Coroa de prata escrita por Eleanor Blake


Capítulo 21
Palavras impensadas


Notas iniciais do capítulo

Lamento muito pela demora,mas espero que gostem




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O dia passava diante da janela enquanto eu me livrava do disfarce que me cobria e não havia quem me incomodasse depois que saí do salão.

Se David estava ali eu não o ouvi me acompanhar enquanto minha porta rangia e meus pés tocavam a pedra fria.Caminhei lentamente até o jardim lembrando amargamente dos acontecimentos enquanto sentia os pontos repuxarem a palma da minha mão.

Meus pés me levaram até o estábulo e de lá até Júpiter que me recepcionou jogando sua crina e vindo impaciente até o portão que nos separava.

—Me dê a cela dele,vou montá-lo agora.

O guarda se sobressaltou com meu pedido e deu um passo pronto a tirar um velho telefone do gancho.

—O que pensa em fazer? -perguntei cruzando os braços.

Vermelho até as orelhas o guarda engoliu em seco e deixou sua mão cair ao lado do corpo enquanto corrigia a postura.

—Preciso notificar a vossa majestade o rei que Júpiter sairá da baia...Quem sabe vossa alteza não prefira montar Doçura,ela é uma ótima montaria.

Com a mão trêmula ele apontou pra uma baia com portões brancos e eu caminhei até ali bufando com o que vi.

Impaciente eu torcia a ponta dos cabelos enquanto encontrava os olhos do guarda e Júpiter relinchava alto do outro lado da baia.

—Um pônei... até eu sei o que é um pônei.Por que diabos eu montaria metade de um cavalo?

Buscando palavras o guarda engolia em seco enquanto botas batiam atrás de mim.

—Por que é mais seguro pra você montar a Doçura do que um cavalo como Júpiter.

Senti os pelos do pescoço arrepiarem enquanto Nathaniel se aproximava e dava o comando pra que o guarda celasse aquele animal infame.

—Esquece

Murmurei exasperada e saí contornando Nataniel e senti o conhecido aperto em meu pulso.

Minha boca secou e juntei as forças que se evaporavam pra encarar aqueles olhos.

—Qual é o problema agora?Eu a escolhi pra sua segurança e você pode montá-la comigo.Vamos,vou te subir nela.

A pequena chama de raiva de hoje de manhã tinha se guardado em meu peito e queimou ardente enquanto eu girava meu pulso até me soltar.

—Eu ainda tenho um mínimo de dignidade a conservar e com certeza não vou me humilhar a este ponto.Não cabem a você as minhas escolhas e estou farta de que pense assim,agora me deixe em paz Nathaniel,isso não é um pedido.

Meus olhos queimaram enquanto os dele se apertavam e eu voltava a caminhar trêmula enquanto o sol se punha ao meu lado.

Em um instante eu era erguida do chão e posta no ombro de Nathaniel como um saco de batatas.

Sem uma única palavra ele me içou,abriu a baia de Júpiter e me colocou ao lado do corcel que me cheirava atento a qualquer movimento.Nathaniel murmurava coisas incompreensíveis enquanto eu tocava o grande e lustroso pescoço do cavalo que começava a se abaixar.

—Se é o que tanto deseja então lide você mesma com as consequências.

As palavras eram secas enquanto ao sinal dele o guarda trazia a cela e o freio de boca e logo os entregou a mim.

O peso do equipamento era imenso e Nathaniel não fez o mínimo movimento pra me ajudar enquanto eu encaixava tudo no dorso de Júpiter e ele se levantava pra que eu pudesse fechar os pinos debaixo de sua barriga.

Com gentileza mostrei a ele o freio de boca e com algum custo consegui encaixá-lo e Júpiter batia as patas impaciente ,levantando a poeira do chão.

—Posso montar em você? Não sei muito sobre isso mas prometo ser gentil.

Grandes olhos negros encontraram os meus e o grande corcel se sentou no chão balançando sua cauda enquanto eu vestia o capacete e segurava o freio tomando o cuidado de não puxar.

Sentei-me na cela e Júpiter levantou sem aviso me fazendo arfar.

—Voce é tão grande… -murmurei olhando em volta.

—Eu disse que não seria o ideal pra você,ainda mais já que nunca montou na vida…

Recompus a expressão e segurei firme as cordas do freio fazendo Júpiter dar um passo lento pra frente.

—Por favor abra o portão

Minha voz saiu baixa porém mais firme do que eu esperava enquanto o guarda vinha e Júpiter avançava ainda mais.

—Tudo bem...vou selar Caramelo e logo te acompanho…

—Dispenso a companhia -murmurei puxando a cela.

E naquele momento eu tive a sensação de alçar vôo.

Meus olhos se fecharam enquanto Júpiter saía em disparada pelo campo como se quisesse alcançar a velocidade dos raios.Engoli os gritos que queriam sair e puxei a cela mas o grande corcel ignorava meu comando.Eu teria que tentar algo diferente.

—Júpiter pare agora!

Meu grito ecoou pelo campo enquanto o corcel reduzia a velocidade até parar e me olhar com seu grande olho negro.

—Ok… vamos começar andando devagar ok? É a minha primeira vez lembra?

Como se concordasse com minha oferta o corcel começou a caminhar lentamente enquanto eu sentia o coração se aquietar e finalmente eu pude contemplar o campo florido diante de nós e suspirar enquanto o por do sol tingia o céu.

A cada trote de Júpiter eu me sentia mais próxima dos dias leves,das noites frias e o cheiro de terra molhada ao meu redor,das risadas,das fogueiras nas ruas enquanto eu caminhava pela noite sentindo a liberdade e  a sensação de estar numa gaiola me atingiu como um soco.

Continuei cavalgando sentindo as lágrimas quentes cortando meu peito e correndo por meus olhos e tentando me ver o mais longe possível do castelo que me fosse possível.

—Vamos mais rápido,por favor Júpiter,mais rápido.

Balancei o freio e ele acelerou cortando o campo, entrando pelo caminho de árvores até chegar perto de um grande portão repleto de guardas que se espantaram ao me ver montada naquele cavalo imenso e naquela velocidade.

Ignorei-os entrando mais pelo caminho de árvores e me abaixei me agarrando ao pescoço de Júpiter que resfolegava como se estivesse guardando toda aquela energia até agora só pra mim.

Deixei que ele se embrenhasse pelas árvores até parar num pequeno riacho que corria manso e refletia a luz da lua.

O corcel lentamente se aproximou da água e se deitou na grama úmida do orvalho e bebeu preguiçosamente da água do rio enquanto eu cruzava minhas pernas ao seu lado e tocava a margem com os dedos dos pés.

—É um belo lugar não é?- murmurei tocando o pelo frio de Júpiter que encarava o reflexo.

—O que alguém faz aqui a esta hora?

Me sobressaltei engolindo em seco e me virando pra ver James sorrindo de lado e com a sobrancelha erguida desafiando minha resposta.

Bufei coçando a cabeça e ri amargamente olhando o céu que escurecia.

—Não sou ninguém, não tenho resposta pra isso.

Diante das minhas palavras o sorriso de James desapareceu dando lugar a duas sobrancelhas juntas e os lábios fechados em uma linha fina.

—Não é comum ouvir algo assim da realeza…

Suas palavras eram confusas mas fizeram lágrimas quentes correrem por meu queixo.

Eu queria dizer que eu não era da realeza,que tudo aquilo era patético,que eu era patética e estar ali era a piada de mau gosto do século e eu daria tudo pra estar fora daqui e livre de toda essa loucura,mas era impossível que alguém deles entendesse.

Quando fui formular uma resposta mais simples ouvi trotes de outro cavalo e Júpiter se levantou se colocando na minha frente enquanto Caramelo aparecia com Nathaniel montado em seu dorso.

—O rei nos chama pra uma audiência,você deve vir agora.

Suas palavras tentavam soar monótonas e frias mas eu sentia a raiva arder atrás daquela parede de gesso que ele tentava erguer.

Suspirei assentindo e Júpiter se deitou pra que eu o montasse e logo estava pronta pra partir.

—Tenha uma boa noite princesa.

A voz de James era mecânica,sua face era inexpressiva e a doce noite no lago tinha se tornado um quadro incômodo demais pra continuar observando.

—Vamos voltar a sua baia Júpiter, já podemos ir.

O corcel se virou e começamos a cavalgar lentamente enquanto as estrelas se levantavam e meu coração afundava.

Ignorei Nathaniel até entregar Júpiter a sua baia e acariciá-lo numa promessa silenciosa de que eu retornaria.

Passei por Nathaniel sem nenhuma palavra e comecei a fazer meu caminho ouvindo as botas batendo atrás de mim.

—Voce consegue odiar alguém que a ama tanto assim?

Sua pergunta fez meus passos cessarem e meus olhos encontrarem o pálido brilho da lua que banhava a grama úmida.

Suspirei pesadão deixando finalmente meu coração transbordar com tudo o que se passava em mim.

—Você não ama a mim,ama a princesa,ama sua irmã que foi levada e a promessa que você fez,mas essa garota aqui,criada longe de tudo isso,que não quer nada além do próprio espaço eu te garanto que não conhece,por que sempre que você a vê eu enxergo o ódio em seus olhos.Me perdoe Nathaniel, não posso ser sua irmã, não posso atender as exigências que você me faz, não posso ser quem você espera que eu seja.

Minhas palavras retorciam sua expressão até que ela se tornasse amarga e desapontada e não pude negar a pontada de dor que cortou meu peito ao ver aqueles olhos tão vazios.

—Me perdoe Nathaniel, estou cansada de fingir e de tentar.

Passamos os corredores silenciosamente até chegarmos ao salão e eu sentir o estômago embrulhar e se apertar como se houvesse uma serpente enrolada em mim por dentro da pele.

Nossa chegada foi anunciada e me deparei com Jenna,David e sua ajudante e uma equipe de desconhecidos que se agitavam e cochichavam entre si enquanto os olhos do rei recaíam sobre mim.

Nathaniel logo sentou-se e um lugar me foi oferecido mas não saí do lugar.Aquilo parecia uma armadilha da qual eu teria que dar sangue e suor pra escapar.

E poder correr.

—Sente-se Annice,temos coisas a discutir -o rei disse apontando pra cadeira.

Suspirei cruzando os braços por trás do corpo e encontrei seus olhos com todas as forças que tinha.

—Se não se importam eu prefiro me manter aqui -respondi encontrando olhos espantados fixos em mim.

—Princesa,queremos discutir seu aniversário e sua anunciação ao povo,por favor sente-se pra que possamos dizer o que preparamos -Jenna disse com a voz trêmula.

Dei um passo pra trás tocando os pontos em minha mão e encarei o chão.Minbas costas doíam com a tensão,meu lábios começavam a ressecar mas eu não suportaria levar isso adiante.

—Ninguém parou pra me perguntar o que eu quero,se estava confortável com as ideias que tinham pra mim e desejam me manipular como uma boneca de pano,estou presa aqui sem poder dar um único passo sem que hajam pessoas atrás de mim,eu não decido o que como, não decido o que visto e nem pra onde vou,mas definitivamente não me questionaram sobre me mostrarem como uma relíquia reconquistada,mas dessa vez eu tenho que manifestar a minha opinião.Eu não quero ser apresentada a ninguém, não quero uma coroa ou uma festa idiota,ou dar um prêmio pelo menor legume numa festa.Só quero ser deixada em paz sem perder o pouco que ainda resta de mim.Lamento,mas não posso ser princesa se isso significar seguir a rota que alguém traçou pra mim, agradeço o esforço mas peço que parem por que não levarei isso adiante.

Todas as conversas cessaram, Nathaniel tremia,o rei bufava e Jenna tinha tanto medo em seus olhos quanto eu poderia imaginar.

A passos cuidadosos eu andei sem dar as costas a nenhum deles e quando cheguei a porta corri o mais rápido que puder suportar até meu quarto e comecei a empurrar tudo o que fosse pesado o suficiente pra barrar a entrada de alguém de fora.Arranquei a barra das cortinas e atravessei pelos puxadores da porta e atirei todos os vestidos ridículos em cima da pilha torcendo pra que fosse suficiente.

Vão vir atrás de mim e quando virem estarei acabada,vou ser arrastada até qualquer coisa em que desejem minha presença.

Lentamente a serpente dentro de mim tomava meu peito enquanto eu me dava conta da loucura que tinha feito.





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