Quando eu vi a criatura atacando a humana, eu simplesmente me desesperei. Eles aparecerem do nada e nos cercaram. O guerreiro Jules lutava bravamente contra dois seres malignos, mas eu senti sua preocupação para com a garota. Então a criatura a cortou e avançou e eu simplesmente soube o que fazer.

Todos os anjos possuem uma Gladius, mas pessoalmente, nunca tinha usado a minha. Jamais sonhei que precisaria. Foi a necessidade do momento e a vontade de salvar aquela jovem humana que me fizeram invoca-la e, depois, cortar o demônio ao meio.

Tudo ficou silencioso. Eu tremia, ainda com a Gladius nas mãos. Apenas ouvi o som da voz da humana:

- Tudo bem, pode soltar.

Minha mente parecia nublada e senti como se o mundo tivesse desabado em minhas costas. Era a primeira vez que eu tirava uma vida.

- E-eu.. eu.. – gaguejei. Perdi completamente a fala diante de meu ato horrendo.

- Era um Ser das Trevas, não precisa se sentir assim.

Encarei o dono da grave voz. Ele estava bem, como se não tivesse acabado de matar dois demônios sozinho. Falava como se tirar a vida de um ser fosse normal.

- Vamos. – ele disse.

Senti apenas a humana me guiar por entre aquele lugar estranho que era o mundo. Havia muito movimento, sujeira e barulho. O ar em meus pulmões já não era leve e doce como em casa. Por todo o trajeto eu me questionei se tinha feito a escolha certa vindo até aqui.

Chegamos a uma construção cinza, cheia de buracos quadrados. A moça abriu uma porta gradeada e depois entrou no lugar. Eu e Jules fizemos o mesmo. Era uma casa, eu acho.

Depois que passamos por outra porta, a humana, Harper,  trancou-a e ficamos os três ali no pequeno ambiente fechado em silêncio.

- Então... Melanie... – a garota começou enquanto andava na direção de Jules – você disse que veio a mando de Miguel?

- Eu não vim a mando dele, eu só... vim.

- Só veio? – ela questionou cruzando os braços sobre o peito.

- Sim. Pouco antes de pular em Abyssi, eu o encontrei e ele me disse para mentalizar Jules, disse que me ajudaria na Terra. Eu vim para... ajudar na guerra que se aproxima.

Eles ficaram calados e eu sentei num objeto grande e fofo de cor verde que estava no meio do recinto. Era confortável.

- Miguel te disse mais alguma coisa? Algo sobre a batalha?

- Não. – respondi – Mas eu sinto que algo grande está por vir.

- É ... todos sentimos isso...

A humana Harper simplesmente desabafou esta última linha e se voltou a Jules:

- E o que fazemos com ela?

O anjo a encarou, sem mudar a expressão de concentração em seu rosto.

- Fica conosco. – ele disse. E suas palavras me trouxeram alívio.

- Ótimo, agora eu vou ser babá de dois anjos que nem me pagam aluguel! Perfeito.

Eu a encarei, sem entender suas palavras.

- O que é aluguel? – perguntei.

Harper se limitou a me olhar de boca aberta e sacudir a cabeça.

...

A tensão pairava no ar, modificando sutilmente o doce aroma do Paraíso.

Fui surpreendido pelo chamado. Em um tempo menor que um bater de asas eu estava onde deveria estar. Diante de mim, um dos mais próximos ao Senhor.

“As portas do mundo inferior estão prestes a se abrir, Miguel. Nosso sangue divino foi a chave. Chega o tempo em que as almas de todos os seres deverão fazer a escolha e o destino de todas as vidas se fará.”

Em meio as palavras do anjo, ajoelhei-me e indaguei:

- Como fazemos para impedir?

- Não há como impedir, mas há como lutar. – o anjo me respondeu prontamente e acrescentou – A mesma chave que abriu não pode fechar, mas os seres inferiores devem ser trancados.

- Devo partir, então?

- Você tem um papel decisivo nessa história, Miguel. Siga seu coração e ele te levará às respostas. Nunca perca a fé em nosso Senhor, ele te guiará.

Ainda de cabeça baixa, acenei. Eu sabia que essa hora chegaria, a hora em que eu, mais uma vez, cairia em Abyssi para lutar por eles.