Sombras sobre Sinéad escrita por Dani


Capítulo 25
Máscara




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/138977/chapter/25

Sentia tontura e náuseas quando olhava para baixo e avistava aquele cadáver muito semelhante a um brinquedo quebrado. Meu estômago revirava-se, então, decidi não observar mais naquela direção. A fraqueza e a vertigem ainda dominavam meu corpo quase desequilibrei e sofri a mesma queda de meu irmão. Apoiei-me nas paredes de concreto e com muita dificuldade, consegui descer até o piso. Comecei a escutar ruídos de sirene, pertencente aos veículos de polícia aproximando-se cada vez mais. Eu precisava deixar aquele local antes que os policiais alcançassem a construção. O círculo de chamas, o qual cercava o lugar e impedia a minha passagem, havia sido desfeito quando Ares entrou em contato com o chão.

      Não esperei mais nenhum segundo antes de escapar daquele local. Corri pela floresta, mas não aguentei o ritmo por muito tempo, a fraqueza impunha novos limites ao meu corpo, impedindo-me de prosseguir. Eu sentia tremores percorrerem todas as minhas células, a minha visão turva e meus joelhos fraquejando. Eu havia assassinado uma pessoa, com as minhas próprias mãos, sujara meu caminho com sangue vermelho e viscoso. A morte rodeava-me, obscurecendo minha visão e retirando a vitalidade de meu corpo.

      Era terrível ter de pensar que eu tirara a vida de uma pessoa, seja qual for, seja quantos ele tenha assassinado, eu tornei-me como ele e manchei meu caminho. Carregaria aquele peso por toda a minha vida. Já não bastava ter de participar daquele jogo doentio, agora ser assombrado pela maldição do assassinato de uma pessoa, divergindo com todos os meus ideais. O peso do qual eu estava carregando subjugava-me a condições precárias de minha mente (eu já disse que queria matar todos os que maltratavam animais, no entanto, em prática, eu jamais o faria). Sentia-me impuro, sujo de sangue, impuro. Queria purificar-me, apaziguar meu coração, pois a dor interna era muito superior aos meus ferimentos.

      Recostei-me a uma árvore, a cada instante, minhas forças exauriam-se. Meu nervosismo e desespero estavam crescentes em meu interior, fazendo com que meu impulso de gargalhar dominasse-me. Minhas risadas ecoavam ruidosas por entre as árvores. Eu atingira um estado de loucura do qual seria muito difícil sair. Tê-lo-ia assassinado por vingança? Não. Eu não sou uma pessoa vingativa, aquele sentimento era estupidez, pois organizar uma vida em função do rancor por alguma pessoa era perda de tempo. Além disso, matar fazia-me mais próximo das concepções de meus inimigos, violência não era a resposta, as palavras eram minhas armas.

      Assassinei naquele momento de vida ou morte, caso eu não o tivesse feito, quem teria sofrido a queda era eu. Meu egoísmo não me permitia não lutar pela sobrevivência, afinal, não fui eu quem procurou pela violência. Antes ele do que eu, era um pensamento muito egoísta, mas era o qual eu estava utilizando para acalmar minha mente, obtive um efeito imediato, pois eu sou, de fato, um egoísta. Se aquela era uma luta pela sobrevivência e não havia escapatória, eu irei tentar manter-me vivo. Minha consciência apaziguava-se pelo fato de eu não ter causado aquele combate corpo a corpo, tudo o que fiz fora apenas uma reação ao ocorrido.

      Com esses pensamentos individualistas e egoístas (não sou perfeito, distante desse conceito, jamais iria alcançá-la e também não o queria, pois a perfeição era tediosa, uma vez que, com ela, não teríamos mais como amadurecer e conquistar novos conhecimentos, perdendo o encanto da vida), pude diminuir meu desespero e nervosismo. Desse modo, também pude cessar meu excesso de gargalhadas ruidosas, mas não pude finalizar com minha dor física, a qual me assolava a cada instante. A pequena marca de queimadura em meu pulso ardia intensamente, meu corpo estremecia devido à falta de energia e o vento forte e cortante aumentava ainda mais essa sensação. Entretanto eu precisava retornar à morada de Raj o quanto antes.

      Posicionei-me em pé novamente, com muito esforço, no entanto, meus joelhos fraquejaram e quase me fizeram ceder. Tive de apoiar à árvore para não sofrer uma queda. Ao longe, avistei luzes em meio aos galhos, eram provocadas por lanternas que, possivelmente, pertenciam aos oficiais de polícia. Não poderia deixar que eles avistassem-me, pois, caso o fizesse, entregar-me-iam à minha mãe. Desse modo, tentei novamente posicionar-me e apressei-me, com dificuldade, cada vez mais à mata adentro. Em vários momentos, eu quase tropecei em galhos, o que quase resultou em minha queda. Prossegui em direção ao meu caminho e, a cada passo à frente, eu distanciava-me dos feixes de luz, até não conseguir mais avistá-la em meio às árvores. Mas isso não indicava que eu estava livre daqueles sujeitos, eles poderiam alcançar-me, desse modo, continuei com uma velocidade ainda maior, já estava sentindo-me um pouco mais resistente, como se minhas forças estivessem retornando ao meu corpo.

      Já estava próximo à morada de Raj quando, de repente, em meio aos arbustos, alguém surgiu e saltou sobre mim, o que resultou em minha queda, fazendo-me rolar pelo chão até bater com as costas no tronco grosso de uma árvore. Quando consegui abrir minhas pálpebras, percebi que Jan fora a pessoa quem me atacou e ele levantava-se, assim como eu. Limpei as folhas de minha roupa e observei-o com uma expressão irritada estampada em minha face.

      - Por que você fez isso?

      - Pensei que fosse um de nossos inimigos... – Ele encolheu os ombros. – Não era para você estar dentro do quarto? Como você está aqui? – Seus olhos arregalaram-se, surpresos. – Você sabe utilizar o teletransporte! Ensine-me, por favor?

      - Fique quieto, Jan! – reclamei. – Onde estão Raj, Ju, Judith e Loren?

      - Eles estão rodeando a casa. Tentamos encontrar nosso inimigo, mas não conseguimos obter êxito e... – Mas eu o interrompi.

      - Eu o encontrei... – comentei. – Mas vamos retornar, dentro da morada é mais seguro conversar a respeito desse assunto.

      Seguimos, em silêncio, pelo restante do caminho, o qual dava acesso à morada de Raj e, em questão de alguns minutos, alcançamos a residência e acomodamo-nos na sala para discutirmos a respeito do que ocorrera. Expliquei-lhes sobre a entrada do gato e como fui induzido a segui-lo, com a finalidade de descobrir a verdade. Também relatei minha chegada à construção e minha luta (detalhe, épica) com Ares, um dos filhos mais velhos de Yasuo e membro dos “Cinco”. Enquanto eu comentava os ocorridos daquela noite conturbada, todos os presentes escutavam atentamente as minhas palavras e apenas sentiram a liberdade de expressarem suas opiniões quando eu terminei.

      - Por esse motivo eu escutei os gritos de Yasuo ainda mais intensos atormentando minha mente – comentou Raj. – Faltam poucas “crianças” no mundo, nosso pai está cada vez mais próximo do retorno. – Ele fez uma pausa. – Jim Harris tirando a vida de alguém... É, os tempos estão mudados... – Ele sorriu sinicamente. – Nunca imaginei que você fosse capaz disso...

      - Nem eu... E não me orgulho do que fiz, mas já que aconteceu, não existe uma forma de retornar ao passado. Tive de fazê-lo, caso não o fizesse, eu é quem estaria esborrachado no chão de concreto.

      - Caso isso acontecesse, você poderia deixar seus olhos amarelos para mim, pelo menos?

      - Pode deixar, Jan, eu vou deixar meus olhos de herança para você em meu testamento. – Suspirei. – Bem, acho que vou retornar aos meus aposentos, estou extremamente cansado. Boa noite.

      - Boa noite – todos os presentes retribuíram.

      Após isso, rumei ao meu quarto. Percebi que Yuki estava acomodada em minha cama, roçando sua língua nas feridas feitas pelo gato dourado. Troquei-me e assentei-me ao lado de minha bichana. Acariciei seu pêlo macio e fiquei pensando que, no fim, acabei não descobrindo a verdade a respeito do felino reluzente, não alcancei meus objetivos e ainda caí em uma maldita armadilha. Pensei que se eu não tivesse sido tão curioso e estúpido, nada daquilo teria me ocorrido. No entanto, eu não poderia ficar lamentando-me, uma vez que era impossível modificar o passado, como ele, aprendíamos, mas não havia uma maneira de mudá-lo para corrigir equívocos.

      Abracei minha gata e permaneci um tempo escutando o silêncio e refletindo a respeito do ocorrido. A cada dia, a situação complicava-se ainda mais e eu era submetido a novas provações e desafios, dos quais eu teria de vencer ou perecer. Desejei Amber ao meu lado, queria sentir seus braços calorosos ao redor de meu corpo (tudo bem, também possuía sacanagem naquela vontade), entretanto ela também me reconfortava e apaziguava minha mente conturbada.

      Após isso, acomodei minha cabeça no travesseiro duro e puxei o cobertor até a altura de meu queixo. Tentei adormecer, mas com dificuldade, pois a imagem do cadáver de meu meio-irmão ainda conturbava minha mente e eu sabia que os acontecimentos daquela noite perturbariam meus sonhos.

Permaneci a noite inteira revirando-me em minha cama na tentativa de adormecer, no entanto, as imagens do ocorrido percorriam e assombravam minha mente, como se tudo estivesse acontecendo novamente diante de meus olhos. O fogo intenso, a fúria que senti naquele momento quando descobri que Ares assassinara Luke, Susie e muitos outros, a corrida, o combate, a queda e o corpo destroçado. As cenas não abandonavam minha consciência e ainda provocavam tremores e náuseas em mim.

      Senti Yuki ainda ao meu lado, abracei-a na tentativa de aliviar minha consciência ainda pesada. Permaneci naquela inércia, em silêncio, durante um tempo até começar a escutar uma cantoria vinda de fora de meus aposentos. Tive vontade de encontrar um local no qual eu pudesse permanecer distante de todos ao meu redor, apenas com a companhia de minha gata. Aquele dia estava terrivelmente irritante e minha vontade era de permanecer na cama até que aquele céu matinal tornar-se escuro, mas tive de levantar-me, pois a queimadura em meu pulso ainda sofria com a ardência, então, rumei à cozinha e peguei uma pomada (Raj vivia em confusão, por isso, era sensato e possuía alguns medicamentos, pelo menos aqueles que suas condições poderiam fazer com que adquirisse), passando-a sobre meu ferimento com o intuito de aliviar a dor.

      Permaneci na cozinha com a finalidade de fazer o meu desjejum. Tentei fazer algumas torradas com os pães franceses que já estavam velhos e para diversificar a refeição matinal, mas elas acabaram mais queimadas ao que deveria (definitivamente, eu não possuía talento para a culinária, sou muito avoado e acabo esquecendo o que estava fazendo). Então, tive vontade de rumar a padaria a fim de comprar novos pães frescos, entretanto eu não poderia, pois retornar à Sinéad era arriscado demais. Percebi que havia um exemplar de um jornal daquele dia, o qual apresentava informações a respeito do súbito incêndio na construção, o qual surgira tão de repente quanto desapareceu. Também havia um relato a respeito da morte de Ares e discutiam sobre os motivos os quais ocasionaram sua morte. Se fora um suicídio ou homicídio.

      Como eu estava na ocasião, sabia a resposta para a pergunta do jornal. Após a matéria, havia também algumas discussões a respeito do índice crescente de suicídio entre jovens, até mesmo as mortes indiretas como a anorexia. Eu também já havia pensado em acabar com a própria vida em meu momento de maior fraqueza. Muitos desses ocorridos, podem, talvez, serem explicados pela pressão da sociedade opressora, na qual o fracasso na competição é quase que abominável, faltando forças por parte dos jovens para reagir. São diversos fatores que podem justificar esses tristes ocorridos, mas a pressão é uma delas.

       Meu desjejum foi composto de café velho e torradas queimadas, mas eu não poderia reclamar, pois eu quem havia escolhido aquela vida. Alimentando-me, pensei em como aquele jornal parara ali, afinal o entregador não sabia da existência da morada de Raj e, mesmo que soubesse, jamais entraria em uma floresta para concluir seu serviço. Logo, concluí que alguém fora à Sinéad e comprou o documentário. Não me importava quem.

      Desejava dormir, eu detestava despertar muito cedo devido a algum fator. Na noite anterior, eu não conseguira descansar nem por um instante, permaneci inquieto, revirando-me de um lado ao outro, tentando encontrar uma posição mais adequada para concluir tal façanha, no entanto, nada ajudou. Minha mente conturbada não para de visualizar as cenas do ocorrido, deixando-me ainda mais inquieto.

      Fiquei pensando também o motivo pelo qual Ares não matara utilizando suas chamas ou simplesmente me sequestrado. No entanto, eu pensei que aquele meu meio-irmão era um caçador e, caso ele utilizasse artimanhas, ele não obteria os méritos como desejava. Ares gostava de sentir a emoção de vencer, de caçar e acabar com suas presas em um emocionante confronto. Mentes psicóticas, das quais, estranhamente, eu conseguia interpretar.

      Após terminar meu desjejum, rumei ao meu quarto e voltei a deitar em minha cama na tentativa de adormecer pelo menos por algum momento. Mas não consegui, além disso, permaneci escutando a música irritante cantada por Jan, a qual parecia uma canção infantil. Então decidi cantarolar também, no entanto, músicas boas. Relembrei de uma melodia de uma banda brasileira, a qual meu tio Graco (ele é brasileiro) aprecia muito e mostrou-me. Acabei gostando também e a letra assemelhava-se à uma poesia.

      “Parece cocaína
      Mas é só tristeza
      Talvez tua cidade
      Muitos temores nascem
      Do cansaço e da solidão
      Descompasso, desperdício
      Herdeiros são agora
      Da virtude que perdemos...

      Há tempos tive um sonho
      Não me lembro, não me lembro...

      Tua tristeza é tão exata
      E hoje o dia é tão bonito
      Já estamos acostumados
      A não termos mais nem isso...

      Os sonhos vêm e os sonhos vão
      E o resto é imperfeito...

      Dissestes que se tua voz
      Tivesse força igual
      À imensa dor que sentes
      Teu grito acordaria
      Não só a tua casa
      Mas a vizinhança inteira...

      E há tempos
      Nem os santos têm ao certo
      A medida da maldade
      E há tempos são os jovens
      Que adoecem
      E há tempos
      O encanto está ausente
      E há ferrugem nos sorrisos
      Só o acaso estende os braços
      A quem procura
      Abrigo e proteção...

      Meu amor!
      Disciplina é liberdade
      Compaixão é fortaleza
      Ter bondade é ter coragem (Ela disse)
      Lá em casa tem um poço
      Mas a água é muito limpa...

Acho que essa música expressa bem os meus sentimentos neste momento e também com relação ao mundo. Tudo está ficando doente e perdendo o sentido, os valores estão sendo invertidos e as pessoas ganham concepções de que devem tirar proveito sobre as outras. Vamos perdendo o sentido de viver em sociedade ou, talvez, nunca o tivemos. Em meio a tudo o que ocorre, eu já não me surpreendo com nenhuma ação humana de degradação. Vemos destruição, mortes, caos, decadência e miséria por toda parte, além disso, a cada instante, mais jovens são levados pela corrupção da essência da virtude e a sociedade corrompe-se desde suas raízes.

      Raj possuía razão, eu quero carregar o peso do mundo em minhas costas, no entanto, esse fardo é muito maior do que aquele do qual eu consigo suportar, fazendo-me mergulhar na melancolia. Pessoas que se preocupam demais acabam ficando doentes, pois tentamos fazer nossa parte, mas, enquanto todos não estiverem cooperando juntos, nada irá mudar neste mundo degradado. Eu também não poderia considerar-me um virtuoso, sentia-me sujo, manchado de sangue. Matara meu irmão e, mesmo ele tendo feito o que fez, a morte não é a solução. Em momentos de fraqueza, eu já pensara em suicídio, entretanto eu tinha conhecimento de minha força e não desistiria de meus objetivos tão facilmente, poderia até fazê-lo algum dia, mas ele ainda estava distante, além disso, as águas superficiais são tão limpas e cristalinas que eu ficaria com a consciência pesada ao manchá-las com a minha carcaça imunda.

      Permaneci mais um tempo deitado em minha cama, permitindo minha mente vaguear por lugares talvez por ela inexplorados até escutar passos aproximando-se, fazendo-me retornar ao mundo concreto. Em questão de instantes, avistei Raj recostado à parede do quarto, segurando em suas mãos documentos, os quais pareciam bem antigos devido à cor bem amarelada. A expressão de meu irmão estava séria e ele parecia ter muito que dizer.

      - Veja isto. – Ele aproximou-se e depositou os documentos sobre a cama.

      Analisei-os cautelosamente e percebi que havia desenhos de objetos estranhos e de complexos símbolos que pareciam formar uma chama estavam estampados nas superfícies das folhas. O que mais chamara minha atenção foi a ilustração de uma máscara feita de madeira escura e adornada com pinturas de rúnicas em vermelho. Após visualizar os desenhos, voltei novamente minha atenção a Raj.

      - O que é isso? – perguntei.

      - Fruto das pesquisas dos falsos seguidores – respondeu Raj. – Segundo eles, necessitamos desses objetos para concluirmos o ritual e fazermos o desenho desse símbolo em vermelho no chão. Parece que tem mais detalhes ainda desconhecidos, no entanto, vamos focar, primeiramente, em conseguir os objetos. Alguns deles já foram encontrados na mansão de Sinéad.

      Observei novamente a ilustração da máscara e pensei que meu grande interesse por ela era devido à impressão de já tê-la avistado em algum lugar. Mas, por mais que minha mente esforçava-se a lembrar, eu não obtinha sucesso. Aquilo me irritava profundamente, pois economizaríamos tempo caso eu o fizesse.

      - Como vamos conseguir encontrar os objetos restantes? – indaguei. – Existe alguma pista?

      - Nossa posta é você e seus desenhos. Você terá de ajudar com suas habilidades, uma vez que é capaz de ilustrar locais os quais podem conter informações valiosas. Bem, acho que vou deixá-lo trabalhar agora, enquanto eu fico a toa. – Após isso, Raj retirou-se do aposento.

      Anui. No entanto, eu permaneci um tempo tentando imaginar como faria os desenhos. Eu não escolhia o momento certo de fazê-los, era quase que inconscientemente, o que poderia demorar bastante. Entretanto, não custava nada tentar.

      Rumei até a minha pasta de desenho e retirei algumas folhas em branco e assentei-me na cama. Peguei também o lápis e borracha e comecei a criar os primeiros traços na superfície do papel. Permaneci por um momento até terminar meu desenho, uma casa comum, semelhante ao estilo das moradas de Sinéad, no entanto, aquela me parecia uma residência específica, na qual eu já estive, mas não me recordava.

      Dei de ombros e utilizei a próxima folha para fazer outros traços. Demorei um tempo a mais para finalizar meu desenho, uma espécie de calabouço, sinistro, com paredes de pedras e tochas que serviam como iluminação local. Permaneci alguns minutos analisando minhas ilustrações, tentando identificar qual o significado que elas transmitiam. Após isso, voltei meu olhar à máscara para tentar recordar onde eu a havia avistado. Então, observando todas aquelas imagens, consegui relembrar onde eu visualizei o objeto. Há muito tempo, eu fui a uma feira de garagem e conheci a avó de Amber, Rosemary e seus estranhos itens à venda, dentre eles estava a mesma máscara estampada naquele documento. Se eu tivesse sorte, Rosemary ainda não vendera o antigo objeto.

      Após minha descoberta, rumei até Raj e relatei as novas informações. Ele concordou comigo e disse para que eu procurasse saber se Rosemary ainda possuía o objeto. Peguei emprestado o celular de Julia com o intuito de entrar em contato com Amber. Ela disse que poderia conseguir algum tempo para vir à morada de Raj conversar a respeito. Agora, o que restava era esperar.

Quando Amber chegou, fui cumprimentá-la com um abraço e um beijo. Minha namorada estava com os longos fios ruivos presos a um rabo de cavalo expondo as belas maçãs de seu rosto delicado. Ela trajava um casaco muito resistente ao frio, calça jeans e botas. Seus olhos esmeralda fitaram-me com curiosidade.

      - Preciso que você veja uma ilustração – disse a ela.

      Amber anuiu.

      Rumei até meu quarto e recolhi a ilustração da máscara, retornei à sala com o intuito de apresentá-la a imagem.

      - Descobri que existe um ritual, do qual podemos utilizar com a finalidade de selar Yasuo nas profundezas mais obscuras, desse modo, talvez estivéssemos resolvendo o nosso problema – expliquei à minha namorada. – Para concretizarmos os ritos, necessitamos desses objetos e alguns deles foram encontrados na manhã de Sinéad. Essa máscara é um dos itens e acredito que já o tenha avistado com a sua avó.

      Amber analisou as ilustrações e novamente voltou seu olhar, encontrando-o com o meu.

      - Minha avó possuiu essa máscara, mas, certo dia, uma mulher apareceu na casa dela, disse ser uma colecionadora e acabou comprando alguns dos itens, dentre eles estava a máscara – disse Amber. – Se ainda estivesse com minha avó, eu poderia pegá-la para você...

      - Você não tem ideia de onde essa mulher mora? – perguntei.

      - Parece que é próxima à mansão de Sinéad – respondeu ela.

      - Como vamos conseguir a máscara desse jeito? – quis saber Raj. – Roubando? Eu quero terminar com essa loucura logo para ter paz novamente em minha casa...

      - Vamos à luta! – bradou Jan, animado. – Entrar na morada da mulher e pegar o que é nosso por direito, yeah!

      - Fique quieto, Jan – exigiu Julia.

      - Não podemos cometer um furto – comentei. – Vamos inventar alguma história da qual poderemos utilizar para fazer com que a mulher entregue a máscara voluntariamente.

      - Histórias... Eu gosto de histórias! – Jan continuou com sua empolgação.

      Todos observavam-me naquele momento, esperando que eu tivesse uma ideia brilhante de história, mas eu não possuía. Não fazia ideia de qual desculpa poderia utilizar. Pensei por mais algum tempo, talvez se eu utilizasse aquele documento para “comprovar” que a máscara “pertencia-me”, como uma herança de família, a qual se perdeu durante anos, entretanto eu estava disposto a recuperá-la. Meu argumento ganhará forças com provas concretas e acho que os documentos iriam servir para isso.

      Expliquei meu argumento a todos ao meu redor, fazendo-os concordar com a minha ideia, uma vez que ninguém possuía uma melhor (Jan, ainda empolgado, considerava tudo como se fosse uma brincadeira). No entanto, havia um problema naquele plano: quem iria convencer a mulher de entregar-nos o item? Eu não poderia aparecer na cidade, pois eu estava sendo procurado por minha mãe e, provavelmente, todos na cidade deveriam estar sabendo a respeito. Eu não poderia simplesmente aparecer diante das pessoas. Relatei sobre essa questão com os outros presentes, o que gerou mais discussões a respeito do assunto.

      - Você lida bem com as palavras, Jim – disse Raj. – Seria bom se você pudesse encarregar-se dessa função.

      - Eu sei, no entanto, eu penso que, por eu estar sendo procurado, logo que a mulher avistar-me, ela vai entregar-me à minha mãe.

      - Então vamos ter de escolher outra pessoa para cumprir o serviço. O que acham de Julia ou Judith? – perguntou Raj. – As duas são mais simpáticas.

      - Sim. Acho que todos deveriam ir, pois, a cada instante, eu penso que necessitamos de mais segurança, não podemos deixá-las sozinhas, pode acontecer alguma coisa. Nossos inimigos estão fazendo mais ataques diretos – disse, temendo novos confrontos e suas consequências. – Vamos utilizar os veículos de Joseph e Taylor e permaneceremos atentamente à espreita, enquanto as garotas tentam conseguir a máscara.

      Todos os presentes assumiram uma expressão pensativa e permaneceram ali por um momento, até concordarem com a minha ideia. Provavelmente iríamos prosseguir com o plano durante a tarde daquele dia. Após termos decidido o nosso próximo passo, puxei Amber para perto de mim, fazendo-a mover-se graciosamente e caminhei com ela em meus braços até os aposentos. Beijei seus lábios e contornei seu pescoço, mas senti-a hesitar.

      - Desculpe, Jim, hoje não tem como... Eu preciso retornar à minha morada, porque meu pai tem reclamado, alegando que eu não estou estudando.

      - Tudo bem, então depois continuamos com nossos anseios e carícias.

      Amber anuiu.

      Minha namorada e eu rumamos até a saída da casa e seguimos pela floresta, enquanto cantarolávamos juntos a canção “Brain Damage” da banda Pink Floyd. Não demoramos muito (já havíamos nos acostumado com aquelas árvores). Quando chegamos à entrada da cidade, abracei Amber fortemente, beijei-a e, então disse:

      - Deseje-me sorte. Se tudo der certo, logo poderei retornar à minha antiga vida.

      - Claro. – Ela fez uma pausa. – Jim, perdão por não poder ir contigo, bem, você sabe como é meu pai...

      - Não é necessário desculpar-se – respondi -, eu entendo. Além disso, não gostaria que você se arriscasse tanto... Você já me ajuda ao seu modo.

      - Ah, antes que esqueçamos, guarde bem esse endereço. – Ela contou-me como localizar a residência da mulher. Minha namorada também me revelou o nome da mulher, Dorah. Até mais, meu gatinho. – Beijou-me.

      Permaneci observando-a afastar-se até sua bela silhueta desaparecer. Após isso, eu rumei na direção contrária, pela floresta, até a morada de Raj. Quando cheguei, caminhei aos meus aposentos, sem parar em nenhum outro e deitei-me pesadamente na cama, fazendo-a ranger. Tentei adormecer e, pela primeira vez naquele dia, minha mente estava leve e tranquila (efeito da presença apaziguadora de Amber), permitindo que minhas pálpebras pesadas fechassem-se e fazendo-me viajar ao mundo de meu subconsciente.

Despertei com alguém sacudindo meus ombros e gritando para que eu logo levantasse. Quando abri os olhos, percebi que a pessoa a qual me acordava era Jan.

      - Raj pediu para acordá-lo – disse ele. – Estamos partindo!

      - Sim, mas não precisava chacoalhar meus ombros... – respondi. – Bem, vou trocar-me e já estarei pronto.

      Jan deixou o quarto sem dizer uma palavra e fechou a porta atrás de si. Retirei uma calça jeans, camisa e um casaco preto de minha mala e troquei-me, calcei meus tênis e deixei o local. Todos já estavam preparados, então, sem mais delongas, não nos demoramos na morada. Havia dois carros estacionados próximo à residência, pertenciam a Joseph e Taylor, dos quais nós quais nós utilizaríamos para chegar à residência de Dorah. Acomodamo-nos automóveis, Raj, Julia e eu ocupamos o assento traseiro, enquanto Jan posicionou-se no carona do veículo de Taylor. Os outros se acomodaram no carro de Joseph. Desse modo, pudemos seguir pela estrada de terra em meio à floresta e pelas avenidas da pequena cidade. Não demoramos muito para chegarmos ao endereço indicado por Amber. Este se encontrava algumas casas da mansão de Sinéad.

      Estacionamos a frente da residência e, por esse motivo, pude visualizá-la pela janela lateral. Era uma casa de estrutura antiga, as janelas grandes e feitas de madeira escura, assim como aporta. Havia um pequeno lance de escadas, o qual dava acesso à entrada. Um extenso jardim, composto por poucas flores, tinha de ser atravessado antes de adentrarmos na morada. Julia e Judith desceram do veículo, carregando os documentos. Aproximaram-se do portão, enferrujado, de entrada e procuraram por alguma campainha, mas perceberam que não havia e que o portal estava entreaberto. Desse modo, não se fizeram de rogadas, adentraram.

      Pela janela, conseguíamos avistá-las atravessando o jardim de entrada e alcançarem à porta. Permanecemos observando, enquanto eu explicava sobre arquitetura a Raj, Taylor e Jan (apesar de que este último não parecia estar escutando, ele apenas cantarolava e, às vezes, gargalhava histericamente), mas minhas explicações não duraram por muito tempo, pois quando começou a tocar “Californication” da banda Red Hot Chili Peppers, eu encerrei minha fala e comecei a cantar, imitando uma guitarra imaginária. Raj juntou-se a mim, também fingindo que estava tocando o instrumento de cordas e Jan empolgou-se na bateria.

      “Psychic spies from China
      Try to steal your mind's elation
      Little girls from Sweden
      Dream of silver screen quotations
      And if you want these kind of dreams
      It's Californication

      It's the edge of the world
      And all of western civilization
      The sun may rise in the East
      At least it settles in the final location
      It's understood that Hollywood
      sells Californication

      Pay your surgeon very well
      To break the spell of aging
      Celebrity skin is this your chin
      Or is that war your waging

      First born unicorn
      Hard core soft porn
      Dream of Californication
      Dream of Californication

      Marry me girl be my fairy to the world
      Be my very own constellation
      A teenage bride with a baby inside
      Getting high on information
      And buy me a star on the boulevard
      It's Californication

      Space may be the final frontier
      But it's made in a Hollywood basement
      Cobain can you hear the spheres
      Singing songs off station to station
      And Alderaan's not far away
      It's Californication

      Born and raised by those who praise
      Control of population, everybody's been there and
      I don't mean on vacation

      First born unicorn
      Hard core soft porn
      Dream of Californication
      Dream of Californication
      Dream of Californication
      Dream of Californication

      Destruction leads to a very rough road
      But it also breeds creation
      And earthquakes are to a girl's guitar
      They're just another good vibration
      And tidal waves couldn't save the world
      From Californication

      Pay your surgeon very well
      To break the spell of aging
      Sicker than the rest
      There is no test
      But this is what you're craving

      First born unicorn
      Hard core soft porn
      Dream of Californication
      Dream of Californication
      Dream of Californication
      Dream of Californication”

Essa canção possuía uma letra fantástica a respeito de como os grandes centros, no caso, a Califórnia, vendia suas concepções para a população. Os sonhos e os valores não são formados pelas pessoas, mas eles são vendidos através da mídia. Infelizmente, as concepções modificavam-se de acordo com que os grandes centros desejavam e não pelas próprias experiências e do aprendizado de muitos. Mas meus pensamentos foram interrompidos quando avistei as garotas retornarem. Ao aproximarem-se, escutei a voz de Julia ecoar:

      - Parece não haver ninguém na casa, mas a porta está entreaberta. O que devemos fazer?

      Pensei por um momento. Fiquei tentado a adentrar na casa e surrupiar a máscara (minha mente obscurecendo-se), afinal, era por um bom motivo: encerrar com esse jogo doentio entre irmãos. Porém será muito arriscado, a mulher pode retornar à sua residência, enquanto roubamos o antigo objeto (não seria nada bom). No entanto, antes que eu pudesse atribuir uma resposta à pergunta de Julia, avistei Jan, Raj e Taylor saírem do carro e caminharem a passos largos até a morada.

      - O que vocês estão fazendo? – indaguei.

      - Vamos entrar – respondeu Raj e continuou em direção à casa de Dorah.

      Tentei impedi-los utilizando as palavras, mas não obtive o êxito esperado. Então, observei ao redor e percebi que a avenida estava completamente deserta, desse modo, pude descer do veículo (também não sabia o motivo pelo qual eu fizera isso, entretanto eu estava sentindo-me estranho, atraído a adentrar na casa). Segui meus irmãos e o falso seguidor, adentramos no recinto. O primeiro cômodo era uma sala simples e com pouca decoração. Havia poltronas no meio do ambiente, uma mesa de centro com alguns adornos depositados em sua superfície de vidro e um vaso de plantas a um canto, próximo à porta. Em primeiro momento, eu não avistei a máscara.

      - Nós não estamos agindo sabiamente... – murmurei.

      - Eu sei, mas senti uma súbita vontade incontrolável de adentrar aqui – respondeu Raj ao mesmo tom.

      - É uma armadilha, Raj, precisamos sair daqui, mas eu não consigo, eu não consigo querer sair daqui. Eu também estou com essa súbita vontade de explorá-la.

      - Agora que já estamos aqui, vamos encontrar a máscara – sugeriu Taylor.

      Anuímos e prosseguimos com o objetivo de encontrar a máscara, tomando cuidado para não desarrumarmos nada e não deixar explícito que estivemos aqui. Os outros recintos estavam pouco iluminados, o que dificultou nossa busca. Separamo-nos para agirmos mais rápido, eu caminhei até o segundo andar da casa, adentrando em um quarto também simples, com apenas uma cama de solteiro e um armário de madeira. Em certo momento, as luzes apagaram-se, deixando o local parecido com um breu. Ótimo horário para faltar luz, pensei, irritado. Chamei por Raj, Jan e Taylor, entretanto não obtive resposta (eles estavam em outros recintos, mas acho que seria possível escutar minha voz).

      Escutei um estalo ruidoso e um grito, mas não pude identificar a quem pertencia, o que me deixou ainda mais nervoso naquele ambiente tenebroso. Comecei a tatear ao redor tentando procurar algum apoio, o qual pudesse guiar-me em meio àquela escuridão. O jeito era esperar a luz voltar, pois eu não conseguia enxergar nada ao meu redor, muito menos, encontrar meu caminho.

      Comecei a escutar leves passos aproximando-se, no entanto, eu não conseguia identificar por qual direção eles vinham. Então, senti mãos pressionarem contra minha boca e meu nariz. Senti um cheiro muito forte, deixando-me tonto e nauseado a cada momento que o odor penetrava minhas narinas. Não demorou muito para que o efeito daquela droga fizesse-me imergir na escuridão.

Quando despertei, percebi que estava em uma espécie de prisão, com grosas barras de ferro impedindo minha fuga. As paredes eram compostas por resistentes pedras negras e as tochas contribuíam (mesmo que pouco) com a iluminação local. A tenebrosidade daquele lugar fazia-me recordar meu último desenho e percebi que se tratavam do mesmo calabouço.

      Tentei recordar o que acontecera antes de imergir na escuridão, mas minha cabeça sofria com uma terrível dor e, sempre quando me esforçava, esta se tornava mais intensa. Queria gritar, fugir daquele lugar tenebroso, odiava permanecer atrás das grades como se tivessem cortado minhas asas.

      O silêncio foi quebrado pelo ruído de passos, o qual ecoava pela parede de pedras negras. Em questão de instantes, um homem alto, trajando a túnica negra com os complexos símbolos em vermelho, os quais formavam uma chama, apareceu diante da prisão. Ele utilizava a máscara de madeira escura, a mesma que eu estava à procura, mas ele logo a retirou, expondo seu rosto. Apesar da pouca iluminação concebida pelas tochas, eu consegui avistar as feições angulosas do sujeito. Seu cabelo era curto, um pouco arrepiado e castanho da mesma cor de seus olhos pequenos e levemente puxados. Ele trazia em seus lábios finos um sorriso irônico.

      O gato dourado apareceu ao lado do homem e assentou-se graciosamente. O homem acariciou-o enquanto me observava atentamente. Após um momento, ele disse com sua tranquila voz:

      - Bem vindo, Jim Harris. – Fez uma reverência. – Deixe-me apresentar-me: sou Balthor, o filho mais velho de Yasuo e líder dos “Cinco”.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sombras sobre Sinéad" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.