Cemetery Drive escrita por CDJ


Capítulo 2
Solitary style




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 Era uma ensolarada tarde de setembro.

 As aulas haviam começado, apesar de eu já ter acabado a escola. Eu ainda tinha alguns livros em casa que haviam sido retirados da biblioteca anos antes e nunca tive muita boa vontade para devolvê-los. Como eu tinha planos de sair de casa e me mudar para o campus da faculdade que fosse aceito, os livros mofariam no meu antigo quarto e eu nunca me lembraria deles. Então pensei que fosse uma boa coisa levá-los de volta à biblioteca, afinal ninguém se atreveria a entrar no meu quarto para fazer uma limpeza. Nem mesmo eu me atrevo a isso.

 Estacionei o carro duas quadras longe da escola e andei o caminho todo até a entrada, levando quatro ou cinco livros nos braços. Era a troca de aulas da tarde, portanto todos ainda estariam no corredor com aquela expressão cansada. Passei reto por todo mundo, cumprimentei a Sra. Penn na secretaria e avisei que tinha que ir à biblioteca. Ela disse que não havia problema algum.

 Segui reto no corredor e virei à esquerda, entrando num largo e arejado cômodo. Sorri discretamente, dando uma olhada nas mesas vazias exceto por algumas raras exceções num canto à direita. As prateleiras enchiam a sala e eram todas bem organizadas. Nunca fui um fã da biblioteca, mas tinha que concordar que o acervo era enorme. Havia livros didáticos e não didáticos; livros em inglês, espanhol, francês e até mandarim. Claro que eu nunca havia tocado nos livros de outros idiomas, mas admirava essa diversidade.

 Caminhei até o balcão escuro no lado oposto da entrada, onde a velha e rabugenta Sra. Hart ralhava com os alunos que se esqueciam dos seus preciosos livros. Eu era o primeiro de sua lista negra.

 - Bom dia, Sra. Hart – cumprimentei-a sorrindo, desabando a pilha de livros que carregava em cima do balcão.

 A velha levou um susto que a fez pular uns trinta centímetros acima do chão. Ela me encarou corada, com uma das mãos sobre o peito.

 - Eu não esperava vê-lo por pelo menos uns vinte anos, Sr. Alesi.

 - Pois é, parece que acabei de te decepcionar. Mas, pelo menos, trouxe seus livros – apontei a pilha no balcão e dei uma piscadela.

 Ela começou um discurso sobre como eu havia feito apenas a minha parte como aluno e que eu havia demorado demais para fazê-lo. Eu escutei só metade, porque depois o assunto fugiu para como eu havia conseguido passar de ano e sobre a certeza que ela tinha que eu ia acabar numa faculdade comunitária para o desgosto e vergonha de meus pais. Mas eu havia parado de escutar havia alguns minutos. Eu estava olhando para outro lado, pensando em outras coisas. Mais precisamente, olhava para uma garota sentada num canto escuro, lendo um livro velho e grosso.

 Por algum motivo, havia algo nela que não me deixava desviar os olhos. Era aquela estranha sensação de quando algo curioso ou trágico acontece; você quer olhar, fica fascinado, quer saber mais sobre o que aconteceu, mas quando percebe o que está fazendo, vê a razão pela qual a curiosidade matou o gato. Ainda assim, eu queria olhá-la. Ela já havia levantado a cabeça e me encarado pela terceira vez, apenas para mostrar o quão esquisito eu estava sendo. Eu não conseguia evitar.

 Ela levantou e fechou o livro. Puxou-o com todas as suas forças e deu três passos com dificuldade. Corri até ela e tirei o livro de seus braços, dizendo:

 - Pode deixar que eu ajudo.

 Ela ia reclamar que não precisava, mas o livro já estava comigo. Deu de ombros e caminhou ao meu lado até o balcão. A Sra. Hart só havia percebido que eu não estava mais lá e parou de falar quando joguei o pesado livro no balcão. Ela mirou aqueles olhos de falcão sobre mim e sobre a garota.

 - Muito obrigada por trazer o livro de volta, Srta. Stein.

 A garota não sorriu para a velha e muito menos me agradeceu. Puxou o iPod do bolso traseiro e colocou os fones de ouvido. A música começou a tocar num volume muito alto. Acredito que eu seria capaz de escutar a uns cinqüenta metros de distância. Ela não se importou. Miraculosamente, aquele volume não destruía seus tímpanos. Virou-se, colocou o iPod no bolso novamente e andou para fora da biblioteca na maior calma.

 Eu poderia ter me esquecido dela facilmente. Não era a primeira, nem seria a última, garota a me deixar fascinado. Mas eu não consegui ficar parado. Não consegui voltar para o carro e dirigir para a casa. Parece idiota, mas não é. Vou contar por quê não consegui.

 A aparência dela em si era um tanto estranha. Ela tinha as raízes dos cabelos loiros, porém a maior a parte era pintada de preto. Além disso, tinha mechas vermelhas e desbotadas no final dos fios. Os olhos eram castanhos e intensos, delineados por uma camada grossa de lápis. Estava pálida e com olheiras nos olhos, como se estivesse doente ou não conseguisse dormir em dias. Usava uma camiseta duas vezes maior que ela e uma calça com um cinto de tachas. Nos pés, um converse preto com desenhos de caveiras vermelhas.

 Eu nunca havia me interessado por esse tipo de garota antes. Até acredito que se tivesse visto só aquilo teria ido embora, esqueceria que havíamos nos encontrado. Mas eu não havia visto só sua aparência excêntrica.

Quando ela puxara o iPod do bolso e quando o colocou novamente, consegui ver inúmeras cicatrizes nos seus braços. Algumas eram mais amareladas e velhas, outras eram vermelhas e recentes. Meu primeiro pensamento foi que ela havia perdido uma briga feia com um gato de rua, mas assim que ela começou a escutar a música, sei que alguma coisa passou por seus olhos. Eu não saberia dizer se era tristeza ou raiva, talvez uma mistura de ambos, mas era um sinal de que ela não se importava em mostrar o quanto sofria, o quanto se machucava e que não havia ninguém para ajudá-la.

 Foi um átimo de segundo, no qual a tristeza e a solidão que ela sentia se refletiu em mim. Foi isso que me fez correr atrás dela. Isso que não me deixou ficar parado ou dirigir de volta para casa e continuar com a minha vida.

 Eu sabia que tinha que tentar ajudá-la de alguma maneira. Ela não merecia toda aquela dor.


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