Segredos Submersos escrita por lovegood


Capítulo 39
Pai e mãe; fé; recomeço


Notas iniciais do capítulo

Esse deve ter sido o capítulo que eu escrevi mais rapidamente (não em termos de quantidade de tempo entre a postagem de um capítulo e outro, mas o tempo que eu levei mesmo para digitar. Sei lá. Só sei que eu tinha aberto o meu documento da fic no Word e pensei: pqp, não tenho ideia do que escrever para esse capítulo. Aí eu comecei a digitar e ele veio inteiro em uma enxurrada. Enfim)
E eu escrevi ele - pelo menos a primeira seção do capítulo - ouvindo a música "Father and Mother", do Yann Tiersen, que no instante eu achei que combinou. Funcionou como uma trilha sonora, e enquanto eu escrevia pareceu me trazer até mais emoção, haha. Talvez tenha sido só eu que achei isso, não sei, já que ele é um dos meus artistas preferidos (o fato de ele ter composto as trilhas sonoras de dois dos meus filmes preferidos ever não ajuda). Se você quiser ouvir enquanto lê esse capítulo, ou simplesmente ouvi-la pelo simples fato de ser uma música linda, eu recomendaria. Tá aí o link.
https://www.youtube.com/watch?v=DveYGhdaBBQ



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Eu estava de volta à Siracusa. Comuna italiana presente na região da Sicília, banhada pelo Mar Jônico, lugar onde Poseidon – meu pai – se encontrava exilado, da última – e única – vez em que eu o vira, em um sonho.

Parada de pé sobre as calçadas de pedra da cidade histórica, contemplei o cenário ao meu redor e vi que estava completamente sozinha. Não havia qualquer pessoa ou sinal de vida por perto. As pequenas construções antigas e estreitas, vazias de tal modo, dava àquele lugar uma espécie de melancolia, aquela que você encontra apenas nos sonhos.

Não soube explicar exatamente o porquê, mas algo dentro de mim parecia errado. Não no sentido físico, mas em minha própria essência. Como se fosse minha alma, não o corpo, a doer.

Mais do que doer; minha alma estava exausta. Aquele tipo de exaustão no qual você sabe que um simples e revigorante cochilo não irá adiantar em nada; para que ele fosse embora, dava-me a vontade de deitar-me sobre o chão de pedra nessa cidade italiana vazia, fechar os olhos e simplesmente me esquecer de tudo. As coisas seriam mais fáceis assim.

Nem sempre o mais fácil é o melhor a se fazer, disse uma voz, ao longe. Não era a típica voz de minha consciência. Parecia vir em minha direção, mas não era como se ela houvesse sido dita em voz alta – parecia ter sido pronunciada apenas dentro de minha mente, como telepatia.

Olhei ao redor. Duas quadras à frente naquela rua estreita e levemente tortuosa da cidade de Siracusa – tão tipicamente europeia e histórica que parecia acentuar ainda mais a melancolia presente dentro deste meu sonho – estava um homem. Alto, imponente e com uma aura que parecia emanar poder e segurança, por mais que eu soubesse que um dia esse homem tivera muito mais poder. Poseidon.

Corri em sua direção. Não com pressa, não como nas últimas vezes em que eu estivera correndo (com minha vida dependendo que eu corresse), mas em passos preguiçosos, leves e lentos. Junto da exaustão, percebi, havia em mim a vontade extrema de alcançar um senso de paz. E era tanta coisa que estivera acontecendo... seria bom se eu pudesse ficar nesse lugar para sempre, sem precisar aceitar a realidade a qual uma hora eu teria de acordar

(Harry e Ron estão mortos)

e encarar de frente

(É provável que mortos não estejam, mas capturados pela própria Morte e possivelmente levados ao Mundo Inferior, o que era ainda pior).

E por isso eu corri. Corri em direção a Poseidon, ao máximo querendo adiar a dor que eu sabia que teria de aceitar ao acordar, e o abracei, o mais forte que pude, enlaçando meus braços ao redor de seus ombros largos.

A princípio houve uma certa relutância por parte dele, mas logo depois pude sentir seus braços contornarem minha cintura. Poseidon cheirava à praia: um odor levemente salgado e quente, incrivelmente receptivo e tão familiar – por mais que esta fosse a segunda vez em que eu o via em minha vida, e que a primeira vez também havia sido em um sonho – que eu não consegui conter as lágrimas.

Um soluço irrompeu de meus lábios e não tardou até eu sentir o rastro quente e salgado – como o mar, como Poseidon – das lágrimas descendo por meu rosto.

– Eles estão mortos? – perguntei com o queixo enterrado no ombro do meu pai, mais para mim do que para ele.

Poseidon soltou-me do abraço e encarou-me de frente. Não me respondeu.

– Não há como saber, não é? – voltei a perguntar. Ele assentiu, grave e silenciosamente. – Tânatos os capturou como recompensa do favor que nos irá prestar e portanto pode fazer qualquer coisa que desejar com eles.

Não consegui dizer seus nomes

(Harry James Potter, Ronald Bilius Weasley)

porque não conseguia imaginar tal situação. De tudo que havíamos passado, por mais mortais os perigos que havíamos enfrentado, a possibilidade de um dia pensar neles vagando pelo Mundo Inferior era inconcebível. Mesmo quando Hagrid aparecera carregando o corpo imóvel de Harry pelas ruínas de Hogwarts, mesmo naqueles cinco minutos intermináveis nos quais a possibilidade de Voldemort ter vencido parecia ter sido tão real.

Baixei os olhos para meus pés e fiquei a observar enquanto uma, duas, três lágrimas caíam por meu queixo e batiam na ponta de meus sapatos.

Uma das mãos de Poseidon – grande e com um toque muito mais suave do que eu teria imaginado – enlaçou a minha. Senti-me criança novamente, por um breve instante. Uma outra mão, que até então não estivera lá, muito menor que a de meu pai e também mais delicada e feminina (esse toque eu reconhecia, vindo de memórias de principalmente meus primeiros onze anos de vida) segurou meus outros dedos.

Levantei a cabeça, em um misto de admiração e surpresa, e encontrei os olhos de minha mãe, fitando-me ao lado do meu pai. Ao contrário de Poseidon, sabia que ela não estava lá em Siracusa; ela era apenas uma imagem onírica vinda de minha própria cabeça. Ainda assim, fiquei grata por sua presença, por mais efêmera que pudesse ser. Até então eu nunca havia parado para pensar em Poseidon junto de minha mãe, mas ali, vendo os dois um ao lado do outro, a imagem era tão incrivelmente... verdadeira. Os dois haviam se amado profundamente um dia e eu nunca pensara nisso.

Outro soluço irrompeu de minha boca. O aperto de minha mãe se intensificou, e eu sorri.

Pelos deuses, pensei. Qual foi a última vez que mamãe viu Harry e Ron? Ter tal coisa correndo por minha mente pareceu fazer a exaustão em meu corpo triplicar.

Mamãe levou minha mão aos lábios. O toque de sua boca contra minha pele foi tão nítido e carinhoso que fez-me estremecer, porque eu sabia que naquele instante ela não era real, mas apenas um fragmento de minha imaginação. E eu queria que ela estivesse de fato ali, queria novamente sua proteção, queria novamente voltar para casa e que ela afagasse meus cabelos e eu descobrisse que tudo, tudo, não houvesse passado de um sonho; Harry e Ron estariam logo me mandando cartas perguntando quando eu iria voltar para A Toca, e eu não fosse a porra de uma semideusa – ou que, pelo menos, eu não descobrisse que era. Tudo seria poupado, todos estariam felizes.

(Mas, ali nas ruas desertas de Siracusa, ela não era real. Apenas eu e Poseidon. E eu deveria libertá-lo, e ainda haveria um caminho gigante a ser seguido.

Destino?)

– Sua missão já chegou ao fim – disse minha mãe. – Pelo menos parte dela. E outra está para começar.

Assenti. Eu sabia disso, pude sentir tal coisa subindo por meu peito, muito antes das Queres nos atacarem na funerária ou Tânatos capturar Harry e Ron como forma de pagamento. Eu sabia – e só agora percebi de fato – disso desde que sonhara com Rachel e Morfeu na praia, onde ela repetira as palavras do Oráculo

(Pela Morte, dois irão partir para a fúria dos Deuses poderem impedir)

e ele assoprara areia em meus olhos, controlando-me, brincando e zombando com minha cara.

– Eu sei – falei.

E, de modo tão repentino como um sonho sempre começa, os prédios e a calçada de pedra e o rosto dos meus pais e tudo ao meu redor se dissolveu em uma massa desconexa da realidade.


A massa desconexa da realidade na qual meu sonho havia terminado se desdobrou e formou um outro cenário, abrindo-se ao meu redor.

Era a mesma praia do meu sonho com Rachel e Morfeu, enquanto este controlava os sonhos e momentos de inconsciência meus e de meus amigos (incluindo Harry e Ron, minha mente gritou).

O mar estava calmo; as ondas que quebravam na areia lambiam meus pés e os abandonavam com um baixo e periódico ruído que dava-me, novamente, vontade de deitar no chão e esquecer tudo. O Mar da Fé, pensei no poema que Percy me mostrara na livraria, antigamente era enorme e nas margens de toda a terra estendia-se como as dobras ondulantes de um lenço brilhante. Mas agora o Olimpo se desestabilizava, os titãs se reerguiam, meus melhores amigos haviam ido para a clareira no fim do caminho, e toda a Fé que um dia aparentava existir parecia estar se extinguindo.

Está mais para Mar do Desespero, a voz de minha consciência assoprou em meu ouvido.

Acha que eu não sei?, retorqui em minha mente.

Mas, agora! – uma voz ao meu lado exclamou, sobressaltando-me. Só então que eu percebi a pessoa que ali estava; um homem caucasiano de quarenta anos, olhos azuis, barba para fazer e com o punho fechado ao lado do corpo. Eu sabia que se ele abrisse a mão, eu veria areia. Morfeu, Sandman, o que fosse. Só sei que tive vontade de cuspir em seu rosto. – Ouço apenas seu longo e melancólico rugido que recua e se retira ao sopro do vento noturno, pelas vastas margens lúgubres e seixos desnudados do mundo.

Só então percebi que ele recitava a estrofe do poema que eu acabara de pensar, como se houvesse lido o que se passava por minha cabeça.

– Sabe que é isso mesmo que irá acontecer, não é, senhorita Granger? – disse Morfeu, sorrindo de canto. Sua voz era mais profunda do que eu imaginara. Pelo breve instante que tive coragem de encará-lo, pude ver de relance em seus olhos azuis sua outra face. O negro careca. – O Mar da Fé, tudo que antes você via como o digno e justo mundo, deixará de se estender pela terra da forma que você sempre apreciou. Em seu lugar, apenas terá de se contentar com o seu rugido, que se retira e recua ao sopro do vento noturno. Graças a mim. Graças a ele. Nós seríamos o vento noturno, caso você não tenha reparado a referência.

Sabia que Morfeu se referia a Pallas. Ainda assim, não pude evitar pensar que o Homem de Areia era um tanto egocêntrico.

– Qual a razão de tudo isso? – perguntei repentinamente. Esperava que Morfeu respondesse. – Sei que está ao lado de Pallas e até entendo as razões dele, todo o negócio de querer acabar com os Olimpianos para ganhar mais poder. Mas por que você está em tudo isso?

Morfeu deu de ombros.

– Entre todas as batalhas do mundo – disse ele –, entre todas as batalhas que já presenciei, e foram muitas, essa é apenas mais uma. E são as “apenas mais uma” que geralmente definem o curso da história. Não é nada pessoal, senhorita Granger. É simplesmente uma questão de escolher um lado; todos têm de fazer isso, não é?

– É – murmurei. – Acho que sim.

Morfeu mudou de assunto:

– Pallas ficará contente em saber das boas novas de seu grupo.


O sonho outra vez se dissolveu, mas agora meus olhos abriram, despertados pelos primeiros raios de sol da manhã que entravam pela janela. A primeira coisa que eles fitaram foi o teto de madeira. Dominada pelo sono, a princípio minha mente pareceu nebulosa e confusa, por uma fração de segundo sem saber onde eu estava ou como chegara naquela cama. Assim que eu me apoiei nos cotovelos, porém, tudo voltou – aquele era novamente o Acampamento Meio-Sangue, chalé de Poseidon. Voltáramos de Baltimore havia três dias.

(Três dias sem Harry e Ron)

Sequei as lágrimas que até então eu não havia percebido que haviam caído durante o sono. Sentei-me e inconscientemente minha mente começou a vagar, desde o relembrar dos sonhos que eu acabara de ter como também os outros sonhos que me atormentavam desde os dias anteriores. Sim, havíamos voltado de Baltimore, e sim, a missão já estava concluída (fora o que todos disseram, incluindo Quíron, incluindo eu mesma em certos momentos); a própria profecia, Rachel explicara, havia sido completada.

Só então eu parei para refletir o quão vaga ela era – sete jovens haviam se arriscado, nas minhas mãos os laços entre os bruxos e olimpianos renasceram, e Harry e Ron foram capturados por Tânatos – mas e daí? Seguimos o rumo predestinado pelo Oráculo, mas a qual preço? Em nada havíamos resolvido, Poseidon ainda estava exilado, Pallas se reerguia com a ajuda de Morfeu e só havíamos falado com Apolo e Héstia.

– Profecias vagas como essa geralmente são assim – disse Rachel, quando eu falara com ela assim que havíamos chegado. – Há sempre a ideia de incerteza. Na maioria dos casos, Hermione, elas servem mais como uma... premonição. De que o destino reserva algo ainda maior e muito provavelmente que marcará a história. Não sei bem dizer.

Eu havia suspirado. Não havia a necessidade de dizer que o que Rachel conversara comigo não parecia me ajudar nem um pouco.


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