despediu-se educadamente. – Seu pai parece ser um cara legal.

Eu vi o olhar assassino do meu pai pela porta de vidro. Bem disfarçado com um sorriso falso e um aceno.

– Não se deixe enganar. Ele foi com a sua cara, mas disse que se você encostasse um dado de mim ele, em suas próprias palavras, “arrancaria as suas bolas e jogaria ping-pong com elas” – eu respondi abrindo a porta de seu carro e ri ao ver o olhar assustado do meu amigo.

– Tudo menos as minhas bolas, por favor – ele pediu entrando no carro.

Fiquei brincando com o zíper de minha mochila enquanto conversava amenidades com Roman. Ele falava sobre o como odiava o professor de matemática, eu não o culpava. Mas resolveu mudar de assunto.

– E então, o que foi que você supostamente viu ontem? – perguntou.

– Eu já não tenho mais tanta certeza do que eu vi – eu respondi olhando pela janela. – Só sei que parecia ser uma mulher, e que ela me tocou, mas eu não senti nada. Porém, acho mais é que eu estou vendo coisas.

– Sim, parece – ele concordou estacionando o carro. – Mas é melhor ter cuidado mesmo assim. Não é como se eu não acreditasse em fantasmas, eu só acho que é porque eu nunca vi um. E, se eu cheguei a ver, não me lembro.

– Então você não acha ridículo? – perguntei.

– Não – ele respondeu rindo. – Tudo bem, naquela hora eu tirei com a sua cara, mas foi só porque eu gosto de tirar sarro com tudo. Não leva para o lado pessoal.

– Roman, eu nunca te levo nem para o lado pessoal e nem para o lado não-pessoal – eu respondi.

Ele levou uma mão ao peito como se eu houvesse espetado o seu coração e estacionou o carro.

– Anabelle, assim você acaba com as minhas esperanças – ele disse fingindo mágoa.

– E você ainda tinha alguma? – perguntei arqueando uma sobrancelha.

Ele deu um meio sorriso, mas disse antes de abrir a porta:

– Anabelle, eu não desisto. Você é difícil e isso torna tudo mais divertido – deu uma piscadela. – Água mole e pedra dura tanto batem até que fura.

Revirei os olhos e saí de seu carro.

Como não tínhamos o primeiro horário juntos, nos despedimos ali no estacionamento mesmo e fomos para prédios diferentes. Minha primeira aula era biologia, cujo assunto era reprodução humana – urgh! - e eu era razoavelmente boa nessa matéria, também, com uma demonstração ao vivo e em cores do meu pai com a senhorita Nightray.

Sentei-me em meu lugar e me surpreendi ao ver Daniel se sentando ao meu lado. Acho que ficou aliviado por dividir a mesa com alguém que ele conhecia. Eu também fiquei quando me sentei ao lado de Roman.

– Oi – cumprimentou-me com um monossílabo.

– Olá – cumprimentei-o de volta. – Primeiro dia?

– Hum-hum – respondeu.

– Assustador não? – tentei puxar assunto.

– Er... É – respondeu.

– Espere só até ver o assunto – respondi.

Ele me olhou com um olhar de interrogação e eu ri de sua expressão de cachorrinho sem dono, ao melhor, de cego em tiroteio. Sim, pois ele parecia completamente perdido. Sem contar que ele respondera apenas com monossílabos ou fazendo sons. Eu não tinha ideia de que eu era tão entediante assim.

– Espere, espere – pedi recuperando o ar depois de rir. – Vamos começar direito. Bem vindo parceiro. Não sei se ainda se lembra, mas sou Anabelle Malback – disse estendo a mão.

– Daniel Goddart – cumprimentou-me mais descontraído e apertou a minha mão.

– Bem, Daniel, bem vindo a Liveway. Moro apenas há uma semana aqui, mas espero que possamos ser bons amigos e nos dar muito bem – eu disse com o meu sorriso gentil.

– Espero o mesmo – ele concordou dando um sorriso contido.

Acabamos de conversar e o professor de biologia, Jackson, entrou na sala de aula com algumas caixas.

– Garotos e garotas, silêncio – o professor pediu com a voz alta. – Hoje faremos um exercício importante sobre sexo seguro – ele dizia distribuindo bananas e camisinhas em cima da mesa.

Quem já teve essa aula, sabe que o que nós mais queremos é enfiar a cara em algum buraco só para não mostrar o quanto ficamos corados. Comigo ou Daniel não foi diferente. Trocamos um olhar e ambos ruborizamos em tempo Record, desviando o olhar para o outro lado.

– Camisinha, não é só colocar e pronto; está protegido. Há várias situações em que vocês podem invalidar a camisinha. Então vamos ao trabalho. Em cima das mesas de vocês há camisinhas e bananas, que vão ser consideradas o pênis, por favor, sem maldades. Eu vou explicar como se usa e depois vocês tentam – ele falava e eu queria morrer ali mesmo. Ainda bem que era Daniel e não Roman. Com certeza seria pior.

“A camisinha é o único método contraceptivo capaz de evitar não só a gravidez como também quaisquer doenças sexualmente transmissíveis, as conhecidas DSTs. Por tanto, aprender o uso desta é totalmente necessário” o professor deu um sorriso maldoso. “Ao menos que vocês queiram optar por celibato”

As piadinhas apareceram e eu me encolhi totalmente, querendo sumir, eu e metade da turma. O professor pediu silêncio e continuou falar aquilo que eu não queria ouvir:

– Para garantir a segurança, é importante que a camisinha em questão esteja dentro do prazo de validade e que seja de boa qualidade. Além disso, nunca se deve usar qualquer tipo de óleo para lubrificação, escolha aquelas que já tenham substâncias para este fim, ou adquira lubrificante especial à base de água.

Ele andou até a sua mesa e pegou uma banana que ali estava separada.

– A camisinha deve-se ser colocada quando o pênis estiver ereto e antes da penetração. Para fazê-lo, logicamente, é necessário abrir a embalagem delicadamente, com as mãos. Sem o uso de tesouras, dentes, ou quaisquer objetos cortáveis, uma vez que podem acabar por rasgar o preservativo. Inutilizando-o – dito isso, ele abriu a embalagem. – Retirada a embalagem, você coloca a camisinha sobre o pênis, sem deixar que entre ar, já que isso aumenta as chances de seu rompimento. Por medida de segurança, pressione ou torça na ponta com uma mão, enquanto a outra desliza o preservativo até a sua base.

Engoli em seco enquanto ele desenrolava o preservativo sobre a banana.

– Caso ocorra um rompimento, a substituição será necessária – ele comentava. – No término da relação, fazer um nó na abertura da camisinha para evitar uma possível contaminação no lixo ou para quem for manuseá-lo. Além disso, não se deve jogar a camisinha no vaso sanitário, pois poderá entupi-lo. Além de, somente abrir a embalagem quando for usá-la e nunca usar mais de uma vez a mesma camisinha. Alguma dúvida?

O silêncio com risadinhas foram mútuos.

– Bem... o que estão esperando? Comecem! – ele mandou.

Olhei para Daniel e ele me olhou de volta, ambos coramos ao mesmo tempo e desviamos o olhar.

– Hm, isso é constrangedor – eu quebrei o silêncio desconfortável.

– É – ele concordou.

Olhei para a banana tão estranhamente abandonada em cima da nossa mesa e disse:

– E sabe o que isso me lembra?

– Um pênis? – ele perguntou.

– Não. Que eu não tomei o meu café da manhã – eu respondi prendendo a risada.

– Bem, acho que você vai poder comer a banana depois de acabarmos – ele respondeu.

Fiz uma careta. Em minha cabeça, passando-se imagens pervertidas.

– Você não deveria ter dito isso – sussurrei querendo rir. – Isso soou pervertido.

Ele concordou com a cabeça e trocamos olhares para saber quem iria ser o primeiro corajoso. Ele meneou com a cabeça para que eu o fizesse primeiro. Corei e neguei com a cabeça. E fiz questão para que ele fosse primeiro. Ele corou também.

– Cara, eu fico bem mais corajoso depois de um gole de cerveja – ele comentou.

Revirei os olhos. Acabamos fazendo isso em conjunto. Hora ou outra ríamos sobre o quão engraçado era aquilo. Eu não sabia onde ele morava e muito menos sobre a sua vida, e já estava colocando uma camisinha com ele. Sim, era tenso. E ambos fizemos cara de nojo quando alguns engraçadinhos inflavam camisinhas.

Quando a aula acabou, ele já estava bem mais solto comigo. Percebi que ele era algumas daquelas pessoas que eram calmas, quando sóbrias, e tímidas, mas depois que se conhece melhor, falavam sem problemas. Eu pegava a minha mochila, quando ele jogou a banana em cima de mim.

– Toma o seu café da manhã – brincou.

Eu peguei e coloquei em cima da mesa.

Urgh, depois disso eu não como mais uma banana – disse estremecendo.

Ele riu.

– Eu acho que eu também não... Você já parou para pensar que, a cada vez que eu comer uma banana, seria como se eu estivesse virando gay? – ele perguntou estremecendo também. Eu concordei com a cabeça. – Eu vou para a minha próxima aula, então. Vejo-te no almoço.

Concordei com a cabeça e saí da sala também. Como nossas salas ficavam em lados opostos, nos despedimos no corredor e cada qual foi para o seu lado. Eu fui para a minha aula de química e ele foi para a de literatura. Claro que dei as mesmas dicas que Roman me passara, até hoje, ainda sou agradecida por metade dos conselhos sábios que ele me deu.

Sentei-me ao lado de Josh, já que compartilhávamos do mesmo horário. Infelizmente, tive que aturar o ouvindo falar sobre seu relacionamento com Érika, na verdade, ele queria mais um conselho para onde levá-la para jantar. Eu suspirei e, como qualquer amiga, lhe dei a única resposta plausível: mudei-me há apenas uma semana, peça opinião ao Roman.

Ele concordou. Realmente Roman sabia mais do que eu, e ele sabia disso. Ele praticamente havia nascido aqui. Se ele fizesse um manual de como se andar pelas ruas de Liveway, eu certamente o compraria.

Saímos da sala e encontrei Roman nos esperando do lado de fora. Ele deu um meio sorriso ao nos ver.

– Daniel me contou sobre a aula de biologia. Tenso hein? – ele não pode deixar de comentar enquanto andávamos para a nossa próxima aula. Fiquei vermelha e isso desencadeou uma série de risos nele.

– Não teve graça alguma. Foi broxante – eu respondi cruzando os braços.

– O que aconteceu na aula de biologia? – Josh perguntou curioso.

– A aula foi de sexo seguro e isso me traumatizou profundamente – eu respondi virando o rosto. – Senti até pena de Daniel, eu mal o conheço. Isso fez ficar mais embaraçoso. Bem, mas eu cheguei a conclusão de que: antes ele do que Roman.

Josh riu concordando com a cabeça.

– Ei! Por que você o preferia a mim?! – Roman perguntou indignado.

– Não é óbvio. Porque você faz gracinha com tudo – Josh respondeu por mim.

Roman continuou reclamando sobre alguma coisa, mas eu não consegui ouvir. Não entendi por que. Comecei a suar frio, eu ouvia apenas barulhos irritantes, meus olhos começaram a perder o foco e meu corpo ficou dormente. Seja lá o que Roman falava era comigo e o meu silêncio deveria tê-lo assustado, pois ele olhou para mim.

– Tudo bem? – eu li em seus lábios.

Vi uma expressão preocupada estampar a sua face. Disse que não, mas ele pareceu não entender. Nem eu entendia, meus lábios estavam entorpecidos. Então neguei com a cabeça, e vi tudo ficar escuro. Agarrei a alguma coisa, acho que era a camisa de Roman e ele acabou me pegando antes que eu caísse.

Eu acabei desmaiando.

– Essa não é a cor normal dela, não é?

– Não mesmo.

– Será que foi porque ela não tomou café da manhã?

– Parece que ela está acordando.

Pelo menos eu havia voltado a ouvi direito, pois antes era como se eu não fosse capaz de distinguir as vozes ou as palavras. A respiração estava difícil, quase insuportável, parecia que fazia anos que eu não respirava. Quando abri os meus olhos me vi cercada por meus novos amigos. Caramba, eu nunca fui tão amada assim.

– Anabelle? – As gêmeas perguntaram preocupadas.

Olhei para elas. Agora que eu via uma do lado da outra, percebia que elas pareciam um espelho. Os cabelos castanhos pareciam conter as mesmas curvas, tanto de uma quanto de outra, assim como os olhos pareciam ter os mesmos brilhos. Claro, tirando o fato de que Anabeth tinha uma mecha rosada nos cabelos castanhos.

– Eu? – respondi depois de um tempo.

– Cara, você desmaiou em cima do Roman. Foi engraçado – Joshua comentou, mas recebeu olhares repreensivos. – Claro que também foi preocupante.

Todo mundo revirou os olhos.

– Você está bem? – perguntou Érika preocupada.

– Já estive melhor – respondi. – Eu desmaiei?

– Sim – respondeu todo mundo em uníssono.

Sentei-me e percebi que estava na enfermaria. A sala era um retângulo com dois leitos, uma divisória branca entre eles, com piso de madeira, paredes de amarelo pálido, uma escrivaninha onde a enfermeira geralmente se senta e um armário grande cheio de remédios e curativos.

– Eu sei que a pergunta vai soar imprópria, mas por que vocês não estão na aula? – perguntei.

– Porque está no horário de almoço – Daniel respondeu.

– Tentaram te acordar até com álcool, mas você não acordou – Roman disse querendo rir, mas repreendendo a risada. – A enfermeira disse que nunca viu ninguém desmaiar feito uma pedra. Parecia que você estava dormindo, mas claro que você estava bem pálida.

Revirei os olhos e uma mulher esbelta em um traje branco entrou na enfermaria. Com os cabelos caramelos em um coque frouxo na base da nuca, olhos cinzentos sorridentes, pele corada e andar leve e despreocupado. Esse andar me lembrou muito ao andar elegante de Alice. Como se ela flutuasse.

Mas eu não gostei dela. Havia algo de falso em seu sorriso e em seus olhos.

– Como estamos? – ela perguntou para mim.

– Eu já acordei. Acho que isso é um progresso – respondi.

– Claro – ela sorriu.

Fez uma série de exames para no fim me dizer que a causa do meu desmaio poderia ser ou a falta de comida, ou a exaustão ou pressão baixa. Bem, eu não era médica, mas acho que a falta de comida era a mais provável.

– Tá vendo? É nisso que dá aparecer na minha casa sem avisar – bronqueei com Roman, mas foi de brincadeira. A minha fraca voz desmentiu a minha raiva e todo mundo riu. – Não, sério. Eu vou ficar bem. Acho que são os genes da minha mãe se manifestando.

Levantei-me da cama rápido demais, a enfermeira disse que era melhor eu ficar sentada um pouco mais, mas eu não gostava de ficar deitada me sentindo uma inválida. Roman logo se saltou à minha frente dizendo dramaticamente:

– Se você quiser pode se agarrar às minhas roupas de novo.

Todo mundo riu e as gêmeas provocaram:

– Que desespero é esse Roman? Está na seca?

– Roman Langerark nunca fica na seca – ele respondeu presunçosamente, com um sorriso sedutor em seus lábios. – Essa cidade pode ser pequena e fim de mundo, mas sempre haverá uma moça bonita para esquentar a minha cama nos invernos.

Ele olhou para mim e deu uma piscadela. Como se dissesse: “Só falta você”. E eu cruzei os braços, neguei com a cabeça com um olhar que dizia: “Só nos seus sonhos eróticos”.

– Anda, vamos arrumar comida para a nossa morta de fome aqui – Érika pediu me empurrando para fora da enfermaria. Aproveitei para me agarrar nela quando senti minhas pernas fraquejando.

– Ah, Érika, te pago cem se quiser trocar de lugar – Roman brincou.

– Cobro mil – ela respondeu.

– Vendido!

– Ei, eu não estou à venda! – reclamei.

Olhei para agradecer a enfermeira, mas ela já havia se retirado para uma pequena saleta ao lado de sua escrivaninha. Não era de o meu feitio ficar julgando as pessoas à primeira vista, tanto que quando conheci o pessoal, não os julguei, no entanto, eu não havia gostado daquela mulher. Talvez, algo nela soasse forçadamente parecido com Alice Franklin. Algo em seu modo de agir que ia além do andar.

Roman percebeu o meu olhar, mas nada comentou.

Com o pouco horário restante do almoço, comi um cupcake, fiquei aliviada em comer alguma coisa doce, e uma coca-cola enquanto o pessoal conversava animadamente. Mas acho que a parte animada, era mais porque eles estavam falando sobre a minha desastrosa aula de biologia.

– Vão rindo, vão rindo. Assim que vocês tiverem aula de biologia essa semana, vocês vão fazer também – eu disse conformada, tomando um gole do refrigerante que desceu queimando minha garganta.

– Realmente, não foi nada legal – Daniel me apoiou coçando a nuca.

– Mas parece ter sido engraçado – As gêmeas responderam.

O sinal tocou e fomos para as nossas aulas. Eu ainda me sentia um pouco zonza, mas fiquei aliviada ao constatar que minha cor havia voltado. Quer dizer, eu ainda estava muito mais branca do que de costume, mas o rubor natural de meus lábios haviam voltados. Meu horário era com Roman, Artes, o que em especial era muito bom.

O professor Michael Flinn era realmente chato, mas quando ele soube que a minha mãe era Jane Marie Malback, só faltou ele subir pelas paredes. Como eu devo ter comentado, ela era uma boa artista que conseguia viver de sua arte, assim como meu pai. Meu professor adorava a visão da minha mãe, e, consequentemente, ele também adorava a minha visão.

Por isso ele não fica me chateando durante suas torturantes, e sem pé e nem cabeça, aulas. Mas de vez em quando me bajulava mais do que qualquer outra aluna.

Meu celular vibrou com uma mensagem, olhei para o meu lado e percebi que era de Roman. Quando foi que eu dei o meu número para essa criatura de Deus?

[Se você quiser pode faltar ao trabalho e eu conto para Alice que você passou mal]

Revirei os olhos. Sinceramente, eu estava gostando bastante do trabalho, mais do que eu esperava. Mas entendia a relutância de Roman. Afinal, eu havia desmaiado e fazer esforço físico poderia piorar se eu estivesse doente. Aquela médica de nada nem sequer fez um exame de sangue para ver se eu estava bem.

[Eu estou bem. Pelo incrível que pareça, gosto do meu trabalho. Agora, como foi que você conseguiu o meu número do celular? Eu não te dei]

Ele atendeu e pude ver a incredulidade estampada no seu rosto. Não sei se era por eu ter dito que gostava do meu trabalho ou reclamar o como ele conseguiu o meu número de celular. Depois o meu bolso vibrou.

[Seu pai me deu o seu número. Eu disse que era um ambientalista que pensava que dar uma carona para uma pessoa era menos um carro poluindo o mundo. Ele acreditou e me deixou bancar o seu motorista =D]

Revirei os olhos e acabei rindo. Coloquei o meu celular no bolso e voltei a terminar o meu quadro que, pela primeira vez, estava ficando uma tremenda porcaria. Eu rabiscara cores e mais cores que nunca em sua vida poderiam combinar. Cores que sempre se batem e nunca combinam, principalmente na hora de montar o Look. Espirais, linhas, pontilhados, tudo era bem vindo naquela merda de desenho. Mas o professor, bajulador da minha mãe, adorou.

– É isso o que eu chamo de “Paz no caos” – disse satisfeito.

Roman havia visto o meu trabalho e feito uma careta também, trocamos olhares e demos de ombros. E saímos da sala de aula.

– Paz no caos – Roman revirou os olhos. - O trabalho de uma criança é paz no caos. Isso era uma guerra de tinta, onde apenas os mais fortes se destacavam.

– Bem, acho que esse foi um dos dons que eu herdei da minha mãe – respondi dando de ombros. – Transformar merda em artes, digo. Mas você está falando disso porque você fez um desenho sem originalidade de duas colinas e o sol nascendo.

Ele cruzou os braços contrariados, parecendo uma criança.

– Não é “sem originalidade” é um clássico! – ele respondeu. – Humpf, sem originalidade... – ele resmungou.

O trio das patricinhas passou ao nosso lado com saias curtíssimas e Roman virou o rosto parecendo um cachorro babão.

– Oi Roman – elas disseram em uníssono como se houvesse sido ensaiado.

– Oi, Stella, Mary, Jeniffer – cumprimentou-as de volta. – O que há de novo?

Eles começaram a conversar calorosamente e me vi excluída daquela conversa em que ele falava sobre o pouco tempo que tem usado a academia de sua casa e por isso tem estado tão magro ultimamente. Acho que era mais um pretexto, afinal, ele não era um brutamontes, mas tinha belos músculos esguios, era um pretexto para que elas pegassem em seus bíceps.

Sorrateiramente, deixei-o falando com as líderes de torcida ali e fui para a próxima aula.

Eu estava para entrar na sala de aula quando alguém me empurrou contra a parede, fazendo todo o meu material cair no chão. “Ótimo, meu dia está completo” pensei enquanto via o garoto da festa do Roman me prensando contra a parede.

– Oi belezoca – ele disse com a intimidade que não tinha.

– O nome é Anabelle. Apelido: Ana ou Belle para os amigos, o que nem isso você é – eu respondi empurrando-o para longe. – O que me faz lembrar, qual é o seu nome? Retardado? João Sem-simancol?

– Tente, Rudolph, princesa – ele respondeu insistente.

– Rudolph... Nada mais adequado com essa espinha na ponta do seu nariz – eu respondi. – Você quer, por favor, tirar as mãos de cima de mim?

Ele me empurrou ainda mais contra a parede, à essa altura algumas pessoas – que não pensávamos que éramos um casal que estava se pegando – pararam para ver o que estava havendo ali.

– Me solta, por favor! – eu mandei empurrando-o, sem tendo o efeito desejado.

Não é como se eu fosse fraca, de vez enquanto assistia a um vídeo de Kung Fu e praticava, mas o garoto era um armário. Eu era pequenininha e fraquinha, e ele era grandão e tão forte que parecia tomar bomba.

Ele me roubou um beijo, que eu não gostei nada.

Em resposta, dei-lhe um chute no seu “orgulho” e isso deve ter reduzido as suas chances de ter filhos. Bem, eu diria que foram menos idiotas povoando o mundo. Idiotas. Têm em todo o lugar. Meus amigos apareceram lá e ao perceberem o que havia acontecido começaram a rir me olhar um olhar especulador.

– O que você fez? – Josh perguntou olhando para Rudolph agonizando no chão.

– Ele me agarrou – eu disse limpando a minha boca. – Ele teve é sorte de eu não capá-lo ou deixá-lo aleijado. Desde a festa do Roman ele está testando a minha paciência.

Por quê não? Nós queremos muito...” minha consciência disse sombriamente.

O dito cujo, dono da festa, apareceu e fez uma expressão engraçada quando viu o garoto agonizando no chão enquanto eu limpava a minha boca.

– Ele estava pedindo para morrer – eu continuei para Josh.

– É. Parece que o soco daquele tal de Alexander não foi o suficiente – Anabeth disse rindo.

– O que aconteceu aqui? – Roman perguntou vindo para o meu lado.

– Resumindo: Rudolph agarrou a Anabelle, ela não gostou e deu um chute em seus países baixos – Érika resumiu gargalhando.

Roman e me olhou e se afastou.

– Eu não quero correr esse risco – ele explicou.

Eu olhei para Rudolph querendo fazer muito mais do que simplesmente dar-lhe um chute no seu ponto fraco. Se dependesse de mim eu o cortaria fora. Fiquei com tanta raiva que cheguei até ver vermelho. Acho que só não avancei porque o garoto se levantou do chão, com a expressão ainda dolorida, aponto o dedo para mim e teve a audácia de dizer:

– Te pego na saída.

Sério. Te pego na saída?! Ele não tinha um pingo de criatividade? Revirei os olhos. Pelo visto o “armário” era só pose. Eu tinha apenas um metro e sessenta e cinco e o derrubei no chão, e ele ainda queria “me pegar na saída”.

Ele então se mandou. Como um cachorro com o rabo entre as patas.

Foi logo depois de Rudolph rastejar para longe de mim, que a professora de Francês, Maeva Meline, mandou todo mundo ir para as suas salas de aulas. Anabeth e Elizabeth envolveram meus braços e me puxaram para a classe, agradecendo-me por ter feito aquilo que sempre quiseram e nunca tiveram coragem. Francês era a matéria que todos nós tínhamos no mesmo horário - o que era bastante divertido.

Ao fim do dia, Roman me ofereceu sua costumeira carona para casa, usando o meu desmaio como argumento ao seu favor. Resolvi aceitar, não porque eu me sentia tonta ou fraca, muito menos intimidada com a frustrada ameaça de Rudolph, mas porque eu não estava nenhum pouco a fim de ir andando para casa. Roman estava me acostumando muito mal.

– Você ficou intimidada? – ele perguntou estranhando o meu silêncio.

– Do quê? – perguntei confusa.

Roman me encarou e, estufando o peito, fazendo cara de dor e me apontando o dedo, disse:

– “Te pego na saída”

Percebi que ele tentava imitar o garoto que acabou me ameaçando. Eu não pude evitar rir de sua atuação.

– Eu não me intimidaria com isso – eu disse convicta e destemida.

Ele só concordou.

– Só estava pensando no meu desmaio – respondi. – Quer dizer, eu nem senti fome...

Roman me lançou um olhar preocupado, mas logo disfarçou.

– Talvez você não tenha percebido – ele respondeu estacionando o carro à frente de casa. – Sabe o que seria legal?

– O quê? – indaguei desatando o cinto de segurança.

– Você plantar umas plantas na frente da sua casa – ele respondeu destravando a porta. – Ficaria bem mais harmonioso e agradável. Parece que a frente está muito vazia... Aquela planta Twikky é muito bonita.

Analisei o quintal e percebi que ele tinha razão. Umas flores deixariam a casa com uma fachada bem mais colorida e feliz. Parecendo uma casinha feliz.

– Você tem razão – eu concordei. – Ficaria melhor.

Abri a porta do carro e então perguntei sem pensar:

– Quer entrar?

– Você está perguntando por educação?

Dei de ombros.

– Por tanto que você não me agarre como Rudolph... Não vejo porque não – eu disse.

– E se eu te agarrasse? – perguntou malicioso.

– Dependendo do beijo ou eu te empurraria ou te caparia, qual você prefere? – perguntei com maldade.

– Posso escolher? – ele indagou engolindo o seco.

Apenas ri em resposta e saí de seu carro importado. Ele pareceu esperar alguns segundos antes de andar comigo até a minha casa. Por algum motivo sem razão do destino, meu pai estava em casa e me olhou preocupado. Um olhar que eu não gostava nem um pouco. Derramava preocupação.

– Boa tarde, comedor de santinhas – cumprimentei o meu pai com o seu novo apelido.

Ele deixou a provocação passar e me agarrou pelos ombros.

– Que história é essa de você desmaiar na escola? – perguntou. – Por que não me avisou? Quer me matar de susto? Por que foi que eu te dei um celular caríssimo?!

Franzi o cenho, perguntando-me como ele soube.

– A santinha em questão também é fofoqueira – Roman sussurrou para mim.

Sentindo-me mais esclarecida, revirei os olhos.

– Foi só um desmaio – respondeu com pouco caso. – A enfermeira disse que poderia ser pressão baixa, anemia ou o fato de eu não ter tomado café da manhã.

– Mas...

– Qual o problema? Mamãe sempre teve desmaios! – eu reclamei cruzando os braços.

– Mas você não! Sua saúde é mais forte do que um cavalo! – meu pai começou a checar a minha temperatura e eu quis matá-lo. – Você não está com febre, mas vou marcar uma consulta...

– Hm... pai, para com sua paranóia – eu pedi.

– Para... nóia? – murmurou chocado.

Olhei para Roman, vermelho de prender as risadas.

– Roman fique à vontade, vou só deixar o meu material no quarto – disse indo para a cozinha.

– Eu vou com você – ele sugeriu indo me seguir.

Mas meu pai segurou pela gola de sua camiseta.

– Você não vai à lugar algum – meu pai o cortou. – Você vai ficar aqui e esperar a dama voltar.

Revirei os olhos pela maneira antiquada do meu pai, mas Roman, talvez com medo que a ameaça de mais cedo fosse cumprida, obedeceu ao meu pai e resolveu se sentar no sofá. Onde os olhos de meu pai pudessem ficar de olho nele.

Deixando os dois se entendendo, fui para o meu quarto e deixei o material, como de costume, em cima da escrivaninha e me virei para ir embora. Porém, meu olhar a encontrou.

Uma pequena caixa preta com uma fita de cetim vermelha. Perguntei-me onde eu já a teria visto, pois me era familiar, principalmente a letra do cartão. Era um pedaço de cartolina vermelha, cortada em um retângulo perfeito, onde a letra familiar em tinta preta escrevera:

Sua vingança foi completa


Vingança? Que vingança?

Perguntava-me assustada, recordando-me daquelas mesmas palavras daquele mesmo cartão. Quando David morreu. Não queria abrir, tinha medo do que podia ter aí dentro, mas a minha curiosidade falou mais alto e abri.

Havia uma almofada branca, que contrastava com o fundo negro da caixa, mas estava suja com sangue – senti meu estômago embrulhar – e ali dentro tinha...

O que era aquilo?

Imagens lampejaram por minha mente tentando associar aquilo à alguma coisa e, quando associei, o grito de nojo e pavor foi inevitável.



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