The Dawn of Evangelion escrita por Goldfield


Capítulo 20
Provérbios




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Provérbios

Alemanha, 1999

A sala de pesquisas estava um tanto vazia, apenas alguns poucos cientistas trabalhando àquele momento. Nisso, a porta se abriu, mais dois a adentrando. O casal, usando jaleco, andava de mãos dadas. Parte dos presentes emitiu gracejos ao percebê-lo, enquanto outros torceram seus semblantes em caretas alarmadas.

         - Então vocês estão mesmo juntos? – perguntou um dos pesquisadores, o doutor Kirishima.

         - Sim – respondeu sorridente Daniel Langley, que há algumas semanas namorava Kyoko Soryu. – Apenas demoramos a demonstrar aqui dentro por discrição... Vocês sabem, fofocam demais.

         - Faço votos de que sejam felizes... – murmurou a doutora Suzuhara, preocupada com a amiga por saber da fama que seu parceiro possuía.

         - Com certeza seremos! – a nipo-alemã exclamou, realizada.

         Um outro especialista se aproximou, desviando o assunto:

         - Vocês participarão da viagem do doutor Katsuragi? Parece que ele encontrou uma fonte de energia perpétua no Pólo Sul. Irá averiguá-la junto com mais membros da Gehirn.

         - Preferimos ficar aqui – respondeu o neto de Richard Langley. – Seremos de maior serventia neste laboratório do que passeando com pingüins. Desejo sucesso a Katsuragi. Eu e Kyoko continuaremos a desenvolver nosso projeto de constructo orgânico. Se der certo, em alguns anos um gigante como o que imaginamos poderá ser usado para explorar a Antártida à distância, por exemplo.

         - Bem, enquanto não há gigantes, nós, míseros humanos, temos de nos esforçar para cobrir com nossos pequenos pés a distância dos passos que eles dariam – afirmou Suzuhara. – Por falar no doutor Katsuragi, ele está na base?

         - Não, viajou ao Japão – um cientista esclareceu. – A ex-esposa faleceu há alguns dias. Foi participar do funeral.

         - Oh... lamento muito.

         Depois de rápido e constrangedor silêncio, o casal se despediu, deixando a sala... não antes de Daniel lançar, sem que Kyoko notasse, um lascivo olhar sobre a doutora Suzuhara – que esta fez mais do que questão de ignorar.

         - Maldito... – xingou baixinho, torcendo para que Soryu percebesse logo com que tipo de homem se envolvia. Ela já sofrera demais em sua vida, perdendo a errante mãe bem cedo, para passar por mais um trauma...

         Voltaram a trabalhar, embora Kirishima permanecesse imóvel, sentado diante de seu microscópio com os olhos fixos no nada. Depois de alguns instantes, Suzuhara notou o estranho estado do colega e, intrigada, perguntou-lhe:

         - Algo errado, Youta?

         Ele suspirou, explicando:

         - Nada de mais... É que às vezes me pergunto: fontes ilimitadas de energia, engenharia genética das mais avançadas, projetos de seres gigantes... O que a Gehirn realmente quer? Isso tudo é para preservar o meio ambiente? Há algum interesse obscuro por trás do que fazemos?

         A pesquisadora recuou, inexpressiva.

         Realmente não sabia como responder.

*  *  *

New blood joins this earth
(Sangue novo junta-se a esta terra)
And quickly he's subdued
(E rapidamente ele é subjugado)
Through constant pained disgrace
(Pela constante e dolorosa desgraça)
The young boy learns their rules
(O jovem aprende as regras deles)

- Minha filha, Minna. Eu queria que o senhor a protegesse. Em troca da continuidade de meu trabalho.

         Lianna soltou o pedido com as palavras quase atropeladas, dado seu nervosismo. Ao terminar, viu-se ofegante, trêmula. E a condição piorou quando Takeo se aproximou ainda mais, lançando sobre ela sua sombra aterradora.

         - Você sabe que querer que eu quebre as regras somente para que continue a trabalhar não é uma proposta muito válida – ele se manifestou, soturno e sincero. – O comandante Lorenz tem a capacidade de fazer com que o obedeça de um jeito ou de outro.

         - O que quer dizer? – ela demonstrou sua irritação quase gritando.

         - Quero dizer que terá de oferecer a mim algo mais se quiser ver sua filha protegida, doutora. Uma boa moeda de barganha.

         Ela piscou rapidamente, suando mais pela ansiedade do que pelo calor do deserto.

         - Nomeie sua barganha – disse por fim, segura de si.

         Como resposta, Rokubungi diminuiu a meros centímetros a distância entre os dois... e, envolvendo-a pelo pescoço com os braços, beijou-a de modo intenso, agarrando-a de tal forma que foram inúteis as tentativas de Soryu em se libertar.

With time, the child draws in
(Com o tempo, a criança é enganada)
This whipping boy done wrong
(Este rapaz massacrado age errado)
Deprived of all his thoughts
(Desprovido de todos os seus pensamentos)
The young man struggles on and on, he’s known
(O jovem agüenta e agüenta, ele é conhecido)
A vow unto his own
(Uma promessa a si mesmo)
That never from this day
(Que nunca a partir deste dia)
His will they'll take away
(Sua vontade lhe tirariam)

As mãos enlaçadas, corações batendo rápido. O sentimento que ele imaginou jamais receber. Suas previsões se mostravam enganosas, erradas. Encontrara sua redenção. Aquela que dissiparia as cinzas de pecados passados acumuladas sobre seus ombros.

         - Yui, quer casar comigo?

         O pedido foi tímido; o anel, singelo. A jovem, porém, tomou-o como se fosse a jóia mais valiosa do mundo, inserindo-o em sua mão e tendo a face tomada de pura felicidade.

         - Claro, Gendou. É claro que aceito!

         Beijaram-se, apaixonados.

What I've felt
(O que eu senti)
What I've known
(O que eu soube)
Never shined through in what I've shown
(
Nunca brilhou no que eu mostrei)
Never be
(
Nunca ser)
Never see
(
Nunca ver)
Won't see what might have been
(
Não saber o que poderia ter sido)

Suas partes íntimas doíam. Mais uma vez, aquele homem a possuíra com violência. Nua, e sentindo-se despida tanto de suas roupas quanto de sua dignidade, Lianna sentou-se na cama, observando Takeo. Este, com as calças já vestidas, mantinha-se sem camisa acomodado à beirada do leito, de costas para ela, fumando calado... como se não tivesse coragem de fitá-la.

         Soryu perguntava-se, em seu íntimo, acerca do que aquele homem pensava. O que deveria movê-lo, afinal? Mais que isso: protegeria mesmo sua filha?

What I've felt
(O que eu senti)
What I've known
(O que eu soube)
Never shined through in what I've shown
(
Nunca brilhou no que eu mostrei)
Never free
(Nunca livre)
Never me
(Nunca eu mesmo)
So I dub the Unforgiven
(Então eu te nomeio Imperdoável)

Juntos, contemplavam o pôr-do-sol em Kyoto. Sentindo o calor dela junto a seu corpo, a respiração, os cabelos castanhos roçando agradavelmente sua face... ele fechou os olhos. E imaginou se sua jornada terminaria ali. Se tudo estava acabado.

         O convite daquela manhã, feito por seu futuro sogro, Daichi Ikari, ainda ecoava em sua mente. Juntar-se ou não à SEELE?

         A verdade sobre a tal organização Gehirn. A profecia prestes a ser cumprida...

         “Sobreviver aos Anjos para se alcançar a plena felicidade na Graça Divina”

         Se isso significava criar um mundo melhor para Yui...

         Então ele estava dentro.

Never free
(Nunca livre)
Never me
(Nunca eu mesmo)
So I dub the Unforgiven
(Então eu te nomeio Imperdoável)

You labeled me
(Vocês me rotularam)
I'll label you
(Eu rotularei vocês)
So I dub the Unforgiven
(Então eu te nomeio Imperdoável)

*  *  *

Uma leve chuva caía sobre o Cemitério de Aoyama, um dos principais de Tóquio. Sob o céu nublado daquela tarde, as copas molhadas das árvores eram agitadas pelo vento, lançando pingos d’água sobre as formas geométricas das sepulturas e criando poças nas trilhas pelo lugar. Munido de um guarda-chuva preto, Hideaki Katsuragi caminhava por ali já há algum tempo, buscando com os olhos seu destino. Chegava, como sempre, atrasado, e agora tinha de se virar para encontrar a área onde sua ex-mulher era enterrada.

         O aspecto do local e o motivo de nele se encontrar oprimiam o coração do doutor com áspera contradição: estivera tão feliz naqueles últimos dias devido à descoberta na Antártida – a qual poderia finalmente comprovar sua teoria tão criticada no meio científico – para em seguida ser bombardeado pela notícia da repentina morte de Ayaka. Ela o odiava desde que haviam se casado, devido à sua ausência como marido e pai, porém tinha de dar-lhe um último adeus... e, é claro, acolher Misato. A filha devia estar arrasada.

         Foi com um nó na garganta que, depois de percorrer mais alguns metros, avistou uma garota sentada sobre um túmulo... ao lado de um monte de terra recém-atirada sobre um buraco, possuindo velas e retratos. A adolescente tinha o rosto coberto pelas mãos, por certo chorando – mas Hideaki pôde deduzir se tratar de sua menina. Estava ali sozinha e totalmente exposta à chuva – ainda que não parecesse se importar – as roupas encharcadas. A julgar pelo cenário, o funeral terminara há considerável tempo. Talvez algumas horas.

         O pesquisador correu até Misato, apoiando o guarda-chuva à sepultura para cobri-la da água. Logo depois... não soube ao certo como agir. Ouvindo os soluços da garota – que, ainda com os dedos lhe tampando os olhos, aparentava não tê-lo notado – achou constrangedor admitir, mas não tinha noção de como se portar junto a ela. Haviam sido muito escassos os momentos passados juntos, e durante estes, Katsuragi jamais pensara em como fazer a filha feliz. Em como ser pai. Além disso, o pouco que poderia deduzir já não devia mais se aplicar como antes, pois Misato, desde a última vez em que a vira, crescera e mudara, já não sendo mais a criança de outrora. Os cabelos escuros se tornavam cada vez mais roxos, e as maiores proporções do corpo mostravam que pouco a pouco se tornava uma moça.

         Algo era bem certo, no entanto, acima de toda a confusão do pai: ela precisava muito de si.

         Dando espaço a esse sentimento, Hideaki, ainda que um tanto desajeitado, abraçou a menina com força, amparando-lhe a cabeça num dos ombros enquanto acariciava sua nuca.

         - Calma... – falou num tom suave, procurando tranqüilizá-la. – Eu estou aqui...

         Aos poucos os soluços da adolescente diminuíram, lágrimas quentes escorrendo por sua face e se perdendo nas vestes agora também molhadas do pai. Permaneceram unidos por vários minutos, em silêncio, como se o homem tentasse absorver para si todo o sofrimento da filha. Não conseguiu totalmente, entretanto. Ainda se mostrava por demais frio e distante em relação a assuntos como perda.

         Logo, uma das mãos de Misato, bem maior do que ele se lembrava, tateou-lhe algo no pescoço. O pingente metálico que sempre trazia consigo.

         - Sempre quis saber o que significa, papai... – revelou a garota, voz sumida.

         Hideaki não esperava aquela dúvida, principalmente naquele instante, mas a esclareceu:

         - É uma cruz grega. Todos os lados iguais. A cruz é símbolo da Salvação. Os lados são idênticos, no caso, para representar que a Salvação está ao alcance de todos. Ao menos é nisso que tento acreditar.

         - O senhor acha que poderia não estar entre aqueles dignos de serem salvos?

         A menina ainda era jovem, porém já dava indícios de grande sabedoria. Cessando o longo abraço, o cientista segurou-a pelos ombros, fitando-a nos olhos chorosos. Antes que pudesse se manifestar, ela disse:

         - Mamãe falou que agora o senhor cuidaria de mim, já que ela se foi... Que o senhor tem que cuidar de mim. Me levar para morar com você e se importar comigo de verdade.

         Tendo seus pensamentos embaralhados e um aperto no peito, Hideaki baixou os olhos. Foi com eles voltados para o chão que replicou:

         - Querida... O seu pai está para fazer a maior descoberta da história da humanidade. Lembra-se que alguns homens maus tiravam sarro de mim, quando era pequena? É a chance que tenho para mostrar que eles estão errados, e dar uma vida melhor a todos no mundo. Incluindo você. Para isso, só preciso fazer uma viagem... Poucos meses de duração, no máximo. E então ficaremos juntos, para sempre. Eu prometo.

         A reação da adolescente não veio de imediato, e justamente por isso Katsuragi não ousou encará-la, permanecendo com o semblante baixo. Logo, porém, ouviu-a falar:

         - Se isso é tão importante para o senhor, papai... Então me leve junto. Mostre que gosta mesmo de mim, dividindo comigo seu trabalho. Suas conquistas, suas alegrias. E também as suas tristezas. Sou sua filha. Por favor, partilhe comigo sua vida...

         Misato tornou a chorar. Diante disso, o doutor mais uma vez abraçou-a... agora igualmente incapaz de conter suas lágrimas. Antártida, Super Solenóide, Gehirn, fonte ilimitada de energia... tudo isso não podia ser colocado à frente de sua filha, sua pequena, agora sozinha no mundo a não ser por ele. Estremeceu. Tomara sua decisão.

         - Você irá comigo, querida... Nós iremos juntos.

         E ali ficaram por mais um bom tempo, alheios à chuva.

What I've felt
(O que eu senti)
What I've known
(O que eu soube)
Never shined through in what I've shown
(
Nunca brilhou no que eu mostrei)
Never free
(Nunca livre)
Never me
(Nunca eu mesmo)
So I dub the Unforgiven
(Então eu te nomeio Imperdoável)

Never free
(Nunca livre)
Never me
(Nunca eu mesmo)
So I dub the Unforgiven
(Então eu te nomeio Imperdoável)


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