- Não! Vão embora! – tentou me persuadir.

   Revirei os olhos. Queria lhe mandar calar a boca, mas estava chocada demais para isso.

   Porém, em um minuto ele estava do meu lado, e eu segurava sua capa, e no outro, havia desaparecido, como fumaça no vento.

   Fiquei estática, esperando o pior. Os guardas chegaram, e inspiraram profundamente.

- Mutante. – disse um deles.

- Sem dúvida! – disse o outro.

   Eles falavam como se estivessem em sincronia, e isso causava um arrepio desconfortável subindo pela coluna.

   Sabia que não deveríamos ter saído de casa!

   Estava tão avoada, que percebi que o homem falava comigo, somente quando Rubens me chacoalhou.

- Moça? Está tudo bem? A senhora parece meio verde. – ele disse com uma cara meio estranha, aparentando preocupação.

   Ah, se ele soubesse o que éramos, a única preocupação que teria, seria mirar na minha cabeça uma 38. E dizer: “Mãos na cabeça, mutante idiota!”.

   Apertei meu irmão, e ele reclamou.

- Estou bem. – forcei um sorriso murcho, com a intenção de espantá-lo.

   Pela primeira vez, olhei para o guarda, e constatei que seu rosto era muito familiar.

   Franzi o cenho e lhe perguntei sem temer algo, pela primeira vez.

- Nos conhecemos?

   Ele riu, e ficou meio encabulado.

- Hmm... Acho que não. Talvez no centro de treinamento?

   Porque diabos ele pensou que eu fosse capaz de entrar num centro de treinamento? Não seria capaz nem de ficar perto, quanto mais dentro!, pensei aturdida.

   Balancei a cabeça, negando.

- Talvez o bar do Joe?

   Franzi o cenho meticulosamente, expressando toda a minha confusão, mas então, lhe disse sorrindo falsamente.

- É, talvez seja do bar do Joe.

   Para constatar, eu não conhecia nenhum bar do Joe! Nem ao menos havia saído de casa esses meses que se passaram, com um medo tremendo de qualquer coisa que fosse acontecer! Mas menti. Menti para salvar nossas peles.

   O cara até que era meio gatinho. Tinha um cabelo castanho, se comparando aos olhos igualmente castanhos. A boca em uma linha reta, e o cabelo curto, recém-cortado, o dava um ar sexy de “não estou nem aí”.

   Respirei profundamente, e me obriguei a olhá-lo nos olhos.

- Camila.

   Ele parecia estar meio aéreo.

- Como?

- Meu nome. – disse sorrindo de lado, estendendo a mão.

   Ele sorriu, apertando de volta, deixando a mostra seus dentes brancos, e brilhantes. Acho que fiquei tempo demais o encarando, pois ele começou a ficar vermelho.

- Desculpe – disse recuando a mão suada. – Conhece aquele cara? – perguntei tentando tirar o peso de meu corpo e mente de alguma forma.

- Sim.

   Meu coração se remexeu no peito.

- Hmm... – disse como uma possível forma de calar todo meu desespero para saber mais.

- Ah, não posso te falar...

- Por favor, é que eu nunca tive a chance de conversar com alguém sobre... isso.

   Ele riu, me parecendo confuso. Talvez não entendesse meu propósito. De duas, uma: ou eu era uma ótima atriz – coisa que eu, particularmente, não estava sabendo da existência milagrosa -, ou ele era um ótimo ator. E eu achava que nenhuma das duas se encaixava. Talvez ele só fosse meio lerdinho mesmo.

- Eu quero aprender sobre eles. Como agir quando encontrar com eles. – disse tentando o persuadir.

   Pareceu ter algum resultado, já que ele enrubesceu, e sorriu de canto.

- Aonde podemos nos encontrar?

- No café do Joe?

- Bar... – ele me corrigiu, sem perder o ar de sua graça.

- Bar. Bar do Joe.

   Por dentro, eu estava me sentindo uma vadia. Estava persuadindo-o como se tivesse segundas intenções. Bom, se ele colaborasse, talvez pudéssemos trocar uns amassos atrás de um estacionamento qualquer. Mas só antes de me falar tudo. E depois eu o apagaria com um murro de quebrar o nariz.

   Seu sorriso deixou de ser tímido, e passou a ser voraz. Como se ele salivasse.

- Está combinado então. – disse à ele, que somente sorria, e acabava não falando nada.

   Meu irmão apertou minha perna, e eu o olhei. Ele ainda era muito novo para saber o que eu iria fazer para nos ajudar. Agora, a única coisa que eu teria que achar, era uma boa pensão, que pudesse nos abrigar por algum tempo.

   Afastei-me cada vez mais, desejando que ele não me chamasse de volta, mas parece que eu não posso ter momentos em paz.

- Camila? – chamou-me alto.

   Algumas pessoas olharam, mas logo voltaram a atenção para o “resgate” dramático do prefeito, que se contorcia em uma maca pequena demais para ele, fingindo que estava tendo um ataque. Era um babaca.

   Virei-me para ele, tentando colar na minha cara, uma máscara falsificada e rasgada de ânimo, que colocava todos os dias.

- Oi?

- Posso passar para pegar você mais tarde? – perguntou na esperança de poder realmente me pegar mais tarde.

   Claro, pode passar. Provavelmente estarei vagando por entre as ruas, procurando caixas de papelão pra reformar a casa!

- Hmm... Não. – disse meio constrangida pelo olhar que ele me lançou depois da resposta rápida.

   Ele riu, sem graça.

- P-porque? – o carinha que eu ainda não sabia o nome, disse.

   Tentei formar uma mentira rápida na minha cabeça.

- Meu irmão estará em casa. Não acho bom ele ver outras pessoas. Ainda mais morrendo de medo dos mutantes. – menti.

   Teria que sustentar essa mentira por algum tempo. Ou tempo suficiente para ele me revelar tudo e mais um pouco.

- Ok... – disse ele meio desolado.

- Eu consigo achar o lugar por minha conta – eu espero!

   Ele riu fracamente.

- Então, ok. Ah, ninguém poderá saber disso!

   Sorri.

- Juro que não!

   Ele se virou para ir embora, e então, me dei conta de que não havia perguntado a parte essencial.

- Ei! – gritei.

   Ele se virou com os olhos brilhando.

- Qual é o seu nome mesmo? – perguntei.

   Ele hesitou em dizer, como se fosse proibido, mas cedeu.

- É Adam.