Um Dia de Spider escrita por Ryuuzaki


Capítulo 1
Um dia de Spider




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Existem dias da vida em que uma pessoa acorda e de alguma maneira tem a impressão de que as coisas vão dar errado. Nem sempre esta curiosa – e muitas vezes falha, deve-se salientar – premonição provém do pessimismo derrotista, de uma insegurança da baixa autoestima, ou da conhecida apreensão diante de um evento já esperado, mas sim de algo mais profundo. Talvez seja o gosto estranho que o ar tinha aquele dia, a forma como os lençóis estavam amassados, ou pitoresco e quase inaudível zumbido que, com sua quase inexistência, desafia a sanidade para um jogo de “estou ouvindo ou não estou”.
Pode ser que seja tudo isso, em um conjunto de bizarras coincidências, ou pode ser que nada além de uma estranha sensação, um pulsar atrás da orelha esquerda, se faça presente, no fim das contas o que causou tal sentimento é varrido para o esquecimento como a poeira jogada para baixo do tapete. O que persiste nas beiradas do consciente é que, de alguma forma soturna e até mesmo diabólica, a incomoda expectativa desliza sorrateiramente para dentro da mente e com um alfinete fica a cutucar a atenção; Esse tipo de impressão é, em seu âmago, orgulhosa e egocêntrica, não aceita ser esquecida e debate-se e pula e cria confusão quando, em violentos ataques de ciúmes, percebe que outro pensamento começou a galgar importância dentro da mente de seu patrono.
Nem sempre tal persistente presságio se cumpre, em muitas ocasiões limitando-se a incomodar e gerar aquele estranho pinicar por baixo da pele até que seu alvo esteja segundos antes do confortável abraço dos sonhos, quando finalmente percebe que nada de incomum aconteceu. Contudo, também em muitas ocasiões, a sensação se mostra não só real como zombeteira. Flerta com a possibilidade do azar, ficando mais forte em momentos críticos apenas para causar pânico e apenas pinicando em momentos de aguardo, para então voltar subitamente em hora aleatória e inesperada, trazendo a adrenalina da apreensão e medo, mas revelando que aquele também não era o momento. Todo esse jogo de finta apenas para culminar em uma série de bizarras coincidências envolvendo todos os momentos chave e mostrar que sim, no final o azar havia dominado o seu dia.
Pelo menos por uma vez em vida, cada pessoa que já deu o ar de sua graça ao mundo terá o seu dia de infortúnio, em algum momento irão passar por todas as peripécias que a má sorte tem a oferecer. Mas, no fim das contas, esse dia inexorável não trata da de momentos ruins, coincidências estranhas e eventos desfavoráveis, no fundo, bem no fundo, essa data memorável na vida de um ser, é sobre mudanças. Um encontro com o destino, alguns diriam, algo que traz o toque da próxima esquina e os perfumes do futuro. Um dia singular, como nenhum outro, um dia que faz a todos imaginarem se o universo, ou a própria existência, não desatinaram a mexer suas cordas apenas porque tem algo contra eles.
Spider não estava passando por esse dia prodigioso. Sua cota de azar já durava anos, sem sinal de cessar. Para ele era um dia como qualquer outro. Spider não imaginava que a realidade tinha por ele algum desafeto. A certeza já se apoderava de seu coração. E já se acostumara. 
No entanto, naquele domingo em que deveria fazer hora extra no trabalho, ele se sentiu que alguma coisa diferente de tudo estava prestes a acontecer. Afinal já passava da hora do almoço e nenhuma forma de infortúnio casual se abatera sobre ele; não derrubara nenhum talher, não recebera telemarketing e, principalmente, não topara com o dedo mindinho no pé da cama ou do armário da cozinha. Não podia deixar de ver essas pequenas ausências como dicas, sinais de algo o mundo queria passar para ele, cochichos sobre o que estaria por vir.
E, ele sabia, no fundo de sua alma ele sabia, alguma coisa estava por vir. A estranha pressão que a calmaria trazia, só podia significar uma tempestade.
Quando Spider levantou da cadeira e foi atender à peculiar batida na porta, soube que seu domingo havia começado.
Primeiro notou o porquê da batida ter-lhe soado estranha aos ouvidos: Em vez da mão, o visitante utilizara a ponta do cano de uma grande pistola prateada e isso preocupou Spider. Em um segundo momento, reconheceu o homem parado à sua porta. Sendo a visita quem era, desnecessário dizer que a arma foi esquecida e Spider se preocupou ainda mais.
– Spidey! Como vai, meu chapa? Saudades de mim? Percebeu que eu me mudei? – a alegria de Owen parecia genuína.
– Hmm... – olhou para o lado e para baixo, desanimado – Eu acabei descobrindo quando a água começou a infiltrar a parede e o teto. A torneira da banheira. Você deixou ligada antes de... de fugir?
Os olhos insanos de Owen brilharam e o seu sorriso aumentou. Parecia maravilhado por estar diante de seu antigo vizinho, o que lhe ajudara no passado, mas a dica de pontinha de uma crueldade gozadora alojava-se em um ponto impreciso de seu semblante.
– Sim, sim! Fugir. Esperto como sempre, não, Spidy? – franziu o cenho e fez uma careta pensativa. – Sabe como é. As coisas não deram tão certo quanto eu pensei. Precisei fugir por uns tempos. Mas se a noticia lhe deixa feliz, consegui salvar a garota. Ela esta bem... – com o cano da arma, coçou a nuca, por baixo de seu chapéu de cowboy. – teve uns probleminhas claro, digamos que ela não é a mesma de antes de ter ido para o “lado de lá”. Mas podia ter sido pior... Ah se podia.
Spider contemplou Owen com um sorriso tímido e cansado. Não gostava de complicações, ou melhor, de complicações que batessem em sua porta, que fossem loucas, e que trouxessem um monte de coisas sobrenaturais atrás de si.
– Hmm... Que bom para Faye então, né?
Por alguns segundos pensou no que poderia dizer para fazer Owen dar o fora dali. Mas logo percebeu que, bem, o louco não iria dar o fora dali enquanto não conseguisse sabe-se lá o que queria. Além do mais, o que ele disse que queria mesmo? Ele não dissera nada. E isso incomodava Spider. Se perguntou como alguém conseguia manter-se curioso mesmo quando sabia que iria detestar a resposta. Em seguida praguejou mentalmente e perguntou à vida quando foi que pisara no calo dela.
Ele odiava quando a coisa toda complicava não precisara ponderar muito para decidir que ele significava apenas uma coisa: Problemas. Quando comentara algo semelhante com o dito cujo e este, curioso e um pouco triste, perguntara o porque, explicou pacientemente que ver alguém preso por uma massa viva, meio liquida e ao mesmo tempo meio sólida, de tinta nanquim por vezes pode ter esse efeito na concepção de ideias de uma pessoa.
 Preferiu deixar de lado os acontecimentos de meses atrás. Talvez assim tivesse uma tolerância maior quando as coisas realmente estranhas começassem a acontecer. Suspirou, resignado, e numa imitação de uma caricatura quase perfeita de um mordomo à disposição, deu passagem para a visita. Com direito até à clássica reverencia e o apontar com os braços. Decerto a atuação teria saído um pouco melhor se os ombros não apresentassem o cansaço antecipado e o rosto estivesse em outra expressão que não a “coitado de mim”. Preferia o telemarketing pela manhã.
Owen não se fez de rogado, entrou no apartamento rapidamente e logo se pôs a espreitar as cercanias, olhando curioso para o cômodo bagunçado. Uma pilha instável de revistas em cima de uma mesinha chamou sua atenção e ele ficou a encara-la como um entusiasta faria com uma obra de arte. Spider bateu a porta, e, cauteloso, chamou pelo convidado. Esperou ainda alguns segundos antes que o homem se virasse.
Um sorriso melancólico resplandecia no rosto do louco. Seus olhos, embora voltados para o colega, olhavam para longe, para um passado distante e desconhecido. Mas logo sua expressão se corrigiu, o ar zombeteiro retornou à sua face e seus olhos voltaram a representar toda a loucura que habitava a sua mente. Mas ainda assim, para o desgosto de Spider, ele nada falou. Limitava-se a olha-lo como que estivesse se divertindo com algo, como se reassistisse um velho filme.
– Ehhh... Mas então... Owen? – o azarado tentava quebrar o estranho silencio – Não vai me dizer a que devo sua... visita?
Quando Owen respondeu, foi como se fosse um personagem saindo de um pause. Seu rosto quase não se moveu, apenas continuou o dialogo como se ele nunca houvesse sido interrompido. Decerto estava preso ao turbilhão de loucos pensamentos que habitavam sua cabeça.
– Ora, Peter, não seja tão apressado! – pegou uma cadeira, virou-a a sentou-se apoiando os braços no encosto. A arma displicentemente apontada para o pé do companheiro – sente-se e relembre comigo os velhos tempos! Ainda temos tempo antes de a história acabe.
Com cautela, Spider sentou. Não achou que seria descortês afastar-se da linha de tiro da “Sword Cutlass .44”, de modo que fez questão de afastar os pés. Consternado, voltou-se para Owen, tentando imaginar o que viria a seguir. Logo desistiu da ideia, era idiota tentar predizer o que aconteceria, afinal, com Owen por perto podia acontecer qualquer coisa, ou pelo menos, quase qualquer coisa, corrigiu-se. Queria e não queria descobrir o que estava por vir, já começava a pensar sobre o quão indeciso era, quando Owen o puxou das nuvens da imaginação e voltou a falar.
– Então, lembra quando nos conhecemos, alguns meses atrás? Antes de termos uma bela e saudável amizade e sairmos juntos para beber e coisa e tal?
– Mas...
O anfitrião tentou comentar que eles nunca saíram juntos e que tampouco tiveram uma amizade afinal, que, na verdade, só se encontraram uma vez e depois disso Owen desapareceu, deixando apartamento, pertences e um Spider aterrorizado por seres sobrenaturais para trás. Contudo, antes que pudesse expor sua humilde opinião sobre o assunto, foi cortado por Owen.
– Pois é, lembra que naquele dia você me ajudou com uns problemas que eu tava tendo. – Não parava de gesticular enquanto falava, mais de uma vez o cano de sua arma apontou para o peito do outro – Pois então, estou precisando de uma ajudinha novo, sabe como é, na correria esqueci algo aqui em Santa Felícia e tenho que pegar de volta. Além do mais, isso dá um bom Spim Off, não acha?  – seus olhos brilharam de loucura com a última frase.
Um muxoxo escapou de Spider, sabia exatamente o que iria envolver uma ajuda a Owen e não tinha nenhuma disposição para tal. Gostava de sua vidinha pacata, tolerava ter mais do mesmo todos os dias. Era confortável. Por vezes sonhava com mundos diferentes, sonhava sobre como seria viver em outra época, em outro lugar... achava até que poderia gostar de um mundo mágico, algo com aventuras e desafios como nos jogos e livros que costumava consumir avidamente, mas sabia que, admitindo a possibilidade de existir um meio de transcender os planos de existência – coisa que, aliás, o jovem sonhador acreditava –, seria algo tão improvável que nem valeria a pena o esforço do pensamento. Tal questão para ele era como a eterna duvida da humanidade: a existência ou a não existência de um deus.
Curioso portanto, que sua intrínseca vontade de manter-se afastado do sobrenatural existisse. Afinal, muitos diriam que, diante de sua eterna busca pela fantasia, dentro de histórias e revistas, a existência de coisas que fogem à compreensão do homem moderno fosse justamente o que ele procurava para aplacar uma vida sem graça no preto e branco do século XXI. Spider já discutira consigo mesmo sobre este ponto há muito tempo, embora a vida que Owen levava trouxesse as aventuras que sempre admirara, na pratica, era tudo muito mais complicado. A película sobrenatural que tocara a alguns anos – e que fora atirado contra quando encontrara um certo alguém preso há meses atrás – era violenta, frenética e um tanto quanto imprevisível. Mortal.
Quando o assunto era evocado dentro dos limites de sua mente, uma de suas infinitas personas o acusava de covardia, de fugir de emoções reservadas a poucos, de correr da possibilidade de ver em primeira mão aquilo que só conhecia por teoria. Mas sempre teve forças para relevar tais insinuações de seu próprio eu, Spider nunca fora um herói e essa não era sua pretensão, quanto a perigos e emoções, preferia o conforto de sua vida pacata e previsível, onde era apenas um observador passivo, um leitor. Mas a vida é uma roda e tudo acaba voltando para um ponto que há muito foi deixado para trás. Mesmo querendo ficar alheio à toda a correria dos caminhos desconhecidos pelo homem moderno, o universo conspirava para joga-lo no mundo do sobrenatural. Diante dele, o homem que o convidava para novamente relar em tramas do fantástico e do extraordinário aguardava por uma resposta.
– Não acha? – repetiu.
– Bem... Não posso deixar de concordar quanto ao Spin-off. Se nossa pequena aventura tivesse sido algo como uma... história principal, de determinado cenário eu teria sido um personagem de apoio. Daqueles que tem certo apelo, mas que aparecem apenas por um tempo, não muito importantes no fim – falava com rapidez, desenvolvendo seu pensamento. O indicador ia aos lábios e os olhos, alheios, apontavam para o teto – E portanto hoje seria como minha side-story, um bônus, algo paralelo feito para me apresentar.
– Isso quer dizer que vai me ajudar? – Owen sorriu, seus dentes à mostra. Animado.
Spider coçou a cabeça, constrangido.
– Hmm... E se eu... disser que não?
O louco deu um risinho e então abaixou a baixou a cabeça, olhando para o chão.
– Então terei de mata-lo.
Quando a visita levantou o rosto voltou a contemplar o companheiro, seus olhos tinham um fantasmagórico brilho assassino. Ainda sorria, mas seus lábios apenas formavam a mascara sorridente de um lunático homicida. Olhava diretamente para Spider, mas sua pupila agora parecia nada focar, era um poço de loucura, um redemoinho capaz de retirar a sanidade dos homens e incitar os frios tentáculos do medo para que agarrassem com seu toque invernal aqueles que o encarassem. Em algum momento que não possível precisar, Owen levantara e apontara sua arma diretamente para o rosto de sua vítima.
Não havia medo no rosto de Spider. Embora por dentro estivesse tremendo diante da loucura do caçador, sua face adquirira apenas um choroso tom de consternação e cansaço, como se tudo aquilo não fosse um grande contratempo pelo qual ele tinha que passar mas não sabia se conseguiria resistir. Quem o visse pensaria que algo o deixara triste e chateado – a perfeita imagem de uma criança que acaba de ser lembrada que é hora de dormir – mas na verdade era essa a forma com a qual normalmente respondia a situações adversas. A despeito de como seu corpo traduzira a coisa, morria de medo.
– Isso é... hmm... um blefe. – Disse baixinho e hesitante.
Por uns instantes Owen manteve firme a sua mira. Mas logo seu rosto pulou da assustadora loucura assassina para a loucura do excêntrico. Tentava prender um riso, que, quando finalmente foi solto, mostrou-se sonoro e entusiasmado.
– Isso mesmo Spidy. Era um blefe. Eu nunca iria mata-lo... A não ser por acidente. – coçou a sobrancelha com a arma – Mas você esta me obrigando a te convencer. Porque não quer me ajudar afinal? Desse jeito a história não continua e eu vou acabar chorando porque o amigão da vizinhança não quer me ajudar.
– Vai ver estou esperando a Mary Jane para um encontro. Ou então acabou meu fluído para teias – suspirou, parecia exausto. Decidiu ser sincero com o imprevisível Owen – É que... Da ultima vez que eu te ajudei... Eu tive que lutar contra alguma coisa feita de tinta nanquim, que me deixou todo preto, torci o pulso quando me joguei no chão para me salvar de alguma coisa maligna que queria arrancar minha cabeça, fiquei com um olho roxo porque você me deu um murro e fui drogado por uma nevoa cheia de pólen de alguma coisa que prefiro nem saber o que é. Sem contar a paulada que levei de...  de... algo que parecia o Dobby. – Contou no dedo as situações – Hmm... Olha só, precisei usar DUAS mãos para listar essa merda. – dizia tudo com uma paciência atípica para alguém irritado, mais parecia um velho e cansado professor.
– Ah! Isso acontece com todo mundo Spider. Pelo menos doeu em você e não no bolso. Costumam dizer que é lá que dói mais.
– Isso me faz lembrar de mais coisas para acrescentar. – fez uma careta – Meu carro foi transportado para um lugar estranho e... e... explodiu... E eu tive que voltar andando desde a Los Padres até algum lugar civilizado. Só consegui outro carro recentemente.
– Bah, o seguro deve ter coberto o acidente e você teve uma perfeita oportunidade para caminhar e apreciar as belezas noturnas da floresta.
– O seguro não quis... hmm... Aceitar minha história de que meu carro tinha sido teletransportado para um outro plano antes de explodir. Na verdade, eles nem sabiam o que era plano.  – Disse com uma pontinha de decepção.
– Ora, Spider, não me deixe na mão. Preciso de sua ajuda com isso.
– Já falei, dessa vez vou ficar seguro em minha vida monótona e sem graça. – gesticulava com um braço apenas – Eu até gostaria de te ajudar, mas não quero nada com toda essa coisa sobrenatural.
– Vamos Spidy, não vai ter problema nenhum. Os leitores estão esperando.
– Já me decidi. E tratar a realidade como um livro, uma história ou sei lá o que – fez uma pausa e continuou, um tanto quanto pensativo – Mesmo que teoricamente isso possa ser uma possibilidade, não vai me convencer. Além do mais, tenho que trabalhar daqui a pouco.
– Prometo que nada de ruim irá acontecer com seu carro dessa vez.
– Sou irredutível, nada do que você disser irá me convencer.
Pouco mais de trinta minutos depois um carro popular diminuía sua velocidade e estacionava em frente a um armazém antigo e abandonado. Era uma região pouco movimentada, o local, afastada das emoções do centro e sem o toque aconchegante da área arborizada. Perto das antigas indústrias, há muito falidas, não era de se espantar que alma alguma testemunhasse a improvável e controversa dupla que desembarcava no local. O homem que ia ao banco do carona foi o primeiro a sair, eufórico e animado, cantarolava algo sem ritmo definido e sorria para a porta do lugar. O motorista, por sua vez, não parecia tão feliz, saiu do carro morosamente, como quem não tem certeza de que quer realmente estar ali e o faz apenas por obrigação.
Spider bateu a porta do carro, andou alguns passos e suspirou. Uma brisa gelada atingia sua nuca e jogava sua franja contra seus olhos. Repetia a si mesmo para que instalasse um olho mágico em sua porta, dessa forma poderia saber de antemão que surpresa poderia estar além de sua porta. O que não daria muito certo, contudo, afinal, caso fosse Owen, tinha a estranha certeza de que a entrada de sua casa seria arrombada a chutes. Talvez fosse melhor investir em um quarto do pânico, onde poderia se abrigar até que o caçador se cansasse e fosse embora.
Imaginou se Frodo se sentira como ele se sentia agora quando descobriu que possuía um artefato maligno que poderia causar a destruição de todo o mundo e que apenas ele poderia carregar a coisa toda para lá e para cá ou então se Sam Spade pensara tudo isso quando vira seu parceiro morto e seu caso um labirinto de confusão. Decidiu que era melhor não imaginar nada, afinal, desde que descobrira que toda essa coisa extraordinariamente complicada e sobrenatural era verdade em seu próprio mundo, o azar poderia atrair ainda mais coisas para cima dele. Ponderou que talvez fosse bom ter um cigarro, tropeçou no meio fio, caiu e decidiu que não. Ele nem fumava mesmo.
– Poderia me lembrar do motivo de eu ter vindo, por favor? – perguntou carrancudo e infeliz enquanto espanava a poeira de suas roupas.
– Ora, porque você é o personagem principal dessa história. Se não fosse você, quem mais seria? – respondeu um sorridente Owen.
– Não, não é isso que... Ah, esquece... Poderia dizer então porque eu tive que vir com a roupa do trabalho? – retrucou, referindo-se à camisa e calça social e à gravata.
– Quando tivemos aquela épica aventura alguns meses atrás você estava assim. Nada mais justo do que vestir a mesma coisa para honrar nosso encontro. E é como se fosse... característico de você já. – olhou para o vazio, um ângulo onde não havia ninguém, como se olhasse para uma câmera de vídeo – É assim que já conhecem ele, não é, pessoal?
Não querendo lidar com diálogos sem sentido algum ou, pelo menos, nenhum sentido pratico, pensava Spider, preferiu não indagar sobre os delírios do louco acerca algo que ele insistia em chamar de “leitores”. Em vez disso prosseguiu como se nada daquilo houvesse adentrado seus ouvidos.
– O que é que tenho que fazer mesmo?
– É simples, companheiro Spidy. Você entra. Procura o setor 3-A. Encontra a terceira estante. Retira o piso oco que esta perto de um dos pés. Pega o pacote que esta lá dentro. Trás o pacote até aqui. E me entrega. Só isso!
– Hmm... Se é... Tão fácil assim, por que você mesmo não pegou essa coisa de que precisa a ponto de ir até minha casa e me... me... arrastar até aqui?
– Bem, é que tem um alarme e...
– Alarme? Mas ele vai disparar se eu também tentar entrar. Eu não quero confusão com a policia. Não, não, senhor. Nenhuma confusão com a policia. Eles estão de olho em mim desde que uns livros que comprei de Chicago vieram com cocaína escondida. Demorou pra caramba para provar que eu não tinha nada haver com isso e que tudo o que eu queria eram os livros do D&D Pathfinder mais baratos. – Apesar de tagarelar, falava pausadamente, lembrando um tímido em uma roda de conversa desconhecida.
– Ei, Ei, deixa eu terminar. – Respirou sonoramente, ajeitou o chapéu de cowboy e continuou – Esse alarme não é nada tecnológico não. É um tipo de alarme mágico, saca? A coisa que quer minha pele sabe que eu tenho que pegar o que esta aí dentro e colocou um gatilho mágico. Beeem mágico. Assim que meu lindo corpinho passar por aquela porta vão saber que eu to lá dentro e as coisas vão ficar um pouco complicadas pro meu lado.
– E como você sabe disso aí?
– Hmm... Internet? – Deixou claro que estava mentindo.
Spider preferiu não saber a verdade. Suspirou profundamente abatido e deu alguns passos à frente, resignando-se à tarefa de uma vez. Arrancar verdades seria ainda mais trabalhoso do que ir pegar o pacote.
– Mais alguma coisa, patrão? – Perguntou sem olhar para trás.
– Tem mais uma coisa sim.
Quando Spider voltou-se para o colega viu o que lhe aguardava. Deitada nas mãos do louco caçador de criaturas, com o cabo apontando para o analista da empresa de entregas, estava uma lâmina que descansava em uma bainha prateada e adornada com figuras e padrões desconhecidos. Owen estava oferecendo a arma.
Spider retirou lentamente o objeto de seu descanso, que sibilou por ser agitado, reclamando com o silvo tenebroso do metal contra metal. Não chegava a ser uma espada. Uma faca longa com cerca de 30 centímetros de fio, repuxada para trás no topo e totalmente feita de prata. Lembrou ao despreparado aventureiro algo que Legolas usaria.
Virou-se vagarosamente, sentindo no peso da lâmina que portava todo um novo mar de problemas.
Diante do portão, soube que no fim tudo daria errado. As coisas não sairiam como o esperado e Owen sabia disso. Com seu eterno tom súplica estampado no rosto, Spider adentrou no armazém.
Um pensamento solitário acompanhava sua empreitada.
“Por que as coisas tem que ser tão complicadas mesmo?”
No fim das contas, não importa o que aconteceu dentro do armazém. Houve luta, houve suor, houve sangue e correria, principalmente correria. Mas as histórias de Spider não são sobre batalhas, ação, glória e heroísmo. Ele nunca quis ser um herói. Não quis nada disso. Suas histórias, afinal, são sobre um homem comum, com uma vida comum, que sonha com o fantástico, mas que prefere apenas sonhar, que não se vê correndo atrás de confusão e aventuras diante do desconhecido. Histórias sobre dualidade, indecisão e sobre como no fundo alguém nem sempre tem escolha. Sobre como o mundo da voltas e voltas e coloca as pessoas onde elas têm que estar.
E também sobre azar, ou, pelo menos, o que alguns acreditam se tratar de azar.
Duas horas após adentrar naquele armazém abandonado que cheirava a mofo, poeira e algo que só podia ser resquícios de uma poderosa magia, o analista deixou o lugar acreditando que toda a sua cota de má sorte ali fora gasta. Quando parou para pensar no assunto dias depois, não soube dizer o que fez tal ideia insensata adentrar a sua mente; não saberia dizer se fora as runas inscritas no chão – as quais insistiam em disparar uma cortante rajada de ar – ou os dois simpáticos e um tanto quanto malignos pseudodragões que o levaram a tal pensamento. Mas, a verdade era que seu dia estava apenas começando.
Queimado, suado, com algumas escoriações e parte da roupa num estado deplorável, cambaleou em direção a Owen. Seu rosto não carregava expressão alguma.
– Spidy! Que bom que esta tudo bem com você! Me sentiria péssimo se algo ruim caísse sobre sua cabeça.
Spider colocou as mãos sobre os joelhos, arfando.
– Bem? – perguntou enquanto olhava de soslaio para o caçador – E que conceito filosófico, cientifico, prático ou sei lá o que mais, isso aqui pode ser definido como “bem”. Se alguém me visse assim pensaria que fui atacado por algum animal selvagem, ou talvez um cachorro grande... ou uns vinte mini-poodles irritados talvez... deixa pra lá. O que importa é que lá dentro...
– Sei, sei. Mofo, poeira, magia poderosa. Runas, vento cortante e simpáticos pseudodragões. Bah, isso já esta no passado, Parker. Viva o momento, cara. Carpe diem, Whiscaz blá blá blá Whiscaz e coisa e tal. – Sorriu amistosamente.
– Como você sabe... o que tinha lá? E... como eu... pensei sobre o que tinha lá? – quis saber, um tanto quanto preocupado.
– Ora, o narrador falou algum tempo atrás. – A resposta veio em um tom displicente, como se aquilo não importasse de fato. Mas, seu sorriso era quase de escárnio.
Spider girou a cabeça, contrariado. Logo se arrependeu. Tal arrependimento foi por um tempo uma constante incógnita em suas longas discussões internas. Nunca conseguia decidir-se se tal sentimento viera porque o gesto de girar a cabeça era algo extremamente idiota de se fazer naquele momento, ou se porque, assim que fizera tal coisa, um embrulho poderoso pareceu torcer seu estômago como quando displicentemente se seca uma camisa molhada; Provavelmente tentando indicar que não considerava uma boa ideia manter o almoço seguro dentro da barriga e que iria expeli-lo a qualquer momento.
Deixando suas filosóficas perguntas para a posterioridade, o analista começou a, baixinho, contar até dez, tentando relaxar e deixando claro que não iria deixar um embrulho sabichão qualquer dizer o que iria e o que não iria ficar ser digerido sem antes lutar. Terminou a contagem e então vomitou em cima do que horas antes fora um sapato apresentável. Olhou para Owen com cara de “viu, não estou nada bem” e então, como que para reforçar a coisa, vomitou novamente, desta vez na calçada.
– Olha, toma logo o que você queria, antes que isso... – parou de falar por um instante, pensando que iria vomitar novamente. –... Me traga mais problemas.
Um tanto quanto apressado, passou a caixinha de madeira envernizada, semelhante à um porta joia, para o seu dono. Ou, pelo menos, quem ele esperava ser o dono. Agora que o assunto chegara a sua mente, não pode deixar de relevar a possibilidade de ter roubado o objeto por Owen.
– Mas... Não foi isso o que eu pedi, Spider velho amigo... – vendo o prólogo do que seria uma cara de desespero, preferiu admitir – Brincadeirinha. É isso aqui mesmo.
Infeliz e com os ombros arqueados de exaustão, devolveu respeitosamente a lâmina prateada – agora suja de vermelho – que pegara emprestado.
– Toma. Preferia devolver ela limpa. – disse ainda um pouco tonto – E brilhando... Não sei bem porque, mas respeito essa arma. Acho que isso deve acontecer quando você usa algo do tipo para... se salvar de alguma coisa. Espero que não se importe com todo esse sangue de “queria-ser-um-dragão-de-verdade”. Na verdade, acho que deve ter um pouco meu aí também, tenho certeza que cortei minha perna sem querer quando eu tropecei no meu pé direito e caí em umas caixas de madeira vazias.
– Se soubesse de onde ela vem, respeitaria ainda mais – um novo sorriso enigmático em seus lábios – E não se preocupe quanto ao sangue, ela não se importa. – guardou a lâmina com a habilidade de um cavaleiro.
Spider contemplou o colega com um sorriso sem graça. Tentou corrigir sua postura de exaustão e ficar ereto. Uma dor na panturrilha o fez desistir da ideia. Algo escorreu do topo de sua testa – próximo de onde seu cabelo começava – e atingiu seu olho esquerdo, fazendo-o arder e tingindo metade de seu mundo de vermelho.
– Olha só. Acho que... minha testa voltou a sangrar.
Owen pareceu olhar para o companheiro com certo compadecimento, como se uma pontada de pena e, talvez, culpa, o tivesse atingido. Por um segundo inteiro seus olhos perderam o brilho da loucura e ele pode parecer quase normal.
– Eu dirijo na volta, que tal assim?
Não pode deixar de se sentir lisonjeado, afinal, o louco não era de prestar favores que não envolviam atirar em alguma coisa. Se pensasse bem sobre o assunto, veria a coisa com cautela, sentiria que havia algo por trás daquilo. Mas ele não queria pensar bem no assunto, queria apenas jogar-se no assento do carro e ficar imóvel até chegar em casa, onde cairia na cama e dormiria até que tudo o que passara naquele dia sumisse de sua mente. Aceitou o convite.
– Valeu. Acho que se eu dirigisse acabaria desmaiando em cima do volante e alguém iria ter que me dar uns tapas para eu acordar e sair de cima da buzina... Ou então simplesmente iria bater em um orelhão... E daqui a três meses quando precisasse desesperadamente de um, porque meu celular resolveu que explodir seria divertido, descobriria que o mais próximo foi o que eu destruí, e ele ainda estaria quebrado.
Sem jeito, procurou pela chave nos bolsos de sua calça e, quando finalmente a encontrou, jogou para o outro.
Assoviando, Owen abriu a porta do carro e entrou, batendo-a logo em seguida. Encarou o volante e o painel como se não soubesse exatamente o que fazer, mas após um tempo acabou por ligar o veículo.
Mancando, Spider deu a volta, dirigindo-se para a porta voltada para a rua. Suspirou de alívio por tudo aquilo estar perto do fim e estendeu a mão em direção à maçaneta. Instantes antes que seus dedos relassem o plástico negro que lhe garantiria uma passagem para o veículo, ouviu um som abafado, como um estalo. Algo que soava como um “tup” e que o deixou deveras preocupado. Tentou abrir a porta. Não conseguiu. Owen a havia trancado.
Por um segundo o mundo pareceu girar e convergir para ele. Era a sensação que sempre sentia quando deixava algo obvio passar despercebido e isso acabava por voltar e morder suas canelas como um texugo particularmente mau-humorado e completamente cartunesco. Arregalou os olhos enquanto olhava para nenhum lugar em particular e preparou-se para entrar pela janela aberta. Seu plano perfeitamente falho e desesperado foi logo neutralizado, antes que pudesse conseguir o impulso necessário com sua perna dolorida, o vidro foi fechado até quase a metade.
– Valeu por toda ajuda, Spider. – Disse Owen pela fresta do vidro, sentado confortavelmente no banco do motorista – Estou pegando seu carro emprestado, tenho que cair fora logo da cidade.
– Você vai... – hesitou – Devolve-lo quando? – mentalmente já se despedia de sua posse.
– Vou ficar fora por uns tempos. Não fique triste ou chateado, sei que vai sentir minha falta, mas não vai me ver por enquanto. – Sorriu, tentando animar o colega – mas pode ficar tranquilo que a primeira coisa que vou fazer quando tiver de volta é lhe fazer uma visitinha. – pareceu em dúvida por uns instantes – Claro que seu carro não deve sobreviver até lá. Sabe que tipo de coisa eu tenho que encarar.
Aqueceu os motores, mas não seguiu seu caminho. Um peso invisível pareceu atacar sua cabeça e logo voltou a face para baixo, em direção aos pedais. Fosse o que fosse, aquele era um momento chave, para tudo. Um instante com o poder de mudar as marés da vida. Spider sentiu isso. O que Owen falaria iria começar algo. Mudar algo. Não fazia ideia sobre se iria ou não gostar daquela pequena peça do destino a qual seria jogada para ele brutalmente, sem lhe dar escolha.
Quando o caçador se virou, uma leveza que carregava toda a poesia dos inexoráveis ventos da mudança acompanhou seu movimento. Ele abriu a boca, mas passaram-se quase três segundos antes que finalmente falasse. Foi uma das poucas vezes em que Spider percebeu o olhar do louco sobre si mesmo, e não sobre alguma fabula inventada pela mente deturpada do outro.
– Tudo o que eu falei era verdade. E sua história, sua verdadeira história esta cada vez mais próxima de começar. Tenha cuidado.
Esperou apenas o tempo necessário para que o reconhecimento, o sinal da captação fosse delatado pelo semblante do azarado. Veio então um aceno com a cabeça, um gesto forte, um gesto de confiança, tempos difíceis viriam para Spider, mas confiava no colega, no amigo, e sabia que ele iria triunfar sobre as intempéries cada vez mais próximas. Tudo isso foi dito melhor do que quaisquer palavras que poderia vocalizar. Um olhar atônito foi a resposta que percebeu. Por ultimo, deixou um sorriso como lembrança. Pisou no acelerador...
... E partiu.
Por alguns segundos Spider ficou parado. Imóvel. Olhos vidrados em alguma coisa inexistente enquanto se perdida nos labirínticos corredores de seus pensamentos. O que Owen falara não fora um simples aviso ou conselho, carregava todo o poder e profundidade de uma profecia... ou uma maldição. Lembrou-se daquela sensação que se infiltrara em seu corpo, que dominara sua mente... aquele sentimento pegajoso e ranzinza que insiste em dizer que algo estava prestes a mudar,  a impressão que sentira minutos antes do caçador bater-lhe à porta – coisa que parecia ter ocorrido anos atrás.
Pensara naquilo como uma espécie de paranoia, um tipo de aviso que tenta mostrar que coisas estranhas estão para acontecer, mas que é aumentado pela ideia de que nunca nada da certo, pelo eterno efeito Murphy. Poderia negar agora que algo de extraordinário estaria se dirigindo, cada vez mais rápido, de encontro à sua vida? Não sabia se queria uma resposta exata. Na verdade, tinha certeza que não. E ele pensando que as correrias de dentro do armazém foram a pior parte de seu dia, o ápice de seu azar... Pelo visto, algo pior estava se formando, uma tempestade se formava na estrada de seu futuro.
Exausto, suspirou e movimentou um dolorido ombro direito na esperança que a dor muscular diminuísse. Não adiantava sofrer pelo o que ainda estava por vir. Acontecesse o que acontecesse, não seria hoje que o destino iria cair sobre sua cabeça, sua história, como Owen chamara a coisa, sequer adentrara um prólogo.
Libertando-se da cadeia de pensamentos, decidiu que era hora de dar o fora dali. Estava numa região afastada e sem muito policiamento. Como qualquer outra cidade, Santa Felícia tinha seus perigos corriqueiros. Sem falar da possibilidade de mais alguma coisa sobrenatural simplesmente cair em seu colo, sem sequer pedir licença e explodir em uma onda de momentos complicados e sem sentido. Iria direto para o conforto de sua casa, já tivera sua dose de correria por toda a semana. Diabos, por todo o ano. Apertou a ponta do nariz e ponderou sobre se seu chefe perceberia caso ficasse um mês inteiro dormindo, num merecido quase-coma reparador. Decidiu que caso tomasse tal atitude, no mínimo seria dado como morto, coisa que lhe traria muitos problemas.
Divagando sobre a vida, a morte e como religião tratava a coisa toda, procurava em seus bolsos pelo celular que comprara na semana passada – logo após o anterior ter sido devorado por uma lhama fugitiva. Depois de dez minutos de incessante procura e discussão interna sobre embalsamento, chegou à conclusão de que o telefone não estava em nenhum dos dois bolsos de sua calça e tampouco no pequeno compartimento para canetas do que um dia fora chamada de “camisa social”.
Por um instante, entrou em desespero, imaginando que havia perdido o aparelho. Seu intuito era ligar para um confiável motorista de taxi, que o tiraria dali bem rápido e seria discreto quanto à localidade e ao estado deplorável. No entanto, não fazia a mínima ideia do lugar em que o foragido objeto havia se enfurnado. Cabisbaixo e tentando se lembrar de quantos protagonistas passaram por narrativa semelhante – conta que, para seu desgosto, estava tendendo à zero – perscrutou o lugar.
Logo se animou. Não fora difícil achar seu pertence, afinal. Por um instante temera que teria de voltar até o armazém e lutar contra hordas de furiosas criaturas aleatórias e então empreender uma épica – e cansativa – viagem até os confins das salas cobertas com a cruel poeira sufocadora, para no fim enfrentar alguma coisa estranha particularmente dotada de uma personalidade pra lá de excêntrica em um duelo de Rap. Não, não precisaria de nada disso. Contrariando seus medos secretos, o celular estava logo ali, havia caído de seu bolso e fora esmagado pelas impiedosas calotas de seu carro sequestrado.
Por um solitário segundo, Spider acreditou que a coisa toda havia finalmente acabado. Nada mais poderia acontecer. Retirou sua afirmação logo depois. Ainda faltava chover. Começou a dar os primeiros vacilantes passos em direção ao que imaginou ser o caminho capaz de leva-lo à paragens mais agradáveis e sentiu os primeiros pingos, grossos, frios e inexoráveis, lavarem a crosta de poeira misturada com algo duvidoso que se instalara sobre sua roupa. Um flash iluminou a rua e suas possibilidades inquietantes, logo tendo por companhia o ribombar de um irritado trovão.
Olhando para os próprios pés, seguiu seu caminho.
Por uma unidade de tempo imprecisa, que pode nem mesmo ter existido afinal, pensou ter ouvido algo. Uma frase, como que uma prévia do futuro desconhecido, um refugo do tempo de adiante que fora transportado para aquela hora e lugar. O som era quase imperceptível, residia no limiar dos sentidos e não parecia, de todo, real. Ouvira a sua própria voz, não com o ouvido da mente, mas vindo de fora, como que trazida pelos ventos da mudança.
 “Eu me ferrei, não é?” Pensou ter ouvido.


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Notas finais do capítulo

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Certo, eu admito, ficou bem ruim >.>
Mas eu adoro esse personagem, com 100% de certeza ele aparece de novo. O que acharam dele?

ps: provavelmente só eu entenderei direito, pois se passa depois de coisas que ainda não terminei de escrever 8D