Mar de Lembranças escrita por Misuzu


Capítulo 9
Lágrimas


Notas iniciais do capítulo

Olá~
Cá estou eu novamente.
Espero que goste do capítulo apesar da crise da Millie. Tem histórinha =3
Capítulo dedicado ao meu amiguinho querido John. =3



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A casa não estava muito cheia, deveria ser uma noite tranquila, mas, incrivelmente, toda vez que o Sr. Marshall começava a falar alguém fazia um pedido ou algum bêbado vinha importunar-me na copa. No começo não me importei, afinal, este era meu trabalho. Mas então percebi que quem estava me chamando com mais frequência era Bonnie, suas amigas e seus habituais clientes. Era de propósito. Não havia nada que eu pudesse fazer, eram clientes e eu não podia prejudicar a Madame. Mas eu tinha certeza que minha vontade de arrancar aqueles fios louros um por um estava transparecendo em meu rosto. Apesar de parecer estar um pouco irritado pela situação, o Sr. Marshall parecia também se divertir cada vez que eu bufava ou suspirava.

– Acabo de ter uma ideia. Com licença, senhorita.

Ele sorriu e levantou-se fazendo uma singela reverência. Fiquei um pouco intrigada, não havia muito a se fazer. Ele caminhou em direção à Madame Agatha e ficou um bom tempo conversando com ela. Vez ou outra os olhos dela vinham em minha direção, enquanto ele parecia procurar por algo no salão.

Algum tempo depois, ele voltou para o balcão, trazendo Luce consigo. Perguntei-me o que ele pretendia com isso. Senti uma pontada de frustração quando entendi. Ele pretendia passar a noite com ela, a garota nova e delicada. Eu estava com ciúme. Apesar de não culpá-lo por isso, ele já frequentava o solar antes de eu vir parar aqui, certamente costumava dormir com outras além de Bonnie. E por que ficar sentado num balcão conversando quando se pode ter uma boa noite de prazer?

– Realmente não se importa de ficar no balcão, senhorita?

Ele falava com ela seriamente, diferente de como costumava falar comigo, sempre com um ar de diversão. Fazem apenas alguns dias e já estou agindo como se o conhecesse há tanto tempo. Isso certamente vai acabar me gerando problemas, não posso me apaixonar por ele. Ele nunca me levaria a sério, mesmo que não seja uma acompanhante, só por ser vista nesse distrito já sou considerada como sendo uma. E as cicatrizes, ele realmente não irá gostar delas.

– Não, está tudo bem. A Millenia é teimosa, é melhor você tirá-la daqui para que ela possa descansar e evitar mais algum acidente.

Ela sorria docemente em minha direção enquanto se enfiava atrás do balcão junto comigo. Espere, ela vai ficar no balcão? Isso não está certo, só há uma forma de eu sair desse balcão com a permissão da Madame.

– Você comprou a minha noite?

– Não. Você está com uma terrível dor em seu braço e vai descansar agora. E eu sugeri à Madame que deixasse esta linda jovem em seu lugar. – Ele sorriu para Luce e aquilo, de alguma forma, me irritou.

– Não, eu não estou com dor. E não vou prejudicar a Madame.

– Mas você não está prejudicando ninguém Millenia. – Ela colocou sua delicada mão em meu ombro, afagando-o gentilmente. – Só a si mesma. Ele pagou pela minha noite. Assim eu fico em seu lugar enquanto vocês podem ter mais privacidade.

Eu ainda me sentia mal por fazê-lo pagar para poder conversar comigo, mas Luce parecia feliz. Com razão, ela era a moça mais jovem da casa e havia muitos marinheiros querendo seus serviços. Resolvi interpretar aquilo como um ato de bondade do Sr. Marshall. E eu realmente estava com o braço um pouco dolorido devido à movimentação excessiva.

– Tudo bem. Eu agradeço, Luce. – Afaguei sua mão que estava em meu ombro, enquanto sorria para ela. – Vamos, Sr. Marshall.

Afastei-me do balcão e segui para o meu quarto atrás da escada, sentando-me na ponta da cama. O nervosismo fazia com que meu coração batesse acelerado. Eu já não tinha mais certeza se ele pretendia apenas contar-me uma história. Após fechar a porta, ele sentou-se confortavelmente no pequeno sofá que havia na minha frente.

– Por onde devo começar?

Era obviamente uma pergunta retórica. Ele estava pensativo, seus olhos percorriam o quarto, mas eu sabia que sua mente estava distante. Em outra época, em outro lugar.

– Eu tinha pouco mais de vinte anos quando comecei meu treinamento para entrar na marinha. Para ingressar em alguma patente alta na marinha, é preciso antes passar por um duro treinamento para tornar-se apto a executar qualquer posto dentro de uma embarcação, independente de seu nível social. Em época de guerra, não é sua posição social ou título de nobreza que importa, mas sim sua capacidade. Foram três anos de treinamento. Quando terminou, conquistei a patente de Segundo-Tenente. Retornei para minha cidade, no norte.

­– Pensei que o senhor fosse de Voltrina. - Eu estava concentrada em sua história, não pretendia interrompê-lo, mas a curiosidade transpassou meus lábios sem que eu conseguisse impedir.

– Não, sou de Salesir, uma cidade na costa ao norte. Mas deixe-me terminar e saberá porque firmei raízes aqui. – Ele não parecia irritado com a interrupção. Ficou pensativo por um instante, como se estivesse tentando lembrar-se do que acontecia a seguir. – Antes de partir, eu pretendia casar-me com uma jovem por quem me apaixonara. Entrei na marinha com o intuito de conseguir certa estabilidade para oferecer a ela, já que seu pai não seria a favor de nosso casamento. Ela era filha do duque. Fui visitá-la escondido na primeira noite após meu regresso a Salesir. Mas quando cheguei, a mansão estava tomada pelo fogo. Resolvi procurar por uma entrada. Foi então que o vi saindo apressadamente pelos fundos, correndo por entre as árvores. Era Skallen III. Tentei segui-lo, mas não tive sucesso.

“Semanas se passaram e ficou claro que ninguém sobrevivera ao incêndio. O duque, sua família e seus criados foram dizimados pelo fogo. Naquela época, jurei vingança. Mas eu pouco podia fazer como Segundo-Tenente. Decidi então vir para Voltrina, onde fica a maior base da marinha de Kenderon. Esforcei-me e subi cada vez mais na marinha, até poder comandar meu próprio navio. Finalmente podia persegui-lo. De certa forma era fácil, já que com o tempo eu percebi que sua tripulação só atacava embarcações nobres, facilitando que eu criasse emboscadas. Mas ele era escorregadio, conseguia sempre escapar, muitas vezes antes mesmo de um conflito.”

“Após muito tempo perseguindo sua tripulação, finalmente consegui pegá-lo. Eu estava em um navio nobre, disfarçado junto à minha tripulação. Não dei a ele tempo o bastante para pensar em me atacar e golpeei-o com minha espada. Pretendia tirar sua máscara e finalmente descobrir se ele era tão horrível quanto seus atos, mas seus homens o defenderam e o afastaram de mim antes que eu pudesse dar o golpe final. Por longos meses não tive certeza se ele havia morrido ou não, até encontrar sua tripulação novamente e perceber que havia um novo capitão. Após isso, a marinha considerou que Skallen III estava morto e fui promovido para Comodoro.”

– Você ainda a ama?

Arrisquei perguntar, eu precisava saber. Ele pensou por um longo tempo. Cogitei que ele não houvesse escutado minha pergunta, mas após algum tempo ele fixou seu olhar em meu rosto, parecendo estar finalmente presente de corpo e alma.

– Ela será sempre importante para mim, foi a primeira mulher por quem me apaixonei. Mas o tempo fez com que aos poucos eu superasse. Na verdade, não sou nem mesmo capaz de recordar-me de seu rosto claramente. Desejei tanto esquecê-la após o incêndio para fazer a dor passar que realmente a esqueci, mas apenas em parte. Não me recordo de suas feições, mas lembro de cada momento que passamos juntos. Era como se eu devesse isso a ela. Agora que o responsável por sua morte já não está mais entre nós, sinto que ela possa descansar em paz. Sinto-me livre.

Eu não sabia o que dizer a ele. Sua história havia despertado diversas emoções e sentimentos. Desde o medo por todas as batalhas pelas quais ele passou, até uma pontada de ciúme e inveja dessa mulher a quem ele amou tão devotamente por tanto tempo. Mas, principalmente, frustração. Eu sabia, apesar de tentar negar, que estava começando a apaixonar-me por ele e tinha medo do rumo que isso poderia tomar. Ele certamente não tomaria por esposa uma mulher sem memórias, com o corpo coberto por marcas e com uma má reputação. E eu não aguentaria ser amante de um nobre hipócrita que dorme com uma prostituta enquanto sua mulher o aguarda em casa. E eu nunca seria essa mulher.

Eu passarei o resto da minha vida presa a este distrito enquanto ele vive uma vida feliz com sua família. Eu não queria mais pensar nisso, apenas me machucava e ele logo perceberia o rumo dos meus pensamentos, caso já não os tenha percebido.

– Você veio para Voltrina, mas e sua família?

Perguntei a primeira coisa que surgiu em minha mente. Não queria que o assunto voltasse para a sua amada ou que ele fizesse algum comentário sobre meu silêncio. Seus olhos pareciam tristes e, novamente, distantes.

– Não tenho família. Eu vivia com a minha mãe, mas ela morreu quando eu tinha quinze anos.

– Eu sinto muito.

– Não se preocupe com isso. Já faz muito tempo.

– Mas você sente falta dela.

– Qual delas? – Ele sorria, brincando comigo.

– Ambas.

– Sim, sinto. Nunca me esquecerei delas, mas também não passarei o resto de minha vida preso a isso.

– Será que alguém sente a minha falta?

– Só um lunático não sentiria falta de uma moça tão bela e tão especial.

– Você só diz isso para me consolar. E se eu nunca for capaz de me recordar e rever quem era importante para mim?

Eu podia sentir as lágrimas se formando. Fazia tempo que eu não chorava por causa disso. Mas algo nas palavras do Sr. Marshall fizeram com que eu desejasse lembrar de meu passado. Queria mais que nunca lembrar quem fui, quem amei e quem me amou. E também, apesar de vergonhoso, queria saber se um dia fui digna de estar ao lado do Sr. Marshall sem sentir-me, de certa forma, inferior.

Tentei limpar as lágrimas antes que ele pudesse notar, mas ele já estava vindo em minha direção, com uma expressão triste no rosto. Ele sentou-se ao meu lado e gentilmente puxou-me para perto de si, envolvendo-me em um abraço forte e confortável.

– Não tenha vergonha, chore o quanto for necessário. Até sentir-se aliviada. Vou ajudá-la a descobrir seu passado.

Aconcheguei minha cabeça em seu peito, prendendo minhas mãos em torno de seu corpo. Ele acariciava gentilmente a minha nuca, com sua mão entre os fios vermelhos de meu cabelo. Eu já não sabia como nem porque uma conversa sobre ele havia resultado nisso. Mas o fato era que essa história havia despertado muitas emoções em mim e feito com que eu repensasse minha situação. Eu chorava por tudo e, ao mesmo tempo, por nada. Chorava por mim e por ele, por toda a dor que ele deve ter passado e por toda a minha dor e frustração. Chorava pelo meu passado, pela falta dele. E, sobretudo, chorava pela certeza de um futuro incerto.



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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado. Espero sua opinião.
Te vejo no próximo capítulo ;*



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