Hidden escrita por jduarte


Capítulo 51
Vendada


Notas iniciais do capítulo

Hey, guys...
Resolvi postar novamente... E se tiver uma quantidade razoável de reviews, posto o próximo =)
Bjs



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   Minha mãe estava metida naquele seu famoso vestido de linho azul de época. Seu cabelo loiro claro estava preso em um coque no alto da cabeça, como praticamente todas as mulheres casadas e bem apresentáveis da região, mas o de minha mãe era mais desgrenhado como o de uma plebéia, mas não tão desgrenhado como uma sem-teto. Ele pendia para a direita, e isso a fazia parecer mais jovial, como se não bastasse ter seus 29, 30 anos.

   Meu irmão parecia um típico rapazote da época. Estava enfurnado em uma de suas calças marrons de algodão e linho, com a camisa suja de barro e terra. Escondido por trás de uma espessa boina, meu irmão admirava as vitrines de brinquedos de madeira, que custavam muito caro. Tão caro, que se ainda estivéssemos ali, custar-nos-iam os olhos da cara. Mais olhos do que cara, mas isso não importava realmente. Um dia, de tanto que meu irmão pediu, meu pai, um dos únicos homens da casa, levou meu irmão a uma dessas lojas, e fez questão de comprar um par de carrinhos da melhor qualidade.

   Já eu, estava praticamente enforcada com a gola alta do vestido de linho, algodão e contas, azul, que tinha a manga comprida. No dia mais calor do ano, e mesmo assim, mamãe disse que deveríamos ir vestidos como se fossemos gente fina. Meu vestido era tão azul quanto o céu que pairava sobre nossas cabeças, e aquecia o frio em nossos corações.

   Aquela época, a procura dos mutantes era tão pequena que, em quinhentas pessoas, cinco eram guardas, ou militares procurando por nós, aberrações.

   Diziam que eu era uma das meninas mais formosas de toda a cidade. Eu era cobiçada, doce e ingênua, mas aos olhos maldosos, eu era a aberração, a garota-anjo que conseguia espalhar o mal com poucas palavras, e que mal podia tocar nas pessoas. Sorte a minha de que, poucas pessoas se calaram com as ameaças de meu pai. Se não, já estaria na forca há muito tempo.

   Com apenas 12 anos, eu era conhecida por todos. Ia a festas com minha mãe e minhas tias, e lá estavam os vestidos claros de golas altas, que mal me deixavam respirar. Eu sentia como se uma presença, única, solitária e doce como baunilha, chamava-me para perto dele. Eu quase podia sentir o gosto do que tinha sua mente. Algodão doce. Um dia, um homem de voz grossa, com seu bigode enrolado, chapéu longo, e manta preta nos braços, veio propor um acordo com meu pai. Ele casar-me-ia com um de seus filhos, o mais novo mais especificamente, e em troca, lhe cederia metade de sua fazenda. Ofendido com tal acordo, meu pai sofreu um terrível trauma. Não deixava nem o entregador de jornal chegar perto de casa, que logo o enxotava com a espingarda.

   Alguns dias depois, passeávamos pelas ruas escurecidas pelo pó que ainda não se assentara, por causa de uma carroça e seu cavalo que haviam de passado por ali há pouco tempo. Ao contrário de meu irmão, que pedia tudo o que via pela frente, e ainda por cima com uma carinha angelicalmente diabólica, eu só ficava atrás, espiando-os e tocando as flores que continham um aroma adocicado, sentindo as pétalas macias e suaves em contato com meus dedos.

   Topei de frente com um garoto bem mais alto do que eu. Ele devia ter seus 14, 15 anos. Devo admitir secretamente, que o achei lindo. Digno de ser apreciado. A pele bronzeada, mas não tanto, o cabelo castanho claro, ou até mesmo loiro escuro, os olhos, apesar de estarem encobertos pela boina verde clara, eram de uma cor aproximada do verde da boina, só que muito mais brilhante, e muito mais verdadeiro. Quase como um verde esmeralda, mas muito, muito mais lapidado e polido. Eu quase podia ler sua mente, sentir seu coração, e ver no fundo de sua alma, um garoto alegre, mas muito resistente.

   Uma luz clara de cor azul bebê piscava no topo de sua cabeça. O garoto abaixou-se na banca de flores até alcançar com seus dedos, o galho de uma rosa azul, que eu tanto gostei. Ele beijou uma de suas pétalas e entregou-me, beijando carinhosamente minha bochecha e minha mão direita logo em seguida. Seus olhos pareciam refletir a luz que batia na rosa, e eles piscavam em azul para mim, mesmo sendo verdes como duas pedras preciosas.

   Senti o menino fraquejar quando outro adolescente – este devia ter mais de 17 anos – tocou seus ombros, de modo autoritário.

- Foster – sua voz era autoritária como eu imaginei, e rouca. -, vamos. Está na hora. Já descobriram. – avisou.

   O garoto de 17 anos tinha os cabelos cobre, mas alguns de seus fios eram tão vermelhos, que tive que me concentrar para não lançar a mão sobre ele e tocá-las para ver se não era lambidas pelo fogo. Sua pele, ao contrário do garoto mais novo, era branca como o leite que eu bebericava de manhã, e seu corpo era muito mais esguio, apesar de que o mais novo já batia em sua orelha, no quesito altura.

   O menino da rosa olhou para mim, como se tivesse visto a mais bela jóia, acariciou meus cabelos, e se aproximou sussurrando em meus ouvidos, para que só eu, e nenhum dos curiosos à nossa volta ouvissem.

- Até mais tarde. – sua voz teve tanto impacto em minha mente, como se o menino tivesse jogado uma pedra no topo de minha cabeça.

   Depois de alguns segundos do choque momentâneo, eu recobrei a consciência, mas quando o fui responder, ele já havia ido. Subia em uma carruagem adornada em ouro, e detalhada em prata, com alguns brasões desenhados, como se fossem uma marca registrada dele e de sua família. O garoto abanou a boina verde clara em minha direção antes de pular para dentro, e lançou-me um olhar melancólico.

   O que significava aquele “até mais tarde” afinal de contas? Eu nem ao menos o conhecia, e ele já provocara sensações de tipos e escalas diferentes em meu corpo.

- Camila, querida, o que faz ai fora feito uma múmia?- perguntou rindo. Mas seu riso foi substituído pela cara de desgosto quando olhou para a Sra. Darling entrando na loja de lâmpadas, vidros e artifícios fenomenais de cristal e porcelana. Bem, esse não era o lugar mais adequado para se trazer meu irmão. Um berro, só um, e tudo isso iria a baixo!

- Nada. – respondi andando de cabeça baixa, mas ainda espiando por onde a carruagem passara, até onde o final da estrada fazia uma curva perigosa. Uma série de pensamentos cruzou minha mente. E se eles tiverem caído na ribanceira? Pensava desesperada.

   Meu irmão olhava as novas coleções de carroças de vidro em miniatura, para seu quarto. Ele olhou-me segurando o objeto com tanto fervor, que, se não o conhecesse, diria que estava com medo que alguém o roubasse, mas não, era o medo de deixar cair e de nunca mais ter uma oportunidade tão bela e robusta como aquela.

- Posso? – perguntou sonhador para mim.

   Fiz-me de besta, e fiquei tentando resolver uma conta – inutilmente devo acrescentar – que era bem mirabolante. Ou não. Quanto é 800 dividido por 13. Essa era a conta ridícula que eu deveria fazer de cabeça para mostrar que não sabia do que ele falava.

- Hmm... Não adiantar pedir-mês, sabe que não sou sua mãe. – dei de ombros vendo uma xícara em forma de coração, pintada com tanta cautela, que parecia ser de coleção.

   Rubens mostrou-me a língua e sorriu satisfeito mirando nas costas de minha mãe que batia papo com sua odiadora.

- Mamãe, mamãezinha... – ouvi-o dizer.

   Minha mãe bufou olhando-o de cima a baixo.

- O que é Rubens? – indagou.

   Meu irmão lhe estendeu o brinquedo com tanto cuidado.

- Vê? É lindo, mamãe!

   Minha mãe fingiu nada ouvir, e apenas resmungou algumas palavras incoerentes.o

- E...

- E eu o quero! – disse meu irmão feliz com o sorriso que ia de orelha a orelha, e ainda amarrava no topo da cabeça.

   Mamãe quase furou os dedos com tanta força que apertou o objeto que segurava com tanta avidez.

- Não! – disse ela por fim.

- Mas, mãe eu n...

- Eu já lhe disse não!

   Meu irmão, como muito mimado, não aceitou o “não”, e deu vários berros contínuos, fazendo com que grande parte das coisas desmoronasse e se espatifarem ao chão. Minha mãe o repreendeu, puxando seus braços e sussurrando em seu ouvido:

- Já disse que aqui não!

   Os clientes permaneciam calados, pálidos e medrosos. Humanos, pensei.

    A realidade pareceu um choque tão grande de repente. Quanto tempo realmente se passara? 90 anos desde que nasci talvez? Então porque realmente parecia ter sido somente quinze anos? Minha memória não foi apagada, afinal, lembro de tudo que aconteceu comigo. Tudo mesmo.

   O mais doloroso de tudo, não foi lembrar de que era comprometida com 12 anos de idade, não, foi ouvir os passos de Bernardo atrás de mim. Eles não eram ritmados, apenas apressados.


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Notas finais do capítulo

Continua?