Sombras sobre Sinéad escrita por Dani


Capítulo 18
Dezoito


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo ficou grande...
Espero que não chorem... Huhahahaah!
Ah, um comentário: eu mudei o nome da ex-namorada do Jim (se é que alguém lembra disso quando ele comenta lá nos primeiros capítulos sobre ela), antigamente era Jéssica, agora é Dayane.
Espero que gostem! ^^
Boa leitura a todos!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/138977/chapter/18

Estava quente, insuportavelmente quente e, no entanto, meu corpo tremia. Tudo estava sendo destruído pela supremacia do fogo, o qual se tornava cada vez maior e mais imponente, consumindo tudo ao seu redor: tábuas velhas, móveis, papéis e... pessoas. Eu conseguia escutar seus gritos de sofrimento enquanto a carne queimava, exalando um odor que me causava náuseas. Por que tinha de ser assim? Por que eu não podia fazer nada para ajudá-los? Por que não acontecia o mesmo ao meu corpo? As perguntas flutuavam em minha mente, mas elas não pareciam fazer sentido, afinal, quanto mais eu procurava por algum significado, mais agastado eu estava.

      Que lugar era aquele? Por que eu estava ali? Certamente essas perguntas também não faziam sentido, uma vez que elas não me ajudariam a alcançar minha prioridade: parar de escutar os gritos de sofrimento. Então pensei em como nossos objetivos influenciavam no significado que atribuímos às coisas. Os questionamentos dos quais fiz anteriormente apresentam um teor de importância a qualquer pessoa comum a qual estivesse em meu lugar, contudo, não a mim, pelo menos, não naquele momento, pois o que eu realmente desejo é parar de escutar as vozes angustiadas, o que não tem relação direta com minhas indagações, logo, elas perdiam parte de seu sentido (eu sei, é uma loucura!).

      Então, algo mais importante apareceu em minha mente como um objetivo: eu precisava encontrar Luke, sabia que ele estava aqui. Comecei a procurar em meio aos escombros, o fogo não me queimava, no entanto, eu era capaz de sentir seu calor intenso, toda aquela energia caótica e destruidora. Meu amigo não estava naquele cômodo, desse modo, prossegui aos próximos. Até encontrar seu corpo caído em meio às chamas e, ao mesmo tempo, ele estava em pé ao lado do próprio corpo.

      - Luke, venha! – chamei. – Antes que o local seja destruído.

      Ele meneou a cabeça negativamente.

      - Eu pelo menos tentei, Jim.

      - Vamos, Luke!

      - Estou cansado, Jim. Está na hora de dormir, certo?

      - Não, não está. Está na hora de sairmos daqui.

      - Eu não consigo mais, eu pertenço a este lugar – disse ele. – Você foi um grande amigo, obrigado por tudo.

      - Luke... – Tentei dizer, mas minha voz soava cada vez mais fraca e falha.

      - Adeus.

      A última fala de Luke ecoou por todo o ambiente, causando-me tremores. Seu corpo estava sendo consumido pelas chamas enquanto eu tentava alcançá-lo e tirá-lo dali. No entanto, a cada passo que eu dava, ele parecia distanciar-se mais. Quanto mais eu tentava, mais ele parecia inalcançável.

      - Não, Luke! – bradei, contudo minha voz parecia não sair de minha garganta.

      Recordações minhas das quais Luke fazia-se presente apareceram como quadros, pinturas ao meu redor e rapidamente foram atingidas pelas chamas, consumidas até restar apenas as cinzas daquilo que um dia existiu.

Acordei assustado em um local desconhecido. Uma luz fraca e branca era responsável pela iluminação ambiente. Observei ao redor: o recinto não era espaçoso, as paredes todas brancas, havia uma pequena televisão, a cama na qual eu estava deitado e havia dormido de forma desconfortável. Provavelmente eu estava em um quarto de hospital. Minha mãe cochilava em um sofá velho.

      Recordei meu estranho sonho e senti um tremor percorrer meu corpo. Luke... O que aconteceu a ele? Lágrimas involuntárias rolaram pelo meu rosto, demonstrando que os pensamentos ruins dominaram minha mente. No entanto, tentei afastá-los e imaginar o melhor. Meu amigo provavelmente estava em um dos quartos deste hospital, recuperando-se. Eu precisava saber se ele estava.

      Sentia-me sufocar e uma pontada de dor vinda de meu interior atravessar meu corpo, fazendo com que a queda das lágrimas aumentasse sua frequência. Então comecei a gargalhar insanamente. Ria e chorava ao mesmo tempo naquele momento de angústia. Minha mãe despertou assustada devido ao ruído.

      - Meu filho, o que houve? – Ela aproximou-se e abraçou-me. – Você está bem? Que bom que acordou.

      Não a respondi de imediato. Minha mente estava confusa, perguntas conturbavam-na, mas minha prioridade era saber de Luke.

      - Mãe, eu estou bem. – Minha voz soou fraca. – Eu preciso ir ver o Luke, ele está aqui, não está?

      Dona Marisa não respondeu, mas eu não me importei. Levantei-me de onde eu estava deitado e já rumava até a porta. Minha mãe apressou-se em segurar minhas mãos tentando impedir-me.

      - Meu filho, seu amigo não está aqui... Ele... – Ela hesitou. – Ele está em um lugar melhor agora...

      - Não! Ele está aqui... Ele tem de estar! – Senti as lágrimas percorrerem meu rosto e meu corpo fragilizado. – Ele tem de estar, eu vou encontrá-lo.

      Minha mãe não disse nada, apenas envolveu-me em seus braços calorosos, permaneceu em silêncio durante todo o tempo do qual ficou escutando meu pranto, minha angústia. Por mais que eu negasse, quisesse negar, eu não podia deixar de encarar a verdade diante de mim. Eu sabia, eu pressentia que ele já não estava mais diante de nós, afinal, disse-me adeus.

      Mais tarde, durante aquela noite, descobri que Luke morrera intoxicado e seu corpo fora encontrado intacto no prédio. Nenhuma pessoa sobreviveu ao acidente, pois o fogo alastrou-se espantosamente rápido, sendo considerada uma grande catástrofe, a qual resultou na destruição de todo o edifício. Nos jornais, a palavra acidente aparecia com frequência, no entanto, a palavra atentado flutuava em minha mente, fazendo minha raiva e angústia aumentarem ainda mais.

      Não conseguia deixar de culpar-me. Eu deveria tê-lo impedido, caso o tivesse feito, Luke ainda estaria entre nós. Como iria encarar David e Jon? E Jenny? Os dois começaram a namorar há pouco tempo e estavam muito felizes com isso, no entanto, aquela tragédia acabou com tudo! Não era capaz de conformar-me, Luke possuía uma vida pela frente. Sua morte deixou um vazio insubstituível, ele era meu melhor amigo e minhas recordações não me farão esquecê-lo. Ele não está mais entre nós, mas será eterno em minhas memórias como um grande companheiro.

      Durante toda aquela noite, permaneci com todos aqueles pensamentos em minha mente, atormentando-me, causando-me sofrimento e não permitindo meu descanso.

Aquela manhã estava tão sombria quanto eu sentia-me por dentro. O despertador tocou, mas eu não queria levantar-me. Minha disposição abandonara-me assim como meu humor. Fiquei dois dias sem comparecer às aulas, no entanto, minha mãe não me deixaria faltar um terceiro. Levantei-me mal humorado e arrumei-me lentamente. Lisa viera bater à minha porta.

      - Você vem ou não? – perguntou. – Estamos atrasados!

      - Pode ir à frente – resmunguei.

      Escutei-a afastar-se e suspirei, aliviado.

      Permaneci por mais algum tempo naquele local com o meu próprio silêncio. Eu ainda não possuía forças para encarar as pessoas ao meu redor, eu tinha medo e queria fugir de todos, embora soubesse que um dia eu teria de enfrentá-los. Hoje também será o enterro de meu amigo, do qual eu não poderia faltar, nem que eu tivesse de esconder-me das pessoas, eu irei até lá a qualquer custo.

      Levantei-me do local onde estava assentado e rumei, desanimado, até a rua. Desejava evitar qualquer olhar, pois, a cada um, eu imaginava que estavam condenando-me (estava ficando cada vez mais paranóico). Continuei caminhando lentamente pelas calçadas, sentindo o vento gélido que, naquele momento, ele não era capaz de tranquilizar-me, eu mal escutava seus sábios sussurros.

      Parei em uma esquina entre a rua do colégio e outra qualquer. Permaneci observando o edifício ao longe e analisando se seria sensato aparecer por lá (até porque era o último dia antes das férias). Então decidi perambular pela cidade ao invés de ir à aula. Fiquei por um bom tempo vagueando pelas avenidas, mas alheio a tudo ao meu redor, buscando um sentido em tudo aquilo, em tamanha violência. Por que as pessoas gostam tanto disso? Até hoje eu não consegui uma resposta digna para a pergunta, mesmo esta parecendo tão simplória.

      Estava próximo do mesmo gramado no qual fui refugiar-me após a morte de Phoebe quando escutei um miado conhecido. Virei-me e avistei minha pequena bola de pêlos diante de mim. Peguei-a no colo e levei-a comigo até aquele belo e tranquilo local.

      - Acho que você será minha melhor companheira neste momento.

      Assentei-me na grama e coloquei-a de volta ao chão, bem ao meu lado e ela tratou de acomodar-se em meu colo novamente, reconfortando-me.

      - O que eu devo fazer agora, Yuki? – perguntei. – Eu nunca pensei que as coisas fossem chegar a este ponto. Eu sinto um grande vazio dentro de mim, um sentimento de culpa e angústia. É torturante.

      Yuki miou.

      - Eu sei, eu preciso acabar com isso o quanto antes e evitar mais mortes. – Suspirei. – Eu estou cansado de tudo isso, devo afastar as pessoas, pois eu sou a tempestade, o caos.

      Minha gata ficou observando-me por um tempo sem fazer qualquer movimento ou ruído, pelo menos seu olhar não era de repreensão, o que me deixou aliviado. Permaneci naquele local a manhã inteira deitado no gramado com Yuki ao meu lado, mas nem assim eu consegui apaziguar meu coração. Esperei até o horário do enterro para rumar ao cemitério.

      Quando cheguei lá, a cerimônia já havia se iniciado. Mantive-me distante de todos, de modo que não fosse visto por ninguém, atrás de uma lápide grande. Fiquei escutando o choro dos mais íntimos, assim como suas palavras amigáveis de consolo. Senti um peso, uma dor em meu coração, no entanto, eu já não conseguia mais chorar, como se eu já tivesse derramado todas as minhas lágrimas.

      Esperei por um bom tempo até perceber que a cerimônia encerrar-se e que todas as pessoas fossem embora para aproximar-me do túmulo, analisei-o e li o que estava escrito:

                              Luke Callister

                              1993 – 2011

                       Eternamente nosso amor

Quando terminei de ler, escutei alguém se aproximando, voltei-me com o intuito de visualizar quem era e então percebi que a pessoa da qual eu menos gostaria de avistar estava diante de mim: Jennifer. Ela trajava um vestido simples e completamente negro, assim como seus sapatos. Seus olhos estavam vermelhos e inchados e seu rosto marcado por lágrimas.

      - Você não tem o direito de estar aqui... – Sua voz soou rouca.

      - Perdão...

      - Pedir perdão não irá trazê-lo de volta.

      - Eu sei, mas é a única coisa da qual eu posso fazer neste momento. É muito pouco comparado ao que aconteceu e nada que eu fizer recompensará os fatos – disse. – No entanto, posso tentar aliviá-los e permitir que Luke descanse em paz. – Fiz uma pausa para respirar, pois aquele assunto ainda sufocava-me. – Por isso, peço perdão e você não tem obrigação de aceitar, contudo, esse é o primeiro passo do qual eu posso dar.

      Jenny não respondeu, apenas fitou-me por um momento. Então percebi que lágrimas voltaram a rolar pelo seu rosto moreno. Observei-a esconder sua face com as mãos e afastar-se, antes de desaparecer de vista, chamei-a novamente e ela voltou a encarar-me.

      - Adeus – disse eu com um fio de voz.

      Ela assentiu, entendendo o sentido de minha mensagem, após isso, prosseguiu em seu caminho.

      Esperei Jenny desaparecer de vista para poder voltar a analisar a lápide de Luke. Assentei-me no chão e depositei Yuki ao meu lado.

      - Luke... – Minha voz ainda estava fraca, no entanto, isso não me impediu de falar. – Eu nem sei por onde começar, mas eu vou tentar, a qualquer custo, impedir que mais pessoas sejam vítimas. Eu sei que nada vai justificar o que aconteceu, entretanto, esse é o único modo do qual eu consigo pensar para aliviar sua dor.

      Não escutei resposta, o que me sufocou ainda mais e intensificou minha dor.

      - Queria você diante de mim neste momento para podermos ter boas conversas a respeito de livros, mangás, animes, seriados, política. Falarmos besteiras e rir, falar de sexo e garotas... – Não consegui continuar, a dor assolava-me. – Perdão, eu não consigo nem mais chorar...

      Levantei-me e peguei Yuki, segurando-a bem em meus braços.

      - Durma em paz, meu amigo. É o mínimo de tudo aquilo que você merece.

      O local estava completamente silencioso e desabitado, agradeci por isso pelo fato de não desejar ninguém me perturbando. Disse o que havia em minha mente a Luke, espero que ele tenha entendido a mensagem. Rumei até a saída do cemitério. Lancei um último olhar ao local, observando o estilo melancólico e gótico das esculturas de anjos entre outras que compunham a sombria decoração local.

      Passei pelo portão enferrujado e segui pelas avenidas, traçando meus planos em minha mente. Teria de fazer coisas muito difíceis, sentiria um grande peso em meu coração e a saudade quase me sufocará, no entanto, é a única coisa da qual eu possa executar neste momento. Prossegui com tais pensamentos tenebrosos, olhei para o céu e avistei nuvens escuras de chuva como um grande manto negro e então imaginei que se eu pudesse expor minhas reflexões ao mundo, aquela seria a representação perfeita.

      Eu estava tão alheio, perdido no labirinto de minha mente nebulosa que demorei um tempo para perceber que alguém estava chamando-me. Olhei ao redor e percebi que Amber estava próxima a mim.

      - Jim? – Ela insistiu.

      Meus olhos encontraram os dela, mas eu não utilizei nenhuma palavra. Então ela continuou.

      - Jimmy, você está bem? Por favor, fale comigo. Eu fiquei preocupada, sabia? Você não deve estar sentindo-se muito bem, ainda mais após o que aconteceu... – Ela hesitou. – Eu consegui tirá-lo de lá, mas, quanto ao seu amigo, eu não pude fazer nada. Eu sinto muito...

      Antes de respondê-la, analisei-a. Seus olhos possuíam um teor melancólico e preocupado e em suas mãos havia pequenas marcas de queimadura. Após isso, engoli em seco, certo de que aquilo é o que deveria fazer.

      - Você não me salvou, afinal, é uma inútil.

      Amber fitou-me espantada, provavelmente pensando se escutou certo.

      - Sim, é exatamente isso que você escutou: você é uma inútil. Eu só fiquei com você para aproveitar, agora já estou enjoado. Você só foi útil enquanto eu estava aproveitando-me, mas você não é excitante, enjoei-me rapidamente. Inútil, garota inútil! – Fiz uma pausa. – Suma daqui, menina, eu não preciso mais de você.

      Enquanto Amber escutava, ela evitava meu olhar gélido, desprovido de qualquer tipo de emoção.

      - Achou mesmo que eu sentia alguma coisa por você? – perguntei. – Além de tola e inútil, também é ingênua...

      Avistei lágrimas rolarem por seu rosto delicado, manchando-o e borrando a maquiagem preta da qual contornava seus olhos esmeralda. Ela não utilizou sua voz para responder-me, mas sim, sua mão: deu um passo à frente e acertou-me um tapa em meu rosto. Após isso, afastou-se, apressadamente, sem olhar para trás.

      Pela primeira vez, apreciei o fato de ela ter me acertado com um tapa em minha face, justamente por demonstrar-me que eu havia atingido meu objetivo. Perdão, Amber, mas isso foi necessário para mantê-la afastada de mim, fiz por gostar de você. Quanto mais longe ela estiver, mais segura estará, afinal, eu sou o caos. Caso eu fosse sincero, ela não iria querer cooperar e tentaria ajudar-me mesmo correndo riscos. Odiar-me será muito mais fácil para nós dois. Senti uma dor forte em meu interior, era terrível vê-la afastar-se daquela maneira, entretanto, isso não me impediu de prosseguir com meus planos.

Quando cheguei à minha morada, certifiquei-me em todos os cômodos de que não havia ninguém ali. Então coloquei Yuki acima de minha cama e prossegui com meus planos. Peguei uma grande mala e depositei vários objetos dos quais eu irei necessitar: roupas, dinheiro, sapatos, toalhas, escova de dente, entre outras coisas, inclusive meus livros. Após isso, peguei um pedaço de papel e escrevi uma carta simplória e deixei-a acima de um criado-mudo do quarto de minha mãe.

      Segui à cozinha com o intuito de suprir minha necessidade básica. Preparei um lanche rapidamente: queijo quente. Enquanto procurava por uma faca de cortar pão na gaveta, avistei uma bem afiada e pontiaguda, a qual me fez pensar como morrer é fácil e viver é difícil. Poderia acabar com todo este sofrimento neste momento, mas ficava imaginando se o caminho mais simples era o melhor a seguir. Havia muitas coisas das quais eu desejava fazer, objetivos que davam sentido à minha existência e que eu sempre busquei concluí-los, faziam-me refletir que ainda faltava muito tempo antes de entregar-me, enfim, ao descanso eterno.

      A vida sempre nos faz passar por muitos desafios, mas penso que este sofrimento é necessário, pois é com ele que crescemos, esforçamo-nos em busca de conseguir superá-los e, com isso, vamos criando novas concepções e descobrindo nossos potenciais. Eu sei que vou aprender muito com tudo isso se eu for capaz de vencer, eu gostava disso. Apreciava desafios, não me abatia com facilidade. Além disso, prometi ao meu amigo que irei tentar evitar mais mortes. Com isso, os pensamentos melancólicos e obscuros a respeito de suicídio abandonaram minha mente por completo.

      Terminei meu lanche com a consciência mais leve, quando eu conseguia traçar objetivos, tudo ficava mais fácil (pelo menos melhorava a minha situação) e centrado. Levantei-me do local onde estava, peguei minha mala da qual eu tive um pouco de dificuldade para carregá-la devido à quantidade de itens que eu depositei dentro dela. Peguei também a bolsa na qual eu guardo meu notebook e rumei à porta de entrada (neste caso será de saída).

      Quando estava abrindo a porta, Yuki apareceu diante de mim, miando. Abaixei-me e acariciei seu pêlo macio.

      - Mamãe e Lisa vão cuidar de você enquanto eu estiver fora. Bem, Lisa não gosta muito de animais, mas de você ela cuidará.

      Yuki miou novamente.

      - Sentirei saudades, minha bolinha.

      Abri a porta e percebi que Yuki permaneceu miando. Senti novamente um aperto no peito, mas não me impediu de prosseguir. Quando estava prestes a fechar a passagem, minha gata atravessou-a e posicionou-se ao meu lado.

      - Sinto muito, mas não posso levá-la, garota. É melhor entrar. – Esperei com a porta entreaberta, mas a gata não se moveu.

      Então pensei que Yuki talvez pudesse ser minha única companheira. Aonde quer que eu vá, ela me seguirá, imaginei em levá-la comigo, desse modo, abri a mala e fiz um sinal para ela entrar. A gata obedeceu, assim, eu fechei o zíper de modo que a bichana pudesse deixar a cabeça para fora.

      Sem perder mais tempo, rumei ao meu destino, apressadamente, e antes que algum conhecido perceba-me. Prossegui pelas avenidas até alcançar a tenebrosa floresta, já sentindo estar sendo observado e seguido, no entanto, desta vez tentei ignorar o incômodo, desse modo, foi mais fácil atravessá-la e chegar à casa de Raj. Aproximei-me da entrada e bati, impacientemente aguardando ser atendido logo.

      Escutei uma movimentação dentro da casa e esperei alguns minutos antes de Raj atender-me. Seu costumeiro olhar de curiosidade que aparecia sempre quando ele avistava-me já não se fazia presente, ao invés disso, sua expressão facial era de: “que porra é essa? Hoje eu não chamei esse fedelho aqui”. E foi exatamente o que ele disse:

      - Que porra é essa? Eu não o chamei aqui hoje...

      - Eu não preciso ser convidado para vir à casa de meu “querido” meio-irmão – disse com um sorriso torto estampado em meus lábios. – Bem, agora você terá de aguentar-me, uma vez que escolhi esta, a minha nova morada.

      - O quê? Por quê? Quando? Como? – surpreendeu-se Raj antes de digerir a informação. – Não! – bradou após entender.

      - Sinto muito, mas preciso de uma nova casa e esta é a sua, meu irmão. Logo, eu posso morar aqui também.

      - Por que está fazendo isso? – perguntou Raj.

      - Luke está morto e penso que as pessoas ao meu redor estão correndo perigo e, por isso, preciso afastá-las ou afastar-me delas – expliquei. – Você é a única pessoa que eu pude recorrer.

      - Ah, eu não corro perigo ao seu redor?

      - Suas chances de perigo não aumentam comigo ao seu lado, já que você está na mesma situação – respondi. – Agora, deixe-me entrar, está ficando frio, a mala está pesada e as nuvens dizem-me que logo irá chover.

      Raj deu de ombros.

      Adentrei na casa e depositei a mala a um canto do recinto e retirei Yuki de lá. Após isso, respirei fundo e recapitulei os acontecimentos para ter certeza de que cumpri tudo o que devia fazer. Então me concentrei nas perguntas as quais flutuavam e conturbavam minha mente.

      - Raj, onde você esteve quando ocorreu o incêndio? Precisávamos de você.

      - Eu estava procurando por nosso espião – respondeu. – Eu comecei a perseguir uma pista errada e fui demorar a perceber isso. Quando retornei, tudo já estava devastado.

      - Como assim?

      - Aquele primeiro dia, quando encontramos com seu amigo na floresta, começamos a escutar uma movimentação na moita. Comecei a suspeitar que se tratava de um espião. Então, no dia que fomos executar o plano, eu iniciei uma procura pelo espião e evitar qualquer atentado, mas eu segui uma pista falsa e não fui capaz de fazer nada.

      - Entendo...

     Fiquei imaginando que a morte de Susie, assim como a de Luke, foram ocasionadas pela a mesma pessoa, a qual eu acreditava ser um dos meus irmãos ou seguidores de Yasuo. Talvez os responsáveis de tudo isso sejam os “Cinco”, o que seriam? Jan comentou a respeito em nosso encontro efêmero (o que foi bom, pois ele iria matar-me). Será que Raj sabia a respeito? Comentei com ele, relatando o que acontecera.

      - Eu não sei nada a respeito, mas agora temos um norte. – Seus lábios esboçaram um sorriso. – Esse tal de Jan pode saber a respeito, prosseguirei com as investigações.

      - Ótimo – suspirei. – Agora me mostre meu quarto, estou exausto...

      - Acho que você está exigindo demais pensando que aqui é a casa da mãe Joana?

      - Pode ser qualquer quarto, apenas mostre-me. Eu não estou bem hoje.

      Acabei ficando com um quarto pequeno e simples. Havia uma cama, um armário velho e de madeira e um espelho quebrado. Uma janela dava acesso à visão da floresta e uma lâmpada velha presa ao teto era responsável pela iluminação local. Depositei minha mala próxima à cama e recostei-me à janela e permaneci um bom tempo apreciando a paisagem.

      A chuva fina caia, mas ela não durou muito, pois sua intensidade aumentara, tornando-se também mais ruidosa. Neste momento, pensei em todos: mamãe, Lisa, Amber e Luke. Gostaria de sentir os calorosos braços de dona Marisa envolvendo-me ou os de Amber, dizendo-me que o perigo passara e que eu poderia descansar finalmente eu poderia descansar, no entanto, minha realidade estava longe daquela. Observei o céu escuro por um momento e percebi como ele expressava exatamente a minha mente. As nuvens eram como minhas conturbações e suas gotas de chuva como as lágrimas das quais eu já não conseguia derramar, como se chorassem por mim. O ruído da precipitação e a melancolia foram reconfortantes para que eu adormecesse.

Após três dias vivendo naquela casa velha, meu aniversário de dezoito anos chegara. Durante aquele tempo, fiquei pentelhando a vida de Raj e Julia como aqueles sujeitos chatos de seriado que sempre se metiam onde não eram chamados (mentira!). Nesses dias eu permaneci quase o tempo todo dentro do quarto lendo e, de vez em quando, conversando com meu irmão e sua namorada. Ele contou-me a história desta morada, segundo ele, ela era a casa de campo de um homem bem antissocial e, certo dia, o sujeito sofreu um acidente de carro, então Raj apossou-se da residência, uma vez que ninguém sabia de sua existência.

      Raj também me contou como consegue dinheiro (não muito, mas para sobreviverem). Antigamente eles assaltavam, no entanto, isso começou a chamar a atenção, o que eles não desejavam, desse modo, Julia começou a fazer salgados e vendê-los na cidade. Enfim, eles conseguiam sobreviver apenas de estarem em meio àquela situação enquanto eu ainda não me acostumei com aquele tipo de vida. Tinha de dormir em uma cama dura que ficava rangendo, o que atrapalhava meu sono (isso quando não escutava “ruídos estranhos” vindos do quarto ao lado). A comida não era boa e tudo era das piores marcas, os biscoitos dos quais eu trouxera de casa (minha verdadeira) frequentemente desapareciam (acho que é a vingança de Raj). A água não esquentava muito, às vezes avistava Yuki alimentando-se de ratos e eu ainda tinha de ajudar Julia a fazer salgados (ficava com preguiça) entre uma série de outras coisas. Mas, no fim, eu não podia reclamar muito, afinal, eu escolhera aquilo e não desistiria enquanto não resolver minha vida.

      - Por que você terminou com sua namorada alguns dias antes de seu aniversário? – perguntou Raj assentando-se próximo a mim.

      - Porque ela estava correndo riscos de vida ao meu lado. Prefiro vê-la com outro a vê-la morta.

      - Mas por que não esperou passar seu aniversário?

      - Três dias são mais que o suficiente para matarem uma pessoa...

      Raj suspirou e disse:

      - Temos de agir rápido, pois já consigo escutá-lo.

      - Escutá-lo? – perguntei, confuso.

      - Refiro-me ao nosso pai. Consigo escutar seus gritos vindos das profundezas mais obscuros e cada vez mais intensos – respondeu Raj. – Isso significa que muitos de nossos irmãos foram fazer uma visitinha sem retorno ao inferno. Muita gente morreu devido aquele incêndio.

      - Por que eu não consigo escutar esses gritos?

      - Não sei. – Raj deu de ombros. – Em todo o caso, nesse aspecto, você é um sujeito de sorte, pois eles são terríveis! – Ele fez uma pausa. – Enfim, como irá comemorar seu aniversário?

      - Nem sei se estamos em tempo de comemorar – resmunguei.

      - Ah, qual é?! Hoje é seu aniversário! Apesar de eu não saber bem o que é isso, pois não sei nem quantos anos eu tenho, mas sempre comemoramos os de Julia. Terá de ser durante a noite.

      - Vou pensar. – Suspirei. – Como você consegue manter Julia ao seu lado mesmo sabendo que ela corre riscos nessas condições?

      Raj analisou-me com seus olhos verdes e sempre com um brilho curioso antes de responder-me:

      - Julia é uma perdida, assim como eu. Seu pai morreu quando ela era bem jovem e, desde então, sua mãe foi à falência. Elas viveram na pobreza durante um bom tempo até sua mãe conhecer um homem que as tirou de tal situação, tornando-se seu novo pai. – Raj fez uma pausa. – No entanto, o homem era um pedófilo, assim, começou a abusar sexualmente de Julia. Ela passou um bom tempo sofrendo sozinha no escuro pela inocência que já não a pertencia até não aguentar mais e contar a sua mãe, mas a mulher não quis apoiar a filha, disse que ela deveria ficar quieta e obedecer ao homem, pois foi ele quem as tirou da miséria, assim, Julia deveria agradecê-lo obedecendo a todos os seus desejos. A garota não quis mais conviver com aquela situação e fugiu de casa. – Para Raj era difícil falar sobre aquilo, ele parecia esforçar-se. – Um dia desses, encontramo-nos em uma encruzilhada e começamos a conviver juntos.

      - Palavras não devem ser suficientes para expressar o sofrimento de Julia... – lamentei.

      - Ela não aceitava que homem algum a tocasse, sentia-se impura, imunda, mas, com o tempo, fui capaz de modificar suas concepções.

      Pensei na quantidade de pessoas que sofreram como Julia, os números possivelmente eram assustadores. Por que tanta perversão nos corações humanos? O que podemos fazer para acabar com isso? A vida é boa, mas, infelizmente, muitos não experimentam esse lado. Todos cruzam os braços e culpam o governo, o sistema, entretanto, não fazem nada para mudar a situação, isso talvez seja tão ruim quanto a ação dos aproveitadores, pois conhecemos a verdade, conhecemos a obscuridade e muitos não movem uma palha para mudar, nem mesmo fazem suas partes. Muitos culpam o sistema, no entanto, não conseguem entender que o erro está em seres humanos, em seus corações, eles devem mudar antes de tudo. Enfim, já não me surpreendo com a humanidade e suas ações.

      Raj levantou-se do local onde estava, pegou suas preciosas armas e o sobretudo e disse:

      - Enfim, vou lá investigar. Vou ver se trago algumas informações para você analisar.

      - Certo.

      Então ele deixou-me sozinho com meus pensamentos.

      Após isso, troquei-me, deixei a casa de Raj e rumei até o mesmo gramado, ótimo para tentar-me tranquilizar. Assentei-me e senti o vento reconfortante tocar levemente as maças de meu rosto e bagunçar os fios negros os quais compunham meu cabelo enquanto ele também arrastava as folhas soltas.

      Relembrei o dia em que Amber e eu rolamos pela grama, felizes, e desejei tê-la ao meu lado naquele momento, mas isso seria impossível.

      Permaneci naquele lugar, meditando, sentindo a vida ao meu redor e tentando mergulhar dentro de mim mesmo, na imensidão de meu ser, em meu próprio íntimo. Talvez alcançar até a minha parte mais obscura à procura de mim mesmo e o sentido de minha existência. Um dia, quem sabe, eu descubra.

A noite chegou e Raj convencera-me de comemorarmos meu aniversário em um bar. Então, ele, Julia e eu deixamos “nossa harmônica morada” e rumamos ao estabelecimento. Pensei em tomar um pouco de uísque e retornar, permanecer em casa lendo um livro, afinal, meu ânimo para festas desaparecera por completo. O que eu desejava era viajar para algum lugar, de preferência distante, com Amber ao meu lado, como minha mãe sugerira. Seria muito mais gratificante. Talvez em outra estação isso pudesse ser realizado.

      Quando chegamos ao local, eu já podia escutar a música alta da entrada. Era uma espécie de bar anos oitenta, com visual e som ao estilo. Estava abarrotado de pessoas e as mesas vazias reservadas, por essa razão, assentamo-nos no balcão, mas Raj e Julia não permaneceram lá por muito tempo, foram dançar. Pedi uísque ao garçom e observei ao redor novamente, então, a dois bancos de mim eu avistei uma garota conhecida, minha ex-namorada da cidade grande, Dayane. Ela estava exatamente como eu conseguia lembrar-me: cabelo curto negro e repicado, feições leves e delicadas, lábios vermelhos. Ela trajava um elegante vestido escuro tomara-que-caia e um chale da mesma cor cobrindo parte de seu ombro nu. Day continuava linda. Seus olhos azuis intensos e levemente puxados encontraram os meus por um instante e ela sorriu quando isso aconteceu.

      Dayane aproximou-se de mim, sentando-se ao meu lado, com o copo de bebida entre seus dedos e mantendo o sorriso.

      - Jim Harris! – exclamou ela. – Quanto tempo, não?

      - Sim – respondi. – Como vai? Ainda com ideias de criar uma banda de rock e com o dinheiro arrecado ajudar os animais necessitados?

      Ela deu um risinho.

      - Sem você como vocalista não dá certo... Sua voz é muito linda!

      - Obrigado.

      Conheço Dayane há anos, desde quando eu era uma criança. Estudávamos no mesmo colégio e, naquela época, eu sofria com meus colegas de classe, eles costumavam evitar-me dizendo que eu era um estranho. Alguns dos valentões também gostavam de utilizar-me como um saco de pancadas, sem motivos aparentes eu sofria com tudo aquilo. Minha infância fora completamente solitária, pois eu passava meu tempo desenhando em um canto qualquer enquanto crianças, segundo os padrões impostos, normais, brincavam. Até mesmo os professores estranhavam-me e frequentemente conversavam com minha mãe para que ela providenciasse um psicólogo para mim. No entanto, a verdade era que eu não gostava de estar em meio às brincadeiras infantis ou muito menos apreciava meus colegas, eu preferia ficar perdido em meu pequeno mundinho, com meus desenhos e na companhia de animais. Preferia dialogar com eles a humanos.

      Dayane era a única de minha escola que costumava a conversar comigo, entretanto, à medida que fomos crescendo, distanciamo-nos, pois ela mudou de colégio. Também fui ficando interessante aos olhos das garotas, mas, mesmo assim, muitas delas não se aproximavam de mim devido a minha fama desde a infância. Apesar disso, não fui impedido de arrumar muitas namoradas, contudo, todos os meus relacionamentos fracassaram, duraram de um a dois meses. Sempre acabava devido às minhas esquisitices, todas as garotas com as quais fiquei também eram diferentes, porém não tanto quanto eu, a ponto de elas não conseguirem entender-me (nem eu me entendo!) e isso as revoltava, fazendo-as terminar.

      Permaneci um tempo sem namorar até reencontrar Dayane e reviver os antigos “laços de amizade” (se é que eu posso dizer que foi tão intenso). Percebemos o quanto possuíamos em comum e como éramos interessantes aos olhos um do outro. Day era uma garota inteligente, discutia todo o tipo de assunto comigo e tinha gostos semelhantes. Desse modo, iniciamos um relacionamento amoroso (o que mais durou até hoje, quase sete meses!)

      Com ela eu executei minha primeira tentativa de contato sexual. Eu estava com dezessete anos e retornava à minha casa e ela caminhava comigo. Quando chegamos, mamãe e Lisa não estavam, desse modo, rumamos ao meu quarto e iniciamos nossos atos afetivos. Já havia retirado a blusa de Day e encaminhava-me ao seu sutiã quando escutei uma movimentação no andar de baixo, assim, tivemos de encerrar o que estávamos fazendo.

      Mas, como todo relacionamento, este também teve de chegar ao fim. Dayane terminou comigo pelo fato de eu beber demais. Na época, eu vivia como um poeta pertencente ao Romantismo, passava horas de meu dia quase que na completa solidão, apenas com minha obscuridade criando minhas “obras de arte”, refletindo sobre o mundo e, nas ocasiões das quais eu saia com meus poucos amigos, embebedava-me de uísque, pois apreciava muito o gosto dessa bebida, era quase como um vício. Day não gostava nada daquilo, foi relevando até o dia em que ela não aguentou mais e terminou. O lado bom disso tudo é que eu comecei a controlar-me melhor, praticamente parei de beber.

      No entanto, era até irônico reencontrá-la justamente em um bar, bebendo após tanto tempo e ainda possuirmos muitos assuntos para dialogar. Conversamos a respeito de nosso amor aos animais e como Dayane desejava criar uma banda de rock, na qual eu seria o vocalista e guitarrista (aprendi com o meu tipo Graco no tempo em que morei em sua casa, pois nunca tive dinheiro para fazer aula e nem tive uma guitarra propriamente dita) e parte de seu dinheiro seria destinado a cuidar dos animais, esses muito maltratados pelos humanos também necessitam de nosso apoio.

      Enquanto eu consumia mais doses de uísque, Dayane contava-me o motivo pelo qual ela havia ido parar naquele local. Segundo ela, suas férias chegaram e seus pais, como não eram atenciosos, despacharam-na a casa da tia, uma mulher chata e rigorosa que não a deixa sair durante as noites. Entretanto, sempre quando Day consegue escapar das garras da pavorosa mulher, ela vem até esse estabelecimento, uma vez que o lugar situa-se próximo à morada de sua parenta.

      Quando terminamos de conversar, percebi que já estava tonto e falando algumas coisas sem sentido (o que era ruim, pois eu demorava a ficar bêbado, desse modo, eu já devo ter consumido muitas doses de uísque para já estar nesse estado). Dayane voltou a encarar-me, provavelmente ela encontrava-se em condições um pouco melhores que as minhas (não tanto).

      - Você é um cara legal, Jimmy – disse ela. – Eu não devia ter terminado contigo.

      Minha resposta não foi em palavras, mas através de um ato: coloquei minha mão em sua nuca e beijei-a aos lábios. Dayane cedeu, aceitando-me.

      - Você com esse mesmo gosto de uísque de antes – comentou ela.

      - Então eu devo ter um gosto bom, porque uísque é tão bom... – respondi sem pensar.

      - Eu preciso ir agora... – Ela quebrou o momento.

      - Não vá. – Segurei suas mãos. – Você é a única pessoa que conversa comigo, não me deixe com esse bando de bárbaros... Eles são esquisitos, não eu... Ou será o contrário? Ah, tanto faz, depende dos olhos de quem vê mesmo... Mas, não me deixe! – Comecei a dizer essas coisas sem sentido, embolando as palavras.

      Dayane suspirou.

      - Venha comigo.

      - Vai levar-me ao inferno? Não! Você vai levar-me para aqueles valentões! Eles vão quebrar meus ossos, acho que é pior que o inferno...

      - Ah, fique quieto, Jimmy!

      Pagamos as contas e rumamos pelas ruas vazias e escuras. Não demorou muito para chegarmos a uma casa, a qual eu imaginei pertencer à tia de Day. Adentramos ao local, estava tudo escuro e deserto, não pude visualizar nada do ambiente ao redor devido à minha tontura. Subimos uma escada, passamos por um corredor e chegamos a um quarto do qual eu também não reparei nos detalhes. Dayane trancou a porta, após isso, envolveu-me em seus braços. Segurei sua cintura e mordisquei sua orelha, contornei seu pescoço, beijando-o intensamente. Seus dedos deslizaram pelo meu casaco, tirando-o e lançando-o para longe. Eu fiz o mesmo com o chale de Day.

      Após isso, abri o zíper de seu vestido e retirei-o de seu corpo enquanto ela beijava-me. Passei meus lábios por seu ombro. O resto da noite passara como um borrão. Acho que as doses de uísque não fez bem à minha mente. A única coisa que relembro foi Dayane dizendo-me para pararmos, pois sua tia havia chegado a casa. O restante, minha memória não conseguiu guardar.

Despertei confuso e com a cabeça dolorida. Estava deitado em uma cama de solteiro com Dayane ao meu lado, ainda adormecida, vestida com seu pijama. Eu ainda trajava minhas roupas e meus braços envolviam o corpo da garota. Será que havíamos transado? Caso a resposta fosse “sim”, eu não deveria ter feito isso, mal me lembro da noite.

      Levantei tentando não pensar muito nisso. Observei ao redor e percebi que estava em um quarto simples e comum, havia a mesma cama na qual eu estava e um grande armário de madeira de modelo antigo. A cortina estava fechada, mantendo o ambiente escuro. Eu estava na casa da tia de minha ex-namorada, eu precisava sair dali o quanto antes, mas não poderia fazê-lo enquanto Dayane estivesse dormindo, pois ela teria de ajudar-me.

      Enquanto isso, rumei à janela, abri uma fresta de modo que eu pudesse espiar a rua. Reparei que havia uma mulher muito bonita, de cabelo ondulado, negro e escuro, rosto delicado e pele e olhos em um belo tom amendoado. Ela trajava roupas provocantes e quando seu olhar encontrou o meu, senti sua frieza, certa estranheza. Então percebi uma coisa terrível: ela também é uma filha de Yasuo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sombras sobre Sinéad" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.