Irritada, Kyoko via Ren a olhar para ela, abanar a cabeça, olhar outra vez e abanar a cabeça outra vez.

- Ren! – exclamou ela – Se não gostas do fato de eu ter voltado ao meu penteado anterior, só tens que dizer!

Ren tinha-a ido buscar depois do exclusivo ter acabado e, desde aí, só tinham trocado um par de frases. Estavam agora sentados numa mesa privada no Darumaya depois de o advogado do Ren ter chateado o juiz até ele aceitar que ela ficasse ali até estar tudo resolvido.

Era o que ele tinha feito durante aquele dia e parecia cansado. Mas Kyoko continuava chateada com a reação dele.

- Então!? – perguntou Kyoko para ele se despachar com o sermão.

- Espera, já chego lá. – disse Ren bebendo um pouco de água; suspirou – Ok, já estou pronto… - ele clareou a voz e olhou para ela de maneira reprovadora – Sabes o que acabaste de fazer?

- Por acaso, já foi há mais de um par de horas. – comentou Kyoko, mas ele não se riu – Porque é que estás zangado? Não gostas?

- Não é essa a questão! – disse Ren irritado – Aqueles fãs que ganhaste depois de teres pintado o cabelo de volta para o preto…podes perdê-los se mudares a tua imagem.

- Bem… - com as sobrancelhas franzidas, Kyoko sabia que ele tinha razão – Mas também tenho o direito de mudar um pouco se me apetecer.

- Tens sempre que considerar a reação dos fãs quando és famosa, Kyoko. – lembrou Ren – Pensava que já sabias disso.

- Não há nada a fazer, agora. – disse Kyoko, mas sabia que era mentira. Podia pôr extensões, pintar o cabelo de volta para o preto…no entanto, não o queria fazer. Aquele penteado lembrava-a de que podia ser forte.

- Tens que reforçar a tua ligação com os fãs. – sugeriu Ren – Pergunta ao Tora se tem alguma ideia. Ele também não deve ter gostado muito da tua súbita mudança. Já não te telefonou?

- Sim… - murmurou Kyoko – Mas eu desliguei o telemóvel.

- Muito madura. – comentou Ren sarcasticamente.

- Oh, cala-te! – protestou Kyoko – Já percebi a mensagem! Também não gostas, pois não!? Se te faz assim tão feliz, amanhã vou pintá-lo de volta!

- Eu não estou a dizer isso. – disse Ren. Suspirou outra vez e levou os dedos à ponta dos cabelos dela – Afinal, quando me apaixonei por ti, era este penteado que tinhas, não era?

Kyoko chocou-se com a súbita mudança de atitude, corou e desviou os olhos dos dele. Como é que ele conseguia dizer coisas como aquelas?

- Então, aposto que eles ficaram contentes por estares de volta. – disse Ren ainda a brincar com o cabelo dela, referindo-se aos donos do Darumaya – Até fizeram esta comida especial.

Kyoko olhou para o prato de Ren que ainda não tinha sido tocado. Era a comida preferida dela que o chefe tinha cozinhado especialmente para ela.

- Sim, parecem estar contentes. – concordou Kyoko – Mas vou ter que começar a trabalhar aqui, outra vez. Eles disseram que não aceitam o meu dinheiro.

- Eles só te querem ver mais. – explicou Ren e, ao ver Kyoko a olhar fixamente para o prato à sua frente, revirou os olhos – Está bem, está bem.

Com relutância, ele começou a comer e ela sorriu. – Vês? Não custa nada.

- Mas eu não estou com fome. – queixou-se Ren depois de engolir a primeira garfada.

- Se só comesses quando tivesses “fome” já estarias no hospital. – protestou Kyoko cruzando os braços – Eu já estou quase a acabar de comer.

- Já percebi. – mas ficou amuado – Sabes que amanhã temos gravações, não sabes?

- Sim. – respondeu Kyoko simplesmente, remexendo na comida.

- E o Yachiro-san marcou uma sessão de fotos na torre de Tóquio. – continuou Ren, enquanto acabava a sua comida, rapidamente – Também é amanhã.

- A sério? – perguntou Kyoko – A que horas é que vais?

- É “a que horas é que vamos”. – corrigiu Ren recebendo a total atenção de Kyoko que o olhava de olhos arregalados – Estava a demorar muito até ao Yachiro-san fazer alguma coisa a respeito da nossa relação.

- O quê? – perguntou Kyoko tentando recompor-se – O que é que queres dizer?

- Bem… - disse Ren – O Yachiro-san combinou com uma revista, uma sessão fotográfica connosco.

- “Connosco”?

- Sim. – confirmou Ren, vendo-a ainda mais confusa – Do casal que somos, oficialmente. Depois respondemos a algumas perguntas para a revista e voltamos às gravações.

- E foi o Yashiro-san que fez isso? – perguntou Kyoko, tentando perceber.

- Sim. – reforçou Ren – Já devias saber que ele ia fazer alguma coisa. Ele está demasiado entusiasmado com as notícias do nosso relacionamento oficial.

- Ok…?

- Não te preocupes. – pediu Ren empurrando um pouco o prato quando acabou de comer – Vai ser rápido e é logo de manhã. Depois tens o resto do dia para te concentrares nas gravações.

- Hm.

Kyoko terminou de comer pouco depois disso, sem qualquer vontade de o fazer.

Tinham combinado marcar um encontro quando tivessem um dia livre, mas quando é que isso iria acontecer?

- Ah! O Tora telefonou. – disse Kyoko surpreendendo Ren – O Kiichi-san telefonou. Parece que vai começar a digressão para a semana e quer que eu compareça a pelo menos esse show.

- Vais fazê-lo? – perguntou Ren vendo Kyoko anuir com a cabeça em resposta – Não te esqueças que os Billboard Awards também estão à porta.

- Sim, também já tive um ensaio com o Sho, hoje. – ela começou a brincar com o guardanapo enquanto falava porque não sabia se estava preparada para lhe perguntar aquilo – Vai ser uma coisa simples.

- A sério?

- Sim. – ela ficou calada durante uns longos dois minutos, enquanto o som das conversas e dos talheres do outro lado ocupavam o silêncio. Finalmente, ela atirou o guardanapo para cima do prato e olhou para ele com convicção – Ren! Queres vir comigo à entrega de prémios!?

Ren começou às gargalhadas quase fazendo o coração de Kyoko parar. Rejeição era uma coisa muito difícil de aceitar mas Kyoko compreendia. Ren era um ator muito procurado e, com certeza, à noite preferia descansar.

- Não faz mal se não puderes. – murmurou Kyoko, mais chateada do que triste.

- Não é esse o caso. – Ren tossiu para parar de rir – É só…a maneira como o disseste. Parecia que estavas a ameaçar-me em vez de me estares a pedir. Esse penteado deve estar mesmo a resultar.

- Para de gozar comigo! – protestou Kyoko dando-lhe um estalo amigável no ombro.

- Eu não estou a gozar contigo. – antes que ela tivesse tempo de se afastar, ele agarrou-lhe o pulso e depositou-lhe um beijo nas costas da mão – Eu adoro-te.

Ela susteve a respiração e só não tirou a mão da dele porque achou que seria um gesto muito fútil. No entanto, achou que ele já a estava a agarrar há demasiado tempo.

Finalmente, quando ele a largou, arrastou a cadeira e levantou-se. – Foi um dia longo, hoje. Porque é que não te vais deitar?

- Sim. – concordou Kyoko, enquanto aceitava a mão dele para se levantar também. Estava cansada mas, de certa maneira, era estranho não ter Ren a dormir na mesma casa. Talvez por causa dos últimos dois dias… - Também vais para casa? – perguntou ela estupidamente.

- Sim. – respondeu Ren – Quero acordar bem cedo para te vir buscar.

Ele vergou-se e depositou um beijo na testa dela antes de dizer boa noite e virar costas. Quando ficou sozinha, Kyoko levou uma mão aos lábios e franziu as sobrancelhas.

Porque é que ele não a tinha beijado?

…

Depois de ter ajudado a limpar e a fechar o restaurante, Kyoko estava na cama, terrivelmente irritadiça por não conseguir dormir. A questão era que sentia um constrangimento enorme de cada vez que pensava que Ren estava longe.

Por isso, decidira fazer algo mais produtivo com o seu tempo.

Já tinha assistido a um par de concertos do Kiichi e agora, encontrava-se com um papel branco na mão, a pensar.

Parecia que o Kiichi-san era mesmo muito famoso no Japão e, se assim fosse, não era justo que fosse só ela a ganhar com aquela oportunidade.

- Mmm… - murmurou Kyoko batendo com o lápis na folha – Talvez pudesse convidar o Shotaro para cantar comigo.

Com rapidez, escrever “A Convidar” no papel e depois o nome de Sho em baixo.

- E, se calhar, também podia convidar o Brian. – mais entusiasmada, continuou a escrever – Tenho que escrever uma música para cantarmos juntos. – pegou noutro papel e pô-lo de lado para escrever a música depois – E a Ruriko-san! Ia ser divertido se ela também pudesse participar.

Parou de escrever e pensou nos Beagles. Um pouco contrariada, pôs o nome deles no papel com um ponto de interrogação à frente. Aquele era um assunto para pensar.

Pôs a lista de lado e começou a escrever a letra que lhe tinha vindo à cabeça. Já imaginava a diversão que seria atuar com toda a gente.

Quando reparou, já estava a bocejar.

…

No entanto, só tinha começado a bocejar à uma da manhã e só tinha adormecido lá para as quatro.

As boas notícias eram que tinha decidido as músicas que iam tocar se todos aceitassem. As más notícias seriam para os maquilhadores e para Ren que estava no momento a olhar para ela.

- O que é que se passa com essa cara? – perguntou Ren olhando para a pele branca e as sombras carregadas por baixo dos olhos – Não te disse ontem que tínhamos uma sessão fotográfica, hoje?

Kyoko notou que ele estava um pouco chateado. Ren conseguia ser demasiado “competente” em situações daquelas. Nem lhe tinha perguntado porque é que não tinha dormido bem.

- O corpo de um ator é o seu instrumento de trabalho. – lembrou Ren passando o polegar pela pele fina e macia debaixo dos olhos dela – Principalmente a cara.

Devia estar chateada pela reação do namorado mas sabia que ele tinha razão. Por isso, o que sentiu foi vergonha por não se ter lembrado disso na noite anterior.

- O que é que aconteceu? – perguntou Ren finalmente, da maneira mais gentil que conseguiu – Porque é que pareces tão cansada?

- Tive problemas a adormecer. – explicou Kyoko entre dentes.

- Porquê? – perguntou ele passando-lhe a mão pela cara, devagar – Bem, quando chegares lá disfarças isso com maquilhagem e depois logo se vês o que podemos fazer quanto a essa falta de sono.

Ela anuiu levemente com a cabeça e deixou-se guiar até à saída, por Ren. Quando ia continuar a conversa viu Tora encostado ao carro dele e o carro de Ren estacionado atrás dele.

- O que é que se passa aqui? – perguntou, confusa.

- Bem…

- Eu estava a estacionar quando o Ren chegou. – explicou Tora, interrompendo Ren – Agradecia que me informassem caso combinem alguma coisa, por favor.

- E agora? – perguntou Kyoko.

- Agora vens comigo. – protestou Tora – Não fiz este caminho todo para ir embora. E, tenho que falar contigo sobra algumas coisas.

- Sobre o quê? – perguntou Kyoko porque queria ir com Ren.

- Sobre o teu cabelo! – exclamou Tora abrindo a porta do carro – Agora, entra.

Kyoko assim o fez, contrariada, enquanto Ren lhe acenava com a mão e lhe dava um sorriso de “bem te disse” que ainda a deixou mais irritada.

- Sabes o que fizeste? – perguntou Tora, imitando Ren sem o saber.

- Eu pintei o cabelo! – gritou Kyoko quando Tora arrancou atrás de Ren – Qual é o grande problema?

- Já começou a surtir os seus efeitos. Se fores à internet podes ver os comentários. – respondeu Tora – E alguns não são muito bons. Dizem que mudaste de estilo…para pior.

- Isso não é verdade. – protestou Kyoko.

- É sim…para eles, é. Temos que começar a tomar medidas preventivas, já. Ou vais perder muitos fãs. – explicou Tora – Estou a negociar com o meu pai sobre fazer um especial “Before Tour – the life of a japanese star” e já planeei uma mini digressão por Tókio.

- Eu não posso…

- Claro que podes. – interrompeu Tora virando na curava onde Ren virou – E vais fazê-lo porque é o preço do teu novo penteado. Uma câmara vai-te seguir durante uma semana antes da digressão principal começar para fazer o especial e, antes disso, vais fazer a mini digressão pelas escolas secundárias e universidades de Tókio.

- O quê!? – perguntou Kyoko chocada – Mas…

- Não quero ouvir queixas, Kyoko. – avisou Tora, mal-humorado – Se fizeste bem o teu trabalho, ninguém te vai reconhecer.

Espero que não, pensou Kyoko lembrando-se de Sousuke.