Ameno Dore escrita por MyKanon


Capítulo 1
I - Encontro




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Ameno

Ameniza

Dori me

Sinta minha dor

Interimo adapare

Absorve-me, Toma-me

Dori me

Sinta minha dor

Ameno ameno

Liberta-me, Liberta-me

Lantire Lantiremo

Descubra-me , Descubra meus sinais

Dori me

Sinta minha dor

Ameno

Liberta-me

Omenare imperavi

Suaviza (esta dor), conforta-me

Ameno

Liberta-me

Dimere dimere

Perceba, perceba

Mantiro Mantiremo

Mutilaram-me, Machucaram-me

Ameno

Liberta-me

Ameno

Liberta-me

Ameno dore

Liberta-me da dor

Ameno dori me

Ameniza minha dor

Ameno dori me

Ameniza minha dor

+

Não era um típico primeiro dia de aula.

Estava nublado, fechado, úmido, e os primeiros dias de aula costumavam ser quentes e secos.

+

Itacy ergueu a cabeça e fitou a construção imponente à sua frente. Era um prédio medieval, mas toda a modernidade e tecnologia que ele abrigava o fazia cair em contradição com seu estilo.

O relógio indicava sete e vinte da noite. Dentro de dez minutos o sino tocaria, alertando o início das aulas.

A franja escapou de trás de sua orelha, atrapalhando sua visão.

_ Maldição! Por que ela tinha de cortar tão curta? - praguejou contra a cabeleireira.

_ Falando sozinha Tacy?

_ Fran! - Itacy cumprimentou a amiga - Essas cabeleireiras... Vou começar a cortar sozinha! Olha o tamanho da minha franja!

A jovem virou-se completamente para a amiga, mostrando a franja que lhe tampava os olhos, mas não tinha comprimento suficiente para ser presa pela orelha.

_ Relaxa amiga. Tá lindo! - riu Francine.

Fazendo companhia uma à outra, adentraram o prédio.

+

_ É... Só faltam as gárgulas. - Enzo analisou o colégio com desalento.

A aparência austera do prédio era como um aviso de seu padrasto.

“Outra escola... Mais gente...” Pensou irritado ao caminhar para os pesados portões de ferro.

Colocou as mãos nos bolsos por estarem vazias. Fizera questão de não levar material. Com um pouco de sorte seria expulso, e quem sabe seu padrasto não desistisse de formá-lo?

Onde quer que ele estivesse.

+

_ Certo... Francine, já que está falando tanto, não gostaria de nos dizer sobre o eu-lírico da “cantiga de amigo” do trovadorismo?

A garota que conversava alegremente com seus amigos até alguns segundos atrás, imediatamente emudeceu, enquanto corava violentamente.

_ Eles eram... Líricos? - chutou.

A professora suspirou diante de resposta totalmente desprovida de cultura da aluna e preparou-se para relembrar a classe do assunto já tratado.

_ Parece que temos um quadro de amnésia coletiva, não é mesmo?

_ Professora, eu lembro! - Itacy rebateu quase ofendida.

Já não era surpresa para a professora que Itacy soubesse a resposta. Antes mesmo de ser autorizada, respondeu:

_ Eram femininos, porém, sempre escritos por homens.

_ Muito bem, Itacy. Talvez você devesse me ajudar com alguma monitoria aqui...

Não era a primeira vez que a aluna era convidada a dar monitorias no colégio, mas a sua repulsa pelo magistério nunca a permitira ocupar o cargo.

_ Desculpa, mas nem por decreto professora!

Alguns alunos riram de sua resposta, e a única reação da professora foi suspirar outra vez, derrotada.

+

Enzo sentou-se na última carteira da sala. Estava no terceiro andar.

O professor que entrou na sala era baixinho e tinha a voz fraca.

O rapaz até tentou concentrar-se no assunto tratado, mas o marasmo acabou por vencê-lo.

_ Ei, você é novo, não é?

_ Hum-hum. - confirmou murmurando.

_ Eu sou o Jonas.

_ Enzo.

_ Veio de onde?

Pensou numa grosseria, mas não teve coragem de ser tão duro com o simpático rapaz.

_ De outra cidade.

_ Bacana. Bem, precisando de alguma coisa, pode me chamar.

_ Valeu.

O moreno forte que acabara de se apresentar voltou-se para a frente, e Enzo tornou a divagar.

Da janela ao seu lado era possível ver uma classe no outro prédio. Parecia tão entediante quanto a sua.

Mas sua opinião mudou ao notar uma pequena movimentação.

Apenas uma garota ia e vinha pela sala. Estava a uns cinquenta metros de distância, mas conseguia vê-la com clareza.

Longos cabelos vermelhos esvoaçavam enquanto ela andava. Seu rosto tinha linhas bem definidas, e seus olhos eram de um azul cristalino.

A bonitinha parecia mais interessante que o velho professor. Apoiou o rosto numa das mãos e ficou a assisti-la.

Parecia hiperativa.

+

_ E não me perguntem mais nada! - Itacy irritou-se com os pedidos de auxílio – Fran, deixa eu sentar aí com você!

Empurrou a colega para o lado e sentou-se junto à amiga. Tirando uma lixa do bolso, começou a tratar das unhas.

_ Você só está lixando as unhas, qual o problema em dar uma força?

_ Existe um profissional habilitado que ganha para fazer isso.

_ Ok, sabemos, mas você podia fazer só pela amizade...

_ Quem disse que sou amiga de todos eles? - perguntou erguendo as sobrancelhas.

_ Deixa de ser mesquinha...

_ Com licença Fran, eu também tenho os meus exercícios para fazer!

Irritada, a jovem voltou para a sua carteira. Antes de chegar até ela, algo a fez parar.

A sensação de ser observada era impossível de se confundir. Ao redor, muitos a observavam, esperançosos por algum auxílio. Mas Itacy sabia que aquele não era o tipo de observação que sentia.

Vinha de fora.

+

Enzo aprumou-se na carteira. Os olhos infinitamente azuis de sua colega o fitavam. Como podia vê-lo daquela distância?

Ela se destacava facilmente na multidão, não era difícil enxergá-la com aquelas cores tão vivas, mas ele... Com traços tão soturnos e facilmente confundíveis com a noite...

Sustentou o olhar da jovem no outro prédio sem nenhuma emoção.

+

“É só mais um atrevido.”

_ Humpf. - Itacy resmungou e sentou-se em seu lugar.

Como se fosse automático, sua lapiseira deslizou pela folha respondendo a todas as questões. Quando terminou, permitiu-se perder em pensamentos.

Pensou no irmão mais novo, Eloy. Não parecia muito bem quando saíra de casa. Esperava que logo se recuperasse. Depois da aula, tinha ensaio com o balé da escola, não poderia vê-lo tão cedo...

_ Tacy... Você já terminou? - perguntou timidamente uma garota loira e pequena.

_ Hum-hum. - confirmou mau humorada.

_ Empresta pra mim?

Itacy bufou e entregou-lhe o caderno.

“Por que tem que ser assim?”

Eloy precisava tanto dos pais... Ela também precisava, mas não se comparava ao irmão. Ela era independente e decidida... Eloy era imaturo e fraco. Igual à mãe.

Sacudiu a cabeça. Não queria sentir pena dele. Ele precisava amadurecer. Era necessário agora que só tinham um ao outro.

+

_ Quer que eu te mostre a cantina?

Enzo foi pego de surpresa pela pergunta. Na realidade não queria a companhia de ninguém, mas seria bom conhecer as particularidades da escola nova.

Concordou com um aceno de cabeça.

Depois da garoa, a noite ficara gelada. Enzo acompanhou o passo do colega pelo pátio.

_ ...E a biblioteca fica para aquele lado. - Jonas continuava explicando a localização dos pontos mais importantes da escola.

_ Parece que agora estamos sem pianista... Aquele tonto tinha que quebrar os dedos, não é mesmo? - ralhou Itacy para a amiga.

“Então essa é a sua voz. E esse o seu cheiro.”

Enzo não conseguiu deixar de aspirar o perfume floral que seus cabelos deixaram no ar ao passar.

Instantaneamente todos silenciaram. Itacy interrompeu a conversa com a colega e o encarou. Continuou andando ao lado da amiga, mas seus olhos azuis permaneceram pregados nos olhos negros do desconhecido.

Enzo deixou-se perder na intensidade das safiras da colega enquanto ela se afastava rapidamente.

+

_ Tacy? Quem era? - perguntou Míriam ao afastarem-se o suficiente para não serem ouvidas.

_ Um idiota que estava me encarando do outro prédio. Deve ser novo.

_ Nossa, ele não para de te secar...

_ Devo dizer a ele que isso já não me surpreende mais?

Míriam riu da arrogância de Itacy. Já havia se acostumado ao comportamento orgulhoso de amiga, diferente de Francine que sempre se magoava com as suas farpas. Mas no fim sempre voltavam a se falar. Todas de uma forma ou de outra eram atraídas de volta para a amiga.

Itacy sentou-se ao lado da amiga numa das mesas da cantina e tirou um espelho da bolsa enquanto a aguardava fazer seu lanche.

Sorte não terem notado suas bochechas levemente coradas.

_ Servida Tacy? - perguntou Júlia, que estava comendo logo à sua frente.

_ Não. Hoje tem ensaio. Tenho que estar linda, leve e solta.

_ Sem pianista? - perguntou Francine que acabava de chegar à roda de amigas.

Itacy fechou o espelho com um estalido e a encarou com frieza.

_ Já ouviu falar de um aparelho que toca CD's? Acredita que a escola tem um?

_ Pensei que um pianista fosse necessário para acompanhar o ritmo-

_ Estamos providenciando, Francine. - cortou Itacy já sem encarará-la.

Francine encolheu os ombros, sem ânimo para discutir com a amiga.

Não entendia como em questão de meses Itacy se tornara a rainha da escola sendo tão mimada e irritante. Todos estavam cansados de saber, e ainda assim a cercavam como se fosse a última fonte de água em tempos apocalípticos.

“O que uma boa aparência não faz pela gente, hã...” Sempre pensava quando lhe surgiam tais questionamentos.

+

_ Vai querer o quê? - perguntou Jonas ao novo colega.

_ Vou pegar só uma água.

Enquanto Jonas fazia o pedido, Enzo examinou as mesas da cantina. Muitos alunos estavam reunidos, mas incrivelmente sem fazer barulho.

Quando seu colega lhe estendeu a garrafa de água mineral, sentaram-se numa mesa próxima à saída.

De onde estava, conseguia ver a jovem dos olhos azuis.

_ Quem é aquela? - perguntou apontando sem nenhum pudor para a garota.

Jonas virou-se para trás e em seguida voltou-se para sua posição.

_ Ih cara, nem queira saber...

_ Por quê?

Diante da convicção de Enzo, Jonas não viu alternativa a não ser lhe contar:

_ Itacy Camino é a presidente do clube social do colégio. Também foi eleita presidente do grêmio, mas renunciou. Uma gata, não podemos negar, mas seu gênio supera qualquer outro atributo.

_ Como ela foi eleita presidente do grêmio se não queria o cargo?

_ Reza a lenda que os meninos votaram nela para vê-la com mais frequência.

_ Digo, por que ela se candidatou?

_ Os melhores alunos viram candidatos automaticamente.

_ Hum... Então ela também é inteligente.

Gotas escorreram pela lateral da garrafa. Enzo brincou com a pequena poça que se formou na mesa.

_ Estranho né? - perguntou Jonas.

_ O quê? - Enzou levantou os olhos para ele.

_ Uma garota bonita ser inteligente.

Enzo estranhou. Era uma ideia um tanto machista para ser compartilhada com um recém conhecido.

_ Um pensamento bem inocente, o seu.

Jonas riu, Enzo desviou o olhar novamente para a garota.

+

_ Com certeza estão falando de você. - cochichou Míriam no ouvido de Itacy.

_ Eu sei.

Itacy não se incomodou em devolver o olhar do rapaz.

_ Ele é bem pegável, Tacy... Com aquela carinha de bandido...

_ Ele é um estúpido. Eu lhe daria um soco se estivéssemos a sós... Mas infelizmente temos muitas testemunhas.

_ Por quê essas coisas não acontecem comigo?

_ Nem queira saber.

_ Tenho certeza que aproveitaria melhor que você...

_ Ou melhor, ele se aproveitaria melhor de você. Abra os olhos, Míriam. Agora... Gente, quero saber quantos ingressos vocês conseguiram vender.

+

_ O que é esse clube social?

_ Tudo de fútil que você conseguir imaginar.

_ …

_ É um clube de interação com a sociedade. Tem danças, cursos, palestras... Tudo que o colégio pode oferecer para o exterior.

_ É bem a cara dela.

_ Mas é melhor eu te avisar... Vai ser muito difícil conseguir alguma coisa com ela. Nunca ficou com ninguém daqui do colégio. E não foi por falta de tentativa.

Enzo atentou para o afetamento do colega na última sentença.

_ Quer dizer que você faz parte dessa estatística?

Jonas corou, mas sua pele negra não permitiu que demonstrasse isso.

_ Foi logo que ela entrou. Ninguém imaginava que ela fosse um porre...

Um breve sorriso perpassou os lábios de Enzo, que logo voltou a ficar sério. Quem disse que queria alguma coisa com Itacy? Ela era apenas uma paisagem que gostou de apreciar...

Continua


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