Consequências escrita por Carlos Abraham Duarte


Capítulo 5
Clube Escolar + Succubus


Notas iniciais do capítulo

Agora é oficial e definitivo! Após meses sem conta pelejando para digitá-lo, declaro este (mega)capítulo FINALMENTE concluído!!!
Faço votos de que os eventuais leitores (se ainda houver algum por aí) leiam tudo até o final e não abandonem o texto pela metade, ou menos que isso. Se persistirem até o fim, tenho certeza de que valerá a pena (sem falar que o presente capítulo deu um trabalhão insano para ser redigido). Obrigado.



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SEREIA - É um ser mitológico, metade mulher e metade peixe (ou metade mulher e metade pássaro, de acordo com vários escritores e poetas antigos). Na Europa, tais criaturas são chamadas de merfolks; as sereias jovens são mermaids e os tritões ou homens-peixe, mermen (plural de merman). Conta-se que sereias são criaturas que vivem em alto mar e que suas metades humaniformes são de uma beleza estonteante. Elas usam sua beleza física e sua voz para encantar marinheiros que navegam por onde elas vivem, hipnotizando-os de tal forma que percam o controle de seus barcos e colidam com rochedos, afundando. Sereias são de uma espécie carnívora e totalmente predatória, que aprendeu a gostar de comer carne humana. Nas versões mais recentes da lenda, sereias com capacidade de se metamorfosearem são cada vez mais comuns: ao saírem da água seu rabo de peixe se transforma imediatamente em belas pernas humanas perfeitas. Em média os tritões e as sereias vivem 300 a 400 anos. Existem várias espécies de sereias nos países celtas: as Mermaids, as Mulheres-Foca ou Selkies, as Mari-Morgans e os Morgans.

Há lendas um pouco mais fantasiosas onde sereias resgatam homens que estão se afogando no mar e posteriormente acabam apaixonando-se por eles, mas a verdade é que, ao contrário da imagem "doce" projetada pelos contos de fada, estas criaturas belas e terríveis são vistas como um mau presságio, pois raras são as histórias onde são felizes e/ou fazem alguém (humano) feliz.

Enciclopedia de Monstros Sobrenaturais

Atrás do prédio principal da Academia Youkai.

– Kurumu-chan... - tartamudeou Tsukune, seu rosto vermelho a poucos centímetros do rosto dela. Mesmo sem palavras, a intensidade do olhar violáceo da succubus falava por si. - Vo-você tá querendo me beijar?

– Você não quer? - redarguiu Kurumu, falando mansamente, exibindo o sorriso mais cativante que ele já tivera a oportunidade de ver. Sem esperar por uma resposta, Kurumu o abraçou pela cintura e o puxou para si, pressionando seu corpo contra o dele.

– S... Sim... - Tsukune não podia resistir a ela. Nem queria. Não mais. Podia sentir o coração disparar e o fluxo de sangue pulsar mais rápido quando os lábios róseos e macios de Kurumu oscularam seu pescoço moreno. - Eu quero... Kurumu-chan... Penso em você... Desde o primeiro dia!

– Eu também - disse ela, beijando calidamente a linha de seu maxilar até seu queixo. E antes que ambos se dessem conta, eram os lábios de Tsukune a acariciarem o rosto macio e sedoso de Kurumu, delicada e amorosamente, e por um breve instante o jovem humano vislumbrou a energia do amor expressa no olhar da succubus antes de suas bocas se unirem em um beijo cheio de paixão (seus campos áuricos refulgiam em tons de rosa, laranja, vermelho-púrpura)...

...E antes que se desse conta Kurumu estava drenando lentamente a força vital de Tsukune por intermédio do beijo, como se fosse uma ventosa biopsicoenergética (e o fazia de modo perfeitamente inconsciente e instintivo).

– Tsukune!!! - Kurumu gritou horrorizada ao ver o rosto de seu amado empalidecer, perdendo aquele saudável tom moreno-amarelado característico do grupo humano oriental-asiático, tornando-se lívido, extenuado, sua vida parecendo se esvair e sua alma ter sido arrancada de seu corpo. - O que foi que eu fiz, eu te machuquei? Lilith, Grande Lilith, eu suguei a força vital do Tsukune! Com um beijo! Merda! Mamãe, você tinha razão... Posso sugar toda a energia dele, posso até matá-lo! Deus, meu Deus, eu odeio ser uma succubus!

Que ironia cruel, ela pensou, amparando o combalido garoto japonês. Fora um beijo seu que, noutra realidade, salvara a vida e a ALMA de Tsukune quando ele se transformara em uma besta-fera demoníaca. Agora que por seu desejo ele voltara a ser humano, completamente humano, ela podia sugar-lhe a vida apenas beijando-o. Não! Seria horrível... Talvez houvesse uma lição para se aprender nisso. Talvez fosse o que os humanos chamavam de "Lei da Compensação".

Assim terminou - de forma patética - o primeiro beijo na boca protagonizado pelo "casal" inusitado. Nenhum deles sequer desconfiava de que alguém os estava espreitando à sombra de uma passagem entre dois prédios.

"Uhn... Uma succubus, hein? Que interessante!"

**********************

(Duas semanas mais tarde...)

Aula de Literatura Japonesa Moderna, às oito horas da manhã.

"Hoje faz um mês que eu e o Tsukune nos conhecemos... de novo... aqui na Academia Youkai", pensou Kurumu com um laivo de tristeza, seus olhos purpúreos fixos nas costas do rapaz de cabelo escuro sentado na carteira da frente da sua. Eles haviam começado como amigos, porém - livre da concorrência da vampira Moka - ela decidira, apenas duas semanas depois de seduzi-lo por meios mais sutis do que a magia das succubi, declarar-lhe que ele, Tsukune, era o seu "companheiro de destino" ansiosamente esperado. E que ela o queria só para si, mas sem forçar nada (não desta vez!). Tsukune, apesar do susto inicial, regozijara-se com o fato de que a garota mais bela e sexy da escola - daquela escola de monstros - estava interessada nele, como homem, um mero humano. Foi assim que Tsukune, vencendo a sua habitual timidez, não pensou duas vezes em aceitar as investidas dela. Mas a primeira tentativa de beijo na boca fizera tão mal ao pobre rapaz que a própria Kurumu concordara em não repetir a experiência, por mais que ela quisesse.

Afinal, que homem ficaria feliz por ter sua energia física, sua vitalidade drenada?

Kurumu apertou os lábios. Há muito tempo, sua mãe lhe ensinara como as succubi e os incubi, usando de projeção astral, entravam nos sonhos dos mortais para sugar-lhes o ki, a energia vital. Que nem vampiros, vampiros de almas! E como bem poucos humanos eram excepcionalmente fortes para serem capazes de sobreviver à "drenagem bioplasmática" que era o beijo da succubus, razão pela qual - sempre segundo sua mãe - os machos humanos eram imprestáveis como "escolhidos" em potencial, servindo unicamente como nutrição e entretenimento para os demônios-fêmeas. E aqueles dentre eles que sobrevivessem seriam seus escravos sexuais para o resto da vida. Que era curta. Como gado!

Sua mãe, Ageha, que lhe legara a beleza física e que pela aparência externa poderia ser tomada por sua irmã mais velha, era uma notória devoradora de homens, e não só no sentido figurado. Usando seu charm de succubus, escravizara inúmeros machos humanos, fazendo-os caírem aos seus pés, para sugar-lhes a energia por meio do sexo ou de beijos.

Kurumu ainda podia recordar-se de um Tsukune pálido, tonteado, abatido e beirando a anemia - em outra vida - por ter seu sangue sugado repetidas vezes por certa insaciável vampira de cabelos rosa pink.

"Não! Não! Não!", ela livrou-se daqueles pensamentos revoltantes. "Tsukune é o homem que eu amo, é o meu 'destinado', e eu não vou tratá-lo do mesmo jeito que a Moka tratava, como alimento... Jamais!"

"Mas o beijo do Tsukune é tão gostoso... Que pena!", suspirou.

"Será que uma succubus e um humano não podem ter um relacionamento amoroso 'normal'?", suspirou de novo. "Será que isso é mesmo tão impossível assim?"

Suas divagações foram interrompidas pela voz da Profª Shizuka Nekonome, que lembrava um gato miando alto. (Como na linha temporal "oficial", a sexy youkai felina usava uma saia curta e justa marrom e casaquinho branco por cima da blusa cor de laranja, um guizo dourado no pescoço e óculos estilo gatinha, chu!)

– Atenção, classe! - anunciou a nekomusume que era a professora de literatura e a responsável pela turma em que Tsukune e Kurumu estudavam, irradiando sua já tradicional jovialidade e espontaneidade. (Em torno dela rebrilhava uma aura azul-turquesa cheia de luzes dançantes rosa-pálido e notas musicais e figuras geométricas as mais variadas, ectoplásmicas, que duravam frações de segundo, geradas por suas formas-pensamento.) - Como todos sabem, o objetivo desta academia é ensinar aos youkais a se adaptarem à sociedade humana que ora domina todo o planeta, visando à coexistência pacífica entre eles e nós.

Kurumu inspirou fundo e soltou o ar ruidosamente. "Já vi esse filme... não, esse anime antes", pensou entediada. "Ela vai falar dos clubes!"

– É hora de partir para o próximo nível - continuou a professora, ignorando o ato ligeiramente desrespeitoso de Kurumu. - Vamos ter atividades de clubes!

"Atividades de clubes!?", Tsukune repetiu mentalmente, mal acreditando no que seus ouvidos escutavam. (Ao contrário de Kurumu, tudo aquilo era inédito para ele, chu!)

– Desde os tempos antigos que nós, youkais, temos tentado replicar com perfeição a forma humana - explicou Nekonome, apontando com uma vara os desenhos de youkais em diferentes estágios de antropomorfização no quadro-negro. - Para fazer uma transformação perfeita em uma forma humana, vocês precisam entender perfeitamente os humanos, adquirir um bom conhecimento sobre eles. Daí vem a ideia dos clubes escolares. Vamos entender melhor os seres humanos, para aprimorar nosso convívio com os mesmos, fazendo algumas árduas atividades praticadas por humanos!

Entrementes o ingênuo Tsukune, imerso numa atmosfera áurica cor-de-rosa (perdido que estava em devaneios românticos envolvendo Kurumu), mal prestava atenção às palavras da professora que falava exaustivamente sobre a necessidade de mimetizar a aparência humana com perfeição.

– Sua verdadeira identidade pode ser exposta se vocês não forem cuidadosos, portanto tenham cuidado! - ela concluiu. Enquanto falava, sua longa cauda felpuda loiro-acastanhada com a ponta branca, aparecendo por baixo da saia, balançava para lá e para cá, como que debochando descaradamente da aparente seriedade de suas palavras.

"Essa é a velha Nekonome-sensei de sempre", pensou Kurumu, levando a mão à boca para esconder o riso. "Nekonome-sensei, você é a última pessoa do planeta que pode dar aula de transformação!"

Um dos alunos levantou a mão e disse: - Ah, Sensei...

– Sim? - A professora virou-se para ver quem estava chamando. Era um rapaz de cabelos castanho-avermelhados e olhos cinza-escuros, nada parecido com um oriental (mas que tivera cabelos negros na linha temporal original, chu!)

Ele apontou para a cauda da nekomusume que balançava de um lado a outro, desenhando arabescos no ar, e riu, com um tom zombeteiro. - Fala sério, sensei! Em qual clube você treinou pra manter a sua forma humana, hein?

Outros alunos também comentaram, e riram. Kurumu torceu de leve a boca. "Lá vai o otário se ferrar", pensou ela, que sabia o que viria em seguida.

– Miauuu!

Por um instante o aluno irreverente que zombara do rabo de gato de Nekonome vislumbrou os apertados olhos hitoe da professora, parecidos com fendas, abrirem-se reluzindo feito um par de faróis verdes, com as pupilas verticais, as mãos com as unhas afiadas feito garras felinas estendidas ameaçadoramente na direção do seu rosto. No instante seguinte o rosto do malfadado mancebo ostentava um axadrezado de sangrentos lanhos vermelhos, e ele gemia e uivava de dor. Os demais olharam estarrecidos para a cena.

Kurumu deu um sorrisinho perverso. "Bem feito pra você... Manezão!"

Sentado em sua carteira, Tsukune engoliu em seco. Lembrou-se da advertência de Kurumu no primeiro dia. Com efeito, irritar uma neko youkai era uma péssima ideia!

– Agora, mais alguma pergunta sobre a participação em clubes? - indagou a Profª Nekonome, que retomara de imediato o seu comportamento usual, sempre alto astral, animado, brincalhão. - Entenderam? Todos deverão participar das atividades! - Como mais ninguém teve coragem de se manifestar, ela prosseguiu, sorridente e despreocupada. - Excelente! Todos, por favor, olhem na lista de clubes disponíveis, visitem os estandes e escolham o que mais lhes agrada!

"É isso aí, Nekonome-sensei", Kurumu aplaudiu em silêncio. "Seja descarada agora e faça propaganda do seu... do nosso clube de jornalismo!"

Como se lesse seu pensamento, Nekonome acrescentou: - Ah, e não deixem de dar uma olhada também no clube de jornalismo, do qual eu sou a orientadora, OK?

Finda a aula, Kurumu pegou Tsukune pela mão e foram para os corredores.

– Vamos dar uma olhada no local onde os estandes dos clubes estão montados - disse ela animadamente, segurando a mão de Tsukune e puxando-o junto consigo.

Eles deliberadamente ignoraram o costumeiro vozerio dos alunos do sexo masculino que exaltavam a beleza física e a sensualidade da succubus e ao mesmo tempo maldiziam e ameaçavam seu parceiro - seu namorado - , mas não iam além disso. Estacaram de súbito, ao se depararem com um jovem grandalhão à sua frente, de rosto moreno e mal encarado, cabelos castanho-escuros revoltos até os ombros e piercings nas orelhas e no lábio inferior.

Saizou Komiya!

– Ora, ora, ora se não é a Miss Youkai em pessoa e seu bichinho de estimação - disse ele, torcendo a boca em um sorriso maldoso. As cores desagradáveis da sua aura denotavam as piores intenções. - E aí, Kurono Kurumu, pra qual clube você pensa em entrar?

Kurumu olhou com desdém para o valentão de rosto anguloso e olhos oblíquos.

– Primeiro, é Kurono-san pra você - ela retrucou asperamente. - Segundo, não é da sua conta. Cai fora!

Na linha temporal original, Saizou Komiya - cuja verdadeira forma era a de um orc híbrido ou "monstrel", de mais de dois metros de altura e ombros maciços, couraçado por placas ósseas e excrescências córneas cinzentas, longos olhos oblíquos fosforescentes, dentes serrilhados e uma asquerosa língua rosada e gotejante de metro e meio que chicoteava feito um látego - logo no primeiro dia de aula tomara uma surra homérica da vampira Ura-Moka que o mandara para a ala hospitalar da academia por vários meses. Porém, na nova realidade, Moka jamais entrara na Academia Youkai, por conseguinte não havia ninguém dotado de superforça para deixar o ogro fora de ação. Um bastardo que se comprazia em molestar garotas bonitas, humanas ou não, e que vivia alardeando que era o mais forte, mas que no fundo não passava de um mestiço recalcado que agredia por sentir-se inferior aos youkais de raça pura. Tendo ficado despeitado com a amizade e posteriormente o amor que Kurumu dedicava a Tsukune, decidira fazer do garoto - cuja natureza humana ele desconhecia - a sua vítima favorita de bullying.

Kurumu quase desejou que a "alter Moka" lá estivesse, apenas para ter o prazer de vê-la quebrar todos os ossos do valentão.

– Saizou-san - interveio Tsukune, esforçando-se para aparentar tranquilidade - a Kurumu-chan tá comigo...

Saizou agarrou Tsukune pela lapela do blazer e, com uma única mão, levantou-o do chão com a maior facilidade. - Sabe, Kurono-san, eu não entendo por que uma gata feito você insiste em andar com um perdedor nato como este - disse ele com sarcasmo enquanto suspendia Tsukune (que suava frio) cinquenta centímetros acima do chão. - Ele até fede como um humano!

– Seu porco...! - exclamou Kurumu, agora olhando para Saizou com raiva. No mesmo instante as unhas de suas mãos cresceram assustadoramente, virando garras longas e cortantes. - Deixa o Tsukune em paz, seu animal tarado, ou eu juro que vou afiar minhas unhas na sua cara feia!!

O espanto de Tsukune foi ainda maior ao ver as unhas de Kurumu virarem garras do tamanho de facas.

Foi quando uma voz feminina imperiosa se fez ouvir:

– Kurono-san, Komiya-san! Parem, vocês dois!

Mei Kongou, uma inu youkai que exercia as funções de inspetora e gostava de andar fardada de policial feminina (fetiche?), não chegava a ter uma personalidade tsundere. Ela tinha cabelos castanho-claros aloirados, salpicados de pequenas mechas negras nas pontas, sobre os ombros, e orelhas em forma de coração, caídas e franjadas, semelhantes às de um cachorrinho pequinês. Sempre alegre e sorridente, era muito difícil imaginar aquela moça mignon na faixa etária dos vinte e poucos anos, de pernas lindíssimas, pele clara, corpo bem curvilíneo, rosto redondo de nariz arrebitado e olhos hitoe falando de modo autoritário, com cara de brava, bastão de choque elétrico na mão, porém era exatamente isso que estava acontecendo. Uma cauda frondosa com longas franjas de pelo castanho-dourado aparecia ligeiramente curvada, posição rígida, por baixo da saia do uniforme azul meia-noite.

"Mais uma que ainda não aprendeu a controlar sua transformação", pensou Kurumu com seus botões, vendo a cauda canina guarnecida de franjas da funcionária.

– Guarde suas garras, Kurono-san! Regra número um da Academia Youkai: quando estiver na escola, você deve sempre manter a sua forma humana! - falou a inspetora, encarando seriamente Kurumu com seus grandes olhos redondos castanho-avermelhados (que habitualmente pareciam duas fendas de tão apertados). Embora um tanto relutante, a succubus obedeceu. Em seguida, Mei virou-se para Saizou, e disse: - E você, Komiya-san, criando caso de novo, não é?

– Eu, chefia? Mas o que foi que eu fiz? - redarguiu Saizou, cinicamente, colocando Tsukune no chão com cuidado. - Eu só tava batendo um papo animado com os meus colegas de classe, a Kurono-san e o Aono-san aqui. Não é verdade, Aono-san? - Ele bateu "amistosamente" com as pontas dos dedos no rosto de Tsukune (que manteve sua expressão facial séria, pouco amistosa e assustada).

– Humpf! Estou de olho em você, Komiya-san - admoestou Mei, apontando o bastão de choque para Saizou. - Se fizer arruaça nos meus corredores, te garanto que vai pegar uma semana de detenção. A pão e água!

– Sim, Kongou-san! - retrucou Saizou, fazendo uma continência debochada. Virou-se para Kurumu e, ignorando Tsukune, disse, com um sorriso malevolente a repuxar-lhe o canto dos lábios carnudos: - Kurono-san, que tal se a gente, digo, eu e você escolhêssemos algum clube? Pessoalmente, eu acho um saco essa ideia de clubes, gastar o tempo livre dos alunos com mais atividades de escola, mas... Desde que você e eu participemos juntos, pode ser qualquer clube, eu nem me importo com qual, você escolhe e eu digo sim. Então?

A resposta de Kurumu foi uma gargalhada zombeteira.

– Komiya Saizou, já é suficientemente ruim ter você como colega de classe. Nem que você fosse o último monstro do mundo, nem por decreto eu ia querer entrar no mesmo clube junto com você. Desencana! Por mais que a realidade mude, você sempre será lixo.

Apanhou o cotovelo de Tsukune e disse, com um sorriso: - Vamos, meu amor.

Saíram de braços dados pelo corredor de piso azul e branco e paredes pintadas de azul-aço. Atrás deles, um Saizou frustrado e irado vociferava ameaças contra Tsukune.

– Um dia desses, eu acabo com ele! Ainda mato esse bastardo!

– Não ligue, Tsukune - disse Kurumu no ouvido do seu "destinado".

Desceram pela escadaria de madeira vermelha até o térreo e saíram do prédio principal da escola, rumando para o pátio onde os vários clubes mantinham seus respectivos estandes, decorados com anúncios vistosos em kanji, hiragana, katakana e romaji.

– Olha, tem tantos clubes aqui! - Tsukune exclamou baixinho. À frente deles uma multidão já lotava as passagens entre os muitos estandes espalhados pelo pátio externo, cada um deles representando um clube escolar. - Em qual deles a gente deveria entrar, hein Kurumu-chan?

– Hã?! - fez Kurumu, distraída. A pergunta do humano a cortara de suas reflexões, que giravam em torno da seguinte questão: "Saizou precisa ser eliminado, riscado do mapa, pelo bem do Tsukune... Mas como?"

– Em qual clube você acha que deveríamos entrar, Kurumu-chan? - ele indagou.

– Que tal o clube de jornalismo? - ela sugeriu, com um sorriso diplomático no rosto.

– Clube de jornalismo? - ele repetiu sem grande entusiasmo. - O clube da sensei?

– É, eu te falei que na minha escola anterior participei de um clube do jornal, lembra? - disse a succubus, tentando vender a ideia para o "quase" namorado. Pensou: "Se for como na linha do tempo original, então não haverá ninguém além do Gin-senpai no clube, e dele eu posso cuidar. Vou ficar sozinha com o Tsukune no mesmo clube... Sem Moka, nem Yukari, nem Mizore, só nós dois... Yahoo!"

Afinal, só porque não podiam ter uma intimidade maior não significava que não formassem um casal.

Sem sequer esperar por uma resposta, Kurumu pôs-se a arrastar Tsukune pelo braço em busca do local onde eventualmente estaria montado o estande do clube de jornalismo, abrindo caminho no meio da multidão de alunos - tanto calouros quanto veteranos - que se apinhavam no pátio da academia. De todos os lados, a algaravia de vozes dos membros que procuravam recrutar novos integrantes para seus respectivos clubes fazia-se ouvir.

– Uau! Aqui tá a maior confusão! - exclamou Tsukune, que não sabia para que lado olhar. - Parece uma feira livre.

– Este é o clube de fotografia, quer tirar fotos de espíritos? - perguntava com voz lúgubre um estudante sênior de cabelos preto fosco escorrido pelos ombros que, pela aparência externa, poderia ser confundido com um zumbi: rosto longo e ossudo de pele macerada lívida, nariz caído, lábios vultuosos e boca caída com dentes enormes tortos, olhos esbugalhados e vidrados. Um bando de fantasmas translúcidos revoava em torno dele, que trazia uma máquina fotográfica pendurada no pescoço e brandia uma foto de sinistras aparições espectrais na mão.

– Por favor, entre no clube de acupuntura - conclamava uma criatura corpulenta de pele quase negra e crânio liso magnificamente calvo, de olhos fechados, nariz batatudo, que usava argolas de ouro nas orelhas e estava nu da cintura para cima, todo eriçado de agulhas de acupuntura. Lembrava perturbadoramente o Pinhead da série de filmes Hellraiser.

– Venha para o clube de múmias! - alardeava um coro de cinco indivíduos que se apresentavam enrolados dos pés à cabeça com faixas de pano de fino linho - um deles, estranhamente ostentando na cabeça um chapéu preto de mandarim, com uma bola de rubi no alto - , tendo ao fundo um sarcófago de madeira dourada com incrustações preciosas. De sua parte, Tsukune se perguntava se aquelas criaturas eram autênticas múmias egípcias de trinta ou quarenta séculos de idade, ou se "meramente" os afiliados do clube praticavam a mumificação a fim de imitar o objeto de seu interesse.

– Vamos lá, junte-se ao clube de ciências! - exortou um nerd de cabelo castanho e rosto quadrado, óculos de grau, trajando um jaleco branco, que sorria de forma estranha; nas mãos, um pequeno caldeirão ou pote de metal cheio de asquerosos miriápodes de grandes dimensões contorcendo-se em um líquido roxo de cheiro nauseante. Parecia o estereótipo do cientista louco dos antigos filmes de terror europeus e americanos. - Você pode testar nossa nova poção do amor!

Seus companheiros que o ladeavam - todos de jaleco branco e um sorriso anormal - não eram menos assustadores: um nerd magérrimo e alto, rosto redondo, cabelo preto liso, óculos fundo de garrafa, com uma proveta e um balão de Erlenmeyer em suas mãos, cheios de um líquido fumegante exalando vapores tóxicos; uma garota baixinha, de cabelo preto curto com franja, olhos brancos, uma descomunal gravata borboleta vermelha, empurrando um carrinho para laboratório onde se viam, na parte de cima, uma mixórdia de béqueres, provetas e buretas, bisturis, um crânio humano quase completo, e, na parte de baixo, uma máquina misteriosa que zumbia e trepidava ao funcionar; e um grandalhão de rosto muito magro e anguloso, queixo bifurcado, olhos inteiramente negros e parafusos nas têmporas de cabelos escuros escorridos - lembrando o monstro de Frankenstein imortalizado no cinema por Boris Karloff - , que portava na mão esquerda um crânio meio encardido com uma vela de cor vermelha acesa, queimando em seu topo.

"Esse clube é bem a cara da Yukari-chan", cogitou Kurumu, puxando Tsukune pelo braço. Sentiu-se surpresa por não ver a feiticeirinha pré-adolescente bissexual, mas logo em seguida recordou-se do comportamento antissocial de Yukari no início do primeiro ano, fruto de um ódio racial que marginalizara as bruxas por séculos sem conta.

– Caramba, pelo dente de Buda! - praguejou Tsukune, deixando-se guiar por Kurumu na multidão. Sentia-se como se tivesse caído de paraquedas na reunião anual da família Addams ou coisa que o valha. - Não tem nenhum clube normal nessa escola?

Como era possível - questionou consigo mesmo - que aqueles jovens youkais aprendessem como coexistir com a sociedade humana, em particular no Japão, tendo tais clubes anormais como referências? Será que aqueles demônios acreditavam REALMENTE que todos os seres humanos modernos paramentavam-se como se estivessem saindo de um "Encontro Otaku/Cosplayer"?

– Claro! - disse uma voz feminina bem suave. - Há sempre o clube de natação.

Tsukune virou-se na direção da voz - e deparou-se com uma das garotas mais bonitas em que jamais havia posto os olhos.

Pelos padrões humanos, aquela jovem não devia ter mais de dezessete ou dezoito anos. Era da altura de Tsukune e tinha a pele cor de marfim, perfeita e lisa, como qualquer moça oriental normal. Todavia essa impressão de normalidade era afastada pelos longos cabelos ondulados até o final das costas, de uma exótica tonalidade verde-água, ou azul-piscina, conforme a incidência da luz, e pelos não menos exóticos olhos de íris amarelo-esverdeadas, de formato meio "caidinho" no canto externo inferior, que passava um aspecto de tristeza e ternura ao mesmo tempo. Rosto triangular invertido, de testa ampla e queixo pontudo. O top justo e firme de seu biquíni roxo não conseguia esconder, antes realçava os belos seios generosos e redondos balançando-se sensual e brandamente, sempre que ela se movia. Circundando-lhe a cintura fina, uma canga de praia estampada em tons de violeta e lilás fazia as vezes de sarongue que envolvia os quadris bem desenvolvidos mas revelava parcialmente as pernas esguias e torneadas, além de deixar à mostra os delicados pés brancos que calçavam lindas sandálias enfeitadas.

Enfim, não se tratava de nenhum monstro. Os longos cabelos azul-esverdeados estavam adornados com um par de prendedores feitos de conchas do mar esverdeadas ou amareladas (os famosos mexilhões verdes da Nova Zelândia?), um de cada lado da cabeça. Combinavam perfeitamente com as íris verde-lima de seus olhos de aspecto marejado.

Decididamente aquela não era uma garota japonesa como as que Tsukune conhecia em seu mundo. O fascínio pela beleza exótica da menina mais velha - que não perdia para a succubus Kurumu Kurono - foi tomando conta do jovem Homo sapiens.

– Eu sou a capitã do clube de natação, Ichinose Tamao - apresentou-se a garota de cabelos turquesa, exibindo um sorriso cativante. Seu campo áurico reluzia em tons violeta, rosa e verde-berilo, irradiando charme, atração sexual e sensação de alegria. - Por que não nadamos juntos? Podem vir, a água está uma delícia. Piscina de água salgada, equipada com clorador de sal, é a última moda no mundo humano.

Um sorriso de alívio passou pelo rosto de Tsukune, que mentalmente deu graças ao bom Deus, aos seus ancestrais e a todos os kamis da mãe natureza por encontrar o que lhe parecia ser um clube normal (apesar de Kurumu insistir no clube de jornalismo).

Yabai! O instinto sobrenatural de Kurumu deu o alarme. Perigo, perigo!

Como succubus, podia detectar uma "devoradora de machos" (em todos os sentidos) só de olhar para ela. (Um demônio da sedução reconhece outro, chu!)

A terceiranista Tamao Ichinose não estava sozinha. Outras garotas de biquínis e sarongues também deram o ar de sua graça, para deleite do contingente masculino de alunos calouros que estava presente no local. Todas formosas, curvilíneas, sumariamente vestidas, sorridentes, prestativas.

– No clube de natação todos os membros são garotas - explicou Tamao, cercada por uma legião de beldades segundanistas que exibiam seus dotes físicos em maiôs e biquínis sumaríssimos. - Então daremos tratamento especial aos garotos que ingressarem no clube.

Como era de se esperar, seguiu-se um alvoroço generalizado.

Um rapaz de cabelos negros levantou a mão e bradou: - Eu! Eu! Eu quero entrar!

– Eu também! - endossou outro, com um sorriso feroz e o dedo polegar fazendo gesto positivo. - Eu adoro nadar!

Em três tempos, um número imenso, mas imenso mesmo de calouros estava sendo aliciado pelas belas garotas em trajes de banho sexy do clube de natação.

Em sua mente, Tsukune teve uma visão de Kurumu usando um maiô minúsculo que lhe realçava as curvas estonteantes, rodeada por uma forte aura cor-de-rosa.

– E você... Aono Tsukune, certo? Está interessado em entrar no clube? - indagou Tamao, acariciando de leve a face ruborizada de Tsukune com a mão delicada (sob o olhar chocado de Kurumu). - Garanto que vamos fazer com que fique confortável.

"Huhu... Este garoto tem um cheiro delicioso... Igualzinho a um humano!", Tamao avaliou mentalmente, já antegozando a boa refeição que iria ter. "Ando de olho nele desde a cerimônia de início das aulas!"

– Pode parar por aí mesmo, sua puta com cheiro de peixe! - disparou Kurumu que, esbravejando de ciúmes, apertou com mais firmeza o braço de Tsukune. - Nós não estamos nem um pouco interessados no seu clube de barracudas.

– Kurumu-chan...! - Tsukune balbuciou, estupefato. Seu sonho de ver moças bonitas, talvez a própria Kurumu, em sumaríssimos trajes de banho, estava indo pelo ralo.

Mas não se tratava apenas de simples ciúmes. Graças à magia dos djinni Kurumu retinha as memórias de sua vida escolar na realidade anterior, conquanto na nova realidade seu corpo de garota ayakashi de quinze para dezesseis anos estivesse na Youkai Gakuen há apenas um mês. Via Tamao e as demais nadadoras pela primeira vez nesta linha temporal, mas sabia quem e o que elas eram (embora a "outra" Tamao tivesse os cabelos negros como a noite).

Sereias! Tubarões em pele de cordeiros!

Tamao sorriu desdenhosa. - Por que não deixa o Tsukune-kun falar por si próprio? - Ela inclinou-se sobre o garoto japonês de forma insinuante, roçando seus seios volumosos no braço dele, e sussurrou-lhe ao pé do ouvido com voz sedutora: - Seja sincero, Tsukune-kun, no fundo você quer entrar no clube de natação, né?

Tsukune teve uma pequena epistaxe. - Errrr... B-B-Bom... Eu tenho experiência com natação, sabe, porque os meus pais me fizeram ter aulas de natação até o fundamental - disse ele, gaguejando e com o rosto visivelmente corado. - Alguma coisa sobre boa forma física. Não que eu queira entrar só pra ficar perto das garotas... Lindas garotas só de biquíni...

Kurumu farejou o perigo. Feromônios.

– Pra seu governo, Ichinose-senpai, Tsukune é o MEU namorado! - atalhou a succubus que segurou Tamao pelos ombros e a empurrou para mais longe do japonês. - Ele nunca faz nada a não ser que EU faça, entendeu?

Ela virou-se para o companheiro, muito séria, e disse: - Tsukune, o que foi que eu te falei já no primeiro dia, sobre as garotas do clube de natação?

Ele pensou um pouco antes de responder. - Que elas comem gente...?

Tamao riu. - Ela falou uma coisa tão ridícula?

– São ningyo, mermaids ou sereias - disse Kurumu em tom acusador. - Atraem os homens pra dentro d'água liberando feromônios e sugam a força vital deles. Preste atenção, Tsukune, se você der mole pra esta piranha - atirou um olhar venenoso à veterana de cabeleira verde-azulada - ela vai te morder e te desidratar numa questão de segundos, e você vai virar um velho caquético, com um pé na cova!

Uma ideia maluca começou a tomar forma em sua mente. "Aquele ogro nojento do Saizou... Já sei como dar um fim nele!", pensou.

Mas a ningyo Tamao Ichinose, capitã do time de natação da Academia Youkai, não permitiria que sua presa mais suculenta escapasse da rede com tanta facilidade.

– Tsukune-kun, venha ver por si mesmo! Deixa eu te mostrar como nosso clube é uma ilha de paz em meio a esse lugar violento e atormentado que é a Academia Youkai. Anda logo e venha nadar conosco!

– D-De qualquer maneira, vamos lá dar uma olhada - tartamudeou Tsukune, que dirigiu seu olhar suplicante a Kurumu. (Era o encanto da sereia em ação novamente, chu!)

"Pois sim! Não vou deixar que as coisas sejam do jeito que a Ichinose-senpai quer", pensou Kurumu. Apanhou o cotovelo da veterana e afastou-a de Tsukune, com aparente amabilidade. Sorrindo largamente para ele, falou:

– Tsukune, eu e a Ichinose-senpai precisamos ter uma conversa de mulher, a sós.

Intrigado, Tsukune seguiu-as com o olhar. Kurumu, depois de ter certeza de que o companheiro humano não conseguiria escutá-la, disse para Tamao:

– O negócio é o seguinte, eu sou a succubus Kurono Kurumu. O Tsukune é a minha alma gêmea, o meu "companheiro de destino", e nele você não rela a mão. Mas eu sei como fazer cair na sua rede um peixe maior... Uma presa muito melhor, mais encorpada, cheia de vida pra dar. Você e suas colegas de cardume vão se fartar. - Enquanto falava, imagens perpassavam a mente de Kurumu: visões de Saizou em uniforme de natação, enfeitiçado, atraído para a piscina pelas sereias que logo em seguida começavam a atacá-lo, drenando toda sua vitalidade até reduzi-lo a um velho decrépito. - Mas você tem que me jurar que não vai morder o Tsukune... Nem você nem ninguém da sua raça. Porque se uma de vocês chegar perto dele, vou usar o meu charm de succubus pra encantar a "homarada" que você e as suas amigas arrebanharam e rebocar todo mundo pro meu harém de machos. E mais! Vou contar pra escola inteira o que vocês fazem com os rapazes no seu clubinho privê. Cê sabe como os boatos crescem... Garanto que nenhum candidato do sexo masculino vai querer entrar no clube de vocês, que vai ficar às moscas. - Sorriu maldosamente. - E aí, senpai, o que me diz?

Tamao esteve prestes a dizer que tinha direitos sobre Tsukune por tê-lo visto em primeiro lugar conforme os costumes do povo sereiano, mas se conteve.

Uma succubus! Agora a coisa mudava de figura. O povo do mar e os lilin, conquanto fossem duas raças de predadores sobrenaturais, em especial de seres humanos, não tinham interesses conflitantes, posto que a água era o território das sereias e dos tritões, ao passo que os sonhos eram o domínio por excelência das succubi e dos incubi.

– Vai entrar para o clube junto com o Tsukune-kun? - indagou Tamao, respirando pesadamente. Por mais que relutasse em abrir mão do garoto cujo cheiro corporal era tão "humano", a perspectiva de perder todo o contingente masculino de novos membros era muito mais assustadora.

– Não falei isso - rebateu Kurumu. - Mas se eu usar um maiô, o Tsukune vai ver a minha beleza. - Ela fez uma pose bastante sensual. - Eu sei que ele sonha com isso, afinal ele é homem, mas é muito tímido pra admitir. Agora eu quero que jure por todos os seus deuses que o Tsukune, meu "destinado", não será molestado por vocês. Jure! Senão eu juro que vou fazer todos os garotos que vocês recrutaram virarem meus escravos, agora mesmo!

Tamao suspirou contrariada. - Como quiser. Juro pela Mãe Oceano, Asherah, por Dagon e Kthulhu, pelo Rei Dragão Ryuujin, por todos os deuses do mar venerados por meus ancestrais, que eu e minhas irmãs do povo do mar nesta academia não faremos mal nenhum a Aono Tsukune, "destinado" da succubus Kurono Kurumu. Isso basta, caloura?

Kurumu concordou. Ainda podia lembrar-se, na linha temporal original, de Tamao e das outras sereias saltando alguns metros no ar, acima da piscina, tentando abocanhar a vampira Ura-Moka - que saltara primeiro a fim de atraí-las a um ardil - , apenas para serem impiedosamente chutadas pela feroz kyuuketsuki de olhos vermelhos e cabelos brancos, que usava o impulso de seus próprios chutes giratórios superpotentes para se aproximar de sua próxima vítima e evitar cair na água, mantendo-se suspensa no ar por 80 segundos.

Ura-Moka transformaria todas elas em sushi!

"Mas eu sou uma succubus", ponderou Kurumu com os seus botões. "Não tenho superforça, minhas armas são outras. É assim que eu vou proteger o Tsukune."

– Kurumu-chan - disse Tsukune ao ver sua namorada acompanhada de Tamao. - Vamos procurar o clube de jornalismo?

– Ora, ora, Tsukune - replicou alegremente Kurumu, que enlaçou seu amado pelos ombros. - Não vamos nos precipitar. Podemos dar uma espiada no clube dos peixinhos, sem compromisso.

– Peixinhos...? - repetiu Tamao, que de tão nervosa, uma veia visível estalou para fora de sua testa. Gostaria de ver essa duas-pernas impertinente fazer pouco de nossa raça se estivéssemos em nosso elemento, a água.

– Ué, Kurumu-chan?! - Tsukune admirou-se da súbita mudança que se processara no espírito da namorada. - Mas e o clube de jornalismo, como fica?

– O clube de jornalismo pode esperar. - Kurumu sorriu maliciosa e abraçou com entusiasmo Tsukune, comprimindo seus fartos seios contra o rosto do rapaz. - Afinal, nós somos livres pra fazer o que queremos! Certo, Tamao-senpai?

– Naturalmente que sim - respondeu a ningyo retomando seu sorriso sedutor e cativante, embora queimasse de raiva por dentro em face das provocações da irreverente succubus de cabelos azuis que, a seu ver, a privara de sua melhor refeição bioenergética. - Vamos todos nadar juntos!

Ela pensava no "peixe maior" que Kurumu lhe oferecia em troca de Tsukune.

"Se não valer a pena... Que Ryuujin a devore inteirinha!"

**********************

– Então, sejam bem-vindos ao Clube de Natação da Academia Youkai!!!

À frente da legião de calouros que haviam sido aliciados por Tamao e suas amigas, estendia-se a vista da piscina semiolímpica utilizada para a prática de natação, com um trampolim acima um metro da lâmina d'água azul e uma cadeira de observação para salva-vidas. Algumas mesas com guarda-sóis em duas cores estavam dispostas estrategicamente à volta da piscina. A área era totalmente cercada de tela de arame galvanizado.

Kurumu franziu a testa intrigada. Por que essa loira gaijin peituda está aqui? Ela não existia no mundo anterior.

– Eu sou a conselheira do clube, Fiona Seafoam - apresentou-se a sorridente moça de pele alva e macia que tinha 1,75m de altura e aparentava ter dezenove anos, envolta por longos e fartos cabelos dourados ondulados que lhe caíam pelos ombros e pelas costas até as nádegas. Os grandes olhos verde-azulados, da cor do mar, sobressaíam-se no rosto em forma de triângulo invertido, de nariz reto e muito delicado, e boca de lábios carnudos, vermelhos, que davam mostras de uma sensualidade alegre e despreocupada, dedicada tão somente aos prazeres materiais. Seu corpo maravilhosamente curvilíneo, de seios opulentos e firmes, cintura fina e definida, quadris largos e bem fornidos, coxas generosas e pernas terminando em tornozelos esbeltos, exibia-se quase completamente nu exceto por um biquíni mínimo, azul-piscina. Seus dentes perfeitos pareciam um colar de pérolas, e ela falava japonês com um sotaque irlandês forte, mas encantador.

Seu corpo escultural brilhava à luz do dia, coberto com miríades de gotas de água cintilantes que pareciam cristais pequeníssimos, pois Fiona acabara de sair da piscina. (Sua pele estava liberando feromônios no ar, chu!)

Na mesma hora Tamao se despiu da canga que a enrolava pela cintura, expondo aos olhares cobiçosos dos rapazes os quadris proporcionais, as coxas bem torneadas e as pernas esguias. As outras meninas a imitaram.

Era uma visão de roubar o fôlego. (Pura sedução holochacral, chu!)

– Ohayo, pessoal - cumprimentou-os gentilmente uma garota de biquíni verde-claro que tinha cabelos negros cortados bem curtos, franja dupla, rosto redondo e olhos futae castanho-escuros. - Meu nome é Sango.

– Eu sou Umihime - disse uma sorridente menina um pouco mais alta que Sango, à sua esquerda, de rosto losangular, olhos futae cinza bem escuros e cabelos castanho-escuros na linha do pescoço, com franja repicada, que usava um biquíni verde-musgo.

– Eu sou Aquamarine - disse outra garota sorridente à direita de Sango, mais alta que a maioria, de rosto oval, olhos futae azuis e cabelos lisos castanho-avermelhados até o meio das costas, trajando biquíni azul-cobalto.

– E eu, Pearl - acrescentou uma menina de biquíni cor-de-rosa que tinha a mesma altura de Sango e rosto redondo, com cabelos igualmente curtos, mas castanho-claros, cor de mel, franja jogada para o lado, e grandes olhos hitoe castanho-escuros. - Temos trajes de banho para todos!

(Naturalmente tais nomes foram tomados de empréstimo às línguas humanas, pois o povo do mar, em seu ambiente natural, utiliza telepatia subaquática e comunicação por sonar. Ademais, os merfolks, como todos os youkais, possuem um nome secreto, ou mana, que controla a sua mudança de forma e que ninguém mais pode saber, porquanto quem conhece o mana de um youkai adquire domínio sobre esse youkai. Chu!)

Os rapazes foram ao delírio. Precipitaram-se numa massa confusa sobre o comitê de boas vindas feminino que os aguardava de braços abertos na área da piscina (excitados pelos feromônios que as meninas sereias exalavam).

– Uhuu! Este é o lugar! - bradava a multidão.

Aproveitando que Tsukune entrara no vestiário masculino, assim como outros tantos garotos, para trocar de roupa, Kurumu arranjou lápis e papel, e rapidamente escreveu um bilhete. Era um recado para Saizou: "Se quiser me ver, estou na piscina. Venha e vamos nadar juntos. Kurumu-chan."

"Agora só preciso fazer o bilhete chegar até as mãos do Saizou", pensou ela. Então viu, entre alguns rapazes que, do lado de fora da cerca de arame, observavam embevecidos a movimentação - e os lindos corpos femininos minimamente vestidos - da piscina, um rapaz gordo, barrigudo, de rosto arredondado e pletórico, "cara de lua cheia", olhos hitoe miúdos e apertados, e os cabelos castanho-claros arrepiados. Reconheceu de imediato Gouzaburou Taira, na realidade um noppera-bo, um youkai sem rosto, repulsivo em sua verdadeira forma paranatural com tórax e abdômen rotundo gosmentos como um globo ocular lacrimoso, e platonicamente apaixonado por ela, Kurumu!

Na linha temporal "oficial", Taira, junto com o karakasa-obake Kouzou Kasahara e o rokurokubi Nagai Kubisaku, formaram a "Aliança dos Fãs-Clubes" que constantemente importunavam Kurumu, Moka e Yukari, suas respectivas "ídolas" - além, é claro, de hostilizar Tsukune, o ÚNICO objeto de amor das três. Na nova realidade, porém, não havia Moka Akashiya na Academia Youkai, ao passo que Yukari, se estivesse por lá, ainda seria a pré-adolescente ranheta e antissocial de antes de conhecer Moka, ou seja, não exatamente um objeto de adoração. Por conseguinte, deduziu Kurumu, nada de alianças de fãs-clubes nesta escola, apenas um gordinho chato e grudento que não parava de segui-la para onde quer que ela fosse e que, para variar, odiava ferrenhamente Tsukune.

"Por que não matar dois coelhos com uma cajadada só?", raciocinou Kurumu.

Tanto Gouzaburou Taira quanto Saizou Komiya era inimigos de Tsukune, o homem que ela amava. Quando se compenetrou desse fato, Kurumu venceu os escrúpulos morais. "Meu macho vem em primeiro lugar... Tsukune... Eu mataria o mundo pra protegê-lo", ela pensou com convicção.

– Eeei! Ei, você... - exclamou a succubus para chamar a atenção do gordo Taira. - Olha bem nos meus olhos, fortão...!

O olhar de ametista de Kurumu encontrou-se com os olhos pretos apertados de Gouzaburou e imediatamente os prendeu em um transe hipnótico. Charm! Gouzaburou sentiu o rosto arder, e a paixão tomou conta de seu peito ao imergir nas profundezas mágicas daquelas lindas íris violeta que emitiam um magnetismo irresistível sob a forma de ondas vibratórias concêntricas de bioenergia etérica. Ele estava temporariamente enfeitiçado. Sedução holochacral, o poder das succubi. No plano astral, o campo áurico de Kurumu rebrilhava em tonalidades variáveis de rosa, vermelho e laranja, concomitantemente com as trocas energéticas efetuadas pelos respectivos chacras básico, esplênicos, umbilicais, laríngeos e frontais de ambos os envolvidos. Tudo isso em fração de segundos.

– Kurumu, amada, amada, adorável Kurumu...! - murmurou Taira, com seus olhos presos aos dela. Ficara impregnado com a energia oriunda dos pensenes da succubus, com a magia da sedução desta. - Faça de mim o que quiser!

– Quero que procure o Komiya Saizou e entregue a ele este bilhete - disse Kurumu, estendendo o papel ao obeso youkai através da grade de arame. - Depois volte aqui pra dar uma nadadinha, OK?

Taira obedeceu sem pestanejar. Satisfeita, Kurumu observou o estudante afastar-se a passos rápidos à procura de Saizou, balançando a barriga proeminente. Hoje eu e o Tsukune vamos ficar livres desses dois estrupícios.

Não sentia vergonha nem remorso por empregar sua habilidade hipnossugestiva, seu poder de sedução, algo que jurara jamais fazer na linha temporal anterior, para atrair os desafetos de Tsukune a uma armadilha fatal. Por que deveria? Kurumu vinha de uma raça de mulheres sobrenaturais, ou demônios-fêmeas, acostumadas a manipular os homens, manipular as ilusões livremente. Sua mãe com certeza ficaria orgulhosa, se pudesse vê-la em ação.

Por necessidade prática e por índole, nós, lilin, somos uma raça ardilosa. As palavras de Ageha, sua mãe, pareciam reverberar em seu cérebro, como que vencendo o tempo e o espaço.

Na piscina um número cada vez maior de rapazes em calções de banho divertia-se a valer brincando despreocupadamente com as belas garotas de biquíni (que, por sinal, demonstravam total ausência de inibição, até mesmo se e quando as mãos de alguns rapazes mais ousados resvalavam em seus seios, coxas e glúteos). Outros, mais sérios, aprendiam os principais exercícios, como bater com as mãos, com os pés, o flutuar em decúbito dorsal e ventral, a respiração boca/nariz, os movimentos de pernas e braços, conforme lhes eram ensinados pelas prestativas moças.

"Yahoo! Esta é minha chance, aqui eu consigo um relacionamento mais profundo com o Tsukune", pensou Kurumu, que exibia um sorrisinho maroto, meio malicioso no canto dos lábios, ao dirigir-se para o vestiário feminino. "Afinal, não sou nenhuma vampira que tem alergia a água."

Dez minutos depois, Tsukune reapareceu trajando um calção verde-água. "Deus do Céu... Não sei nem pra que lado virar os meus olhos!", pensou ele, embasbacado com a visão de tanta beleza feminina, tanta pele exposta. "Não posso acreditar que todas elas são perigosos monstros marinhos."

– Ei! Seu lugar é dentro da piscina! - exclamou Tamao alegremente. Ela abraçou Tsukune pelo pescoço e o arrastou consigo, sem lhe dar tempo de retrucar.

"Uaagh! Ela é tão decidida, voluntariosa... Parece a Kurumu-chan", pensou o japonês, constrangido, procurando sem ver sua garota-demônio. Com certeza fora trocar de roupa, colocar um maiô, e ainda não voltara do vestiário feminino.

Em dois tempos ele e Tamao estavam dentro da piscina de água cristalina.

– Uau, Tsukune-kun, seu corpo é lindo! Você está em ótima forma - disse a jovem mermaid de cabelos ondulados verde-berilo em tom de admiração. Conquanto houvesse se comprometido por juramento a não predar Tsukune, não se alimentar de sua energia vital, ainda assim ela podia assediá-lo, na esperança de roubar o namorado da succubus, ou, pelo menos, minar o relacionamento deles. Seria sua vingança.

– A-Acha mesmo? Sério!? - Tsukune gaguejou, surpreso; não estava acostumado a ter seus dotes físicos elogiados por uma garota, salvo por Kurumu. Mas o charme maduro de Tamao era inegável.

– Tsukune-kun, você só precisa trabalhar o movimento dos seus pulsos... Deste jeito! - Ela segurou seu braço esquerdo e puxou-o para si, colocando seu pulso no rego entre os seios. A carne branca de Tamao era deliciosamente macia e quente. O pobre rapaz ficou tão perplexo e excitado que emitiu um som onomatopaico parecido com "WAH! IIP!"

– Isso, assim! - Tamao elogiou, manuseando o braço de Tsukune (que tinha o rosto afogueado e tenso) com uma das mãos, e a outra, enlaçada em seu pescoço moreno. - Olhe, vá assim com o seu pulso, que nem um peixe. Muito bem! - A sua voz tornou-se mais baixa e mais ronronante. - Isso realmente está me excitando.

Contudo, o pobre Tsukune sequer imaginava que ele era o alvo das atenções de um pequeno grupo de garotas que fofocavam animadamente do outro lado da piscina.

– Hum... Então esse é o Tsukune-kun! - comentou uma bela jovem parecida com Tamao, mas que possuía cabelos pretos reluzentes, ondeados, que desciam abaixo do meio das costas. Usava um biquíni com padronagem em ziguezague. - Agora entendo por que a Tamao-senpai tá de olho nele há um tempão.

– Sem brincadeira! - retrucou Sango, rindo. - Tamao-senpai realmente tem feito um bom trabalho em manter os olhos sobre ele por um tempo, não tem?

– Eu também acho! - concordou Umihime rindo também. - Ele é um material de primeira! E pelas leis do nosso povo, a Tamao-senpai tem prioridade porque o chamou primeiro.

– Eu só queria ter falado com ele antes - resmungou Pearl, meio amuada.

– Eu adoraria ficar com o Tsukune-kun todo pra mim! - suspirou Aquamarine. - Será que a Tamao-senpai me deixaria dar uma dentada gostosa nele? Só uma mordidinha...

– Meninas, parem de pipilar e grasnar que nem gaivotas! - Fiona Seafoam, a supervisora assistente, resolveu intervir. - Ninguém vai morder o Tsukune-kun, nem mesmo a Tamao-san. Nenhuma de nós, ponto.

– O quêêê???!!! - exclamaram todas a uma só voz.

– Ela fez o juramento solene do povo do mar - explicou Fiona, inabalável. - Nenhuma mermaid nessa escola poderá se alimentar do Tsukune-kun. Isso inclui até a mim.

– Ela não tinha o direito de fazer isso...! - protestou com veemência uma menina de biquíni verde-limão, que tinha cabelos azulados curtos e olhos castanhos. (Por que será que alguns youkais se esforçam tanto para imitar a aparência humana e, no entanto, mantêm os cabelos com cores inexistentes na natureza, chu? Complexo de cosplayer?)

– Como presidente do clube, Tamao-san tem esse direito, sim - contrapôs Fiona. - Mas não se preocupem, que um sucedâneo tão bom, ou melhor, já está a caminho. Vi a imagem dele, no plano mental, e ouvi seu nome. Seu nome "humano" no mundo físico. Saizou. Komiya Saizou.

– Usou seus poderes de profetisa, Fiona-san? - questionou a ingênua Pearl.

– É prerrogativa de uma filha do mar de estirpe real, da casta da Crista, queridinha - Fiona sorriu condescendente. Sua mãe era uma das rainhas das Ilhas Proibidas, um "enclave" de morte e procriação dos sereianos, um dos lugares sagrados da raça, localizado no Mar dos Sargaços - uma área do Atlântico Norte, próxima ao Caribe, a oeste dos Açores à latitude de 30º N, delimitada pela extremidade sul da Flórida, Porto Rico e Bermudas, cercada por correntes oceânicas, coberta de algas pardas do gênero Sargassum e desprovida de litoral - mas camuflado por uma barreira mística invisível, fora de fase com o continuum espaço-tempo habitado pelos homens, tal como a própria Academia Youkai. E, tal qual sua rainha-mãe, Fiona possuía o dom de premonição, o poder elemental de mover a água com sua mente e moldá-la a seu bel-prazer, congelar a água ou fervê-la, abrir e fechar portais mágicos em espelhos d'água e provocar ou amainar tempestades no mar, além de se comunicar telepaticamente com a vida marinha e, limitadamente, controlar plantas e animais marinhos de toda espécie. - É por isso que eu afirmo que aquele jovem Aono não é pra vocês... Nem pra ela. - Fez um movimento com a cabeça, apontando para Tamao que não parava de se agarrar ao encabulado Tsukune, como uma rêmora grudada a um golfinho, roçando seu corpo contra o dele.

– Que pena! - lamentou-se Aquamarine. - Ele é tão...

– Humano?

– É, parece até um humano de verdade... Tem um cheiro muito bom!

– Sei como é. - Fiona mordeu os lábios e tornou a mergulhar na água azul. Sentia, bem no fundo, um pouco de pena das jovens mermaids. Reiki, a energia vital dos humanos, era seu antigo alimento e canções subaquáticas das colônias no Mar do Diabo faziam repetidas menções ao sabor todo especial desses duas-pernas, apesar de seu atual internato escolar ter-lhes restringido a dieta ao dreno de ki dos alunos do sexo masculino travestidos de humanos. "Pobres meninas", pensava Fiona, no fundo da piscina. Pelo contrário, na colônia da Corrente do Atlântico Norte, onde crescera, a carne e o sangue dos homens eram a base da alimentação, junto com peixes e moluscos. Mas a própria Fiona não comia carne humana desde que entrara para a Academia Youkai com a idade de quinze anos. A esta altura, ela, a Caçadora, já havia afogado mais de cem marujos humanos, capturados em embarcações no Mar dos Sargaços e arrastados até as escuras profundezas oceânicas para que, de conformidade com as leis tribais, sua carne fosse distribuída parcimoniosamente entre os esfomeados murdhuachas nascidos nas Ilhas Proibidas que pela linha matriarcal eram irmãos e irmãs menores de Fiona.

A exemplo de sua mãe, a Rainha, Fiona Seafoam nascera para matar.

A mermaid de cabelo curto azul resmungou qualquer coisa acerca de privilégios injustos de algumas castas. Tamao pertencia à casta da Mão, a segunda mais alta da sociedade sereiana (abaixo apenas da Crista), ao passo que a maioria das meninas sereias eram oriundas das castas inferiores do Olho e do Coração. Teoricamente, no clube de natação da Academia Youkai não existiam diferenças de casta. Na prática, contudo...

– O que está fazendo, Tamao-senpai...? - indagou Tsukune, morrendo de vergonha porque estava envolto pelos braços mornos da líder do clube de natação e sentia os seios dela pressionados contra suas costas. Se a Kurumu-chan voltar e nos vir assim...!

– Você sabia, Tsukune-kun, que os seres vivos possuem 70% de água em seus corpos? Assim como o planeta Terra tem 70% de sua superfície formada de água? - retorquiu Tamao, sempre sorridente, sem desgrudar braços e seios um milímetro sequer do corpo do jovem humano de pele morena. - Toda a água está cheia de magia e mistério primordial, sendo o berço da própria vida. A magia das águas está ligada à resistência e à transmutação do corpo. Água é sentimento, é emoção, e emoção é energia em movimento. Em cada gota d'água desta piscina há milhares de minúsculos elementais aquáticos, de pequenas ondinas, ajudando a dissipar e absorver as energias negativas. Cada ser possui um elemental da água dentro de si, que é movido pela emoção... Tipo uma ondina pessoal. Você também tem a sua. - Tamao encostou os lábios de coral na orelha de Tsukune. - Não se reprima! Entre em contato com sua ondina pessoal, dentro de você, e deixe fluir livremente os sentimentos e as emoções mais profundas do seu ser...!

– Uhn... Tamao-senpai! - Tsukune hesitou, lutando para resistir ao odor emitido por ela, ou feromônio, que exacerbava suas paixões. Para sua surpresa, ele constatou que seu rosto se achava no meio dos seios da capitã. Sentiu a cabeça balançar nos braços dela, pressionada contra aquela tépida maciez. - Você e suas amigas são ningyo... Sereias, mulheres marinhas... Não são?

– E se fôssemos? - ela revidou maliciosamente.

– Sereias não cantam para atrair os marinheiros para a morte?

Com exceção de lendas folclóricas japonesas como Happyaku Bikuri e alguns contos ocidentais, como The Little Mermaid, de Hans Christian Andersen, a verdade é que Tsukune não sabia praticamente nada a respeito de tais criaturas quiméricas.

Tamao deu um suspiro suave. - Sempre o velho estereótipo... Não, querido, mermaids não cantam para atrair marinheiros e pescadores para a morte. Mermaids não são sirens! Só cantam quando estão submersas na água, e suas "canções" são ininteligíveis ou até inaudíveis para os duas-pernas, consistindo de sons longos e em baixa-frequência, como os cantos das baleias, e de sequências rápidas de clicks em alta-frequência, como os dos golfinhos, na faixa do ultrassom. Emboscar humanos para caçar requer outros métodos.

Tamao entendia do riscado. Aos dez anos de idade juntara-se ao grupo de caçadores de humanos para alimentar a tribo - caçando e afogando tripulantes de barcos de pesca que se perdiam dentro e fora do Mar do Diabo, ao leste do Japão, entre Iwo Jima e a ilha Marcus. Para tanto, as sereias transformadas em humanas fingiam-se de belas náufragas à espera de serem "salvas" pelos marujos desavisados e, usando o poder de manipular as emoções e os sentimentos deles através de feromônios, os arrastavam a uma morte atroz. Por um instante, ela permitiu-se divagar um pouco, recordando os "bons velhos tempos". - Pessoalmente, gosto muuuito dos humanos. São tão apetitosos...! Melhor que peixe... - Ela deu uma risada cristalina. - Aliás, detesto peixe!

– Hum... Interessante - resmungou Tsukune. Ele se perguntava qual seria a reação da bela Tamao se soubesse que tinha em seus braços, com a cara enfiada em seus seios, um daqueles humanos "apetitosos" de que ela tanto gostava.

– Mas e você, Tsukune-kun? - perguntou ela. - Você gosta da ideia de vir a ser o macho "alfa" do futuro harém da Kurumu-san?

– Co-Como é que é?! - Tsukune agitou-se como se houvesse sido picado por um ferrão de abelha no abraço de Tamao.

A mermaid ergueu suas sobrancelhas escuras para fingir uma surpresa genuína. - Você não sabia? Kurumu-san me confidenciou que pretende formar um harém de machos com TODOS os rapazes do clube de natação. Naturalmente, você, como o "destinado" dela, será o macho alfa, o número um. Por que o espanto? A Kurumu-san é uma succubus, você sabe, e succubi, como filhas de Lilith, são demônios do sexo, daí que ter vários parceiros sexuais é perfeitamente aceitável entre elas. Chama-se "poliandria", é algo próprio da raça.

Pela expressão chocada no rosto de Tsukune, era lícito deduzir que a ideia de participar de um harém masculino juntamente com todos os rapazes youkais à sua volta, sob o comando de Kurumu, não contava com a simpatia do garoto japonês.

Aquela era uma faceta da linda succubus até então desconhecida para ele.

Tamao sorriu-lhe, insinuante. - Não faça essa cara, Tsukune-kun. A única coisa que importa entre um homem e uma mulher é saber se você teve seu coração roubado ou vice-versa. Tomar ou ser tomado, tudo se resume nisso! A Kurumu-san certamente sabe o que isso significa. E você?

Ela colocou uma das mãos na nuca dele e com a outra acariciou-lhe a face levemente.

"O que é que tá acontecendo?! O que é que tá havendo com meu corpo?", questionou-se Tsukune, sentindo o coração disparar, o pulsar vibrante do fluxo de sangue em suas veias. Sem dúvida estava sucumbindo aos feromônios altamente potentes da sereia responsáveis por acelerar o seu metabolismo de macho - para tentá-lo, seduzí-lo, torná-lo suscetível de manejo.

"Minha cabeça tá confusa... Eu tenho... tenho que lutar contra isso..."

Sentia uma vontade irresistível de agarrar a garota de cabelos verde-água, cujos olhos amarelo-limão como um par de preciosos citrinos pareciam irradiar luz inumana, mesmerizante.

"Não consigo resistir!!"

Agora seus braços trigueiros seguravam fimemente a cintura fina de Tamao. A boca da filha do mar, macia, rósea, vibrava tal qual uma ventosa donde emanava uma estonteante fragrância de prazer.

– TSUKUNEEE!

O encantamento quebrou-se. O grito entusiasmado de Kurumu - que acabara de sair do vestiário feminino envergando um biquini amarelo com rendinha preta nas extremidades, muito sexy - fez com que Tsukune despertasse bruscamente do efeito dos feromônios de atração emitidos pela malfazeja mulher marinha.

Desvencilhou-se do abraço de Tamao e foi em direção à borda da piscina, a tempo de ver Kurumu correndo ao seu encontro. Ao atingir a beira da piscina ela tomou impulso e pulou.

– Yahoo! - Com um salto para frente Kurumu projetou-se no ar, subiu cerca de cinco metros de altura, dando duas voltas completas e contínuas no ar (não tão surpreendente para um demônio alado que domina os ares), e "aterrissou" sentada (de pernas abertas) sobre os ombros de Tsukune, de tal maneira que o estarrecido rapaz viu-se de cara com a parte inferior frontal do biquini amarelo da ousada garota succubus. - Yahoo-hoo! Eu sempre quis fazer isso! - exclamou ela, triunfalmente, abrindo os braços.

Tsukune, com o súbito peso extra de Kurumu sobre seus ombros, e a cara vermelha enfiada no baixo ventre da garota-demônio, perdeu o equilíbrio e caiu desajeitadamente na água com um sonoro "TCHIBUM!"

– Kurumu-chan... - ofegou Tsukune, mostrando-se tão inseguro quanto indignado, quando ambos voltaram à tona, com os cabelos encharcados. - Me explique direitinho essa história de você formar um harém!

– Ha-Harém...? - repetiu Kurumu, tomada de espanto.

– É, a Tamao-senpai me contou que você tem planos pra formar um harém com todos os garotos que ela e as amigas recrutaram pro clube de natação... Junto comigo! É mentira ou é verdade, Kurumu-chan?

Kurumu lançou um olhar de viés para Tamao, que observava a cena com certo ar de gozo e desdém. - Então a vadia de rabo de peixe deu com a língua nos dentes, hein? - resmungou com raiva. - Tsukune, meu amor, eu só falei aquilo pra chantagear a Tamao... Ameacei, sim, fazer todos esses garotos que você vê aqui virarem meus escravos, pra que nem ela nem as outras mermaids ousassem cravar os dentes em você. Foi assim que eu a fiz jurar, por todos os deuses do povo dela, que não te fariam mal. - Ela gentilmente segurou o rosto dele entre suas mãos. - Mas a verdade, Tsukune, é que eu não tenho a menor intenção de ter um harém. Só quero você e ninguém mais.

– Quer dizer que não é verdade que succubi formam haréns masculinos? - perguntou Tsukune, ainda inseguro e um pouco envergonhado.

Kurumu suspirou. - Sim e não... Digo, é verdade que ALGUMAS succubi, não todas, é claro, mas apenas algumas de nós mantêm haréns de machos, mesmo após ter escolhido o seu "destinado", apenas pra fazer inveja nas outras fêmeas da comunidade... Ou até pra se alimentarem deles, se forem humanos, pra drenar a energia sexual masculina. Seja como for, ter um harém masculino bem grande é sinal de poder e prestígio. Minha mãe tem o dela... Minha tia Sara, que mora na América, numa cidade chamada Las Vegas, também tem... Mas eu juro pra você, Tsukune, que eu não quero nada disso. VOCÊ é o meu amado e destinado, e é tudo quanto me basta.

"Não seja bobo, Aono Tsukune", ele disse para si mesmo, tentando relaxar e aproveitar o privilégio há tanto almejado por ele (e por todos os garotos da escola): ver Kurumu, sua garota, em traje de banho.

Ela segurou Tsukune pelo braço esquerdo, roçando nele os polpudos seios de forma absolutamente provocante. - Mudando de assunto... Tsu-ku-ne, me ensine a nadar. A Tamao-senpai te ensinou direitinho, né?

– Umm, Kurumu-chan, seus seios estão... - balbuciou o japonês, esbugalhando os olhos, começando a sentir o sangue subindo e as bochechas queimando.

Em resposta, ela desamarrou a parte de cima do biquíni amarelo e despudoradamente deixou o seio esquerdo, nu, à mostra. - Oh, sim, meus seios estão doendo...!

"Contra esperteza, esperteza e meia, Tamao-san", Kurumu riu mentalmente.

Os orbes de íris terrosas de Tsukune se arregalaram ainda mais, como se fossem saltar das órbitas, e as maçãs de seu rosto coraram dez tons de vermelho quase que instantaneamente.

– Este biquíni é um pouco apertado demais, né, Tsukune? - Kurumu perguntou maliciosamente, com uma piscadela, abaixando-se de tal maneira que sua fascinante região glútea ficasse de frente para Tsukune (que mostrava um misto de constrangimento e excitação com a visão sexualmente provocante) e passando o dedo indicador da mão direita por dentro da parte de baixo do biquíni, sem o menor pudor, suspendendo-a um pouco para expor ao olhar estarrecido do garoto uma generosa porção da suculenta nádega direita.

Tsukune estava prestes a ter uma síncope. Seu corpo era um campo de batalha onde seu "eu" consciente debatia-se em meio ao conflito entre as forças antagônicas e inconscientes do id, dos instintos animalescos exigindo satisfação imediata, e da censura, timidez e treinamento cultural impostos pelo superego, como diriam os adeptos das teorias de Freud. Era como se ele tivesse um diabinho e um anjinho sentados em cada ombro, sussurrando em seus ouvidos, insuflando, criticando, podando, zombando...

– Quanta baixaria - Tamao resmungou em voz alta, dirigindo-se à tentadora youkai de cabelos azuis com sua quase absoluta falta de pudor. - Por que não usa o seu encantamento nele? Não é o que os seus irmãos e irmãs de raça fazem o tempo todo?

– Encantar o Tsukune? Pra quê? - retorquiu Kurumu. - Primeiro, é terminantemente proibido usar magia de sedução pra prender nosso "destinado", e mesmo que não fosse... - Ela mediu a mermaid de alto a baixo, com certo ar de superioridade, e disse: - Não dá pra chamar isso de amor verdadeiro. Um dia, quando encontrar uma pessoa que você goste de verdade, você vai entender. E vai se lembrar das minha palavras.

"Assim como eu me lembro de ter falado a mesmíssima coisa pra Kokoa-chan, na realidade anterior", ela refletiu.

Tsukune apenas olhou mudo para a namorada.

– Aliás, Tamao-senpai - Kurumu disse, em tom de ironia - eu te achava mais legalzinha com a cabeleira negra, sabia?

Intrigada, Tamao levantou uma sobrancelha verde-azulada.

Foi quando Gouzaburou Taira irrompeu na área em torno da piscina. Quando falou, sua voz mal lembrava a de um ser humano. Era como se fosse um robô, um autômato falando com voz sintetizada de computador.

– Ku-Kurumu...! Eu fiz o que você me mandou... Agora podemos nadar juntos?

Tsukune encarou-a inquisitivamente. - Kurumu-chan...?

"Droga!", ela praguejou em pensamento. "Tinha me esquecido desse estrupício."

Os lábios de Tamao repuxaram-se num sorriso irônico que parecia destoar de seus olhos marejados. - Oh-oh...! Como vocês, duas-pernas, costumam dizer, "olha só o que o gato trouxe".

– E-Espera... - Kurumu começou a gaguejar, olhando de Tsukune para Gouzaburou um tanto baratinada. - Bom, tá na hora de dar um fim nisso. Vou anular o encantamento agora.

Ato contínuo, ela confrontou o gordo e patético youkai, mirou nos seus olhos escuros e apertados como fendas, enquanto aproximava a mão direita do coração dele (irradiando energia roxa). Disse com voz imperiosa: - Desperta!

Instantaneamente Gouzaburou voltou a ser senhor de si mesmo.

– Kurumu...? Por que é que eu tô aqui?! - balbuciou o confuso noppera-bo que tinha esquecido de tudo que fizera sob o efeito do encanto da succubus.

Tsukune não acreditou no que havia ouvido. - Kurumu-chan... Você botou um encantamento nesse cara?!

– Tsukune... - disse ela, virando-se novamente para ele. - Não é o que parece. Vai ser difícil de explicar, mas foi por uma boa causa, eu garanto.

– K-Kurumu! De biquíni! - tartamudeou Gouzaburou, quase se babando.

– Kurono-san na verdade se dispôs a ajudar o clube de natação a recrutar os calouros - interveio a belíssima Fiona de cabelos dourados, para espanto geral. - Tamao-san me contou. - Ela indicou o garoto avantajado com a cabeça. - Vamos receber condignamente este calouro, Tamao-san?

Tamao franziu o cenho. Imediatamente a seguir o sorriso caloroso reapareceu em seu rosto. - Mas é claro que sim! Menara e Jenjira - ela bateu palmas para chamar, respectivamente, a jovem de longos cabelos negros e sua colega de cabelo azul-claro curto - vou deixar nas mãos de vocês o...

– Taira Gouzaburou - completou Kurumu.

– Isso... Façam o Gouzaburou-kun ficar o mais confortável possível, OK?

– Pode deixar conosco - responderam em uníssono Menara e Jenjira, dando risadinhas maliciosas. Em três tempos o relutante e rotundo rebento dos Taira foi despido, vestido com um calção de banho dimensionado para o tamanho da sua cintura e levado para dentro da piscina pelas solícitas moças.

– Parece um baiacu inflado - comentou Kurumu um tanto desdenhosa.

Tsukune tomou-a pela mão e a puxou para a piscina. - Vem, Kurumu-chan, vamos nadar - disse, entusiasmado. - A Tamao-senpai tem razão, a água tá uma delícia.

Kurumu não se recordava de já ter visto Tsukune tão animado, nesta ou na "vida anterior" com Moka. De repente, ela viu-se na água, entre os braços morenos de seu amado, tendo os dois mergulhado na piscina juntos. Kurumu estremeceu. "É como a realização de um sonho", pensou. Sentiu-se tentada a beijá-lo, mas conseguiu conter-se, ciente das consequências altamente desastrosas que um contato físico tão íntimo teria para seu parceiro humano. Com um torcer de corpo ela livrou-se dele e se afastou, rindo, para provocá-lo. Ele nadou indo na sua direção, tentou pegá-la algumas vezes, mas a garota-demônio de cabelos azuis escapulia entre seus dedos e ria. Por fim, Kurumu deixou que ele emparelhasse com ela. Tsukune, o rosto radiante, segurou-lhe a mão e ambos nadaram juntos de volta para a borda da piscina.

"Hi, hi... Eu sabia que no nado livre podia fazer bonito na frente da Kurumu-chan", pensou Tsukune, que estava no sétimo céu. Mentalmente agradeceu a mamãe e papai Aono pela escolinha de natação no fundamental.

Seus pensamentos foram literalmente sufocados pela maciez dos seios fartos de Kurumu, que, aproveitando-se do fato de estar vestindo nada além de um biquíni, não resistiu à oportunidade de agarrar e enfiar o rosto do namorado em seus dois airbags naturais (ou sobrenaturais?), tal como gostava de fazer. Excitado em razão do contato direto com a pele nua do busto da succubus, Tsukune teve uma epistaxe tão intensa a ponto de quase desmaiar. "Acho que morri e fui pro Céu!!!", divagou, sorrindo pervertidamente. (Afinal, ninguém é de ferro, chu!)

Entrementes, Tamao presenciava de rosto impassível as brincadeiras mais e menos inocentes do casal. Kurumu e Tsukune brincavam de jogar água um no outro.

– Não pode se alimentar dele - Fiona falou-lhe ao ouvido. - Você jurou.

– E não quero - Tamao retrucou suavemente.

– Então o quê? - insistiu a mermaid loira, usando seu poder hidrocinético para levantar pequenas quantidades de água da piscina e moldá-las na forma de esferas do tamanho de bolas de tênis (igualmente, poderia criar tentáculos de água com vários metros de comprimento e força incrível). - Por acaso ele, o Aono-san, te lembra outra pessoa? Outras madeixas escuras... Como era mesmo o nome dele? O grumete filipino, você sabe... Jake? Jackie Costa?

Tamao fez um som escarninho. - Apenas um humano... Um duas-pernas... Seu destino era ser consumido. De mais a mais, o Tsukune-kun nem sequer é humano de verdade.

– E precisa ser? - provocou Fiona, fazendo levitar as pequenas bolas de água que pareciam impelidas por mãos fantasmas.

Tamao comprimiu os lábios mas não respondeu. À sua revelia, um rosto surgiu em sua mente. O rosto de um rapazola de dezesseis anos, bem moreno, maçãs salientes, cabelos castanhos-escuros desalinhados e olhos oblíquos castanhos e grandes. Olhos tão belos, tão puros, cheios de pânico.

"Tamao!"

"Jackie!"

"Tamao... Me ajude!"

"Você não será devorado. Eu não vou deixar!"

"Aquilo foi... Foi uma insanidade temporária, nada mais", ela disse a si mesma. "Quanto ao Tsukune-kun... Eu só queria chatear essa mulher-morcego, roubando o namorado dela."

"Ele a lembra daquilo que perdeu", soprou-lhe uma voz interior. "Não, de quem perdeu."

Foi quando adentrou a área da piscina ninguém menos que Saizou Komiya. O monstrel estreitou ainda mais os olhos oblíquos ao ver Kurumu e Tsukune entregues às brincadeiras frívolas. (Considerava-se "de uma beleza irresistível", assim como seu pai quando jovem, por isso não compreendia como Tsukune conquistara a garota mais popular da escola. Chu!)

– Ei! Kurono Kurumu! - ele exclamou animadamente, acenando com a mão. - Você mandou aquele gordo ridículo do Taira me dar um recado, pra vir te encontrar na piscina, né? Tá legal, eu tô aqui. Você pode deixar de lado esse bebezão e começar a se divertir com um homem de verdade, hein?

"Pra agradar à Kurono Kurumu tem que cheirar igualzinho a um humano, né?", ele riu em pensamento. "Graças ao feitiço odorífero que extorqui daquela bruxinha nerd da outra turma, o meu odor corporal agora é idêntico ao de um macho humano excitado... Hehehe!"

– Saizou...! Kurumu-chan...? - Tsukune fitou alternadamente o meio-orc e a succubus.

– É ele, que chegou - murmurou Fiona no ouvido de Tamao. - É o prato principal prometido pela succubus. O nome dele é Komiya Saizou, e é todinho seu, Tamao-san.

Kurumu puxou Tsukune pela cintura e cochichou ao seu ouvido: - Confie em mim, Tsukune, é tudo pro seu bem.

Em seguida, virou-se para o robusto meio-orc e acenou-lhe de volta.

– Saizou! - disse ela, sorrindo largamente. - Não me entenda mal, eu só queria ajudar as minhas novas amigas, a Tamao-senpai e a Fiona-san, a conseguir novos membros pro clube delas. Daí eu pensei, o Saizou-kun é um cara tão atlético... Cê sabe como é, né? Resolvi te chamar, e contei pra elas.

– Isso mesmo, Saizou-kun - adiantou-se Fiona, com seus olhos glaucos presos aos dele. Mais do que observar, magnetizavam, atraíam como ímã, parecendo concentrar o poder e energia do elemento água. - Estávamos esperando por você. Sou Fiona Seafoam, assistente do supervisor do clube, o Kotsubo-sensei , que é o professor de educação física. Esta é Ichinose Tamao, presidente do clube. - Ela indicou a terceiranista de cabelos ondeantes verde-berilo e olhos amarelo-limão que pareciam perpetuamente marejados.

– É com grande satisfação que lhe damos as boas-vindas, Saizou-kun - disse Tamao. O sorriso dela era irresistível. - Meninas! - Ela bateu palmas. - Deem toda atenção especial ao Saizou-kun. Tratamento VIP!

Nem bem acabou de falar, Tamao e mais três garotas precipitaram-se sobre o "indefeso" monstrel com a voracidade de um bando de orcas atacando uma baleia-cinzenta, arrancaram seu uniforme escolar e vestiram-lhe um calção de banho azul-marinho de tamanho apropriado.

"Uaaaaah! Não posso acreditar!", pensou Saizou, incapaz de reagir ao "ataque" das beldades por causa do encantamento. "Eu tô sendo despido por um bando de garotas gostosas?!"

– Ohhhh, esse aqui é taludo! - arrulhou uma delas.

– É, e tem um cheiro muito bom, muito melhor que o dos outros rapazes - pipilou a outra.

– Ele tem um dragão negro tatuado nas costas! - maravilhou-se Sango.

– Venha, Saizou-kun, vamos pra piscina, que a hora é essa - exortou Tamao, abraçando o jovem meio-orc pela cintura, puxando-o na direção da água azul. - Vou te ensinar a nadar.

Saizou olhou-a surpreso. - Nadar? - repetiu sem nenhum entusiasmo. Filho de pai orc, da tribo Presa Letal, e mãe akamane, "lambedor de sujeira", não partilhava o gosto pelos esportes aquáticos de seus "primos" distantes, os orcs nadadores da tribo Lodo Mortal. - Olha, Ichinose-senpai, você é uma gata, mas a verdade é que eu me dou melhor com futebol, combate desarmado... Esse tipo de coisa.

– Me chame apenas de Tamao - a voz dela era deliciosa e o puxava devagar, como um laço de veludo macio. - Não se preocupe. Eu vou tomar conta de você. De várias maneiras. Vem comigo conhecer a magia da água.

Ela ficou na ponta dos pés, colou seu corpo ao de Saizou e (mentindo) sussurrou no ouvido dele: - Sabe, Saizou-kun, desde que entrou na academia eu estou de olho em você. Eu sempre estive fascinada por você.

– Nota-se que você tem bom gosto, Tamao-senpai - disse Saizou, sorrindo prazerosamente. - Mostra que tem maturidade, ao contrário de certas menininhas que preferem brincar com crianças... - Ele olhou de soslaio para Kurumu que se agarrava com Tsukune. Quem precisa da Kurumu? Tenho à minha disposição um mulherão nota dez pra fazer com ela o que eu quiser.

Como se mesmerizado pela sedução da sereia em forma humana, ele deixou-se conduzir para dentro da piscina. Mas seu instinto de predador fora ativado (e sua aura astral refulgia em um tom brilhante de alaranjado, carmesim escuro e opaco, e castanho-avermelhado, chu!).

Sequer poderia imaginar que ele seria a caça e não o caçador.

"Huhu... A Kurumu-san não exagerou nem um pouquinho... Esse cara tem também um cheiro apetitoso de humano", pensou Tamao com entusiasmo renovado. "Que nem o Tsukune-kun! Mal posso esperar para consumi-lo.

(As cores predominantes de sua aura naquele momento eram verde-cinzento, verde-escuro de um matiz quase cor de ardósia, laranja, vermelho pálido e rosado, chu!)

– Eu vou fazer você esquecer todas as suas frustrações - Tamao disse para Saizou, ambos parcialmente imersos na água, ela colada nele, sentindo seu cheiro (ou pseudocheiro) e com seus seios, que a essa altura tinham os bicos rijos, sob o sutiã, roçando nas costas nuas dele. - Tem um bela tatuagem de dragão nas suas costas, sabia? Conhece a lenda chinesa da carpa que subiu o Rio Amarelo até chegar à nascente na Montanha Jishinhan e desceu transformada em dragão?

– Não - resmungou Saizou, sentindo seu rosto pegar fogo e o volume de seu membro viril crescer dentro do calção. O sangue orc herdado do pai parecia querer ferver nas veias. - Na tribo do meu pai os guerreiros usam tatuagens com significados mágicos em diferentes partes do corpo. Coisas de xamã... Fiz essa em homenagem às crenças deles. Trata-se do grande Dragão Negro do Caos, dos primórdios deste mundo: Sentinela da Terra, Asa da Morte e Destruidor de Almas. Pessoalmente, não acredito em nada disso. Mas mesmo assim eu acho bacana.

Tamao suspirou falsamente e pressionou ainda mais seus seios contra as costas musculosas dele. - E pensar que em tantos ginásios, balneários e piscinas no Japão é proibida a entrada de pessoas tatuadas. Puro preconceito desses humanos...

– Humpf! Humanos...! - grunhiu Saizou. Lutando para não perder as estribeiras, ele se virou e pegou a mulher de cabelos verde-água nos braços, apertou seu corpo delicado de marfim num abraço selvagem. - Eles proliferam que nem vermes, se acham os donos do mundo... É por isso que eu digo que deveríamos matar e comer os humanos, como os orcs fazem desde que o mundo é mundo. Faz parte do equilíbrio ecológico. Tô certo ou tô errado?

Tamao deu uma gargalhada cristalina. - Gostei, senti firmeza... Adoro um humano apetitoso e cheiroso, hmmmmm...! Não tem nada melhor.

– Crianças humanas! - disse ele, sorrindo com um prazer perverso. - Os bebês são deliciosos, assados no espeto. Ou na brasa. Ficam parecendo leitõezinhos.

– Carne queimada?! - Tamao fez biquinho, amuada. - Não é minha praia. Além do mais, eu sempre preferi banhistas, pescadores, mergulhadores...

– Até que o Saizou-kun e a Tamao-senpai parecem estar se dando bem, né Kurumu-chan? - cochichou Tsukune no ouvido da namorada.

– É, os dois combinam direitinho - disse ela, com uma ponta de ironia. - Eles se merecem.

– E que tal um pouco de recreação? - interveio Fiona, com os ricos cabelos dourados que emolduravam seu rosto de ninfa esparramando-se sobre a água (ouro sobre azul, chu!). Moveu as mãos em um pequeno círculo no sentido horário e depois no sentido anti-horário, e, usando de hidrocinese, formou uma esfera de água de 122cm de diâmetro que, ante aos olhares perplexos das pessoas na piscina, volitava um metro acima de suas cabeças. - Vamos brincar de "evite a bola". Todo mundo formando uma roda bem grande e mantendo as mãos!

Assim foi feito. A esfera aquática desceu suavemente no centro da roda, flutuando alguns centimetros acima do nível da água.

– O objetivo do jogo é evitar a bola - explicou Fiona. - Quem for tocado pela bola está fora. A roda vai encolhendo, e fica mais difícil de evitar a bola. A última pessoa a ser tocada ganha o jogo. OK?

Usando de poder elemental de controle da água, Fiona fazia a grande bola mover-se para todos os lados com rapidez e agilidade, eliminando um número cada vez maior de participantes (o primeiro foi Tsukune). Ao findar o jogo, Fiona usou seu poder elemental para ferver a água cativa na esfera volitante, que se desfez em lindos reflexos multicores. Num abrir e fechar de olhos, a bola aquosa transformou-se numa nuvem de vapor brilhante.

Os calouros ficaram embasbacados.

Saizou assobiou com espanto enquanto abraçava Tamao pela cintura de maneira possessiva. - Showzinho impressionante o da loiraça... Como é que ela fez aquilo?

Tamao riu. - Aquilo? É um poder místico antigo, dado aos descendentes da linhagem sanguínea real de Atárgatis, ou Asherah, a Rainha da Água. Fiona-san é um deles. Tem poderes que o resto de nós não tem. - Lançou um olhar maldoso para Kurumu, que enlaçava Tsukune pelo pescoço (sentados na beira da piscina), e disse alto, para a succubus ouvir: - Ela pode, se quiser, envolver os inimigos em uma esfera de água com vários metros de diâmetro e esmagá-los pela tremenda pressão.

Na imaginação, Kurumu fez aparecer, como por mágica, a imagem de uma Ura-Moka sendo esmagada dentro de uma bolha de água gigante.

– Fiona-san - ela falou tentando escolher as palavras - você não é um youkai japonês... Eu tô certa ou errada?

"Ela não estava aqui da primeira vez, no mundo anterior", ponderou.

– Não, eu sou gaijin - respondeu Fiona. - Nasci em Inis Murúch, uma simpática ilha pra lá da costa oeste da Irlanda, conhecida como "Ilha das Sereias". Você está se perguntando o que faz uma jovem irlandesa em uma escola para monstros japoneses? É simples. De onde eu venho não existem escolas para Fae, que é como chamamos os youkais. Meus pais são amigos de longa data de Mikogami-sama, o diretor da Academia Youkai. E cá estamos nós! Mesmo depois de formada, continuo morando e trabalhando na academia. - Ela abriu os braços. - Eu adoro este lugar! É por isso que agora sou instrutora do clube de natação.

– Uau, que interessante! - Tsukune exclamou enquanto passava seu braço pelos ombros de Kurumu e acariciava-lhe o braço levemente. - Uma bakemono estrangeira!

– É isso aí - replicou Fiona, sorriso irônico na face rosada. - Aliás, succubi e incubi também são monstros ocidentais, da Europa Medieval cristã. Não é verdade, Kurumu-chan? Uma pequena minoria veio para o Japão, nos últimos três ou quatro séculos, junto com licantropos, vampiros e bruxas que fugiam dos tribunais da Santa Inquisição. E orcs e trolls do norte da Europa. Todos se "niponizaram", adotaram nomes japoneses ou que soavam como nomes japoneses.

– Pois é - disse Kurumu numa voz átona, mal prestando atenção às palavras de Fiona, apenas no toque de Tsukune que acariciava seu braço. Sabia que seus ancestrais haviam sido fugitivos - juntamente com outros seres sobrenaturais - das fogueiras da Inquisição europeia de caça às bruxas, do ódio dos humanos cristãos a tudo que não constava na Bíblia deles. Sabia que succubus e incubus eram palavras do latim, uma língua humana morta que antigamente se falava na Europa. No mais, sua ignorância em relação às próprias raízes não a incomodava, e ficaria genuinamente surpresa se lhe dissessem que os primeiros lilin, seus ancestrais mais remotos, apareceram na antiga Mesopotâmia, atual Iraque, por volta de cinco mil anos atrás, vindos do mundo de Makai (Ark-a-nun, na versão ocidental) ou até mesmo do Inferno através de um portal multiversal.

Assim como sua mãe, Kurumu considerava-se tão nipônica quanto qualquer humano ou demônio genuinamente nativo.

– Pessoal! Vamos brincar de "briga de galos"! - Fiona conclamou. - Quem topa?

Kurumu e Tsukune se entreolharam e sorriram.

– Nós topamos! - exclamou a succubus erguendo a mão, toda animada. No mesmo instante montou nos ombros do namorado que se abaixara para ela subir. (Era estranho, mas Kurumu recordava-se vagamente que na vida passada, no mundo anterior, tivera um sonho em que ela e Yukari participavam de uma "batalha de cavalos" no clube de natação; ou, quiçá, nem tivesse sido bem um sonho, mas sim uma amostra do que seria sua vida, ou de um seu alterego, num universo paralelo. Chu!)

Tamao deslizou as mãos pelo torso nu e molhado de Saizou. - E aí, Saizou-kun, vamos nessa? - ela murmurou maliciosa.

Saizou riu. - Claro que sim! Tudo o que o Tsukune faz eu faço melhor.

Ele mergulhou e colocou as pernas de Tamao em seus ombros, levantando-se com facilidade.

Todo o restante dos rapazes e suas respectivas seniores formaram duplas rapidamente (Gouzaburou, apesar dos esforços de Menara e Jenjira de impingi-lo uma à outra, formou par com uma insatisfeita Pearl).

– Ao meu sinal - avisou Fiona. - Um... Dois... Três... Agora!

Kurumu e Tsukune foram a primeira dupla a "batalhar" contra Tamao e Saizou, sob gritos e aplausos alucinados das respectivas torcidas na borda da piscina. (A intensidade da troca de olhares entre a succubus e a mermaid era tamanha que qualquer pessoa não-clarividente quase poderia ver as faíscas voando dos olhos de uma e da outra.) Na primeira rodada, Tamao logrou derrubar a inexperiente Kurumu dos ombros de Tsukune jogando-a na água. Todavia, Tamao e Saizou mal tiveram tempo para comemorar, pois logo em seguida o rotundo Gouzaburou entrou no seu campo de visão, cavalgado pela aguerrida Pearl. Depois de quase dez minutos de muita briga, com direito a muito empurra-empurra, Tamao induziu Pearl para um lado mas terminou por jogá-la para o lado oposto. A mermaid mais jovem desequilibrou-se e caiu.

E assim seguiu a brincadeira até a "batalha final" que - previsivelmente - findou com a vitória da dupla Saizou/Tamao, entre vaias e aplausos.

Apesar disso, Saizou, o autoproclamado bad boy da Academia Youkai, parecia francamente não estar se divertindo - a julgar por sua expressão carrancuda.

– E aí, Saizou-kun? A performance do nosso clube de natação não é do seu agrado? - quis saber Tamao, com sua voz suave e apelativa, seus ternos olhos de íris amarelo-limão presos aos dele. - Ou você não gosta de mim? Não sou bela para os seus padrões?

– Tão linda como uma tennyo que desceu do céu pra se banhar nas águas - resmungou o monstrel, as narinas dilatadas, os olhos escuros cintilando como os de um urso-de-kodiak feroz e faminto prestes a lançar-se sobre uma suculenta foca. O corpo voluptuoso seminu de Tamao exalava um cheiro forte, um quê de agridoce... Cheiro de sexo!

– Então por que não me dá um abraço caloroso? - ela perguntou, sorrindo provocante. - O que homens e mulheres precisam fazer é meramente "agarrar" e "pegar". Vem me agarrar e me pegar no colo, garotão sarado.

– Todos esses joguinhos femininos... - ele resmungou. - Eu tô de saco cheio deles!

Salivando como os cães da experiência clássica de Pavlov, o monstrel segurou a garota mais velha pela cintura com uma mão e com a outra apertou suas nádegas. Os ondeantes cabelos azul-esverdeados esvoaçavam pelo rosto dele, lembrando algas laminárias gigantes, ou os cabelos verdes das ondinas, os elementais da água. O contato com aquele corpo escultural de pele macia e alva, que se revolvia em contorções como uma enguia tentando evadir-se do abraço dos seus braços musculosos e morenos levou o bruto ao limiar da loucura. Com um grito inumano e um jeito rude que teria ferido uma mulher humana, Saizou enfiou as fuças nos peitos suculentos de Tamao, ainda cobertos pelo sutiã roxo do biquíni que ela usava, bufando e chafurdando feito um porco nos seios dela. Mas Tamao lançou a cabeça para trás e riu deliciada.

– Kurumu-chan, a Tamao-senpai...! - gritou Tsukune. O garoto humano fez menção de nadar na direção do brutamontes que apertava em seus braços a veterana, mas foi impedido pela namorada (que esquadrinhava a piscina com o olhar à procura de "indícios" de que as sereias começariam a predar).

– Não, Tsukune. Ela sabe se cuidar.

– Isso mesmo, Saizou-kun! - Tamao riu para o bad boy, com uma gargalhada mais límpida do que os pingos de uma fonte termal do Lago Ashi e carregada do veneno da mais pura sedução. - Se quiser alguma coisa neste mundo, você pega. Deixa eu facilitar as coisas pra você.

Dizendo isso, ela rapidamente desamarrou a parte de cima do biquíni e a removeu, atirando-a para longe, assim desnudando os seios fartos e generosos que, livres de seu confinamento, balançavam tão provocantes, desinibidos, com os mamilos cor de coral eriçados, suculentos. Durante uma fração de segundo o meio-orc ficou paralisado, respirando pesadamente, estupefato perante a inacreditável beleza seminua que, tal qual Afrodite Urânia, parecia brotar das profundezas do elemento líquido para aflorar à superfície. Uma paixão avassaladora tomou conta de todo o seu ser, fazendo aumentar a pressão do sangue em todas as veias, artérias e capilares existentes no seu corpo. Ele sentia seu membro avolumar-se e enrijecer ainda mais, um mastro inchado na iminência de arrebentar o calção de banho. Com brutalidade, Saizou agarrou os seios redondos rutilantes e chupou vigorosamente os bicos túmidos que pareciam feitos de coral rosado, sem se importar com os olhares e as exclamações de pasmo em seu derredor.

– Tamao...! - ele resfolegou. - Em comparação com as humanas com quem tirei sarro, você é uma verdadeira deusa... e uma vadia de marca maior. Sim, eu sei. Desde que cheguei não paro de sentir seu cheiro de fêmea no cio.

– E eu não paro de sentir seu cheiro divino de humano - ela sibilou, enquanto Saizou dava fortes chupões em seu busto. - Mordeu a isca direitinho, como um peixe. Prepare-se que a diversão está apenas começando!

Ela o segurou pelo ombro e o afastou dando-lhe um safanão com força sobre-humana, o que deixou o híbrido confuso e furioso.

– Mas, por quê?! - ele gritou. - Tá de gozação comigo, piranhuda?

– De jeito nenhum, querido - a garota fez um gesto com as mãos que ora exibiam membranas interdigitais e fortes garras. - Eu não disse pra você? Se quiser alguma coisa neste mundo, você pega. É tomar... ou ser tomado!

Tamao emitiu um longo silvo, audível em toda a área da piscina e a tal ponto desagradável que todos os rapazes e a própria Kurumu taparam os ouvidos em desespero, gemendo de dor. Era o sinal para as demais garotas, que na mesma hora assumiram suas verdadeiras formas sereiânicas - orelhas de barbatanas, guelras, dentes afiados, mãos escamosas com membranas e um rabo de peixe esguio mas poderoso coberto de escamas douradas - e lançaram-se avidamente sobre os alunos masculinos para mordê-los e se alimentar de sua energia vital. Que nem um bando de orcas famintas caçando lontras!

– IIUIAAAAH! - O som onomatopaico ecoou alto no playground, o grito de terror de um rapaz de cabelos pretos e curtos que repentinamente se vira acossado na água por Sango e Pearl que, agora revertidas às suas verdadeiras formas, cravavam sem piedade os dentes afiados em sua carne. - Fiquem longe de mim, suas putas!! Por que estão me mordendo?

Trabalhando em dupla, Sango e Pearl subjugaram o infeliz calouro num estalar de dedos. Frias, insensíveis aos gritos de sua vítima, Sango mordia-lhe o bíceps braquial direito, e Pearl, o esquerdo, drenando-lhe a força vital, o ki, a onipresente bioenergia que flui de tudo que está vivo. No mesmo instante o moço desatou a envelhecer com uma rapidez estarrecedora, antinatural. Era odiento ver a pele morena, firme e viçosa, encarquilhar-se em questão de segundos e ficar parecida com a de um maracujá ressecado, e o cabelo negro alvejar a olhos vistos até ficar da cor da neve. Os gritos aterrorizados reduziram-se a um rouco e fanho balbuciar. Quando as duas mermaids por fim largaram a presa, o que antes era um rapaz robusto estava transformado em um velho esquálido, de ralos cabelos brancos, olhos baços e rosto caveiroso plissado de rugas. Horror dos horrores!

– O quê?! - berrou Tsukune, chocado ao extremo com aquela visão dantesca, inegavelmente horrenda (mesmo sabendo que se tratava de um monstro travestido de ser humano). - Elas morderam aquele cara... E ele virou um velhote!!

– Espremido como um limão, quase até a última gota de sumo - murmurou Kurumu, passando os braços protetoramente em volta da cintura do namorado. - Eu bem que te avisei! Agora imagine o que fariam com você, hã?

– O quê!!?? Que porra é essa...? - Saizou gritou furioso. Ele constatou, com indizível terror, que os outros calouros do sexo masculino ao seu redor (à exceção inexplicável de Tsukune) estavam sendo atacados a dentadas pelas seniores e que, como consequência, envelheciam em questão de segundos. Yabai! O forte instinto de sobrevivência de sua metade orc deu o alarme. Auras demoníacas!

Os pelos de sua nuca se arrepiaram quando escutou uma voz feminina vindo de suas costas. Uma voz tão doce quanto insidiosa.

A voz de Tamao Ichinose.

– Hehe... Não pense mal da gente. Nós, ningyo, atraímos os homens para a água e sugamos a força vital deles, o ki. É assim que nós somos, predadores de topo! Na falta de humanos autênticos para consumir, temos que nos virar com o que temos. Por exemplo, youkais disfarçados de humanos... Podemos drenar suas bioenergias, embora não comamos sua carne. Isto não é maravilhoso?

Espantado, ele voltou-se na direção da voz a tempo de ver uma poderosa cauda pisciforme coberta de belas escamas ganoides laranja-avermelhadas e nadadeiras dorsais amarelas ao longo de todo o seu comprimento terminando em barbatana horizontal amarela (análoga à dos cetáceos e não dos peixes) mergulhar quase sem ruído. No instante seguinte um corpo de mermaid, espetacular em sua nudez metade humana, metade peixe, irrompeu bruscamente saltando cinco metros acima da água. Era ela, Tamao!

– Quer brincar, meninão arruaceiro? - A voz dela soava como um canto de pura zombaria.

Ningyo, mulheres marinhas nuas! Saizou sentiu o estômago gelar. Ao contrário de Tsukune, sabia um bocado sobre essas medonhas criaturas. Eram predadores astutos, temidos por todos os animais marinhos, mas capazes de usar a beleza física como principal "ferramenta" visando atrair suas vítimas favoritas, os homens, e sugá-los até a última gota de energia vital, para manter sua beleza e juventude perenes por séculos - deixando para trás apenas carcaças podres. "Verdadeiros vampiros de energia, é o que elas são", pensou apavorado. Seria preferível enfrentar peito a peito um kyuuketsuki e amargar alguns meses de hospital.

– SOCOOORROOO!! - o pobre Gouzaburou berrava desesperado, debatendo-se inutilmente na água com suas boias de braço enquanto Menara e Jenjira, suas duas "veteranas", enterravam os dentes em sua carne macia e abundante, ávidas por roubar sua juventude, sua força e vitalidade. - Vocês não podem me devorar! Eu não sou um ser humano!

Levou meio minuto para o par de rapinantes aquáticas transformar o malfadado noppera-bo em um deplorável saco de banha mole e flácido, careca e desdentado, com a cara gorda toda sulcada de rugas. Parecia um peixe-boi ou manatim grotescamente encarquilhado que houvesse sofrido um repentino e radical processo de desidratação.

– Vamos, todos vocês! - exclamou Menara animadamente. - É só deixar a gente sugar a sua força vital, certo? Não vamos tirar a sua vida!

– E não adianta resistir - endossou Jenjira, rindo. - Todas nós somos invencíveis na água! Graças à nossa forma hidrodinâmica paranatural, própria para a rapidez e o ataque.

Um grande pânico se apoderou de todos os rapazes que, desesperados, dispersaram-se tentando freneticamente fugir das terríveis criaturas oriundas dos reinos submarinos nas Dimensões Aquáticas de Arcádia. Mas as mermaids eram exímias nadadoras. Os calouros viram, horrorizados, as mulheres-peixe nadando em alta velocidade em círculos cada vez menores à sua volta, que nem tubarões, numa velocidade tão desmedida que um gigantesco torvelinho formou-se na piscina para tolher qualquer possibilidade de fuga. Eles gritavam cada vez mais alto e lutavam contra a correnteza, mas em vão. Estavam perdidos.

Que nem peixes apanhados pela rede fatal!

– Esta é simplesmente uma de nossas estratégias de caça - disse zombeteira uma das sereias. – Podemos nadar a 50 km/h ou mais!

– Também podemos ensurdecer e atordoar qualquer inimigo subaquático usando nosso sonar, "gritando" em frequências acima de 20.000 Hz - gabou-se outra. - Até a temível orca e o grande tubarão-branco têm medo de nós.

Tsukune estava perplexo e boquiaberto. A Kurumu-chan tinha razão!? Sereias são realmente tão assustadoras!?

Não conseguia acreditar que a escola permitisse tamanho absurdo. Ainda que se tratasse de um internato para monstros ou demônios.

Alheia ao alvoroço, Fiona estava sentada em uma das mesas com guarda-sol à volta da piscina, bebericando um copo cheio de água gelada que ela própria criara com uma pequena fração de seu Poder Elemental da Água.

Ao observar as imediações da piscina, e usando de comunhão psíquica com os espíritos da água, Fiona via tudo aquilo que acontecera dentro, sobre ou nos arredores do elemento aquoso, os Ritos da Imersão de anos anteriores. "Nada de novo debaixo da velha Barreira", pensou cinicamente, esvaziando o copo e empregando mais magia elemental para enchê-lo novamente, desta vez com suco de algas. "Neste ano, porém, o rito terá um final um pouquinho diferente."

– Vem, Kurumu-chan, vamos cair fora daqui! - Tsukune lhe tomou a mão rapidamente, puxando-a. No meio do tumulto, os dois nadaram indo até a borda da piscina. As mermaids não os impediram.

"Não atacam nem o Tsukune nem a Kurumu", pensou Saizou, que olhava para todos os lados, mortalmente assustado. "O que signifi...?!!"

O rapagão sentiu uma leve aura demoníaca acercar-se por detrás dele. Antes que pudesse reagir, foi aprisionado num amplexo irresistível por um par de braços femininos alvíssimos, providos de barbatanas amarelas nos antebraços e terminados em mãos escamosas com membranas interdigitais e unhas afiadas, vermelhas. Seios nus pressionaram contra suas costas, e ele sentiu os pelos de sua nuca se arrepiarem e o sangue gelar quando a voz de Tamao sussurrou-lhe ao ouvido, com doçura maléfica.

Huhu... Como um peixe no anzol. Não precisa entrar em pânico, está tudo bem! Você é especial, Saizou-kun! - Segurou o rosto dele entre as mãos membranosas e virou-o na direção do seu, que começou a perder o aspecto humano. - A verdade é... A Kurumu-san fez um acordo comigo, para poupar o namorado dela, o Tsukune-kun, em troca de você! Estava esfomeada para te conhecer... Somente porque é o ÚNICO outro aluno da Youkai Gakuen com cheiro humano, além do Tsukune-kun.

A voz dela subiu uma oitava. - E agora, finalmente, eu vou te devorar todinho!! - O outrora belo rosto completara sua transfiguração horrenda, ostentando escamas em forma de escudo nas bochechas, nos cantos da boca grande e sobre os cinco pares de fendas branquiais, no pescoço, ao passo que uma membrana nictitante protegia os olhos e duas finas barbatanas amarelas se inseriam no lugar das orelhas. Escancarou a boca enorme e comprida, pouco diferente daquela dos esqualos, desvelando quatro impressionantes fileiras de dentes em forma de serrote e afiados como punhais. Prestes a arrancar todos seus anos de juventude de uma só dentada!

Na mesma hora o poderoso instinto bestial de Saizou entrou em ação.

– Sai pra lá, sua puta escamosa!! - Mesmo em sua forma humana, Saizou Komiya não deixava de ser um oponente perigoso. Tamao levou um potente soco no rosto que abriu seu supercílio e fraturou seu nariz, obrigando-a a afrouxar o abraço o suficiente para o meio-orc se libertar completamente. Ele afastou os braços da sereia de seus ombros, desvencilhou-se dela e procurou nadar na direção da borda oposta da piscina, mas foi embarreirado por quatro sereias que nadavam furiosamente à sua volta, como um bando de orcas caçando um tubarão-branco.

– Não fiquem no meu caminho! - rugiu Saizou, ameaçando-as com os punhos fechados, os olhos escuros queimando de fúria. - Não pensem que podem botar suas patas e dentes num "monstro solitário", um outcast ayashi! Eu arranco suas tripas de peixe com as mãos!

Tsc...! Que rude! - replicou suavemente Tamao, que, com o nariz e o supercílio esquerdo sangrando (mas banhados da água salgada), precipitou-se sobre o meio-orc e o abraçou forte novamente. - Não somos peixes, somos mamíferos de reprodução vivípara, como os primatas e os cetáceos.

– FODA-SE A SUA MALDITA BIOLOGIA!! - urrou Saizou, arfando e lutando para libertar-se dos braços sereiânicos que o prendiam com força inumana. Para seu espanto, ao encarar sua captora ele viu que a lesão no nariz estava em regressão e o corte no supercílio ia se fechando em ritmo acelerado; em questão de segundos os ferimentos no rosto molhado da mermaid desapareceram, dando lugar à pele limpa e lisa de sempre.

– Hi, hi, hi! - riu a ningyo, ante a estupefação do rapaz meio-ogro. - O contato com a água do mar regenera nossas células, cura nossas feridas, hematomas e lesões físicas quase que instantaneamente. Esqueceu que estamos em uma piscina de água salgada, que é como um pedacinho de mar? Eu não vou deixar você escapar. Você é meu!

– Ninguém vai devorar o filho de Komiya Konzou! - Vendo-se perdido, Saizou debatia-se com todas as forças para libertar-se daquela criatura que ficava mais forte, resistente e ágil em contato com a água. - P-Piranhas...! Você e aquela vagabunda da Kurumu... armaram pra cima de mim!!

– Resistir é inútil - a mermaid sorriu. - Não importa quanta força você tem, Saizou-kun. Aqui você está no nosso elemento, no nosso mundo. Ah, e eu não vou drenar toda a sua energia vital, não se aflija... Você não vai morrer, só vai ficar beeem velhinho! Um ancião inofensivo, mais pra lá do que pra cá, ah, ha, ha, ha, ha!!

Tamao abriu sua bocarra cheia de dentes serrilhados e enfim abocanhou sua refeição bioenergética na forma de Saizou Komiya, mordendo fortemente o ombro do jovem monstrel que naquele instante começou a esmorecer, a sentir falta de ar, braços e pernas moles, uma invencível sensação de queimação no peito. Perdia energia espiritual (que vitaliza os 50 trilhões de células do corpo físico) num ritmo assustador. Simultaneamente, a pele trigueira começou a enrugar com rapidez incrível, os cabelos longos e revoltos castanho-escuros tornaram-se grisalhos para depois embranquecerem.

ARRRGH!!! - Um grito urrante de desespero e dor reverberou através do playground enquanto a vida de Saizou estava sendo lentamente consumida para saciar a fome de energia, beleza e juventude da voraz Tamao.

Uma cena macabra, digna de um filme de terror.

Atraídas pelo odor "humano" da presa abocanhada por Tamao, as outras mermaids revolviam em torno dela que abraçava e mordia o indefeso Saizou, agitando fora da água suas barbatanas caudais, na esperança de obter o seu quinhão da lauta refeição de sua capitã. Choramingando, implorando:

– Abraçá-lo sozinha é injusto...!

– Deixa eu dar só uma mordidinha, tá?

– Eu também quero...!

– Tudo bem. Eu permito - Tamao concordou, sem largar sua presa. - Mas nada de exagerar, se sugarem demais ele pode não resistir e morrer!

Frementes de gula, as criaturas humano-pisciformes pularam sobre o combalido rapaz com voracidade comparável à de tubarões megalodontes do Mioceno rapinando uma baleia-azul, fincando os dentes córneos na carne do infeliz. Saizou, reduzido pelo dreno de energia a um velho cadavérico de pele seca grudada aos ossos e veias à mostra, soltou um grito abafado que lembrava o rugido agonizante de um tigre que se debatia nos estertores da morte, enquanto as gulosas mermaids agiam como lampreias parasitas coladas pela boca-ventosa ao couro da presa e sugavam sua preciosa essência, ki, ou o que inda restava dela. Sentia sua vida se esvair pouco a pouco de seu corpo físico debilitado de velho e do equivalente etérico, numa sangria impossível de ser estancada. Perdeu a respiração. Sua visão se apagou. Sabia que estava morrendo.

Uma vida inteira desperdiçada.

Seu último pensamento consciente foi para seu pai e sua mãe.

Papai... Mamãe...

Depois disso sobreveio a morte cerebral. Em seguida, o coração parou de bater. Por fim, a dessoma.

– Espíritos do Mar e da Lua! - exclamou uma das meninas-sereias. - Ele está MORTO!!

– Cabeças de camarão! - sibilou Tamao, furiosa, distribuindo golpes de cauda entre as subalternas. - Que esperavam que fosse acontecer? Eu avisei pra não sugá-lo em demasia... Mas vocês, glutonas, tinham que esgotar até a última gota de fluido vital, né!?

– Que coisa mais horrível! - exclamou Tsukune, que a tudo testemunhara do lado de Kurumu, perto da borda da piscina. Sentia-se profundamente abalado, pois, com toda a pureza do seu coração, jamais desejara a morte de alguém, fosse humano ou youkai, a despeito de Saizou tomar a liberdade de se declarar seu inimigo e odiá-lo gratuitamente.

– Acho que você deveria dizer: Que coisa maravilhosa! - retrucou Kurumu, que não escondia seu contentamento com o trágico fim do valentão mais detestado da escola. - Já morreu tarde.

– Não seja cruel, Kurumu-chan.

– Sou uma succubus. Eu vivo para o amor do meu homem. Todo inimigo do meu homem é meu inimigo também. Ponto final.

Pensou, com uma ponta de perversidade: "Bem feito pra você, Saizou. Morreu como um humano qualquer."

Entrementes, Fiona empregava suas habilidades hidrocinéticas (fazendo gestos rituais e movimentos leves com as mãos) para engendrar tentáculos grossos e largos feitos de água com até dez metros de extensão que saíam da piscina para envolver e suspender os velhotes encarquilhados que haviam sido robustos jovens youkais, e depositá-los no piso de concreto do lado de fora.

– O que aconteceu foi que o idiota do Saizou recorreu a um bruxedo, um feitiço qualquer para ter um odor igual ao de um ser humano - a loira declarou cruamente. - As meninas ficaram tão excitadas que perderam o controle. Para elas a guloseima mais cobiçada são as bioenergias de um macho humano adolescente ou jovem adulto. Isto as atrai e as agita, tal como os tubarões farejam sangue na água a um quilômetro de distância.

– Então são como succubi... não são? - concluiu Tsukune.

– Não, mais feias - disparou Kurumu, que não gostou da comparação entre sua raça e as medonhas criaturas marinhas com aparência zoomórfica. - Muito mais feias.

Fiona fez um muxoxo. - Que indelicadeza! Succubi comem almas humanas.

– Peraí, mulher! Quem te contou uma besteira dessas? - Kurumu inquiriu agressivamente.

Fiona encarou a garota de cabelos azuis com um ar divertido. - Você não sabe? Succubi e incubi são crias do Inferno que roubam almas humanas. Pergunte a qualquer padre católico irlandês.

– Kurumu-chan – Tsukune colocou a mão no antebraço da namorada, receoso de que esta (pela expressão do rosto crispado) quisesse tomar satisfação da loira estrangeira que (em sua opinião) falava de modo difamatório da raça à qual pertencia.

– Fiona-san! - Naquele instante a cabeça de Tamao emergiu na beira da piscina, o rosto bonito vincado de preocupação. - As meninas estão bastante nervosas por causa da morte do Saizou-kun. Isso nunca aconteceu antes. Se a Polícia Estudantil souber, a Comissão de Segurança Pública pode fechar nosso clube. Será o fim do Rito de Imersão!

– Você tem razão, Tamao-san - concordou Fiona. - É necessário livrar-se do corpo sem que ninguém perceba.

– Fiona-san, você é presciente, tem poderes espirituais - disse Tamao em tom de recriminação. - Não entendo... Como é possível que não soubesse o que aconteceria no final?

– Tamao-san, tenho a impressão de que você superestima meus... poderes espirituais - respondeu Fiona sem perder a calma. - Presciência não é sinônimo de onisciência. Isto seria uma prerrogativa da Divindade, do Espírito Universal. O que posso vislumbrar, de vez em quando, são trilhas, trajetórias abertas, que, por sinal, mudam a cada instante. Tudo muda. Tipo o Princípio da Incerteza de Heisenberg, conhece? Cabe a cada ser dotado de raciocínio, em qualquer mundo ou grupo de mundos, escolher seu caminho, seu destino, e arcar com as consequências. Foi o que o Saizou fez. Foi o que as garotas fizeram. Aliás, isso me faz lembrar de outra coisa...

Sem demonstrar o menor constrangimento, enfiou uma das mãos dentro da parte de baixo do biquíni e tirou um minúsculo pedaço de coral branco. Disse: - Kurono-san! - Ato contínuo, atirou o fragmento de coral na direção de Kurumu, que reagiu automaticamente e o apanhou na palma da mão. Parecia uma pétala crespa de rosa branca, ou um enfeite de bolo diminuto, com um orifício circular no centro que dava a impressão de ter sido corroído pela água.

– Na visão que eu tive, você recebia de mim esse pedaço de coral - Fiona explicou, ante a expressão intrigada da ayakashi de cabelo azul. - É Lophelia pertusa, um coral de águas frias que cresce nas águas profundas do Reino do Oceano Atlântico Norte, um dos sete reinos dos merfolks. Esse veio de uma ilhota escarpada a oeste das Ilhas Britânicas chamada Rockall. Eu o encontrei na beira dos rochedos quando fiz catorze anos. Fique com ele.

– É lindo, mas...

– Nada de mas. E não me pergunte "por que", sei tanto quanto você. Não passo de um instrumento das Forças Superiores. O coral é seu, na hora certa você saberá o que fazer com ele.

Arigato, Fiona-san.

– Não tem de quê. Agora, o falecido.

Ela gesticulou na direção da piscina, combinando movimentos leves e elegantes, como se estivesse "empurrando" e "puxando" a água, com outros, circulares, e, no instante seguinte, um trecho da superfície líquida que brilhava começou a rodopiar e a subir em uma pequena tromba d'água, com seis ou sete metros de altura, que levantou no ar o cadáver de Saizou e o depositou no piso de concreto. O malfadado despojo tinha a aparência de uma múmia que tivesse sido desenfaixada após milhares de anos. Impossível descrever a expressão de dor e agonia que desfigurara seu rosto envelhecido na morte.

Tsukune instintivamente desviou o olhar. "Podia ser eu, estendido aí nesse chão", era o pensamento que lhe martelava sem cessar. Mas Kurumu intuiu o que se passava na cabeça do companheiro e gentilmente envolveu seus braços em torno da cintura dele. Usando um tom estranhamente baixo e triste que não combinava com o seu jeito alto-astral (e que dá uma ideia da grande empatia que uma succubus nutre por seu "destinado"), ela disse:

– Era pra ser você, Tsukune. Se eu não ameaçasse "sequestrar" os calouros delas com meu charm de succubus... Elas transformariam você em carne seca, não o Saizou. Graças a Deus que ele veio!

Absteve-se, no entanto, de dizer que pactuara com Tamao para entregar Saizou de bandeja à voracidade daqueles demônios marinhos. Sem dó nem piedade. Tampouco tinha a intenção de contar a verdade ao seu amado.

"O Tsukune não entenderia", Kurumu autojustificou-se. "É um homem bom... Ele é bom até demais pro seu próprio bem. Fiz o que fiz por amor. Não me arrependo de nada. O Tsukune é tudo pra mim. Eu mataria e morreria pra protegê-lo. Mataria um mundo..."

– Sua garota-demônio tem razão, Aono-san – disse Fiona. Um sorriso curvou-lhe os lábios sensuais. - Seu odor corporal tão "humano" é uma tentação. Exceto eu mesma, quase todas aqui adorariam sugar seu fluido vital, seu ki, até te secar.

– Por que? - indagou Tsukune. - E por que você é exceção, Fiona-san?

– É uma longa história, Aono-san. Assim como tantos faes, ou youkais, os ancestrais dos merfolks vieram de um universo paralelo cujo nome, na maior aproximação em equivalentes sônicos, é "Megas-Tu", e que os antigos gregos conheciam por Arcádia e os japoneses por Tsukiokoku, e entraram no mundo humano por intermédio de passagens interdimensionais que se abrem em áreas específicas de mares ou oceanos, como as do Triângulo das Bermudas e do Triângulo do Dragão. Aprenderam a subsistir drenando as bioenergias dos animais superiores, e especialmente do homem. É assim que as "sereias" sobreviveram originalmente, na base do vampirismo energético. Mas a evolução não parou. Por terem surgido simultaneamente em todos os oceanos do planeta, as populações merfolks evoluíram de maneiras distintas e deram origem a subespécies e raças muito diferentes umas das outras. A raça das meninas que você vê aqui, e que habita as profundidades do mar em torno da Ilha Miyake, é a única que possui a habilidade de drenar a energia vital de humanos ou outros para se alimentar. Cada raça tem seu próprio cardápio, que inclui salmões, sardinhas, atuns, algas, crustáceos, lulas, polvos, arraias, tubarões, ao passo que algumas raças só se alimentam de zooplâncton.

– Então nem todas as sereias são comedoras de homem?

– Ah, não, claro que não. Estão mais para comedoras de peixe, ou comedoras de plâncton, ou de polvo, ou de algas. Merhomo marina é uma espécie com variadas preferências alimentares. Apenas três subespécies botam os seres humanos no menu. - Fiona passou a língua pelos lábios. - Eu sou murdhuacha. Carne humana sempre foi uma iguaria imprescindível na minha tribo.

Tsukune esbugalhou os olhos e abriu a boca em um "O". - Carne... HUMANA?!! - tartamudeou ele. "Quer dizer que a Fiona-san é uma antropófaga como o finado Saizou?"

– Isso mesmo - confirmou a bela irlandesa. - Sou uma caçadora de humanos, tal como minha mãe, e de sangue real. Em minha forma natural, eu não sugo energia, eu mato, rasgo, arranco pedaços de carne crua da presa com minhas garras, dilacero e mastigo com meus dentes afiados, tudo num abrir e fechar de olhos. Se você fosse um humano legítimo e não um fake, Aono-san, eu teria o maior prazer em te morder e arrancar nacos de carne sangrando das suas bochechas, arrancar braços, pernas, te arrastar jorrando sangue para o fundo da piscina... Ei! Está se sentindo mal, Aono-san?

Fiona olhou curiosa para Tsukune, que olhava para ela com cara de nojo.

– Não é isso - respondeu ele, lacônico. - É que... Ouvir alguém que parece humana falar com tamanha naturalidade de trucidar e devorar pessoas, gente, seres humanos... Soa meio que bizarro, surreal...

– É que o Tsukune morou tanto tempo no mundo dos humanos que às vezes ele se esquece que não é um deles - interveio Kurumu, dando uma leve cotovelada no namorado. - Né, Tsukune?

Fiona riu de modo jovial. - Mas isto é óbvio. Aono-san, meu querido humano de araque, as coisas são como são. Focas e cetáceos comem peixes, crustáceos e moluscos, os duas-pernas comem as focas e os cetáceos, e NÓS comemos os duas-pernas. Minha mãe, Moray, que rege as Ilhas Proibidas há duzentos anos, já afundou cinquenta e oito navios. A carne dos duas-pernas assim obtida é sempre distribuída à população da colônia, que nunca foi tão bem alimentada. Acha que somos uma raça com instintos cruéis? Que deveríamos ter pena dos duas-pernas que caçamos e comemos? - De repente, sua fisionomia endureceu. - Eles, os duas-pernas, os humanos, não têm um pingo de dó das outras formas de vida que caçam e matam, e que, inclusive, têm o cérebro mais complexo que o deles, como alguns cetáceos. Já viu uma matança de golfinhos em Taiji, na ilha japonesa de Honshu, que não poupa sequer filhotes e fêmeas grávidas? Ou os massacres anuais de golfinhos Calderon, baleias-piloto e baleias-de-bico nas Ilhas Faroe, pertinho da Dinamarca, que tingem de vermelho as águas geladas do Mar do Norte? Para nós, o primata intruso que tão vaidosamente se autointitula de Homo sapiens não passa de um animal, uma presa legítima a ser caçada. Minha raça não enxerga crueldade em afogar humanos para comer, do mesmo modo que os japoneses e os feroeses não veem nada de errado em retalhar golfinhos e baleias para fins gastronômicos.

As palavras dela, de uma franqueza brutal, doeram fundo na alma de Tsukune. Particularmente as últimas. Matança de golfinhos... no Japão?! Tingir o mar de vermelho...? Japoneses retalhando golfinhos, em pleno século XXI?! Não posso acreditar!

– Ainda bem que nós não somos humanos, né, Tsukune? - Kurumu tentou contemporizar, sorrindo amarelo.

– De qualquer maneira, eu não poderia relar um dedinho em você, Aono-san, ainda que você fosse um verdadeiro espécime de Homo sapiens, devido ao juramento que a sua garota extorquiu da Tamao-san sob coação – declarou Fiona. - Claro que eu poderia usar minha autoridade de sangue real para anular o juramento dela, mas... Deixemos estar. O tempo urge... não, ruge.

– E quanto ao Saizou, o que vai fazer? - inquiriu Tsukune.

– Observe e verá o verdadeiro poder de uma Filha do Mar - disse ela.

Foi com imensa perplexidade que Kurumu e Tsukune viram a conselheira do clube de natação descartar a parte de cima do biquíni e, logo em seguida, também a parte de baixo, uma reduzida tanguinha, expondo toda a nudez de sua estonteante e inebriante beleza física. Durante um segundo e meio - o tempo gasto para a luz percorrer a distância da Lua à Terra - , o inexperiente Tsukune ficou arfando, excitado e acometido de hemorragia nasal, diante da imagem inacreditável dos seios soberbos, de uma brancura leitosa, com as auréolas cor-de-rosa e os mamilos pontudos, o ventre liso e o triângulo invertido de grossos pelos fulvos que orlava a estreita fenda no púbis. Todavia, o êxtase sensual rapidamente deu lugar ao terror inenarrável.

– Deus! - resfolegou Tsukune, transido de susto, sentindo arrepiar os cabelos e a pele.

De um instante para outro a mulher de corpo escultural, olhos claros de água-marinha e longas e sedosas madeixas cor de ouro transformou-se em uma criatura apavorante, um monstro semelhante a uma sereia, mas que devia medir pelo menos três metros de altura e pesar quinhentos quilos. Seus membros dianteiros eram longos, terminando em "mãos" descomunais com cinco dedos ligados por uma membrana natatória e munidos de garras poderosas em forma de gancho. A parte inferior do corpo teriomorfo, blindada por placas ósseas em vez de escamas, dividia-se em duas caudas pisciformes, de incrível flexibilidade, cada uma delas terminada em barbatana caudal na horizontal. A coloração da pele rugosa pendia para o esverdeado, exceto pela armadura de ossos dérmicos, de um verde-esmeralda mais escuro, e pelas nadadeiras caudais e as saliências auriculares em forma de barbatana nos lados da cabeça, todas em tom azul-esverdeado. Sete pares de fendas branquiais em ambos os lados do pescoço curto. Seu crânio alongado com proporções avantajadas e achatado frontalmente era encimado não por cabelos, mas por uma estrutura exótica verde-acinzentada que assemelhava-se ao exoesqueleto calcário dos antozoários a que chamamos "colônias de corais" - à semelhança de uma coroa real. Possuía um pequeno focinho, com a boca rasgada para a região posterior da cabeça e semiaberta mostrando dentes triangulares laminados e aguçados que nem navalhas, espaçados em padrões entrelaçados como os das piranhas, próprios para cortar e despedaçar carne e ossos das suas presas. Os grandes olhos oblíquos totalmente negros como fossas abissais, sem pupila nem esclera, completavam a expressão fria e aterrorizadora. Uma grande esmeralda, muito brilhante, pulsava no meio da testa, em seu chacra frontal.

(Era a própria encarnação do Ipupiara, medonho monstro marinho e antropófago de uma lenda do Brasil colonial, no século XVI, chu!)

A pressão espiritual de sua aura de poder irradiante era tão densa, portentosa que paralisou tanto Kurumu quanto Tsukune, mantendo ambos grudados no chão, com uma sensação irresistível de mal-estar geral, suor frio, dor de cabeça, enjoo, fraqueza e tremores no corpo todo.

"Ela não é uma sereia normal?! Por que é tão diferente das outras?", pensou Tsukune.

"A aura de youki que ela emite é terrível, igualzinha à da Ura-Moka", pensou Kurumu, que inda se recordava do primeiro confronto com a rival vampira despertada, na linha temporal original.

A monstruosa sereia que era Fiona estendeu um braço enrugado com a enorme mão verde em forma de remo (como os pés dos patos) na direção da piscina e emitiu um sibilo gutural, semelhante ao chiado dos gatos quando estão bravos. A joia ovalada na cor verde-esmeralda incrustada no centro da testa brilhava tal qual um farol aceso, ou um sol em miniatura, jorrando energia biocósmica para o meio ambiente. Naquele instante um forte redemoinho de energia mágica se formou no centro da piscina em rápida rotação.

– Ela abriu um portal! Um vórtice de transferência! - alertou Tamao, perto da borda da piscina. As outras sereias fugiram do torvelinho de cinco metros de diâmetro, nadando de costas.

Fiona virou-se para Tsukune e Kurumu, apontou-lhes por um instante o olhar negro imensamente profundo como a Fossa das Marianas. Foi quando o rapaz humano e a moça succubus "ouviram" reverberar em seus cérebros a voz harmoniosa da sereiana de pele verde e cauda dupla:

"Voltaremos a nos ver dentro em breve, Aono-san e Kurono-san."

Tsukune e Kurumu se entreolharam boquiabertos.

– Kurumu-chan, você também ouviu...?

– Telepatia, Tsukune. Ela falou com a gente por telepatia.

Fiona deslizou pelo chão com movimentos rápidos e sinuosos de suas duas caudas. Apanhou o cadáver ressequido de Saizou, meteu-o debaixo do braço como se fosse um saco de batatas e deu um salto de doze metros de distância para mergulhar como um míssil terra-mar no redemoinho gigante brilhando azulado que rodopiava loucamente no centro da piscina, enquanto o resto do corpo de água permanecia estranhamente calmo.

No instante em que a figura hidrodinâmica da mermaid de tez verde (junto com sua "carga") foi engolida pelo vórtice rodopiante de água, este se desfez magicamente, fechando o portal de teletransporte. A superfície aquosa retomou a aparência primitiva, calma e plácida. Nem a mais tênue sombra de Fiona Seafoam ou da carcaça morta de Saizou Komiya.

– Tamao-senpai, que aconteceu? Pra onde ela foi? - Kurumu perguntou, atordoada, à líder do clube de natação que estava parada perto da borda da piscina, ainda em sua forma sereiânica e imersa na água da cintura para baixo.

– Fiona-san abriu um portal de transferência na forma de vórtice de água - explicou a sereia de madeixas turquesa. - Funciona como o túnel dimensional que conecta a Academia Youkai ao mundo dos humanos por intermédio da quinta dimensão, ou quarta dimensão espacial, mas usando Magia Elemental da Água do mais alto nível para ligar dois locais distantes entre si. Eu não faço ideia de para onde a Fiona-san foi, mas sei que os vórtices de água só permitem a passagem para meios idênticos, ou seja, superfícies líquidas: uma piscina, um tanque, um lago ou o mar aberto, em qualquer dos cinco oceanos do Planeta. - E acrescentou num tom embevecido: - Aquela é a sua forma mais possante, a forma dum monstro classe S chamado Leviatã. Com ela, Fiona-san abre e fecha portais, provoca tempestades no mar ou explosões da água, afunda navios... Que nem sua mãe, que, aliás, é ainda mais poderosa.

Kurumu engoliu em seco duas ou três vezes. "Se aquele monstro marinho estivesse 'aqui', ou melhor, 'lá', da primeira vez, a Moka vampira teria sido derrotada... Talvez até morta", ponderou consigo mesma.

Já Tsukune via Fiona com outros olhos, como uma força da natureza, tão bela quanto terrível, a exemplo do tubarão-branco ou da água-viva gigante, ou da lula-colossal. Ou de Godzilla, Mothra e outros monstros de tokusatsu, que no imaginário japonês simbolizavam o poder destrutivo do oceano. Havia majestade, havia uma grandiosa e terrível beleza selvagem em tais criaturas, reais ou imaginárias. Fiona Seafoam era tudo aquilo e um pouco mais. Uma rainha dos mares.

– Até que ela é bonita - Tsukune disse mansamente.

– Ah, tá - ironizou Kurumu. - Dois rabos de peixe, carranca de dragão, pele verde rugosa, uma pequena floresta de corais no topo da cabeça... Esqueci algum detalhe?

– É o estilo de beleza dela - replicou Tsukune em tom quase reverente. - Da raça dela.

*********************

Arquipélago de Ryûkyû, a 480 km a sudoeste de Okinawa.

Fiona Seafoam flutuava na posição vertical, a apenas dezoito metros de profundidade, a alguns quilômetros da costa sul da ilha de Yonaguni - a mais ocidental das ilhas do Japão, a 125 km de Taiwan, o último bastião da velha República Chinesa - , tendo a carcaça de Saizou debaixo do braço sereiânico notavelmente comprido e grotesco. Ao seu redor, em águas mais profundas, estendia-se um conjunto de ruínas megalíticas submersas de uma pequena cidade antiquíssima, com onze mil anos de idade, que incluía escadarias, rampas, terraços, um altar de pedra, um conjunto de zigurates similares aos da Antiga Mesopotâmia, uma pirâmide escalonada no estilo das astecas e maias, tudo alinhado de acordo com pontos cardeais e colaterais. Eram, Fiona o sabia, as últimas e derruídas sobras de um entreposto da avançadíssima civilização antediluviana de Mukulia, que os teósofos chamam de Mu ou Lemúria, e que florescera sobre um vasto arquipélago vulcânico desaparecido onde atualmente é o Oceano Pacífico, em pleno mundo paleolítico, dezenas ou centenas de milênios antes que as civilizações posteriores do Egito, Suméria, Índia ou China viessem a existir.

O campo de percepção de Fiona, estendido por até cinco quilômetros de raio além do próprio corpo, detectou a presença uma dúzia de tubarões-tigre que nadavam nas águas rasas da costa de Yonaguni, caçando um grande cardume de centenas de anchovas. Usando de telepatia subaquática, Fiona convocou um ou dois daqueles desmedidos carcharrinídeos de pele listrada que mediam de quatro a seis metros de comprimento, famosos por seu apetite indiscriminado, para degustar uma iguaria rara do mundo da superfície: carne de monstrel recém-abatido.

Lógico que o fato de se tratar de carne envelhecida sobrenaturalmente era de todo irrelevante para uma espécie notória por seu paladar bem pouco exigente. (Com efeito, embora sua dieta habitual consista de moluscos, peixes, crustáceos e lulas, o tubarão-tigre devora quase tudo que encontra pela frente, comestível ou não: outros tubarões, tartarugas, restos mortais humanos, garrafas de plástico, placas de carros, pneus, latas vazias. Chu!) Dessa forma, Fiona assistiu com a maior indiferença quando os dois tubarões-tigre, dois jovens machos de quatro metros de comprimento e dorso rajado de cinza-escuro, destroçaram com seus milhares de afiadíssimos dentes serrilhados o cadáver seco e mirrado do "monstro solitário" Saizou Komiya, chegando a brigar entre si por pedaços do horrendo petisco.

Pronto: o incidente da piscina está encerrado.

Agora, bastar-lhe-ia abrir um novo portal de transferência, criando um túnel dimensional no sentido oposto, em tempo zero, para emergir da piscina da Academia Youkai. Mas Fiona não tinha pressa. Aquelas ruínas submersas da extinta civilização lemuriana, ou mukuliana, traziam-lhe à lembrança outro conjunto de estruturas megalíticas com milênios de idade, que jazia no fundo do Mar do Caribe, entre as ilhas de Andros e Bimini, nas Bahamas, do outro lado do globo terrestre: o impressionante "Muro de Bimini", ou "Estrada de Bimini", e uma gigantesca pirâmide com patamares em degraus - restos de outra raça antediluviana de super-homens, a dos Nephalin atlantes - , entre cujos imensos blocos de calcário retangulares enlameados tantas vezes brincara com seus irmãos murdhuachas durante a despreocupada infância na colônia da Corrente do Golfo (que se achava muito bem escondida nas cavernas submarinas e "buracos azuis" das profundezas do Atlântico Norte).

Fiona não tinha pressa. Estava em seu elemento. Era uma Filha do Mar, uma Leviatã. Protetora das Ilhas Proibidas, dos lugares sagrados de seu povo. Seu corpo teriomórfico capaz de suportar as tremendas pressões dos abismos oceânicos tinha força, agilidade e reflexos superiores aos de um merfolk ordinário, e centenas de vezes acima do que a capacidade humana lograria atingir - tanto no mar quanto em terra. Podia enxergar com igual facilidade na escuridão das grandes profundidades ou em uma noite sem lua na superfície. Um predador veloz e silencioso que não recuava diante de nada.

Ademais, havia humanos naquela ilha. Seres humanos autênticos, em carne e osso, comestíveis. Então, por que não aproveitar a ocasião para fazer um "lanchinho"?

A Academia Youkai pode esperar.

*********************

(Enquanto isso, no Clube de Natação...)

Revertida à sua forma completamente humana, com pernas e tudo, Tamao acabara de sair da piscina.

– Err... Tsukune-kun, não pense mal da gente - falou a mermaid de cabeleira verde-água, recolocando a parte de cima do biquíni sobre os seios. - É como a Fiona-san explicou, a nossa raça evoluiu como devoradores de energia. Nenhuma outra subespécie de merfolk se nutre assim. Para nós, drenar a força vital dos homens é essencial para a manutenção da vida, a composição celular dos nossos corpos exige isso como exige a imersão em água salgada. Afinal, nossos antepassados vieram de uma dimensão à base de água, não de terra. É a razão pela qual temos o Rito de Imersão. Com ele, recarregamos as baterias, por assim dizer, para continuar vivendo fora da água, com nossas células sempre jovens, nossos corpos bonitos, sarados.

Suas mãos deslizaram lânguidas pelas curvas generosas do próprio corpo, parecendo sentir prazer com o próprio toque e o despudor de fazer aquilo na frente de Tsukune, como se quisesse excitá-lo.

– Que acontece se deixarem de sugar energia vital? - perguntou Tsukune. Ao seu lado, a ciumenta e possessiva Kurumu fitava a líder das sereias com cara de pouquíssimos amigos.

– Seria o nosso fim - respondeu Tamao com uma voz soturna. - Sem drenar energia nossas capacidades regenerativas ficam tão prejudicadas que logo aparecem os primeiros sinais de necrose em várias partes do corpo. Assim como enfraquecemos se ficarmos fora d'água por mais de uma hora, ou, estourando, três horas, sem hidratação. Podridão! - Ela virtualmente cuspiu a palavra, e sua pele ruborizou-se até o couro cabeludo, como se tivesse dito uma palavra obscena. - Acredite, Tsukune-kun, uma mermaid num avançado estado de decrepitude física, toda desfigurada, com a pele apodrecendo e os cabelos caindo não é uma coisa bonita de se ver.

Com os olhos umedecidos, Tsukune abaixou levemente a cabeça. Lá estava ele, sentindo compaixão (no sentido mais etimológico possível, aquele em que "se sofre junto") por aqueles monstros sedutores que, se pudessem e soubessem o que ele era, não hesitariam em sugar sua vida até matá-lo. Talvez fosse justamente essa a sua mais bela qualidade como ser humano. E, afinal de contas, refletiu, aquelas sereias - aquelas garotas - estavam apenas obedecendo a uma lei básica da natureza: garantir a própria sobrevivência e a da espécie à qual pertenciam. Será que isso fazia delas criaturas cruéis, uma raça ruim? Seu próprio povo, por motivos menos nobres, massacrava sem piedade golfinhos e baleias-piloto em Taiji, se fosse dar crédito às palavras de Fiona Seafoam. Quisera Deus que fosse mentira. Perto disso, uma "mordidinha" de sereia chupando nossa energia é até bem inocente.

– Mas vocês não comem e bebem igual a todo mundo? - quis saber Kurumu. Pouco a pouco era levada a ter, se não aceitação, pelo menos compreensão pelas ningyo. Descontando-se o fato de que elas tinham dado fim ao maior inimigo de seu amado, a garota-demônio não podia, com toda a justiça, execrá-las por praticarem a vampirização energética nos "pobres" calouros que seduziam. Então sua própria raça, os lilin, não empregava um modus operandi análogo, senão idêntico, para subjugar machos e fêmeas, humanos ou outros? Então ela própria não tentara fazer o mesmo com Tsukune, quando se conheceram, na linha temporal anterior?

– É claro que podemos ingerir alimentos sólidos e beber líquidos, e é o que fazemos normalmente - retrucou friamente Tamao. - Embora nada substitua o dreno bioenergético para nutrição. Além do mais, consumir fluido vital dos homens, ou de youkais disfarçados na forma humana, é o que mais proporciona prazer para um ser de nossa raça. Significa para nós a mesma coisa que o sangue para os vampiros, por exemplo, ou a energia sexual para vocês, lilin.

– Vocês são o que são - disse Tsukune. Em sua voz não havia a mais leve ponta de recriminação.

Tamao virou-se para ele, e por um instante Tsukune encontrou um brilho de ansiedade nos olhos cor de limão da bela senpai.

– Não somos pessoas ruins, Tsukune-kun - disse ela. - Está certo, tratamos outros youkais do jeito que trataríamos os duas-pernas humanos... como alimento. Mas nós não temos escolha! E digo mais, com exceção do Saizou-kun, nunca, jamais alguém morreu durante o Rito de Imersão e o compartilhamento da energia vital. Temos sempre o máximo de cuidado, porque sabemos muito bem o que está em jogo. Procure nos conhecer melhor, Tsukune-kun, e tenho certeza que vai compreender que não somos uma raça maligna.

– Já ouvi dizer que, uma vez, a Tamao-senpai até teve pena de um humano e deixou ele viver - intrometeu-se Jenjira, fazendo a presidente do clube corar discreta mas visivelmente.

– Não, eu não acho que vocês sejam pessoas ruins. - disse Tsukune, que sorria candidamente. - Mas sempre existem alternativas. Fiquem amigas dos seus calouros, em vez de enganá-los e roubar energia deles. Talvez, quem sabe, possam convencê-los a doar energia pra vocês, sei lá...

– Tsukune, vamos embora - disse Kurumu, impaciente. - Não temos mais nada pra fazer aqui, e o clube do jornal nos aguarda.

Tamao aproximou-se dele e, com voz argêntea, falou-lhe: - Tsukune-kun, venha nadar com a gente sempre que quiser. Garanto que não tem nada a temer de nós. Vou te contar sobre a pequena cidade submarina onde eu nasci, que tem um nome impronunciável fora d'água. Ela é toda feita de coral e madrepérola, sabe, e é iluminada por algas bioluminescentes.

Apesar de não ser uma siren, Tamao, como todos de sua raça, costumava influenciar um pouco as pessoas usando a voz.

– Nem pensar! - rebateu Kurumu, puxando o namorado pelo braço. - Sereias não são confiáveis.

– E desde quando uma succubus é uma criatura confiável? - retorquiu Tamao com ironia.

Ao perceber que o bate-boca das duas tomava um rumo potencialmente explosivo, Tsukune resolveu intervir para apaziguá-las.

– Meninas, por favor! Tamao-senpai, eu agradeço sinceramente o seu convite. Há de chegar o dia em que todos seremos bons amigos. Até lá...

Sem pensar duas vezes, Tamao aprochegou-se e, para espanto geral, sapecou um beijo na bochecha de Tsukune, que enrubesceu feito um pimentão.

Sayonara, Tsukune-kun - ela disse quase num murmúrio.

– Vamos andando, Tsukune querido? - disse Kurumu, enlaçando o companheiro pela cintura, assim colando seu corpo ao dele.

Em resposta, Tsukune sorriu e passou o braço pelos ombros dela.

Com um nó na garganta, Tamao observou o casal abraçado se afastar sem olhar para trás (rodeados por intensa luz rosa proveniente do enlace de suas auras astrais). Ela estava atordoada numa mixórdia de emoções e, de repente, as palavras ditas por Kurumu à beira da piscina reverberaram na sua mente: "Um dia, quando encontrar uma pessoa que você goste de verdade, você vai entender. E vai se lembrar das minhas palavras."

– ... Aono Tsukune. - A ningyo deixou escapar num sussurro. - Que tipo de monstro é você...?

*********************

Naquele mesmo dia Kurumu e Tsukune preencheram suas fichas de inscrição e aderiram formalmente ao Clube de Jornalismo da Academia Youkai. Shizuka Nekonome, a professora-conselheira do clube, ficou tão radiante de felicidade que quase deu um beijo na boca da inspetora de turno Mei Kongou. (Uma nekoyoukai japonesa e uma inuyoukai chinesa se beijando na boca? Aí está uma coisa que eu gostaria de ver, chu!)

– Sabe, Kurumu-chan - disse Tsukune à namorada - às vezes eu me pergunto se minha decisão de permanecer na Academia Youkai foi acertada.

– E...? - proferiu Kurumu, lacônica.

Ambos, o garoto humano e a garota succubus, passeavam pelo átrio externo, uma grande praça arborizada (cheia de hamadríades) com muitos bancos e um canteiro de rosas (infestado de fadas diminutas ou pixies) que conectava os portões da academia com a entrada do prédio principal.

– E - ele imitou-a, com um meio sorriso maroto - a verdade é que aqui eu encontrei alguém especial, de cabelos azuis e olhos violeta, que não encontraria em nenhum outro lugar.

– Jura? - ela abriu um largo sorriso.

– Eu te amo, Kurumu-chan.

– Mesmo eu sendo... hã... cê sabe, uma cria do Inferno?

– Deixa de besteira! - ralhou Tsukune. - E mesmo se for verdade... Eu não ligo a mínima. Você é carinhosa, meiga e sincera, companheira acima de tudo, e é só o que importa pra mim. É a pessoa, e não a "raça" a que pertence ou o lugar onde ela nasceu.

Emocionada, ela o abraçou efusivamente.

– Ah, Tsukune! Eu também te amo, te amo demais. Antes de te encontrar a minha vida era feia e triste, mas agora é só amor e alegria. Porque você é bom. E não quero que o mundo, seja o dos humanos ou dos youkais, te ensine a não ser bom.

– Kurumu-chan...

– Tsukune...

Como sucedera tantas vezes desde que começaram a namorar, e a despeito de suas diferenças raciais, os olhares do humano e da lili se encontraram e se tornaram um só, mescla de castanho terroso e índigo estratosférico, seus lábios se aproximaram perigosamente, e seus campos vibracionais interpenetraram-se. Suas auras astrais pareciam fundir-se numa unidade, brilhando em um formoso cor-de-rosa.

Entretanto...

– Não podemos fazer isso - objetou Kurumu, com o coração repleto de imensa tristeza. - Lamento, Tsukune, mas é pro seu próprio bem.

– Eu sei - concordou Tsukune, cabisbaixo. - Porque eu sou um... - Ele ia dizer "um reles ser humano fraco", mas se conteve a tempo. Kurumu devia ter adivinhado o que perpassava a mente do namorado, pois replicou, zangada:

– Tsukune, nem ouse dizer o que eu acho que cê tá pensando! Não se menospreze por ser o que é. Não é culpa sua, nem minha, sermos o que somos. Eu juro pra você que não vou descansar até descobrir um jeito de resolver esse problema que nós temos. Vou consultar a mamãe, a tia Sara em Las Vegas... Não vou deixar que nada nem ninguém nos separe.

Ela se pôs na ponta dos pés, colocou as mãos suavemente nos ombros de Tsukune e beijou-lhe a face com carinho. Ele a envolveu num abraço terno e em seguida beijou-lhe o topo da cabeça e a testa.

Sequer poderiam imaginar que forças ocultas tramavam contra eles.

Feh! Kurono Kurumu - vociferou uma personagem sinistra e invisível. - Aproveite agora o seu quinhãozinho de felicidade. Mas um dia, mais cedo ou mais tarde, o seu humanozinho de estimação há ser meu. Palavra de Albaster!


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Notas finais do capítulo

Se alguém porventura conseguiu chegar até aqui, terminando a leitura, tem meus mais sinceros agradecimentos. Admito que este ficou exageradamente grande (quase 1 conto "de per si"), mas a verdade é que não pude resistir à tentação de explorar em mais detalhes algumas personagens que, a meu ver, foram muito mal aproveitadas, tanto no mangá quanto no anime, como as sereias (mermaids), em particular a líder Tamao Ichinose,e mesmo o "monstro solitário" Saizou Komiya. Outro ponto, as sereias em R+V sempre me pareceram um tanto ou quanto insípidas em relação às suas congêneres retratadas em outras obras de ficção, de modo que achei que poderia incrementar a caracterização da espécie (incluindo diferentes raças ou subespécies, com poderes e habilidades distintas, como já fiz com os vampiros e outros monstros). Enfim, espero que tenham gostado.

Também não pude resistir à oportunidade para divulgar algo sobre as ruínas submersas tanto no Japão (menos conhecidas) quanto nas ilhas do Caribe (mais badaladas), bem como protestar contra as atrocidades cometidas contra os cetáceos inteligentes (golfinhos e baleias) tanto no Japão quanto nas Ilhas Faroe, 1 protetorado dinamarquês. Para quem quiser conferir, há vídeos na internet, YouTube, mas é bom se preparar: as cenas são chocantes demais.

Por último, os citados "buracos azuis" são depressões gigantes no fundo dos oceanos, que, inclusive, podem ser vistas do espaço em órbita. O maior buraco azul do mundo é o "Great Blue Hole", perfeitamente circular, que tem 2km de largura e 145m de profundidade, localizado 100km mar adentro da Cidade de Belize, capital do país centro-americano de mesmo nome.

Então, até o próximo capítulo (que, se Deus quiser, há de ser MUITO menor!)!