Coroa de prata escrita por Eleanor Blake


Capítulo 18
Bolha




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Despertei sufocada por dois corpos quentes ao meu redor enquanto a agitação de passos pelos corredores começava a acontecer.

Com todo o cuidado levantei-me e sorri vendo o rei e Nathaniel dormindo tranquilos enquanto eu me sentava em frente ao espelho.

Haviam cortes e manchas roxas por todo o meu corpo,marcas de unhas por minhas bochechas e pontos quase secos marcavam o início da minha testa.Meus dedos finos tocavam as marcas enquanto Nico entrava pela porta entreaberta e pulava em meu colo.

O rei levantou-se alarmado olhando em volta como se tudo estivesse em chamas e Nathaniel não era muito diferente enquanto tropeçava nos próprios sapatos.

Ri apoiando o queixo na palma da mão enquanto os dois se viravam pra mim e puxavam seus cabelos aliviados.

—Ela é pequena e silenciosa como um rato…

O murmúrio frustrado do rei ecoou pelas paredes enquanto Nathaniel vinha e beijava meu cabelo.Nico frustrado com sua atenção roubada tentou arranhá-lo mas segurei sua pequena para furiosa.

Era uma bolha.

De olhares trocados,sorrisos tranquilos .Meu peito queimava com tudo o que eu via e virei o rosto escondendo lágrimas traiçoeiras.

Um turbilhão de passos vinha até minha porta revelando um velho senhor com um terno vermelho e uma corrente longa e dourada pendendo de seu peito com um cão de caça cravado no brasão.

—Mil perdões pela invasão meu senhor,mas existem questões que exigem sua atenção imediata no dia de hoje.

Ele então veio e tocou meus cabelos num gesto de despedida enquanto puxava seu manto e saía acompanhado da agitação de vozes inquietas.

—Você não deveria ir junto?Sabe...pra aprender - eu perguntei segurando os dedos pálidos de Nathaniel.

E minha bolha estourou.

Com uma expressão fechada que eu nunca havia visto ele se soltou de meu toque e saiu porta a fora me deixando confusa e incomodada.

Mas eu trabalharia com o que tinha.

Aproveitei o silêncio antes das criadas virem me incomodar, tomei um banho tranquilo e coloquei um vestido azul claro com mangas fluidas e um cinto dourado que se fechava em várias voltas ao redor da cintura.

Calcei sapatilhas brancas e com cuidado testei as pernas que hoje estavam dispostas a caminhar.

E na porta havia mais uma novidade.

David coçava a cabeça encarando o chão enquanto uma garota alta usando calça,botas de couro e uma jaqueta preta me olhava com curiosidade.

Seu olhar era voraz,seu sorriso animado refletindo meu incômodo e sua pele vermelha como se o sol a tivesse beijado eram emolduradas por longos cachos pretos presos numa trança firme.

—Oi!Sou Maggie.

Seu sorriso era caloroso,mas havia algo de errado em seus olhos que não acompanhavam a alegria que seus lábios queriam me fazer acreditar que ela tinha.

Encarei David e suspirei passando pelos dois até que senti que passos largos me acompanhavam.

—Não tive a chance de me apresentar devidamente,eu sou sua dama de companhia,vou estar com você em todos os momentos e sou uma nobre também então podemos ser amigas.

Meus passos silenciaram enquanto Jenna vinha apressada pelo corredor e eu encarava aqueles estranhos olhos escuros.

—Não gosto de você

Meu murmúrio ecoou pelas paredes enquanto aquele sorriso falso se desfazia em confusão.

—David,se ela já disse tudo o que deveria dizer então tire-a daqui.- eu disse voltando a caminhar.

Até que um punho firme se fechou ao redor do meu.

Meu peito arfou enquanto eu voltava a encarar aqueles olhos escuros que agora ardiam como chamas.

Mas eu estava cansada de recuar.

Com a mão livre puxei sua trança até que ela se abaixasse e seus olhos encontrassem os meus.

—Eu sugiro que me solte antes que essa sua atitude idiota te cause problemas.

Minha voz saiu tranquila e fria,firme como eu nunca a tinha ouvido.

Os olhos ardentes logo tornaram-se confusos enquanto ela me soltava e caía apoiada em um dos joelhos.

—Minha senhora,me perdoe…

Soltei seus cabelos e continuei a andar puxando as mangas do vestido enquanto criados me cumprimentavam por onde eu passava.

Cheguei até a cozinha e um velho senhor vestido de chef vinha apressado limpando as mãos de farinha.

—Muito bom dia senhora!Sou Giordano,o padeiro.Como posso encantá-la hoje?

Sua voz era grave e gentil,seu rosto corado guardava um sorriso acolhedor enquanto seus cabelos encaracolados quase todos brancos eram presos por uma bandana vermelha.

Olhei em volta e não pude deixar de sorrir com a alegria com que todos na cozinha trabalhavam,desde aqueles que descascavam legumes aos que usavam as panelas.

—Eu quero aprender

Meu pedido silenciou a cozinha que logo virou-se atenta ao que eu dizia.

Giordano franziu a testa,juntou as sobrancelhas e começou a amassar o avental corando como uma cereja.

—Então eu pedirei que venha o maior padeiro da nação pra te ensinar -ele disse soltando o avental.

—Estou olhando pra ele nesse exato momento.

Os olhos do velho Giordano procuraram em volta até que ele se desse conta de que ele era o padeiro a quem eu me referia.Seu rosto todo se tomou numa coloração vermelho viva enquanto ele tentava controlar lágrimas que começavam a se formar.

E como um redemoinho ele começou.

A cozinha voltou a se agitar enquanto ele corria pela cozinha pegando potes,colheres,garfos, utensílios e tudo o mais e colocou na minha frente com o peito estufado.

—Então Giordano vai ensinar com todo o amor.

Aprendi sobre farinhas,sobre queijos,frutas, pães,doces e o que mais aparecesse na mente daquele padeiro.

Trançamos roscas doces,amassamos pães,provamos azeites e quebramos tantas castanhas quanto foram possíveis.

Agradeci pelas lições e prometi voltar pra aprender mais.Fui embora tendo que jurar a equipe da cozinha que eu viria aprender a cozinhar algo da próxima vez.

E pela primeira vez em semanas eu me senti útil.

Eu tinha farinha no cabelo e no vestido enquanto carregava minha cesta pelos corredores e ia em direção a casa do lago que tinha visto antes de chegar ao haras.

Eu estava ruborizada pelo esforço,arfava de leve enquanto olhava os pássaros voando livres e pequenos coelhos correndo entre arbustos.

Sentei-me embaixo de uma árvore na beira do lago tirando um pedaço de pão fresco com manteiga e legumes e comecei a mordiscar e a jogar migalhas no lago pra ver pequenos peixes subindo pra comer.

Mas nada me distraía completamente do incômodo e frustração nos olhos de Nathaniel quando se afastou de mim.Mas eu não poderia forcá-lo a falar o que tanto o incomodava no que eu disse.

Ele é um príncipe,o herdeiro de uma nação então nada mais justo que aprenda a função.

A menos que não queira o posto.

—Você não deveria sair sozinha pra tão longe assim.

Virei-me assustada e Nathaniel estava apoiado na árvore em que eu me sentava.Seus cabelos estavam desgrenhados,sua expressão parecia perturbada e sua boca estava parada numa linha fina.

Engoli em seco fechando minha cesta e comecei a enrolar as pontas do cabelo com os dedos.

Sem nenhuma palavra ele deu as costas e começou a caminhar em direção ao castelo enquanto eu o observava e me levantava.

Abracei a cesta e saí caminhando pela direção oposta vendo troncos que se debruçavam em longas raízes tentando ignorar as lágrimas que tão facilmente tomavam meu peito agora.

Sentei-me afoita com tanto esforço e senti o terrível calor do sol começar a me deixar zonza.

Enrolei as mangas do vestido tentando ignorar os hematomas e cortes e prendi meus cabelos num coque firme enquanto dava meia volta em direção ao castelo.

Nathaniel estava parado na entrada me olhando sério com os braços cruzados e olhos frios como eu nunca tinha visto.

Nele não.

Frios como os olhos do rei.

Engoli em seco olhando o chão e o contornei o mais rápido que pude disparando em direção aos corredores onde eu tinha encontrado o grande quadro da rainha e fui abrindo salas e mais salas até que uma delas estava trancada.

Forcei a fechadura soltando minha cesta sob meus pés até que senti um pulso firme segurando minhas duas mãos.

Virei-me pra ver aqueles olhos.

Olhos insanos.

Os olhos de Nathaniel ardiam em brasa enquanto seu maxilar estava trincado e seus dedos apertavam meus pulsos.

—Não pode entrar aqui

Sua voz era cortante como gelo enquanto ele pegava meu cesto e saía ainda me segurando pelos pulsos.

Eu não entendia.

Eu tropeçava em meus próprios pés pra em seguida ter que recuperar o ritmo dos passos por que ele simplesmente não parava,minhas pernas queriam ceder e as lágrimas queriam descer enquanto o aperto só ficava mais e mais firme a cada instante.

Por quê?Quem era esse?

O que eu tinha feito de errado?

—Fui eu,aquela carta fui eu quem escreveu pra você ao menos parar de se queixar por um minuto que fosse.

Minha cabeça girava enquanto eu tropeçava em meus pés e caía de joelhos pra logo ser erguida pelos braços e novamente posta pra andar.

—O que você pensa que está fazendo? Vamos,temos um almoço com nosso pai.

O clima estava tenso,pesado e sufocante enquanto eu era arrastada pelos pulsos até o salão dos escudos.

O rei que sorria pra nós logo nos olhou confuso enquanto Nathaniel me sentava na cadeira e logo contornava a grande mesa pra sentar-se de frente pra mim.

—O que está acontecendo aqui?

A voz do rei era grave enquanto ele parava ao lado de Nathaniel tocando seu ombro.

Ousei levantar meus olhos pela primeira vez pra ver o rei me olhando sério e Nathaniel com aqueles olhos em chamas.

Não chore,sua idiota por favor não chore.

Ele te usou

Não chore

Ganhou sua confiança,te enganou

Não chore

E agora vai te machucar

Arfei segurando o peito e me coloquei em pé com dificuldade.

Fuja antes que seja tarde

E foi o que fiz.

Reuni todas as forças que tinha e disparei pelo salão dos escudos até os corredores e entrei em alas cada vez mais silenciosas e escuras sendo seguida por passos apressados que Nathaniel dava com o rei em seu encalço.

Por favor,uma porta sequer,por favor…

Aumentei o ritmo encontrando uma pesada porta de metal entreaberta com uma grande mesa e cadeiras iluminadas apenas por grandes velas em todos os cantos.

Entrei pela porta passando a grande trava de madeira e me sentei no chão frio tentando fazer minha respiração parar de fazer tanto barulho.

Olhei em volta sentindo um clima pesado e sufocante vindo de paredes de pedra vultuosamente iluminadas pelas grandes velas presas a castiçais de cobre.

Onde eu tinha me enfiado dessa vez?

Uma,duas, três horas se passaram até que finalmente decidi sair daquele lugar.

Empurrei a pesada trava da porta até finalmente abri-la e sentir meu coração congelar no lugar.

Com a camisa aberta,o rosto ruborizado e coberto de suor Nathaniel me encarava com os braços cruzados.

Fuja sua idiota,corra daí.

Eu tentei

Mas minhas pernas não me permitiam enquanto ele se aproximava.

—Precisamos conversar…

Aquela voz tinha o tom tranquilo que eu conhecia,mas o resto do corpo não condizia com suas palavras.

Suas mãos se fechavam levemente sob meus ombros enquanto eu perdia a força das pernas sabendo que eu cairia no instante em que ele me forçasse a dar um passo.

Pra minha humilhação ele fez algo pior.

Nathaniel me pegou nos braços e eu travei no lugar enquanto sentia a bexiga dando sinais de necessidade.

—P...por favor me solte,eu preciso usar o banheiro,por favor me solte…

Com um olhar confuso ele me colocou no chão e me segurou pelos ombros.

Com uma risada baixa e um sussurro ele se aproximou de mim tocando minha testa fria na dele.

—Não acho que você precise mais…

Encarei mortificada o chão e cobri meu rosto com mãos trêmulas que tentavam segurar gritos desesperados.

—Por favor me deixe ir...Por favor... Nathaniel eu faço o que você quiser mas me deixe em paz.

Meus gemidos desesperados misturados as palavras engolidas pelo choro descontrolado trouxeram passos pesados que me tiraram do chão enquanto um manto se fechava ao meu redor.

—Nathaniel o que você fez?

O rei correu comigo pelos corredores até um quarto em que eu nunca tinha entrado e me sentou na banheira tirando seu manto dos meus ombros e saindo.

Criadas vieram e silenciosamente tiraram minha roupa e encheram a banheira lavando meu corpo humilhado e dolorido.

Meus pulsos estavam marcados com os dedos de Nathaniel,meu peito queimava em dor,minha boca seca tremia enquanto elas me lavavam e logo me tiravam da água.

Fui carregada até uma grande cama vermelha,me colocaram numa camisola branca e me cobriram com mantas brancas quentes que depois de tanto cansaço me fizeram adormecer.

O que seria de mim quando eu despertasse?






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Notas finais do capítulo

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