Coroa de prata escrita por Eleanor Blake


Capítulo 17
Noite cinza




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Por seis dias inteiros eu não vi ou ouvir falar de Nathaniel.

Eu me sentia sozinha,sufocada pelas paredes e perturbada pelo som dos aparelhos que não paravam de apitar e da enfermeira murmurando informações pra si mesma sem nem se dar ao trabalho de olhar pra mim.

Na sétima noite eu me levantei trôpega e fui caminhando até o jardim e depois do jardim até o gramado que me fazia olhar o muro de pedras que me prendia aqui.

Sentei-me na grama fria e senti suas pontas nos meus pés descalços enquanto eu olhava a pálida lua na noite cinza.

As nuvens finas rodeavam o brilho da lua minguante que iluminava fracamente o céu sem estrelas.

“Acorda, vem ver a lua
Que dorme na noite escura
Que surge tão bela e branca
Derramando doçura
Clara chama silente
Ardendo meu sonhar”...

As palavras da melodia que minha mãe cantava durante a noite saíram fracas de mim enquanto as lágrimas queimavam meu peito e corriam até o chão.

Por algumas horas eu fiquei ali vendo coelhos correrem entre os arbustos,corujas pousarem no galhos das árvores e a música ecoando na noite.

Voltei ao quarto sentindo o  cansaço do esforço enquanto me deitava na cama dura da enfermaria.

O silêncio da noite tinha sido cortado por passos que vinham firmes até minha porta.

Como a aparição de um fantasma ela estava ali.

Seus olhos eram frios,sua boca estava fechada numa linha rígida,seu cabelo preso num coque firme no topo da cabeça enquanto seu vestido vinho dançava com a corrente de ar que vinha da porta entreaberta.

Me levantei sentindo o coração pular de alegria enquanto ia ao seu encontro de braços abertos.

O tapa que me arremessou no chão me fez parar.

Ela ria enquanto vinha e cravava suas unhas em minha bochecha me fazendo encarar seus olhos.

—M... mamãe? Mãe está tudo bem,você está de volta,vamos embora daqui não é?Você veio pra me buscar.

O desespero e a euforia tinham tomado conta do meu corpo enquanto eu me agarrava a seu vestido e abraçava suas pernas.

O segundo tapa fez sangue correr pela minha boca cobrindo tudo com seu gosto acre.

—Você acha mesmo que eu quis ficar com você?A rainha morreu e eu não soube antes senão já teria te matado.Eu sacrifiquei tudo!Minha juventude,minha beleza,minha vida pra cuidar de uma criatura feia,mimada e digna de pena,de nojo como você!

O terceiro tapa veio me fazendo sentir a carne dos lábios se abrir e mãos geladas se fecharem em torno do meu pescoço.

—M... mãe vamos sair daqui?A gente pode conversar depois,vai ser tudo como antes...

Minha voz saía baixa,minha visão começava turvar enquanto mais um tapa vinha.

E outro,e outro e outro…

A porta se abriu com o rei acompanhado de guardas que a arrastavam pelos braços.

Ela mordia o ar, chutava,se agitava como uma besta raivosa.

Seu olhar era enlouquecido,sua saliva escorria pela boca enquanto o rei esbofeteava seu rosto.

Caí da cama e rastejei até seus pés recebendo um chute no peito que me jogou pra trás fazendo minha cabeça quicar no chão de pedra.

O rei congelava mortificado no lugar,o barulho de algo sendo cortado tomava o lugar e uma tosse sufocada inundava meus ouvidos.

Quando olhei pra frente eu não conseguia processar o que via.

O corpo dela caía no chão,os olhos sem vida fixos em mim enquanto uma espada prateada estava cravada em seu peito.

Nathaniel estava ali.

Transtornado ele entrou na sala enquanto o corpo era arrastado deixando um rastro de sangue carmesim na minha frente.

O olhos como duas bolas de vidro refletiam meu pavor enquanto seus cabelos que tinham se soltado eram cobertos de sangue.

Me arrastei pra trás sentindo as barras frias da cama me segurarem enquanto ele se aproximava.

—M...monstro! Monstro ,monstro, monstro!

Minha voz ecoava pelas paredes enquanto Nathaniel caía de joelhos na minha frente.

A surra esgotava meu corpo,o terror tomava minha mente e o ar faltava no meu peito.

—N...não dá pra respirar…

Eu puxava a gola do vestido sentindo o tecido rasgar enquanto eu buscava ar. Tudo ficava nublado ao meu redor enquanto eu era levada pra maca.

Agulhas foram colocadas no meu braço,coisas coladas em mim enquanto os aparelhos apontavam frenéticos.

O rei e Nathaniel tinham sido levados de lá dizendo coisas que eu não entendia.

Uma máscara foi colocada no meu rosto e eu adormeci.

Os dias que se seguiram foram o inferno na terra.

Eu acordava aos gritos e queimando em febre enquanto me lembrava dos tapas,daqueles olhos frios,da espada,do sangue,dos olhos de vidro…

Por dias sem fim eu acordava em desespero e voltava a ser sedada.

Era a pior tortura que eu poderia receber.

Cada lembrança dela era tingida de  dor com as memórias daquela noite,cada vez que eu caía no abismo dos meus pesadelos ela estava ali coberta de sangue e me estapeando. A dor era lancinante.

—Se essa rua se essa rua fosse minha,eu mandava eu mandava ladrilhar…

Uma voz cantava baixinho enquanto me ninava com batidas no meu peito.

A dor perdia um pouco da forma enquanto eu ouvia a cantiga ecoar em meus ouvidos.

A boneca de porcelana veio a minha mente,o cheio de hortelã,o cabelo macio ,os olhos cor de céu iam tomando minha mente e enchendo meu peito enquanto eu abria os olhos.

A luz por alguns instantes me desorientou mas logo viu Nathaniel com a cabeça apoiada no colchão e sua mão marcando o ritmo no meu peito.

Ele estava ali

Quando o monstro veio pra me levar ele veio e o derrotou,quando os dias me sufocavam ele aparecia na porta pra mostrar seu mundo.

Mesmo quando o maltratei,mesmo quando fugi ele esteve ali.

Lágrimas caíam enquanto eu começava a soluçar.

Com a mudança ele levantou alarmado buscando sinais de perigo em volta.

Quando me viu chorar sua face se tingiu de preocupação enquanto ele acariciava meus cabelos.

—Hey,bom dia,como você está hoje?

Ele perguntou olhando em meus olhos,dando um passo pra trás.

Olhei em confusão enquanto ele me soltava e dava mais um passo pra trás abraçando seus ombros.

Eu me sentia perdida.

Tudo aquilo tinha acontecido e eu sabia que ele iria embora.

Quem iria ficar com alguém tão ruim quanto eu?

Meu peito começou a ficar pesado e a respiração difícil mesmo com a máscara presa ao meu rosto.

Nathaniel deu mais um passo em direção a porta e eu não pude conter o soluço e o choro magoado que vieram.

—Nat... Nathaniel não vai…

Meu sussurro saiu abafado enquanto ele corria até mim sem saber se deveria me tocar.

—Você não vai me querer aqui...sou um monstro …

Suas palavras murmuradas se encaixavam numa expressão magoada,seus olhos estavam frios e derramavam lágrimas silenciosas.

—Por favor...fica

Eu falava com muita dificuldade,meu corpo quase não respondia mas consegui estender minha mão pra ele,como se ele fosse um sonho e eu estivesse tentando capturar o ar.

—Eu não posso,você me acha um monstro.Eu matei uma pessoa...eu não consegui me controlar quando vi…

Suas palavras se soltavam no ar enquanto ele caía de joelhos segurando os cabelos.

Com o pouco de força que eu tinha,me pus em pé e me agarrei à cama decidida a ir até ele.

Mas meu corpo não concordou.

Minha coluna reclamava e minhas pernas cediam diante de mim.Caí de joelhos sentindo a carne ralar no chão frio.

Nathaniel gritou e correu até mim apoiando minha cabeça e pedindo por socorro.

Toquei seu rosto com as forças que tinha e limpei uma lágrima que corria.

—Você me salvou …

A enfermeira corria junto com o médico entrando no quarto e me colocando de volta na maca.

Os arranhões foram limpos,as agulhas saíram dos meus braços e Nathaniel estava ali ao pé da cama me olhando transtornado.

—Fica... Nathaniel fica…O monstro foi embora

Minhas palavras soavam baixas e desconexas enquanto ele suspirava aliviado e sentava-se na cadeira ao meu lado.

—Nathaniel fica -murmurei tentando segurar sua mão.

Ele tomou meus dedos e beijou cada um deles,seu sorriso entre as lágrimas iluminava meu coração.

—Eu fico meu amor,mas você não pode se agitar.

Depois de algumas horas em silêncio meu estômago roncou e a enfermeira entrou com uma cadeira de rodas.

—O médico acha que você já pode começar a sair daqui aos poucos.Sair pra comer com sua família vai ser bom.

Nathaniel sorriu e me levantou me tomando em seus braços.Me segurei ali sentindo seu cheiro e ele passou pela cadeira me levando pra fora.

Os criados me olhavam como se estivessem aliviados,sorrisos tímidos formavam uma fila que silenciosamente me recepcionava.

—Oh minha querida!

O rei correu até mim e quando percebi eu estava em seus braços num aperto quente com algo molhando meu rosto.

Olhei pra cima e ele tremia enquanto soluçava como se fosse se afogar nas próprias lágrimas.

Suas mãos ásperas tocavam meu rosto como se eu fosse quebrar,seus olhos me conferiam como se eu fosse evaporar dali.

—Minha filha perdão!Descobrimos tarde demais...Aquela mulher tinha se vendido ao reino inimigo ainda com você sob a guarda dela,agimos o mais rápido possível pra te tirar de lá e ela jurou lealdade a sua mãe.Eu idiota acreditei e permiti que ela falasse com você na esperança de que você ficasse mais feliz e quando...quando vi o que ela tinha feito…

O rei tinha seu rosto desfigurado em dor,seu corpo todo tremia e ele chorava copiosamente comigo nos braços.

Ele se importava de um jeito estranho mas se importava.

Os dois se importavam.

Abracei seu pescoço e repousei minha cabeça em seu peito,o que fez com que ele chorasse ainda mais.

Eu não queria pensar em nada, só queria que a dor fosse embora junto com os pesadelos.

—Nathaniel? - chamei estendendo minha mão.

Ele veio e o abraço do rei nos engoliu.

Pela primeira vez eu senti.

Eu me encaixava ali.Naquele abraço eu podia descansar.

Ele então tirou seu manto dos ombros e cobriu minhas costas.

Comigo no colo eles andaram falando da época de colheita,de uma casa de campo onde poderíamos ir e eu me peguei pensando em como seria bom.

Chegamos ao jardim e havia uma toalha branca estendida e coberta de comida .

Sentamos e Nathaniel me deu pequenos biscoitos em forma de flor cobertos com geleia.

—Eu tenho até a tarde com voces.O que vamos fazer?

Encarei o rei e ele parecia relaxado como nunca antes.

Eu estava sentada entre suas pernas e uma de suas mãos acariciava meu cabelo.

—Podemos levá-la ao haras pra conhecer os cavalos.

Nathaniel respondeu mordendo um sanduíche enorme de carne.Quando ri um pedaço de biscoito se prendeu na minha garganta me fazendo tossir.

Os dois se moviam alucinados.

Nathaniel vinha com um copo de suco enquanto ele apoiava minha cabeça e me fazia abrir a boca.

Engoli me sentindo aliviada e Nathaniel afastava os biscoitos de mim.

—Acho que são muito secos pra você amor -ele dizia enquanto secava minha boca.

Meus olhos se encheram de lágrimas enquanto ele me tomava nos braços.

—Obrigada

Agradeci acariciando seus cabelos.

Quando eu o soltei não pude deixar de arfar surpresa.

Meus braços estavam machucados,havia cortes,havia marcas roxas,pontos e uma infinidade de marcas de agulha.

“Você é horrível,me dá nojo”

Aquela voz cortou minha mente fazendo meu coração pesar.Abracei minhas pernas e chorei envergonhada.

—Princesa,por que está chorando amor?Tem algo doendo?

O rei vinha pra perto afagando minhas costas.

“Você deveria ter morrido, alguém inútil e tão feia quanto você me dá nojo”

Meu choro aumentou enquanto ele me puxava pros seus braços e Nataniel afagava minha bochecha.

—Eu sei que é muita coisa acontecendo de uma vez,eu sei que você ouviu coisas horríveis, mas não é verdade.Annie nós somos sua família, nós te amamos e vamos ficar sempre com você.Eu não te achei antes,mas eu juro que vou compensar cada dia.

O rei me embalava em seus braços e Nathaniel me olhava com culpa.

“Eu fui achado antes de você e não tem noção do quanto doeu."

As palavras dele me fizeram ficar confusa.Nathaniel se colocava inquieto enquanto o rei ficava rígido como pedra no lugar.

“Tramaram contra nós,queriam matar os herdeiros no meio de uma guerra.Mamãe soube antes e agiu te mandando pra longe com criadas da confiança dela,mas eu não tive o mesmo destino.Voce era só um bebê quando foi levada,eu tinha quase dez anos e por mais cinco eu fui sequestrado como prisioneiro pelo reino inimigo.

Fiquei cinco anos sem ver o sol,cinco anos comendo uma gosma nojenta mas tendo toda a esperança de que um dia iria sair dali pra cumprir a promessa que fiz a nossa mãe de te manter segura.

Um dia, quando houve uma troca de turnos um dos guardas deixou a porta aberta.Eu entrei em corredores horríveis nas masmorras mas consegui descer pelo esgoto até chegar a terra firme.

Me escondi numa carroça que seguia pro norte e quando foram revistá-la me acharam quase morto e queimando de febre.

Quando vi nosso pai ele já não era mais o mesmo, não sorria,estava sempre em reuniões e atrás de você.Foram mais quase dez anos até te encontrarmos e não houve momento mais feliz do que poder estar perto de você pela primeira vez.

Somos família Annie,estaremos aqui pra você ,pra cuidar de você,pra te fazer feliz,pra te vermos crescer finalmente.”

O rei não dizia uma só palavra, Nathaniel olhava pro horizonte engolindo seco enquanto minha cabeça processava todas as informações.

—Você é o melhor irmão que eu poderia ter.

Quando eu falei, Nathaniel despertou de seu estado e o rei chorava aos soluços,os braços dos dois me envolvendo.

Eu cabia ali.

Passamos o dia juntos e eles me mostravam tudo o que podiam se lembrar do castelo,me contavam histórias sobre eles,sobre minha mãe e sobre o reino.

Era fácil estar ali e enterrar os pesadelos.

Chegamos a um grande galpão todo de madeira e eu escutei o som de cavalos ali dentro.

—Esse é nosso haras.Vamos te mostrar os cavalos do nosso exército e os nossos.

O rei caminhava animado comigo e eu estava tranquila.

Até um monstro marrom vir na nossa direção.

Me agarrei ao pescoço do rei puxando sua camisa enquanto eu ouvia os trotes cada vez mais perto.

Quando olhei de novo,aquela coisa estava ali me olhando.

Mais alto que eu,com uma cabeça enorme e olhos pretos voltados pra mim.

—É muito maior dos que o que tinha na TV.

Os dois caíram na risada enquanto Nathaniel acariciava o focinho da criatura que o cheirava e batia seus cascos.

—Annie,esse é caramelo,o meu cavalo.Ele não vai comer você.

A criatura fungou e se aproximou cheirando minhas pernas,depois meu tronco e por fim minha cabeça.

Depois de minutos de tensão eu levei minha mão até a grande cabeça e ele ficou parado enquanto eu alisava sua crina macia.

—Ele gosta de você -o rei disse passando as mão no nariz de Caramelo.

Olhando bem ele parecia um cachorro gigante que ia nos seguindo enquanto caminhávamos até às baias cheias de cavalos de toda a cor .

—Aquele ali é do papai.

Nathaniel apontou e um cavalo ainda maior veio ao nosso encontro.

Era branco como marfim,tinha os olhos castanhos e a crina trançada.

—Esse é Ares,o meu cavalo

Engoli em seco enquanto o cavalo abaixava a cabeça na minha frente.

—Até os cavalos reconhecem a princesa.

David vinha montado num cavalo marrom com a crina preta trançada.

—Eles sabem quando vêem uma moça bonita na frente deles -Nathaniel disse acariciando o dorso de Ares.

Me agitei até que fosse colocada no chão e Nathaniel me apoiava pela cintura.

Andamos devagar enquanto eu tropeçava em meus próprios pés.Ao meu redor eu via cavalos marrons,uns manchados e por fim eu o vi.

Completamente preto,com pelos longos e brilhantes ele estava no canto mais afastado da baia.Seu olhar era feroz enquanto ele batia os cascos.

—Esse aí é um desafio.Júpiter nunca deixa ninguém chegar perto -David murmurou.

Um dos guardas veio até ele com uma cela na mão e eu não gostei do que vi.

O cavalo relinchava nervoso e batia seus cascos no chão dando coices pra todos os lados.

—Só Eleanor controlava esse cavalo -O rei murmurou enquanto acariciava Ares- vamos querida,acho que já tenho que voltar.

—Pare!

Até eu fiquei surpresa quando gritei com o guarda fazendo-o derrubar a cela.

O cavalo me ouviu e caminhou lentamente na minha direção.Nathaniel me pegou em seus braços enquanto a grande cabeça preta ficava pra fora da baia.

Ele então bateu nervosamente seus cascos no chão e ergueu sua cabeça cheirando o ar.

Toda a agitação tinha ido embora.Ele me olhava imóvel enquanto eu levava minha mão até sua cabeça.Desconfiado ele aceitou meu carinho até que começava a empurrar a cabeça contra minha mão e eu tocava sua crina embaraçada.

—Por que não cuidam dele? -Perguntei tentando desfazer um nó.

—Ele não deixa ninguém tocá-lo minha senhora -o guarda disse.

—Posso tentar?

Olhei pro rei enquanto ele pensava por um instante e se rendia pegando uma escova.

Peguei-a e comecei a passar com cuidado por seu pêlo soltando os nós da franja.

—Pode me colocar no chão?

Nathaniel exitou por alguns momentos até me soltar e eu me aproximar ainda mais do cavalo.Eu não alcançava sua crina comigo no chão.

—Você é grande demais -eu murmurei cruzando os braços.

Em instantes Júpiter deu um passo pra trás e se deitou no chão me olhando tranquilo.

O rei negava com a cabeça, Nathaniel parecia não acreditar no que via e David ria descontrolado.

—Ele nunca tinha feito isso - David disse

—Nunca pra vocês.Era assim que Eleanor o penteava.

A voz do rei estava embargada enquanto eu me aproximava da baia aberta e me abaixava cautelosamente até a grande cabeça.

Como um gato gigante ele forçava sua cabeça contra a escova a procura de carinho enquanto eu alisava seus nós.

Depois de meia hora eu me sentia cansada e ele brilhava novamente.

—Você é um bom menino - eu disse alisando sua crina macia

Tentei levantar mas minhas pernas falharam.Nathaniel veio até mim agitado e me pegou nos braços.

—Amanhã podemos voltar se quiser ,mas por hoje chega de agitação.

Fui levada em meio a histórias de como Júpiter tentava morder  os tratadores, que não deixava que ninguém tocasse nele exceto a rainha.

Dessa vez me levaram até o primeiro quarto onde fiquei e não até a enfermaria.

Jenna chorava lamentando o que aconteceu enquanto me dava banho ,me vestia,me fazia comer e me deitava na cama.

A noite caiu e eu estava ali sozinha.

Nada,nenhuma lembrança de hoje aplacava o silêncio ensurdecedor daquele lugar.

Até a música começar.

 

“Acorda, vem ver a lua
Que dorme na noite escura
Que surge tão bela e branca
Derramando doçura
Clara chama silente
Ardendo meu sonhar”

O som queimava meu peito e corroía minha mente feito ácido enquanto eu cobria minha orelhas.

Ela estava ali

Com o buraco feito pela espada,como vestido coberto de sangue e o olhar vidrado em mim ela ria repetindo tudo o que tinha me dito.

E os tapas voltavam a arder.

Ela sentou sobre mim e minha cabeça era jogada pros lados enquanto os tapas queimavam meu rosto.

Eu não conseguia gritar, só conseguia chorar em choque com o sangue que escorria do peito dela no meu vestido,com o cheiro enjoativo de um perfume de flores e aquele sorriso macabro.

O ar ia me faltando,o peito doía e minhas lágrimas corriam quentes  nos cortes que estavam começando a se fechar.

Tudo começava a ficar escuro e a noite me engolia.

—Acorda,querida acorda!Filha acorde agora!

Uma voz alta e forte ecoava pelo quarto, mãos trêmulas me chacoalhavam até que eu abrisse os olhos.

Em desespero eu me atirei nos braços do rei chorando apavorada,sentindo os cortes arderem e minha cabeça martelar.

—Calma, já passou,foi um pesadelo, já passou, papai está aqui com você agora.

Ele embalava nos braços me acalmando.

O rei cheirava a madeira de eucalipto,era quente e acolhedor.

Depois de muitas lágrimas meu corpo se acalmava com as batidas do coração daquele homem.

Ali ele não parecia mau, não parecia cruel e terrível como eu me lembrava.Sua voz era doce,seu cheiro era bom e quando o sol começava a nascer no horizonte eu estava quase adormecendo em seus braços.

Nathaniel apareceu e se deitou na minha cama depois de o rei vir e me deitar.

Segurei em sua camisa e ele suspirando se deitou e eu coloquei a cabeça em seu peito.

Enquanto o sol iluminava o quarto eu adormeci com a minha família.




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