Cemetery Drive escrita por CDJ


Capítulo 1
Walk the dead




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 Ela era tudo para mim.

 Ter que encarar seu nome na sepultura quebrava meu coração. Ter que lembrar dos poucos momentos que a vi sorrindo, ter que lembrar das milhões de vezes que a vi chorar. Ter que lembrar de tudo que passamos juntos e ter que me conformar que eu não consegui salvá-la. Parecia surreal que tudo estivesse acontecendo de verdade.

 Meus passos eram largos e lentos. Eu andava com a cabeça baixa, encarando a grama a cada passo que dava como se havia alguma pista, algum sinal de que aquilo tudo era apenas um sonho muito ruim. Meu terno alugado não combinava comigo, mas eu não me importava. Ela não precisava de mim naquele dia e eu nem deveria estar ali. Mas eu nunca poderia deixar de me despedir.

 Parei abruptamente para não colidir com uma garotinha. Ela usava um vestido preto; devia ter em torno de seis anos, a julgar pela altura. Ela me encarou com olhos desconfiados e os cabelos loiros balançaram no vento. Reconheci Mae Rose, irmã da garota morta.

 Mae Rose continuou a me encarar. Provavelmente estava tentando saber se corria até a mãe para lhe contar que eu estava ali ou se ficava, esperando minha reação. Eu nunca iria machucá-la, seu pequeno coraçãozinho também sabia disso. Porém, ela sabia que era errado o que eu estava fazendo. Não pude evitar. Ainda me lembrava das palavras grosseiras que ouvi da família dela, que nunca mais queriam me ver, que eu havia sido a desgraça da filha deles. Lembro bem da ameaça de que se eu aparecesse, seria morto ou preso. Mas nunca tive medo de ameaças, nunca tive medo de muita coisa. Sempre soube lutar pelo que eu acreditava e acreditava estar fazendo o certo. Pelo menos para mim.

 Agachei em frente a Mae Rose e dei-lhe a tulipa negra que eu segurava. Ela hesitou antes de aceitar, mas no fim acolheu a flor em suas pequenas mãos. Eu lhe dei um meio sorriso, como um pedido de desculpas. Ela pareceu aceitar. Levantei-me e lhe dei a mão. Ela segurou-a com força e eu apertei de volta, para que soubesse que eu não ia fugir. Nada de ruim ia acontecer mais. Todo o mal havia passado.

 O caixão chegou e foi empurrado para dentro na fenda no chão. Pessoas que eu não conhecia jogavam as mais diversas flores coloridas. Os pais dela choravam em um canto afastado. Provavelmente não queriam ver a filha deles ser consumida pela terra, apagada e enterrada, como uma lembrança triste. Eu entendia o que eles sentiam. Infelizmente, não era isso que eles acreditavam.

 Soltei a mão de Mae Rose e a olhei, depois apontei a flor. Ela assentiu e caminhou abrindo espaço pela pequena multidão que se encontrava a nossa frente. Todos a deixaram passar e observaram, prendendo a respiração. Mae Rose chegou perto da fenda e beijou a tulipa negra antes de jogá-la. Aquela foi a última flor.

 Os coveiros começaram a jogar terra. As pessoas respiraram fundo, quase em uníssono, felizes por ter acabado. Pronto, elas deviam pensar. Agora ela está sendo enterrada e vai ser esquecida daqui a algum tempo. Que Deus a tenha, pobre moça.

 A pequena multidão começou a se dispersar e eu soube que era hora de ir embora. Não havia mais como me camuflar e logo os pais dela me notariam. Não esperei que Mae Rose voltasse para me despedir e desapareci por entre as sepulturas, caminhando sem rumo. Estava cedo demais para ir embora e tarde demais para esquecer que eu não havia visto o que vi. Minha garota estava se tornando uma lembrança. Um brilho frágil na luz do sol. Uma triste memória. Uma alma fadada ao sofrimento.

 Se pelo menos alguém a conhecesse como eu a conhecia, talvez ela poderia ter tido a ajuda necessária. Mas eu não consegui salvá-la sozinho e me arrependo disso. Eu poderia ter me esforçado um pouco mais, poderia ter tentado de novo. Se eu soubesse que tudo ia acabar desse jeito, eu teria tentado de tantas outras maneiras. Se eu soubesse que a perderia, se eu soubesse que tudo era sério demais para dois adolescentes, eu poderia ter mudado a situação. Mas, no fundo, eu sabia de tudo isso. Estava apenas ignorando para ver se minha alma estava enganada, para ver se eu conseguia dar um jeito. Se eu tivesse escutado, se eu tivesse feito tudo que ela disse, talvez ela ainda estaria viva.

 Quem eu quero enganar? Não havia como salvá-la. Ela deixou isso bem claro no dia que nos conhecemos.


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